ARTIGO ORIGINAL
Prevalência de
incontinência urinária e perfil miccional de mulheres praticantes de Crossfit®
Prevalence of urinary incontinence and voiding pattern of Crossfit® practicing women
Larissa de Oliveira
Leal*, Mariana Alves Santos*, Nilce Maria de Freitas Santos, Ft., M.Sc.**, Lays Magalhães Braga,
Ft., M.Sc.***, Kelly Christina de Faria Nunes, Ft., M.Sc.****
*Graduanda no Curso de
Fisioterapia do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), **Professora
convidada do Instituto Brasileiro de Reabilitação e Aprimoramento (IBRAESP),
***Docente do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), ****Doutoranda
em Engenharia Biomédica pela UFU, Docente do Centro Universitário de Patos de
Minas (UNIPAM)
Recebido em 3 de
dezembro de 2019; aceito em 20 de março de 2020.
Correspondência: Larissa de Oliveira
Leal
Larissa de Oliveira
Leal: larissaleal22@hotmail.com
Mariana Alves Santos:
marianaalvez39@hotmail.com
Nilce Maria de Freitas
Santos: nilcemfsantos@hotmail.com
Lays Magalhães Braga:
laysmbraga@hotmail.com
Kelly Christina de Faria
Nunes: kellynhafisiofaria@gmail.com
Resumo
Introdução: A Incontinência
Urinária (IU) afeta 200 milhões de pessoas de todas as idades, sendo a maioria
mulheres. Segundo a International Continence Society (ICS) a IU é definida como qualquer
perda involuntária de urina e consiste em uma patologia que leva a diversos efeitos
sobre as atividades diárias, a interação social e percepção da própria saúde. Objetivo:
Avaliar a prevalência de perda de urina involuntária e padrão miccional em
mulheres praticantes de Crossfit® em de Patos de
Minas/MG. Métodos: Estudo transversal, exploratório, com abordagem
quantitativa em 3 academias de Patos de Minas, cuja amostra foi de 38 mulheres.
O perfil da amostra foi traçado por questionário contendo informações
sociodemográficas e antecedentes obstétricos elaborados pelas pesquisadoras. Aplicou-se
questionário específico para investigar a presença de IU e situações
relacionadas ao padrão miccional e outro para uma avaliação da incontinência
atlética que identificou o perfil de treinamento da atleta e as atividades
específicas do Crossfit®. Resultados:
Observou-se que 78,9% eram nulíparas, 13,2% tiveram parto do tipo vaginal e
7,9% partos cesárea. Apenas 7,9% da amostra apresentou incontinência atlética. Conclusão:
Apesar da queixa, houve baixa prevalência de Incontinência Atlética na amostra.
Palavras-chave: incontinência
urinária, assoalho pélvico, Crossfit®.
Abstract
Introduction: Urinary Incontinence (UI) affects 200 million people of all ages,
mostly women. According to the International Continence Society (ICS), UI is
defined as any involuntary loss of urine and consists of pathology that leads
to various effects on daily activities, social interaction and perception of
one’s own health. Objective: To evaluate the prevalence of involuntary
urine loss and voiding pattern in women practicing Crossfit®
in Patos de Minas/MG. Methods:
Cross-sectional, exploratory study with a quantitative approach in 2 Patos de Minas gyms, whose sample consisted of 38 women.
The sample profile was traced by a questionnaire containing socio-demographic
information and obstetric antecedents prepared by the researchers. A specific
questionnaire was applied to investigate the presence of UI and situations
related to voiding and other patterns and an assessment of athletic
incontinence that identified the athlete’s training profile and specific Crossfit® activities. Results: It was observed that
78.9% were nulliparous, 13.2% had vaginal delivery and 7.9% cesarean. Only 7.9%
of the sample had athletic incontinence. Conclusion: Despite the
complaint, there was a low prevalence of athletic incontinence in the sample.
Keywords: incontinence urinary, pelvic floor, Crossfit®
A Incontinência
Urinária (IU) é um problema crescente que afeta 200 milhões de pessoas de todas
as idades, sendo a maioria mulheres. Segundo a International
Continence Society (ICS) a IU é definida como
qualquer perda involuntária de urina e consiste em uma patologia que leva a
diversos efeitos sobre as atividades diárias, a interação social e percepção da
própria saúde [1]. Além disto, está relacionada ao bem-estar social e mental,
abrangendo problemas na vida sexual, constrangimento social, baixa autoestima e
depressão [2].
Sabe-se que um quarto
das mulheres entre 15 e 64 anos de idade já apresentaram algum episódio de IU,
e, entre estas, poucas procuram um serviço médico por causa da perda de urina.
A alta prevalência da IU no sexo feminino acontece devido a alguns fatores de
risco que contribuem para esta disfunção: idade, cirurgias pélvicas prévias,
gravidez, parto vaginal instrumentalizado, obesidade, menopausa e constipação.
Trata-se de uma condição embaraçosa que pode levar ao isolamento social e
redução da qualidade de vida [3].
A IU pode ser
classificada de acordo com o evento que leva à perda de urina. Ela é
didaticamente classificada em: incontinência urinária de esforço (IUE) que é a
perda urinária mediante um esforço, exercício físico, tosse ou espirro;
incontinência urinária de urgência (IUU) que leva a perda involuntária de urina
acompanhada por súbita e uma incontrolável vontade de urinar, difícil de ser
adiada e a IU mista na qual ocorrem sinais e sintomas dos dois tipos já citado
[4].
