ARTIGO ORIGINAL
Disfunções do assoalho
pélvico em pacientes de um projeto de responsabilidade social em Fortaleza/CE:
um estudo retrospectivo de 14 anos
Pelvic floor disorders in patients of a social responsibility project in
Fortaleza/CE: a retrospective study of 14 years
Alaiza de Sá Damasceno*,
Márcia da Conceição de Souza*, Francisco Fleury Uchoa Santos-Júnior*
*Curso de Fisioterapia,
Centro Universitário Estácio do Ceará, Fortaleza/CE, Brasil
Recebido em 11 de
novembro de 2019; aceito em 20 de junho de 2020.
Correspondência: Francisco Fleury
Uchoa Santos Junior, Rua Eliseu Uchoa Becco, 600
Água Fria 60810-270 Fortaleza CE
Alaiza de Sá Damasceno:
alaizadamasceno@gmail.com
Márcia da Conceição de
Souza: fisio.marciasouza@gmail.com
Francisco Fleury Uchoa
Santos Junior: drfleuryjr@gmail.com
Resumo
Introdução: A pelve é formada
pela junção de dois ossos ilíacos, sacro e cóccix, localizados na parte
inferior do tronco formando uma estrutura que une os músculos, tecidos e
ligamentos e tem como desígnio proteger os órgãos internos. Quando ocorre uma
desordem dessas estruturas chamamos de disfunções do assoalho pélvico. O
objetivo do presente estudo foi analisar prevalência das disfunções do assoalho
pélvico (DAP) em pacientes atendidos em um projeto de responsabilidade social
em Fortaleza/CE. Métodos: A pesquisa foi desenvolvida em uma abordagem
retrospectiva e documental. A amostra foi constituída por todos os prontuários
ao longo dos últimos 14 anos, compondo 83 prontuários. Resultados:
Através do estudo, pode-se evidenciar que a Incontinência Urinária (IU) é a
disfunção com a maior prevalência (80,7%) atingindo em sua grande maioria o
público feminino (62%), no público masculino a disfunção predominante é a IU
por prostatectomia (36%). Em seguida temos o destaque
para a bexiga hiperativa com cerca de 14,4%, também mais presente em mulheres.
Além disso, foi vista associação entre a IU e a prostatectomia
(p=0,0129), os pacientes que realizaram a prostatectomia
eram 10 vezes mais propensos a apresentarem IU (OR= 10,67; 95%IC: 1,529-51,96).
Conclusão: O presente estudo identificou que existe um maior predomínio
das DAP no sexo feminino, com destaque para a IU de esforço, já no masculino
existe uma prevalência maior em IU relacionada a prostatectomia.
Palavras-chave: disfunções, assoalho
pélvico, Fisioterapia.
Abstract
Introduction: A pelvis is formed by the junction of two bones, sacrum and coccyx
located in the lower part of the trunk, forming a structure that is the union
of the muscles, tissues and ligaments and is designed to protect the internal
organs. When disorders of these structures occur, it is called pelvic floor
dysfunctions (PFD). The aim of the present study was to analyze the prevalence
of pelvic floor dysfunctions in patients of a social responsibility project in
Fortaleza/CE. Methods: A research was developed in a retrospective and
documentary approach. The sample consisted of all medical records over the last
14 years, comprising 83 medical records. Results: Through the study, we
can demonstrate that Urinary Incontinence (UI) is a dysfunction with a higher
prevalence (80.7%) reaching its majority of the female patients (62%). In
addition, in male patients, the predominant dysfunction is UI due to
prostatectomy (36%). Then, we highlight a hyperactive bladder with about 14.4%,
also more evident in women. Furthermore, an association was observed between UI
and prostatectomy (p = 0.0129), in which patients who underwent prostatectomy
were 10 times more likely to have UI (OR = 10.67; 95% CI: 1.529-51.96) Conclusion:
The present study identified that there is a greater predominance of PFD in
females, with emphasis on stress UI, since males are more prevalent in
prostatectomy UI.
Keywords: dysfunctions, floor pelvic, Physical therapy.
