EDITORIAL
O
distanciamento do Olimpo: conhecimento ou informação na formação?
Prof. Dr. Fernando Zikan
Faculdade
de Medicina - Curso de Fisioterapia – UFRJ
fernandozikan@hucff.ufrj.br
Na mitologia grega, o
monte Olimpo é a morada dos deuses. Centro da sabedoria e do poder; morada do
conhecimento diverso e complementar, representado por seus deuses. A
permanência de seu poderio se dava pelo distanciamento aos reles mortais;
incultos, obedientes aos seus comandos e facilmente doutrinados.
A disseminação do saber
fez com que os deuses, outrora imortais, se aproximassem dos mortais e com isso
seu poder foi posto em prova, tornando assim menor a distância ao monte Olimpo.
Ao longo do tempo a
busca pelo conhecimento determinou as relações de poder, nas quais este
determinava as divisões de classe e a perpetuação do dominador sobre o
dominado.
Atualmente a velocidade
dos avanços científicos é tão grande que os produtos de conhecimento são
traduzidos por fontes de informações. Estas, numerosas e acessíveis a todos,
pois não requerem pensamento crítico para obtê-las, produzem uma massa
informada, mas desprovida de conhecimento.
A formação em
Fisioterapia, no século XXI, teve um crescimento exponencial: tanto pela busca
de conhecimento científico quanto pela capacidade de disseminação de
informações. Mas e a formação?
Formar melhor é
produzir conhecimento ou maior divulgação de informações a um maior número de
indivíduos?
Comparando 15 anos de
evolução, de 2004 a 2019, o crescimento de cursos de Fisioterapia na América
Latina teve formas distintas entre os países. Os países com maior número de
cursos em funcionamento eram em 2004: Brasil (298), Colômbia (25), Argentina
(15) e Chile (13), os demais não ultrapassavam cinco cursos. Em 15 anos,
entretanto, o crescimento se deu da seguinte forma: Brasil (908), Chile (95),
Argentina (47) e Colômbia (42), os demais não passaram de 17. Nos dados de 2019
incluímos o México com oferta de 51 cursos.
Analisando os dados
tivemos um crescimento na oferta de cursos de 630% no Chile, 213% na Argentina,
204% no Brasil e 68% na Colômbia, países com maior oferta na América Latina.
Outro
dado que chama a
atenção é relação entre a oferta por
instituições privadas e públicas, sendo:
Brasil (dos 908, 854 são privados – 94%), Chile (dos 95,
77 são privados –
81%), México (dos 51, 50 são privados – 98%),
Argentina (dos 47, 31 são
privados - 66%) e Colômbia (dos 42, 35 são privados
– 83%).
No Brasil, o Ministério
da Educação utiliza indicadores de avaliação dos cursos de graduação entre eles
destaca-se o índice Conceito do Curso e o ENADE (Exame Nacional de Avaliação do
Desempenho de Estudantes).
Nos dados de Conceito
de Curso de 2019, temos avaliados 644 cursos, dos 908 ofertados (nem todos os
cursos foram avaliados devido ao tempo de oferta). Dos 644 cursos, 602 tem
notas 4 ou 3 em uma escala que vai de 1 a 5 pontos. Apenas 37 cursos (5,7%) do
total obtiveram nota 5, destes 09 são de instituições públicas (26,5% das
públicas) e 28 de privadas (4,6% das privadas).
Resumindo, no conceito
do curso (2019), 5,7% dos cursos avaliados tem nota 5 e 49,7% dos cursos
avaliados tem nota 4, sendo que 82,4% dos públicos tem nota 4 ou 5 e apenas 54%
dos privados.
No ENADE (2016),
tivemos no último exame de 2016, alunos egressos de 463 cursos que foram
avaliados. Também em uma escala de 1 a 5 pontos, 45,8% do total de cursos
tiveram nota 3, apenas 6,7% tiveram nota 5; 74,1% dos cursos tiveram notas 3 e
4, sendo que 72,4% dos cursos públicos tiveram notas 4 ou 5 e apenas 29,6% dos
privados.
Neste panorama ainda
temos cenários diferentes de atuação docente onde nas instituições públicas os
docentes fazem concurso específico para suas áreas de atuação e atuam em
ensino, pesquisa e extensão; fato que raramente é realizado nas instituições
privadas, no que se refere à produção de conhecimento. Nas instituições
privadas ainda o docente é responsável por mais de uma disciplina e nem sempre
com especialização e experiência na área de conhecimento.
A Fisioterapia, como
ciência, avançou muito nos últimos anos em número de publicações em revistas de
alto impacto, no número de profissionais titulados e no número de cursos de
pós-graduação strictu senso. Mas observamos que essa
produção científica não tem impactado na melhora da formação e do conhecimento
adquirido na graduação.
Será que os
pesquisadores, pensadores do Olimpo, se distanciaram demais da massa? Como impactar
nesse número tão crescente de profissionais se graduando pela América Latina?
Será que pesquisadores
brasileiros estão preocupados em solucionar as questões de nosso país com as
características e recursos que temos?
Será que com o esforço
em se manter revistas e publicações nacionais estamos publicando conhecimento
para nossa população de profissionais, que muitos nem o hábito de ler têm, quem
dirá em revistas internacionais e em outras línguas?
O mito da caixa de
Pandora, voltando à mitologia grega, quer significar que ao homem imprudente
são atribuídos os males humanos como consequência da sua falta de conhecimento.
Também é curioso observar como o homem depende de sua própria inteligência para
não ficar nas mãos do destino, das intempéries e dos próprios humanos.
Estamos abrindo a caixa
de Pandora da formação em Fisioterapia? Estamos sendo imprudentes no processo
de formação profissional?
Através de um “clique”,
um “download”, nosso “password” nos levará onde?