ARTIGO ORIGINAL

Desfechos funcionais após craniectomia descompressiva secundária à acidente vascular encefálico

Functional outcomes after secondary decompressive craniectomy to vascular brain accident

 

Cristian Douglas Dantas de Sousa, Ft.*, Anna Beatriz Gonçalves Jacinto, Ft.*, Vicente Conrado da Silva, Ft., M.Sc.**

 

*Residente em Neurologia e Neurocirurgia pela Escola de Saúde Pública do Ceará, **Mestre em Ciências Médico-Cirúrgicas pela Universidade Federal do Ceará

 

Recebido em 1 de outubro de 2019; aceito em 05 de fevereiro de 2020.

Correspondência: Cristian Douglas Dantas de Sousa, Rua Pastor Samuel Munguba, 898 Rodolfo Teófilo 60430-372 Fortaleza CE

 

Cristian Douglas Dantas de Sousa: c.douglasdantas@gmail.com

Anna Beatriz Gonçalves Jacinto: beatriz.fisio@hotmail.com

Vicente Conrado da Silva: vico.conrado@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: A craniectomia descompressiva (CD) é o procedimento cirúrgico capaz de reduzir a mortalidade em pacientes com edema cerebral secundário a um AVE maligno, porém não garante a recuperação funcional. Objetivo: Descrever o perfil clínico e funcional de pacientes submetidos a CD durante o tempo de internação hospitalar. Métodos: Estudo transversal realizado em uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral (U-AVC) no período de setembro de 2018 a março de 2019. Coletaram-se dados sociodemográficos, estudo detalhado dos prontuários e dados referentes à funcionalidade, incapacidade e alcances funcionais por meio de questionários e avaliação física e neurológica. Resultados: A amostra foi composta por 21 participantes. A maioria do sexo masculino, idade média de 55±10 anos, casados, baixa escolaridade, exerciam algum tipo de atividade remunerada com renda de um a dois salários mínimos. Os fatores de risco mais prevalentes foram hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, etilismo, sedentarismo e sobrepeso. Durante o período de internação hospitalar, a maioria dos pacientes evoluiu com altos índices de incapacidade e baixos níveis de independência e funcionalidade cognitiva e motora. Conclusão: Além de apresentarem combinações de diferentes fatores de risco relacionados ao desenvolvimento de AVE, a maioria dos pacientes avaliados apresentaram altos índices de incapacidade e baixos níveis de independência e funcionalidade, necessitando de assistência máxima ou total para realizar a maioria de suas atividades de vida diária.

Palavras-chave: acidente vascular cerebral, craniectomia descompressiva, Fisioterapia, vida independente.

 

Abstract

Introduction: Decompression craniectomy (DC) is a surgical procedure that can reduce mortality in patients with cerebral edema secondary to malignant stroke, but does not guarantee functional recovery. Objective: To describe the clinical and functional profile of patients undergoing DC during their hospital stay. Methods: It is a cross-sectional study conducted in a Stroke Unit from September 2018 to March 2019. Sociodemographic data, detailed study of medical records, and data on functionality, disability and functional range were collected through questionnaires and physical and neurological evaluation. Results: The sample consisted of 21 participants. Most were male, mean age 55 ±10 years, married, with low education, had paid activity with income of one to two minimum wages. The most prevalent risk factors were systemic arterial hypertension, smoking, alcoholism, physical inactivity and overweight. During hospitalization, most patients evolved with high levels of disability and low levels of independence and cognitive and motor functionality. Conclusion: In addition to presenting combinations of different risk factors related to the development of stroke, most of the patients evaluated had high levels of disability and low levels of independence and functionality, requiring maximum or total assistance to develop most of their daily living activities.

Keywords: stroke, decompressive craniectomy, Physical Therapy Specialty, independent living.

 

Introdução

 

O acidente vascular encefálico (AVE) maligno é caracterizado como uma grande lesão isquêmica na qual parte significante da circulação para o encéfalo é obstruída, levando a uma série de eventos patológicos [1,2]. Entre estes eventos, o mais crítico é o edema cerebral, que aumenta o volume das estruturas encefálicas e eleva a pressão intracraniana, resultando na compressão e herniação do cérebro [2-4].