As disfunções do
assoalho pélvico ocorrem por diversos fatores comportamentais, hábitos
alimentares, multiparidade, obesidade dentre outras
comorbidades que levam ao desequilíbrio na musculatura causando várias
alterações [1]. A incontinência urinária (IU) é um caso de Saúde Pública que
atinge grande parte do público feminino. Já no público masculino sua incidência
é maior quando associada à prostatectomia. Seus
fatores são: contração inadequada do detrusor na fase miccional e instabilidade
dos esfíncteres [2-4]. A IU atinge mais de 200 milhões e tem uma prevalência de
14% a 57% em mulheres de 20 a 89 anos [5,6]. No tratamento da IU o Treinamento
da Musculatura do Assoalho Pélvico (TMAP) atua principalmente durante a
contração da musculatura [7]. O TMAP fortalece e melhora o controle sobre a
perda da urina e ajuda no controle das contrações dos músculos do assoalho pélvico
[8,9].
A incontinência anal
(IA) e/ou fecal é definida como a perda involuntária de fezes ou flatos,
atingindo diversas faixas etárias [10]. Seus fatores estão relacionados com o
sexo feminino, idade avançada e multiparidade [11]. É
considerada uma morbidade física, visto que ela impede o indivíduo de se
socializar [12]. Quintão afirma que é importante que os cuidadores de pessoas
idosas e o próprio paciente tenha conhecimento adequado sobre a patologia. O
tratamento da IA e/ou fecal pode ser realizado através do método Pilates, porém
ainda é uma técnica que precisa de mais estudos sobre sua eficácia [13,14].
Outro recurso que tem sido utilizado é o biofeedback,
cujo principal objetivo é a interação do paciente [15]. Enfim, a fisioterapia na IA e fecal consiste em TMAP em especial dos músculos:
esfíncter anal externo e elevador do ânus [16].
O prolapso de órgão
pélvico (POP) é definido quando ocorre o deslocamento dos órgãos pélvicos [17].
Horst afirma que o POP tem a seguinte nomenclatura: histerocele,
cistocele, enterocele e
retocele. O POP pode ser tratado por diversas técnicas fisioterapêuticas como:
TMAP, uso do biofeedback, assim como a utilização de
estímulos elétricos e remodelação dos músculos do assoalho pélvico (MAP) e
cones vaginais. O diafragma pélvico é composto por fibras do tipo I que são
designadas para contração prolongadas, e fibras do tipo II são responsáveis
pela contração rápida. O método do Mat Pilates tem
demonstrado uma melhora na resposta motora de fibras tipo I e II [18-20].
A bexiga hiperativa é
uma síndrome caracterizada pela urgência miccional, aumento da frequência
urinária e por contrações involuntárias do músculo detrusor. Prevalente mais no
sexo feminino e podem apresentar-se com noctúria. Sua
etiologia é idiopática e sua prevalência no Brasil é de 18,9% [10,21-22].
As disfunções sexuais
(DS) são problemas multidimensionais, que além das alterações fisiológicas que
ocorrem durante o envelhecimento tem o surgimento de doenças crônicas, que
diminui o interesse sexual e limita a sua prática. Atualmente a prática sexual
tem sido discutida. Na mulher as causas estão relacionadas com aspecto físico,
psicossocial, dentre outros [23-26]. Nas DS trabalha-se com fortalecimento da
MAP e os recursos e técnicas que podem ser aplicados são: cinesioterapia,
eletroestimulação, biofeedback, cones vaginais e
terapia manual [27,28].
A Responsabilidade
Social (RS) é um dos eixos das dez dimensões de avaliação de uma instituição de
ensino superior (IES) segundo a legislação. RS deve ser uma ligação entre a
educação, vida profissional e prática social [29]. Portanto, o objetivo deste
trabalho foi analisar a prevalência das disfunções do assoalho pélvico
atendidos em um projeto de responsabilidade social em Fortaleza/CE.
A pesquisa foi
desenvolvida em uma abordagem retrospectiva, documental, quantitativa e
descritiva, utilizando análise de prontuários [30]. O presente estudo foi
desenvolvido em um projeto de responsabilidade social voltado ao atendimento de
disfunções do sistema genito-urinário de um Centro
Universitário do Estado do Ceará e realizado no período de março a maio de
2019, mediante aprovação do comitê de ética do Centro Universitário Estácio do
Ceará, N° 3.265.482/2019. Foram incluídos os prontuários completamente
preenchidos e acompanhados pelo projeto por, no mínimo, um mês. Foram excluídos
prontuários inelegíveis, sem data da primeira avaliação e prontuários sem
possíveis diagnósticos. Após realizados os critérios de inclusão e exclusão a
amostra ficou definida com 83 prontuários, sendo 55 femininos e 28 masculinos.
