ARTIGO ORIGINAL
A
fisioterapia no
pós-operatório de revascularização do
miocárdio: reflexões sobre a reabilitação
no enfoque da integralidade em saúde
Physical
therapy in postoperative period after myocardial revascularization: comments
about the rehabilitation with the focus of health integrality
Beatriz Rodrigues de Almeida*, Paulo Vitor
de Souza Sassim*, Gabrielli
Andreza Gomes Carrera*, Bruna Figueiró Martins*, Ana Cristina Vidigal Soeiro, D.Sc.**
*Discentes do Curso de
Fisioterapia, Universidade do Estado do Pará (UEPA), **Psicóloga, Docente do
Curso de Fisioterapia da Universidade do Estado do Pará (UEPA)
Recebido em 30 de setembro de 2019; aceito
em 22 de janeiro de 2020.
Correspondência:
Beatriz Rodrigues de Almeida, Alameda Cecília, 09A Icuí-Guajará
67125-250 Ananindeua PA
Beatriz Rodrigues de Almeida:
b-beatrizalmeida@hotmail.com
Paulo Vitor de Souza Sassim:
paulosassim@gmail.com;
Gabrielli
Andreza Gomes Carrera: carrerafisio@hotmail.com
Bruna Figueiró Martins:
brunafm00@gmail.com
Ana Cristina Vidigal Soeiro:
acsoeiro1@gmail.com
Resumo
Introdução: A
cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) é um procedimento recomendado
para pacientes com estreitamentos ou bloqueios importantes das artérias
coronárias. No pós-operatório, a fisioterapia cardiorrespiratória é parte
essencial no processo de reabilitação, pois objetiva reestabelecer a condição
física, psíquica e social, favorecendo a retomada das atividades cotidianas de
modo ativo e participativo. Objetivo: Identificar as repercussões
biopsicossociais da CRM e discutir as contribuições da Fisioterapia no contexto
da reabilitação, com enfoque na integralidade das ações. Métodos: Estudo
exploratório e descritivo, realizado com 10 pacientes em atendimento
fisioterapêutico cardiorrespiratório. A coleta de dados foi realizada com uso
de questionário semiestruturado, projetado para responder aos objetivos da
pesquisa. Resultados: A maioria dos participantes tinha fatores de risco
para cardiopatias e realizaram CRM há mais de 2 meses. De modo geral, as
limitações decorrentes da cirurgia impactam nas atividades cotidianas e
ocupacionais, com repercussões psicológicas importantes que precisam ser
valorizadas e acolhidas pela equipe de saúde. Mesmo descrevendo várias
limitações associadas ao período posterior à cirurgia, todos os participantes
avaliaram a fisioterapia como importante para a melhora da qualidade de vida. Conclusão:
A atuação da fisioterapia na reabilitação pós-cirúrgica deve priorizar uma
abordagem que contemple a integralidade como princípio estruturante do cuidado
em saúde, o que demanda a problematização do tema no campo da formação e
prática profissional.
Palavras-chave:
revascularização miocárdica, qualidade de vida, fisioterapia, reabilitação
cardíaca, cirurgia torácica.
Abstract
Introduction: Myocardial revascularization surgery (MRS) is a
recommended procedure for patients with significant narrowing or blockage
coronary arteries. In the postoperative period, cardiorespiratory physical
therapy is an essential part of the rehabilitation process because it aims to
restore physical, psychic and social conditions, what favors the recovery of
daily activities in a participative way. Objective: To identify the
biopsychosocial repercussions of MRS and to discuss the contributions of
physical therapy in the context of rehabilitation, with a focus on actions
guided by integrality. Methods: This is an exploratory and descriptive
study with 10 patients in cardiorespiratory physiotherapeutic care. Data
collection was performed using a semi-structured questionnaire, developed to
respond to the research’s objectives. Results: Most of the participants
interviewed had some risk factors for heart disease and have done MRS for more
than two months ago. In general, the limitations resulting from surgery impact
on daily and occupational activities, with important psychological
repercussions need to be valued and accepted by the health team. Even
describing several limitations associated with the period after surgery, all
participants rated physical therapy as important in improving quality of life. Conclusion:
The role of physiotherapy in post-surgical rehabilitation must prioritize an
approach that contemplates integrality as a structuring principle of health
care, which demands problematizing the theme in the field of training and
professional practice.