A craniectomia descompressiva (CD) é o procedimento cirúrgico padrão para resolução da herniação cerebral secundária a um AVE maligno, uma vez que reduz a pressão intracraniana, dando espaço para o cérebro inchado [5]. O manejo rápido e adequado desta condição pode reduzir os agravos e, muitas vezes, prevenir a piora clínica. A descompressão cirúrgica, quando realizada antes da ocorrência de mais déficits neurológicos, pode reduzir a mortalidade em até 30% dos casos [6], destacando-se como a intervenção mais eficaz para a redução imediata da hipertensão intracraniana [4].

Apesar de reduzir a mortalidade e oportunizar a recuperação clínica do paciente, a CD não garante a recuperação funcional, de modo que há um subconjunto de pacientes que sobrevivem, mas conduzem a vida acamados [7]. A cirurgia de descompressão aumenta significativamente a sobrevida, mas os pacientes submetidos ao procedimento apresentam maior risco de viver com incapacidade moderadamente grave [8]. Além disso, a recuperação funcional parece estar intimamente ligada a idade do paciente. Estudos mostram que o resultado funcional é melhor em pacientes mais jovens enquanto aqueles com idade acima de 60 anos apresentam pior prognóstico [8,9].

Nas últimas décadas inúmeros estudos mostraram a importância da CD no tratamento da hipertensão intracraniana em pacientes com edema cerebral secundário ao AVE maligno de artéria cerebral média (ACM) [4-6]. Vários autores destacam sua eficácia na redução da mortalidade, mas lamentam pelos resultados funcionais ainda incertos [10,11]. Até então, poucos estudos preocupam-se em descrever o perfil funcional dos pacientes submetidos à CD, de modo que pouco se sabe a respeito da funcionalidade desses indivíduos após o procedimento. Diante disso, esse estudo tem o objetivo de descrever o perfil clínico e funcional de pacientes com diagnóstico de AVE isquêmico agudo submetidos a cirurgia de craniectomia descompressiva, durante o tempo de internação hospitalar.

 

Material e métodos

 

Características do estudo e participantes

 

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, realizado em uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral (U-AVC) de um Hospital Terciário do município de Fortaleza no período de setembro de 2018 a março de 2019.

A população do estudo foi obtida por amostragem não probabilística, consistindo em pacientes admitidos na U-AVC submetidos à cirurgia de CD durante o período da pesquisa. Foram recrutados pacientes de ambos os sexos, com idade mínima de 18 anos, inexistindo limite de idade superior. Todos deveriam ter diagnóstico de AVE isquêmico confirmado por neuroimagem (Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética de Crânio) e ter realizado cirurgia de CD.

Os participantes excluídos do estudo foram aqueles que evoluíram com transformação hemorrágica, aqueles que apresentaram grau de incapacidade prévio maior que 2 na escala Rankin (mRS), pacientes com outras condições neurológicas associadas que pudessem comprometer o desempenho funcional e aqueles que evoluíram à óbito durante o tempo de internação.

Os pacientes ou responsáveis legais que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os documentos exigidos para a inclusão deste projeto foram submetidos, avaliados e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do Hospital Geral de Fortaleza (Parecer nº 2.891.428/ 2018).

 

Procedimentos e desfechos avaliados

 

Primeiramente, na admissão do paciente na U-AVC, utilizou-se um formulário criado e padronizado pelos avaliadores para coletar dados de identificação sociodemográfica e história clínica. Uma vez que grande parte dos pacientes não eram capazes de responder tais perguntas devido a alterações cognitivas e/ou comunicativas geradas pelo AVE, a entrevista foi realizada com seus responsáveis a fim de colher tais informações. Em seguida, foi realizado um estudo detalhado dos prontuários com objetivo de colher mais detalhes sociodemográficos e clínicos, aperfeiçoando, desta forma, o preenchimento do formulário supracitado.

O estudo do prontuário também foi importante para levantar as principais complicações no pós-operatório, bem como o desfecho clínico dos pacientes durante o tempo de internação hospitalar. As informações clínicas e dados referentes à funcionalidade, incapacidade e alcances funcionais foram colhidos no momento da alta da unidade, por meio da aplicação de questionários e testes específicos.

A National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) é uma escala utilizada para avaliação neurológica, sendo uma ferramenta útil para medir a severidade clínica de pacientes com AVE agudo. Baseia-se em 11 itens que avaliam nível de consciência, desvio ocular, campo visual, paresia facial, função motora dos membros, sensibilidade, ataxia de membros, linguagem, fala, negligência/extinção. A NIHSS pode ter sua pontuação variando de 0 a 42, sendo 0 aquele paciente sem evidência de déficit neurológico e 42 o paciente em coma e irresponsivo. Neste estudo, a NIHSS foi utilizada no momento de admissão do paciente na U-AVC e no momento da alta da unidade [12,13].