Os prontuários foram
lidos, interpretados e selecionados de acordo com os critérios de inclusão e
separados por idade. A interpretação dos documentos foi realizada por dois
pesquisadores e observou-se as discrepâncias entre os sexos, disfunções,
etiologias e tratamento obtido no projeto de responsabilidade social. Todas as
tabelas foram criadas de forma descritiva, visando a porcentagem de cada item
para uma comparação de cada resultado encontrado.
Esses dados foram
inseridos no Microsoft Excel®, destacando as prevalências de cada patologia e
como elas afetam a vida social do indivíduo. Os dados coletados também foram
analisados através do teste exato de Fisher, da Odds Ratio (OR) e do teste estatístico Qui-Quadrado
(Chi-Square Test), no software GraphPad Prism 8.0 for
Windows, e expressos em frequência absoluta e percentual e a OR em 95% do
Intervalo de Confiança (IC).
Na tabela I foi
evidenciada a prevalência das disfunções do assoalho pélvico (DAP), maior em
mulheres, representando 66% da nossa amostra. Esses achados podem referir-se a
maior procura do sexo feminino a atendimentos especializados para seus cuidados
de saúde. Foi evidenciado ainda que a faixa etária média no sexo feminino foi
de 41 a 50 anos (36,4%) e homens foi de 61 a 70 anos (35,7%). Em relação ao
estado civil, foi identificado que as DAPs são mais
predominantes em pessoas casadas, ambos os sexos, o que pode influenciar na
vida sexual do paciente.
Tabela I – Perfil
sociodemográfico, N=83.
Na tabela II,
observa-se que a disfunção com maior predomínio é a incontinência urinária,
seja ela de esforço, urgência ou mista, presente em 67 pacientes (80,7%) de
ambos os sexos. Classificando os tipos de incontinências, podemos identificar
que a incontinência urinária de esforço (IUE) é mais prevalente na amostra
feminina (67,5%), já na amostra masculina, observa-se uma maior predominância
da incontinência urinária por prostatectomia (36%).
Tabela II - Diagnósticos dos
pacientes relativo a incontinência e outras queixas
identificas no projeto RS, n=83.
Na tabela III, sobre os
antecedentes pessoais, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) estava presente
em 38 pacientes (14,1%), seguidas por constipação em 26 (9,7%) dos pacientes.
Nos antecedentes uroginecológicos e gineco-obstétrico foi percebido que se tratando de
procedimentos cirúrgicos 24 (29,9%) mulheres afirmaram terem realizado cesárea,
seguido por 12 (14,8%) que realizaram histerectomia, já na população masculina
19 (23,4%) afirmaram terem realizado prostatectomia
radical. Foi verificado que a maior predominância é de mulheres (65%) que
tiveram a sua menarca antes dos 15 anos de idade, foi notado também que 18
(33%) mulheres que participavam do projeto não tinham nem passado pelo período
de climatério/menopausa, e que as mulheres entraram na menopausa na faixa
etária média de 51 a 55 anos (23,6%).
Tabela III – Comorbidades dos
pacientes, n= 83.
Na tabela IV o
tratamento fisioterapêutico mais empregado nos atendimentos do projeto foi
a eletroestimulação com 79 (38,7%), seguida pela cinesioterapia 65 (31,5%).
Tabela IV – Condutas mais
utilizadas, n= 83.
Na Tabela V, analisa-se
a associação entre os pacientes com prostatectomia e
IU. Os pacientes que realizaram o procedimento de prostatectomia
54,14% referiram ter IU, no entanto apenas 10,71% da população prostatectomizada negaram surgimento IU após a cirurgia. Já
dos pacientes que não realizaram o procedimento apenas 10,71% adquiriu IU e
21,43% deles afirmaram não apresentar IU. De modo que foi vista associação
entre a IU e a prostatectomia (p=0,0129), na qual os
pacientes que realizaram a prostatectomia eram 10
vezes mais propensos a apresentarem IU (OR= 10,67; 95%IC: 1,529-51,96).