Keywords: myocardial revascularization, quality of life,
physical therapy specialty, cardiac rehabilitation, thoracic surgery.
As
doenças cardíacas são definidas a partir de qualquer agravo que obstrua ou
impeça a normalidade da circulação sanguínea. Várias doenças são classificadas
sob a denominação de doenças cardiovasculares (DCVs),
incluindo, por exemplo, a doença coronariana, doença cerebrovascular, doença
arterial periférica, cardiopatia congênita, trombose venosa profunda e embolia
pulmonar, as quais acarretam uma série de consequências ao organismo [1]. As DCVs são a principal causa de morte e incapacidade no
mundo, e no Brasil representam cerca de 30% dos óbitos [2].
Nas
últimas décadas, inúmeros avanços foram alcançados no diagnóstico e tratamento
das cardiopatias, incluindo o desenvolvimento de tecnologias e técnicas
cirúrgicas, as quais têm contribuído para a diminuição do índice de mortalidade
e para a melhoria da sobrevida de pacientes cardiopatas. As técnicas de
intervenção evoluíram consideravelmente, mas, na atualidade, a Cirurgia de
Revascularização Miocárdica (CRM) é uma das mais frequentes modalidades de
tratamento em todo o mundo [3].
Segundo
a Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro [4], a CRM, comumente
conhecida como “Cirurgia de ponte de safena”, é um procedimento recomendado
para grupos selecionados de pacientes com estreitamentos ou bloqueios
importantes das artérias que nutrem o coração, e tem sido considerada como
tratamento padrão para estes pacientes. O objetivo da CRM é restabelecer o
fluxo de sangue e oxigênio para a região suprida por uma artéria do coração que
apresenta alguma obstrução. Além disso, a CRM tem como foco melhorar a
qualidade de vida dos pacientes, promovendo o alívio dos sintomas anginosos
relacionados à cardiopatia, como a dispneia, cansaço e dor no peito,
favorecendo o aumento da sobrevida [5-7].
Estudos
ressaltam que a reabilitação cardíaca auxilia na redução da mortalidade,
podendo ocorrer em várias etapas do tratamento, incluindo a fase pré-hospitalar
e os momentos que sucedem a alta cirúrgica [8]. Também contribui para amenizar
os impactos negativos com os quais o paciente frequentemente se depara após a
cirurgia, como o descondicionamento físico, resultado
do período em que o paciente esteve de repouso ao leito, a dependência
funcional pós-cirúrgica [9] e a perda de força muscular respiratória, decorrentes
da CRM.
Apesar
da cirurgia implicar em consideráveis repercussões físicas que precisam ser
manejadas pela equipe de saúde, não se pode deixar de considerar as suas
consequências psicossociais. Assim, a fisioterapia cardiorrespiratória é parte
integrante na gestão integral dos cuidados aos pacientes pós-cirúrgicos,
visando à prevenção de complicações pulmonares que alterem a força muscular
respiratória e o distúrbio obstrutivo, os quais podem desencadear limitações
físicas e emocionais, potencializando reações de ansiedade e depressão [10,11].
Por
ser uma cirurgia de grande porte, a CRM requer cuidados que incluem o
planejamento em relação à utilização
das técnicas fisioterapêuticas visando uma
recuperação rápida, com diminuição
das possíveis complicações e do tempo de
internação [12]. Além de ser considerada um
componente fundamental na
reabilitação de pacientes cirúrgicos
cardiovasculares, a atividade
fisioterapêutica contribue para maior independência e
segurança na alta hospitalar, e posterior recuperação das atividades de vida
diária [13].