O controle postural dos pacientes foi avaliado por meio da Escala de Avaliação Postural para Pacientes com Sequelas de AVE (PASS). Esta escala, traduzida e validada para a cultura brasileira, objetiva avaliar e monitorizar o controle de tronco em pacientes com AVE que se encontram no estágio agudo [14]. A escala é composta por 12 itens que avaliam a capacidade do paciente de manter ou alterar uma dada postura, na posição de deitado, sentado e de pé. Para cada um dos itens é atribuído um valor de 0 a 3, sendo a pontuação 0 correspondente à incapacidade de realizar a atividade ou máxima dificuldade na sua execução, e a pontuação 3 correspondendo à tarefa realizada com o mínimo de apoio, sem qualquer ajuda, ou com a maior facilidade possível. A pontuação total pode variar entre 0 e 36, quanto maior, mais controle de tronco o paciente apresenta [15].

A Escala Modificada de Rankin (mRS) foi utilizada para descrever o grau de incapacidade do paciente antes do AVE e após a cirurgia de CD, no momento da alta da U-AVC. A mRS, traduzida e adaptada em 2004 por Guimarães [16], é a escala mais popular de desfechos globais em AVE agudo. Descreve sete graus de incapacidade que podem variar de 0 a 6. O grau 6 refere-se à óbito enquanto os demais referem-se a graus variados de incapacidade, sendo o grau 5 atribuído a incapacidade grave/acamados, enquanto grau zero denota nenhum sintoma ou sequela.

A Medida de Independência Funcional (MIF) foi utilizada com o objetivo de medir o grau de independência funcional do paciente no contexto hospitalar. Emprega uma escala de 7 pontos para avaliar 18 itens em éreas de cuidados pessoais, controle dos esfíncteres, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social. A pontuação é feita ou por entrevista com o paciente e/ou cuidador, ou ainda pelas observações diretas do desempenho das atividades [17].

 

Análise estatística

 

Para descrever as características clínicas, sociodemográficas e funcionais dos participantes do estudo foram utilizadas as medidas de tendência central (média ou mediana), dispersão (desvio padrão ou intervalo interquartil) e frequência relativa (%). As análises estatísticas foram processadas no programa Statistical Package for Social Sciences, versão 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL).

 

Resultados

 

No total, 29 indivíduos foram avaliados para este estudo. Dentre estes, três foram excluídos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão; a saber: um evoluiu com transformação hemorrágica, um realizou o procedimento de CD devido a um traumatismo craniano e um tinha um grau de incapacidade maior que 2 na mRS. Além destes, cinco pacientes evoluíram a óbito, durante o tempo de internação hospitalar, não entrando na análise estatística dos dados. Assim, a amostra final foi composta por 21 participantes.

A média de idade foi de 55 anos (±10 anos) sendo maior prevalência do sexo masculino (71%). Os resultados também mostraram que a maioria dos indivíduos eram casados (57%), desempenhavam alguma atividade laboral (67%), tinham renda mensal de 1 salário mínimo (33%) e possuíam baixa escolaridade (58%). A Tabela I apresenta as demais características da amostra.

Em relação aos fatores de risco para o AVE, a hipertensão arterial sistêmica (57%), o sobrepeso (52%), o tabagismo (57%), o etilismo (62%) e o sedentarismo (71%) foram os mais prevalentes (Tabela II).

 

Tabela I Características clínicas e sociodemográficas de indivíduos com craniectomia descompressiva, Fortaleza/CE, 2019 (n = 21).

 

1Fortaleza/CE; 2Cidades próximas à capital.

 

Tabela IIPerfil da amostra em relação aos fatores de risco para AVE, Fortaleza/CE, 2019 (n = 21).

 

 

Todos os sujeitos da amostra apresentaram AVE do tipo isquêmico em território da ACM, sendo o hemisfério esquerdo o mais acometido (60%). A pontuação média na Escala do National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS) na admissão foi de 18,8 (± 6,9) e o AVE de circulação anterior total (TACS), segundo a classificação clínica de Bamford para AVE agudo, o mais prevalente (95%). A maioria dos pacientes não recebeu medicamento trombolítico no momento da internação (76%) e o tempo médio, em horas, para a cirurgia de descompressão foi de 21 (± 11) horas após o ictus.