Tabela V - Associação
entre números de usuários com prostatectomia e IU.
Teste c²
- p = 0,0129 (OR 10,67; 95%IC: 1,529- 51,96)
Nota-se que no presente
estudo houve uma associação importante entre indivíduos com prostatectomia
e incontinência urinária, assim como uma caracterização relevante da prostatectomia como possível preditor de IU, o que
corrobora pesquisa de Saud [31] que realizou uma
revisão sistemática e percebeu que existe uma incidência maior em pacientes que
realizam o procedimento. Esse dado mostra-se relevante, em função da abertura
de políticas públicas que envolvam a saúde do homem nas diferentes esferas
governamentais nos últimos anos. Esta vem ganhando notoriedade, em função de
uma maior divulgação e exploração dos dados (sejam eles de sistemas de
informações epidemiológicas ou das produções científicas em geral), o que
impulsiona o desenvolvimento de estratégias públicas direcionadas para esta
população.
No presente estudo foi
possível constatar que a IU é a disfunção com maior predomínio em ambos os
sexos, sendo mais comum no sexo feminino, seguindo na mesma direção de um
estudo prévio [11], que avaliou uma amostra de 125 pessoas, de ambos os sexos,
confirmando também que a IU tem um surgimento maior no sexo feminino.
Constatou-se também que a maioria dos indivíduos com DAP do projeto se
declararam casados em ambos os sexos, diferentemente do estudo de Carneiro [32]
que analisou 686 indivíduos, e, dentre os participantes, a maioria dos homens
se declararam casados e das mulheres viúvas.
Evidenciamos que existe
uma predominância de indivíduos que tenham HAS seguida de constipação, o que
coincide também no estudo de Naves [33] que observou uma população de 42
mulheres e 50% dessa população apresentou HAS como comorbidade, seguida pelo
diabetes mellitus.
Por outro lado, quanto
a realização de procedimentos femininos relacionados à região pélvica, houve um
predomínio de mulheres que não realizaram o procedimento de episiotomia,
concordando assim com o estudo de Alves [34] que analisou 16 mulheres e
identificou que a maioria da sua amostra também não havia realizado o
procedimento, porém as mesmas apresentavam sinais e sintomas de IU.
Já com relação aos
tratamentos mais utilizados no projeto, estes foram a eletroestimulação seguida
pela cinesioterapia, o que corrobora o estudo de Maia [35] que em uma revisão
sistemática puderam evidenciar que a fisioterapia tem evoluído na atuação do
fortalecimento do assoalho pélvico, alcançando bons resultados por meio da
eletroestimulação e da cinesioterapia.
Durante a coleta de
dados, foram identificados alguns desafios e dificuldades em relação ao
diagnóstico médico na ficha de avaliação, bem como algumas datas importantes
que não estavam descritas como: menarca e menopausa, que podem inferir questões
importantes para a paciente. Verificou-se que houve uma grande quantidade de
pacientes que não realizou o tratamento pelo período mínimo de um (1) mês, o
que implica em baixa adesão terapêutica. Por outro lado, observou-se uma
relação importante, entre dados coletados em indivíduos do sexo masculino, o
que favorece respostas direcionadas a saúde do homem, haja vista que este tipo
de serviço tem amplo predomínio de atenção à saúde da mulher.
Futuras pesquisas devem
investigar melhor a relação entre HAS e IU, por meio da interface do Sistema
Nervoso Autônomo, da qualidade do sono e da quantificação do nível de estresse
das avaliadas, possivelmente envolvendo até análises bioquímicas, uma vez que
outros sintomas foram citados de forma importante, como constipação e
depressão.
O presente estudo
identificou que existe um maior predomínio das DAP no sexo feminino. A IU é a
DAP mais prevalente nos indivíduos frequentadores do projeto de
responsabilidade social. A IUE tem maior predomínio no público feminino, já no
masculino existe uma prevalência maior em IU relacionada a prostatectomia.
O tratamento mais utilizado no projeto foi eletroestimulação e cinesioterapia o
que continua sendo bastante utilizado atualmente.