Durante
o processo de reabilitação, é necessário que o fisioterapeuta esteja atento não
só a aspectos orgânicos, mas ao modo como o paciente interpreta, compreende e
enfrenta o tratamento. A CRM é um procedimento complexo que promove uma ruptura
no cotidiano de vida, exigindo do paciente reações de adaptação e mudanças
diante da nova condição. Assim, uma abordagem integral requer que se considerem
os diferentes domínios da qualidade de vida [14], e dentre estes, a
subjetividade, haja vista que ela media o modo singular e individual como cada
paciente interpreta e reage ao tratamento.
Analisar
a atuação da fisioterapia na perspectiva da integralidade é crucial para a
eficácia da reabilitação [15] e trazer ao centro das discussões esse tema é de
fundamental importância, pois a Fisioterapia tem sido cada vez mais requisitada
no pós-operatório, no intuito de melhorar a recuperação da função pulmonar e da
força muscular inspiratória, além de prevenir complicações radiológicas
pulmonares [16]. Diante desta realidade, a pesquisa foi projetada de modo a
identificar as repercussões biopsicossociais da CRM em pacientes submetidos à
reabilitação fisioterapêutica, com o objetivo de refletir sobre as contribuições
da Fisioterapia nesse cenário, tendo como foco de análise a integralidade do
cuidado em saúde.
Trata-se
de um estudo exploratório e descritivo, com metodologia quanti-qualitativa,
desenvolvido na Unidade de Ensino e Assistência em Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (UEAFTO) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), localizada em
Belém. A coleta de dados aconteceu no período de agosto a dezembro de 2018,
após a aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do
Estado do Pará, sob parecer de número 2.852.459.
Os dados foram obtidos através da participação de pacientes que estavam
em atendimento fisioterapêutico no Ambulatório de Fisioterapia
Cardiorrespiratória da unidade e que aceitaram voluntariamente participar desta
pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE). O protocolo foi composto de um questionário elaborado pelos autores,
com dados organizados e analisados de forma sistematizada, com uso de estatística
descritiva. As respostas foram descritas e posteriormente categorizadas,
visando a discussão dos resultados por unidades temáticas
Dos
dados coletados, destacam-se na tabela I os dados sociodemográficos que
demonstram as características dos indivíduos participantes: sexo, média das
idades, estado civil e grau de instrução.
Tabela I - Caracterização
dos participantes da pesquisa.
Fonte: Dados da pesquisa.
No que
concerne ao tempo de cirurgia, a maioria dos participantes havia realizado a
CRM há mais de 2 meses, e grande parte da amostra já havia realizado mais de
cinco sessões de fisioterapia.
Quando
questionados sobre a reação inicial diante da informação da necessidade do
procedimento cirúrgico, 70% dos participantes relataram medo de morrer e
insegurança quanto ao procedimento, alegando que se trata de uma cirurgia de
alto risco. Entretanto, a maioria referiu insatisfação no diálogo com a equipe
médica em decorrência de dúvidas e questionamentos não atendidos, revelando um
empobrecimento da comunicação e da participação nos processos decisórios sobre
a terapêutica.
Em
relação à história clínica, 88,8% dos participantes utilizavam regularmente
tabaco e álcool, considerados fatores de risco para o desenvolvimento e
agravamento das cardiopatias, e 40% dos pacientes não realizavam nenhum tipo de
exercício físico como mostra a figura 1.
Figura 1 - Prevalência
de fatores de risco para cardiopatias na amostra da pesquisa.