Nenhum paciente incluído no estudo apresentou histórico de AVE prévio, de modo que em todos os indivíduos avaliados este era o primeiro evento. A avaliação funcional mostrou que, de acordo com a escala de Rankin (mRS), 90% da amostra não apresentava nenhum grau de incapacidade prévio (mRS = 0), enquanto 10%, apesar de apresentar alguma alteração funcional prévia, eram capazes de realizar todas as tarefas habituais (mRS = 1).

De acordo com a avaliação física e neurológica realizada juntamente à NIHSS no momento da alta da U-AVC, 76% dos indivíduos apresentavam alteração da sensibilidade. Alteração de linguagem/comunicação foi encontrada em 62% da amostra, enquanto 43% apresentaram alteração na deglutição, utilizando sonda nasogástrica como via de alimentação. Na avaliação da incapacidade no momento da alta, foi observado que 57% apresentavam incapacidade moderadamente grave (mRS).

Durante o tempo de internação, apenas 5% dos indivíduos foram incapazes de se manter na postura sentada, enquanto 57% eram capazes de permanecer em sedestação com apoio contínuo e 38% eram independentes e possuíam força muscular suficiente para sedestar sem apoio. Além disso, 62% dos pacientes foram capazes de permanecer em ortostatismo com apoio bilateral (33%) ou unilateral (29%) enquanto 38% eram incapazes de permanecer de pé, mesmo com muito auxílio. Em relação a marcha, apenas 38% dos indivíduos foram capazes de iniciar a deambulação durante o tempo de internação hospitalar, ao passo que 62% eram incapazes de deambular no momento desta avaliação.

Os escores de avaliação da capacidade funcional obtidos com a aplicação da MIF estão apresentados na Tabela III e IV. Como pode ser observado, os pacientes apresentaram comprometimento grave em todos os domínios avaliados pela escala, sendo o domínio motor relacionados à alimentação, higiene, cuidado pessoal, transferências e deambulação os mais críticos. Quanto ao domínio cognitivo, observou-se que todos os itens obtiveram valor de mediana entre 2 e 4 pontos, indicando que os indivíduos possuíam dependência completa ou moderada, ou seja, eram capazes de compreender e expressar ideias e necessidades cotidianas básicas, bem como interagir com outras pessoas de 25 a 50% do tempo.

 

Tabela IIIResultados da Medida de Independência Funcional (função motora) em indivíduos com craniectomia descompressiva, Fortaleza/CE, 2019. (n = 21).

 

*Dados descritos em mediana (percentil 25 – percentil 75). 1 - Membros superiores; 2 - Membros inferiores.

 

Tabela IV – Resultados da Medida de Independência Funcional (função cognitiva) em indivíduos com craniectomia descompressiva, Fortaleza/CE, 2019. (n = 21).

 

*Dados descritos em mediana (percentil 25 – percentil 75).

 

Discussão

 

Foi realizada uma análise transversal do perfil sociodemográfico e clínico-funcional dos pacientes vítimas de AVE maligno submetidos a cirurgia de CD. Nossos resultados mostraram que a maioria dos participantes eram do sexo masculino, com idade média de 55 anos, casados, com baixa escolaridade, exerciam algum tipo de atividade remunerada e possuíam renda mensal de um a dois salários mínimos. Além disso, a hipertensão arterial sistêmica, o tabagismo, o etilismo, o sedentarismo e o sobrepeso foram os fatores de risco mais prevalentes. Tais características da amostra corroboram outros estudos que encontraram, em diferentes populações ao redor do mundo, um perfil similar de pacientes submetidos à cirurgia de descompressão após AVE maligno de ACM [18-20].

Em âmbito nacional, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) revelaram que havia, em 2013, aproximadamente 2.231.000 pessoas com AVE no Brasil. Assim como os resultados encontrados em nosso estudo, a PNS constatou que a maioria dos indivíduos vítimas de AVE eram homens, com a faixa etária mais prevalente entre 30 e 59 anos, seguida da faixa etária de 65 a 74 anos. A prevalência também foi maior em indivíduos com menor escolaridade, diminuindo à medida que a escolaridade aumentava. A prevalência não mudou de acordo com a raça/cor da pele, mas foi maior naqueles que viviam nas áreas urbanas em comparação às áreas rurais. Esses achados sustentam nossos resultados [21].