A fim
de identificar a percepção subjetiva dos participantes, os
mesmos foram solicitados a identificar o significado da expressão
“qualidade de vida”. Do total, 50% associaram a expressão com a experiência de
sentir-se bem e ser capaz de manter relações com amigos e familiares, 30%
traduziram a expressão como sendo a capacidade de fazer o que gosta com
liberdade e autonomia, 20% a relacionaram com a capacidade de exercer uma
atividade remunerada e, assim, ter independência financeira. Como é possível
observar nas respostas, a qualidade de vida está intimamente relacionada à
percepção de que se é livre e capaz de realizar as atividades demandadas pelo
cotidiano da vida, algo que é ameaçado pelo adoecimento e as restrições dele
decorrentes, especialmente o que se refere à diminuição da autonomia funcional.
Os
participantes foram solicitados a descrever a sua qualidade de vida (QV) antes
da cirurgia, e a maioria dos participantes avaliou como excelente (30%) e boa
(30%), 20% como regular, e os outros 20% como ruim. Dentre alguns sintomas
prévios, os participantes relataram a presença de dores, dispneia, fadiga e
cansaço, assim como dificuldades em executar simples tarefas relacionadas às
atividades de vida diária (AVD’s), dentre elas, o ato
de subir escadas, caminhar, carregar sacolas de compras, cozinhar, tomar banho
e pentear os cabelos, ações essas que não necessitam de esforço elevado. Assim,
embora a maioria realizasse suas atividades rotineiras, não o faziam de forma
satisfatória, pois a cardiopatia produzia limitações que repercutiam em sua
disposição, resistência e independência.
No que
se refere ao impacto da CRM na melhora da saúde e QV, 50% dos participantes
declararam que a cirurgia impactou favoravelmente. Do restante, 40% afirmaram
que a cirurgia impactou parcialmente e 10% revelou que pouco influenciou.
Dentre
as principais restrições físicas após a CRM apontadas pelos participantes,
merecem destaque: limitações na capacidade para realizar tarefas domésticas,
andar de bicicleta, carregar peso, andar sozinho, administrar a dieta
alimentar. Curiosamente, também foi mencionada a cicatriz da cirurgia como uma
das limitações decorrentes.
Em
relação aos aspectos psicológicos, mais da metade dos entrevistados revelaram
que o procedimento não afetou negativamente o estado emocional, relatando
inclusive uma melhora em comparação ao momento em que receberam a notícia sobre
a necessidade de realização da cirurgia. Entretanto, os participantes
destacaram algumas alterações psicológicas logo após o procedimento, incluindo
mudanças de humor, sentimentos de tristeza e
depressão, sensação de inutilidade e dependência. Mais uma vez, também foi
mencionada a preocupação com a cicatrização correta da cirurgia.
No
âmbito social, foram mencionadas as restrições para realizar atividades de
lazer e frequentar atividades sociais. Um exemplo são as práticas religiosas,
haja vista que 40% afirmaram ter havido uma piora em relação a esse aspecto,
justificando que as restrições físicas limitavam a participação em cultos
religiosos, em especial no pós-operatório imediato.
Em
relação às atividades laborais, 70% dos participantes relataram diminuição da
capacidade para o trabalho com piora da condição financeira em decorrências das
limitações funcionais que acompanham o quadro pós-operatório. Entretanto, 10%
melhoraram, 10% não sofreram repercussões e 10% não souberam definir os
impactos financeiros do pós-operatório no orçamento doméstico.
Do
total de participantes, 100% qualificaram a contribuição da Fisioterapia como
importante para a sua qualidade de vida, dos quais 90% conseguem identificar
uma melhora em sua condição de saúde após o ingresso no tratamento
fisioterapêutico. Além do mais, a maioria dos participantes (88,8%) afirmou que
nunca teve nenhum tipo de receio ou preocupação ao realizar as sessões de
fisioterapia, acrescentando que se sentiam seguros e confortáveis em realizar
as atividades.
Entretanto,
merece destaque o fato de que, embora tenham avaliado positivamente o efeito
das intervenções fisioterapêuticas, 30% dos participantes apontaram lacunas na
qualidade da comunicação paciente-profissional, com pouca oportunidade de
interação, inclusive no provimento de informações e esclarecimentos de dúvidas.