O presente estudo também evidenciou baixa taxa de mortalidade nos indivíduos submetidos a cirurgia de CD, pois apenas 5 pacientes (19%) evoluíram à óbito durante o período de internação. Achados semelhantes também são descritos em outros estudos que já evidenciaram a eficácia da CD na redução significativa da mortalidade em pacientes vítimas de AVE maligno de ACM, principalmente quando realizada dentro das primeiras 48 horas após o ictus [18]. Em nosso estudo, o tempo médio entre o ictus e a realização da cirurgia de descompressão foi de 21 (± 11) horas, estando dentro do tempo estipulado pela literatura para um desfecho favorável nesse perfil de pacientes [11,20].

Quanto aos desfechos funcionais, a maioria dos nossos pacientes apresentaram, durante o tempo de internação hospitalar, altos índices de incapacidade, com comprometimento grave da função motora e cognitiva, ao mesmo tempo que se observaram baixos índices de funcionalidade e independência. Geurts et al. [22] avaliaram em seu estudo os efeitos da cirurgia descompressiva sobre a mortalidade e a incapacidade em pacientes com AVE ao longo dos 3 primeiros anos após o procedimento. Os resultados mostraram que, embora a cirurgia tenha reduzido significativamente o risco de morte, esta não teve efeito sobre as chances de um bom resultado funcional, de modo que a maioria dos pacientes apresentou, ao longo dos três primeiros anos, incapacidade caracterizada como moderadamente grave ou grave.

       Corroborando nossos achados, Bongiorni et al. [10] realizaram um estudo transversal com o objetivo de avaliar a capacidade funcional de pacientes com acidente vascular cerebral submetidos à CD no período de 30 dias após o procedimento, mostrando que a mRS após este período foi ≥ 4 para todos os pacientes. Esse resultado é similar aos números observados em nosso estudo, no qual 46% dos indivíduos avaliados apresentaram incapacidade moderadamente grave (escore 4), 35% apresentaram incapacidade grave (escore 5) e 19% foram à óbito (escore 6). Em contrapartida, outro estudo observou resultados melhores em relação a incapacidade avaliada pela mRS, de modo que, dos 53 pacientes avaliados por Bansal et al. [7], 66% tiveram um desfecho favorável (mRS 0-3) no momento da alta. Este resultado, muito superior ao relatado em nosso estudo e em estudos anteriores, é, para o autor, atribuído especialmente à idade da amostra (< 60 anos) e ao tempo médio entre o ictus e a cirurgia (< 48 horas).

Em relação a disfagia e capacidade de alimentação, a maioria dos indivíduos avaliados (53%) conseguiram evoluir para via de alimentação oral de forma satisfatória. Em uma revisão sistemática, Andrade et al. [23] analisaram o tempo médio de recuperação de doentes com disfagia após AVE e observaram que, dos 176 pacientes incluídos entre os cinco estudos selecionados pelos autores, 84,3% dos sujeitos apresentaram melhora no quadro de disfagia com tempo médio para a recuperação de 22 dias após o ictus. O sucesso da reabilitação da disfagia, para os autores do estudo, está relacionado à extensão, localização da lesão neurológica e, principalmente, com a reabilitação precoce no leito hospitalar.

Alterações cognitivas e psicossociais também foram observadas em nossa amostra. Dos pacientes avaliados, 62% apresentaram algum tipo de afasia no momento da alta, enquanto todos possuíam, segundo a avaliação da capacidade funcional cognitiva da MIF, dependência moderada ou completa no que se refere à comunicação, participação, memória e resolução de problemas. Worm [24] reforça esses achados quando mostra em seu estudo que os pacientes que realizam CD apresentam, em um primeiro momento, alterações na linguagem e na cognição, além de dificuldades de adaptação social; podendo haver, posteriormente, melhora nesses aspectos. Em contrapartida, o estudo realizado por Vahedi et al. [25] evidenciou que a longo prazo, pacientes submetidos a CD apresentam um bom percentual de recuperação nos domínios da comunicação e participação e moderado grau de recuperação para questões relacionadas com emoção e memória. Esses achados sinalizam a esperança de recuperação psicossocial, ainda que modesta, para esses pacientes.

Todos os pacientes deste estudo apresentaram déficits de funcionalidade e restrições em suas atividades de vida diária. Como pode ser observado na avaliação da capacidade funcional obtida com a MIF, o domínio motor relacionado à alimentação, higiene, cuidado pessoal, transferências e deambulação foram os mais críticos. Outros estudos já apontaram o impacto do AVE na capacidade física dos indivíduos, uma vez que esta patologia pode gerar disfunções sensitivas e motoras importantes [24]. Pacientes submetidos à cirurgia de craniectomia após AVE maligno de ACM possuem comumente alterações motoras como fraqueza muscular, espasticidade e padrões anormais de movimento que podem impedir ou dificultar as transferências, a deambulação e a realização de atividades básicas e instrumentais de vida diária [27,28].

A inatividade física associada à hemiparesia é um agravante para a função muscular nesse perfil de paciente. Assim, a intervenção da fisioterapia deve ser iniciada o mais precocemente possível [29,30]. Em nosso estudo, todos os indivíduos avaliados iniciaram a reabilitação motora em uma média de 11 (±4) dias após a cirurgia, de modo que alguns alcances funcionais como o controle de tronco em sedestação, a capacidade de manter-se de pé e a capacidade de deambular, ainda que com muito auxílio, foram observados em nosso público. Os resultados encontrados no estudo de Lee et al. [29] mostram que os pacientes com CD submetidos à reabilitação motora precoce apresentaram melhora significativa da função do tronco e dos membros inferiores em até 90 dias após a cirurgia, quando comparados àqueles que não realizaram o procedimento cirúrgico de descompressão. Esses achados sinalizam que a CD associada à um programa de reabilitação precoce pode trazer benefícios potenciais para deficiências funcionais relacionadas à postura, transferência e mobilidade.

Para nosso conhecimento, este é o primeiro estudo que investiga a funcionalidade e a incapacidade de pacientes submetidos à cirurgia de CD na fase aguda, durante o período de internação hospitalar. Porém entendemos que este estudo vem com limitações. Primeiro, que a análise foi transversal e limitada a pacientes de um único hospital. Além disso, avaliou-se apenas a incapacidade e a funcionalidade para um curto período, que foi após o acidente vascular cerebral e a cirurgia descompressiva, assim, este estudo apresenta limitação no prognóstico a longo prazo desses pacientes. Por fim, reforçamos a necessidade de conduzir uma pesquisa por um maior período e com um número mais expressivo de pacientes.

As doenças de origem cerebrovasculares tornaram-se pandêmicas, trazendo significativo ônus financeiro para a sociedade. O AVE é uma das principais causas de morbidade, com elevados gastos de recursos públicos em saúde [31]. No Brasil, por exemplo, entre junho de 2018 e junho de 2019, foram registrados 169.622 novos de AVE pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) [32], resultando em um custo total estimado de R$ 235.529.804,95 no mesmo período. Assim, nossos resultados estão em contexto com um importante problema de saúde que deve ser amplamente discutido, que é a funcionalidade e a incapacidade de indivíduos vítimas de AVE. Considerando os benefícios já conhecidos da reabilitação multiprofissional na saúde física, mental e na vida social da população em geral, acreditamos ser necessário investigar se a introdução de novas opções terapêuticas, tanto na fase aguda como na fase tardia, são capazes de reduzir os custos substanciais do AVE, tanto para os indivíduo, quanto para o Sistema Único de Saúde.

 

Conclusão

 

Nossos resultados mostram que a maioria dos indivíduos submetidos a cirurgia de craniectomia descompressiva, após acidente vascular cerebral maligno, eram homens, com idade média de 55 anos, casados, com baixo nível de escolaridade, que desempenhavam algum tipo de atividade laboral com remuneração de até dois salários mínimos. Além disso, apresentavam combinação de diferentes fatores de risco para o desenvolvimento de AVE, sendo a hipertensão arterial sistêmica, o sobrepeso, o tabagismo, o etilismo e o sedentarismo os mais comumente encontrados.

Ainda que tenham desenvolvido algumas habilidades importantes para o aprimoramento da postura, transferências e mobilidade, a maioria dos pacientes evoluíram, durante o período de internação hospitalar, com altos índices de incapacidade e baixos níveis de independência e funcionalidade cognitiva e motora, necessitando, desta forma, de assistência máxima ou total para realizar a maioria de suas necessidades e atividades de vida diária.

A natureza observacional deste estudo nos impede de apontar direções para intervenções nesses pacientes. Destacamos, assim, que pesquisas futuras devem ser conduzidas para explorar o desenvolvimento de novos ganhos funcionais a médio e longo prazo após cirurgia, de modo a identificar os tipos de intervenções que estão mais positivamente associadas aos ganhos físicos, cognitivos, psicossociais e melhor percepção da qualidade de vida.

 

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