Repercussões biopsicossociais
da CRM: compreendendo a perspectiva do paciente
De
modo geral, os participantes relataram uma reação negativa ao receber a notícia
de que precisariam realizar um procedimento cirúrgico, momento que teve um
grande impacto emocional, em especial pelos riscos envolvidos e diante da
imprevisibilidade em relação ao futuro. Corroborando estudos anteriores [17], a
presença de reações de ansiedade frente à revelação do diagnóstico e a
posterior indicação cirúrgica costuma ser potencializada pelo desconhecimento e
o medo da morte, especialmente em consequência da incerteza em relação aos
rumos do tratamento e o prognóstico.
O
provimento de informações de forma gradual e sempre considerando o que o
paciente sabe, o que deseja saber e é capaz de escutar, é uma estratégia
bastante útil na abordagem clínica desses pacientes, em especial quando se
precisa administrar notícias que nem sempre o paciente gostaria de ouvir [18].
Assim, é fundamental o estabelecimento de uma comunicação aberta e empática,
que auxilie no diálogo, na administração e compreensão das informações, na qual
o paciente e profissional se disponham a interagir, de modo que o paciente seja
compreendido em sua individualidade, crenças, concepções e valores. Como
afirmado anteriormente, esta queixa se fez presente quando os participantes
relataram lacunas na comunicação com a equipe.
Em se
tratando de um procedimento novo e desconhecido para o paciente, a ser
realizado em um órgão vital, é muito importante a administração cuidadosa e
acolhedora das informações já que o conhecimento dos riscos e benefícios
auxilia no manejo da ansiedade que antecede a cirurgia, contribuindo não só
para o enfrentamento das reações psicológicas despertadas, mas também para
aumentar as chances de melhor recuperação.
Na
amostra pesquisada, além do histórico familiar, foi observada uma alta prevalência
de pacientes com fatores de risco prévios à cirurgia, incluindo consumo de
tabaco e álcool. Além disso, menos da metade dos participantes relataram não
praticar nenhum exercício físico regular, coincidindo com os resultados
encontrados em outras pesquisas [10], que demonstram a correlação entre o
sedentarismo e tabagismo com a ocorrência de doenças cardiovasculares. Os
relatos obtidos revelam que o adoecimento tem suas raízes em comportamentos
consolidados ao longo de toda a vida do paciente, nas suas relações consigo
mesmo e com o mundo que o cerca. Dessa forma, os hábitos, o estilo de vida e as
escolhas realizadas, sejam elas conscientes ou não, constituem parte da
biografia do indivíduo e devem ser compreendidas como objeto das intervenções
clínicas.
CRM e qualidade de vida: a
importância e o lugar da subjetividade
A CRM
tem a capacidade de mudar o curso da enfermidade cardiológica e proporcionar
melhor qualidade de vida. Porém, embora seja adotada como abordagem terapêutica
com resultados positivamente significativos, a cirurgia resulta em
consequências físicas, psicológicas e sociais que influenciam diretamente o
bem-estar do indivíduo [19], as quais são interpretadas e vividas de forma
singular. Conforme demonstram os resultados, há diferentes concepções sobre a
expressão “qualidade de vida”, o que reafirma a característica subjetiva do
tema e sua complexidade diante das diversas dimensões da vida [20]. Assim, o
impacto na qualidade de vida tende a ser influenciado pela concepção que cada
indivíduo tem sobre qualidade de vida, e sobre os potenciais impactos do
adoecimento em dimensões da vida consideradas como relevantes.
Em se tratando de um procedimento que requer
repouso e um certo retraimento da vida social, muitos pacientes precisam
permanecer afastados de suas atividades laborais, o que pode trazer sérias
complicações ao equilíbrio financeiro familiar. Observou-se a piora da situação
financeira diretamente ligada à diminuição da aptidão para trabalho destes indivíduos.
Quando as informações foram coletadas, todos encontravam-se afastados das
atividades laborais, fato esse que pode ser justificado pela idade avançada e
pelas limitações físicas impostas pela doença e cirurgia [21]. Como muitos
pacientes ocupam o lugar de provedores financeiros da família, é esperado que a
cirurgia retarde o retorno ao trabalho, intensificando as perdas econômicas e o
receio em relação à possibilidade de retorno às atividades laborais, o que pode
também suscitar reações emocionais significativas.
No
tocante à religião, destaca-se que segundo os resultados da pesquisa, quase um
terço dos entrevistados fortaleceu suas crenças e práticas religiosas,
demonstrando o papel do suporte religioso como um fator relevante para o enfrentamento
da CRM [19]. Embora algumas crenças religiosas também possam aumentar a
sensação de culpa e castigo, não foi evidenciada nenhuma referência negativa a
esse respeito por parte dos participantes.
Acompanhamento
fisioterapêutico: a reabilitação sob o enfoque da integralidade do cuidado em
saúde
Todos
os participantes da pesquisa apresentaram significativa melhora após o início
das sessões de fisioterapia. De modo geral, os resultados reforçam os
benefícios da fisioterapia na saúde de pacientes submetidos a CRM, com ênfase
nos resultados positivos alcançados.
Os
achados reforçam a importância de uma avaliação da condição psicológica do
paciente e dos recursos de enfrentamento disponíveis para lidar com a doença e
a cirurgia. Neste contexto, o fisioterapeuta deve estar atento às reações do
paciente, sempre com a preocupação de identificar e validar emoções,
sentimentos ou preocupações relacionadas ao tratamento ou a aspectos da vida em
geral.
No
processo de reabilitação fisioterapêutica, é importante que o profissional
possa identificar as mudanças ocorridas após a cirurgia e o seu impacto na vida
do paciente, reconhecendo as dificuldades e desafios enfrentados, os quais
devem estar incluídos no planejamento do tratamento. Neste aspecto, o trabalho
em equipe e a construção de um projeto terapêutico com metas definidas
coletivamente é uma ótima estratégia para compartilhar responsabilidades em
busca da melhora da qualidade de vida do paciente.
Os
fisioterapeutas exercem um papel essencial na
reabilitação dos indivíduos que
são submetidos a procedimentos cirúrgicos. Além de
dispor de um grande conjunto
de técnicas, o fisioterapeuta, evidentemente, acaba sendo um dos
profissionais
que convive regularmente com os pacientes, o que lhe permite observar
as
reações diante do tratamento. Entretanto, o tempo
despendido precisa ser
proveitoso, não só para a melhora física, mas
também para atenuar as angústias
vivenciadas, o que pode ser alcançado com
informações e orientações prestadas de
forma objetiva e acolhedora [11]. Conforme observado, alguns
participantes
mencionaram lacunas na comunicação não só
em relação à equipe médica, mas
também em relação aos fisioterapeutas. Tais
informações abrem o caminho para
uma importante reflexão no campo da fisioterapia em
direção à valorização e
resgate da dimensão humana do cuidar, muitas vezes enfraquecida
nas práticas
que ainda privilegiam um atendimento mecânico e tecnicista do
paciente.
A
importância da Fisioterapia na reabilitação de pacientes submetidos a CRM se
expressa não somente em relação às questões de ordem física, mas também
naquelas que envolvem aspectos psicológicos e sociais subjacentes ao processo
saúde/doença, o que implica numa abordagem que privilegie a integralidade como
princípio estruturante das ações em saúde.
Os
dados sugerem que há um caminho promissor em direção à busca da saúde e
qualidade de vida mas, para isso, é preciso olhar para
além do bem-estar físico. A Fisioterapia tem construído muitos avanços no
sentido da integralidade do cuidado, através do resgate e da valorização das
várias dimensões que balizam o cuidado em saúde. Que os resultados aqui
alcançados alimentem essa discussão, valorizando o componente humano da
profissão e trazendo contribuições à problematização do tema no âmbito da
formação e das práticas de saúde.