A IU feminina apresenta
uma incidência maior em atletas quando comparada às mulheres sedentárias e pode
trazer prejuízo ao rendimento do treinamento e à prática do esporte. Estudo
conduzido com atletas do sexo feminino verificou que o exercício físico pode se
tornar um vilão quando se trata de patologias do períneo [5]. Se malconduzido,
pode sobrecarregar a musculatura do assoalho pélvico, o que aumenta a chance de
as atletas apresentarem alterações nesta musculatura a médio e longo prazo [2].
Exercícios de grande
impacto sobrecarregam a musculatura abdominal e de MAP, (Músculos do assoalho
pélvico) gerando uma fraqueza muscular e por consequência o desenvolvimento da
perda urinária devido ao estresse sofrido ao longo do tempo por aquela musculatura
[3] As atletas, por sua vez, utilizam de métodos próprios para se proteger da
perda urinária adotando o uso de absorventes higiênicos, ou realizando micções
preventivas e controlando a ingestão de líquidos [6].
A carência de estudos
que busquem identificar fatores relacionados à perda de urina em mulheres
durante a prática do Crossfit®, associada ao
crescimento da participação feminina nesse esporte, aponta para a necessidade
de novas pesquisas que investiguem as características dessa população e as
condições de perda urinária. Portanto, torna-se necessário estabelecer a real
influência desta modalidade na perda urinária a fim de alertar os profissionais
da saúde envolvidos no treinamento destas mulheres e nortear o desenvolvimento
de estratégias preventivas e curativas contribuindo para melhor adesão e
desempenho das atletas em atividades esportivas.
Portanto, o objetivo do
presente estudo foi avaliar a prevalência de perda de urina e o perfil
miccional em mulheres praticantes de Crossfit® em
academias de Patos de Minas/MG.
Trata-se de um estudo
transversal, exploratório, com abordagem quantitativa. Foram solicitados aos
responsáveis das academias Studio Wagner Fagundes, On
Fitness e Vassalos, através do termo de coparticipante a autorização para a
realização da pesquisa nos respectivos estabelecimentos. O estudo foi submetido
ao comitê de Ética em pesquisa (CEP) do Centro Universitário de Patos de Minas
(UNIPAM) e recebeu sua aprovação sob o protocolo de número: 2.914.274.
A população do estudo
foi composta inicialmente por 40 mulheres praticantes de Crossfit®
de três academias de Patos de Minas. Após o recrutamento e triagem de acordo
com os critérios de inclusão e exclusão obtivemos uma amostra de 38 mulheres.
O estudo teve como
critérios de inclusão: mulheres maiores de 18 anos, sem sinais e/ou sintomas autorrelatados de menopausa e aceite com Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. E os critérios de exclusão: gestantes,
diabéticas, antecedente de cirurgia uroginecológica
prévia e presença de infecção urinária no momento da avaliação.
Para traçar o perfil da
amostra foi utilizado um questionário contendo dados sócio demográficos como:
escolaridade, renda mensal, estado conjugal, além de questões direcionadas aos
antecedentes obstétricos.
Em seguida, foi
aplicado um questionário específico e padronizado a fim de investigar a
presença de IU, conforme proposta de Sung et al.
[7]. Este instrumento é composto por questões que avaliam situações
relacionadas ao padrão miccional, bem como presença de vazamento e outros
sintomas urinários. Finalmente, a avaliação da incontinência atlética foi
realizada por outro questionário elaborado pelo grupo de pesquisa do projeto
Cross Continence Brazil,
que identificava o perfil de treinamento da atleta e as atividades específicas
do Crossfit® em que há perda involuntária de urina
[8].
Para a análise dos
dados foi construída uma planilha eletrônica, através do programa Excel®. Em seguida,
os dados foram transportados para o programa estatístico “Statiscal
Package for Social Sciences”
(SPSS) versão 23.0 para análise estatística. Foi realizada análise descritiva
por meio de medidas de tendência central (média) e de variabilidade (desvio
padrão) para as variáveis numéricas e distribuição de frequência para as
nominais.
A amostra analisada foi
composta por 38 mulheres jovens, com média de idade de 26 ± 8,11 anos e
apresentavam peso normal (IMC = 23,0 ± 2,86 kg/m²).
Ao traçar o perfil da
amostra, observou-se que, em relação à escolaridade, a maioria das mulheres
apresentavam um bom nível escolar, 36,8% (n = 14) tinham ensino superior
completo e 18,4% (n = 7) pós-graduação. Concernente a renda, 18,4% (n = 7) das
mulheres tem renda entre 3 e 5 salários mínimos e apenas 7,9% (n = 3) mais que
5 salários mínimos.
Tabela I - Distribuição de
frequência (%) das variáveis sociodemográficas da amostra, Patos de Minas 2018.
*Salário mínimo: R$
937,00
Ao avaliar os
antecedentes obstétricos, observou-se que 78,9% eram nulíparas, 13,2% tiveram
parto do tipo vaginal e apenas 7,9% partos cesárea (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Distribuição da
frequência (%) quanto ao tipo de parto da amostra. Patos de Minas, 2018.
Na avaliação do padrão
miccional bem como a prevalência de IU (Tabela II), observou-se que a maioria
(89,5%) não apresentaram vazamento urinário e apenas 10,5% relataram perder
urina antes de chegar ao banheiro.
Ao indagar sobre o ato
miccional, notou-se que apenas 5,3% relataram ter a sensação que a bexiga não
esvaziou e 5,3% sentir demora ao iniciar a micção; sendo estes sinais
encontrados apenas pelas mulheres que apresentaram perda de urina.
Quanto à interrupção do
fluxo urinário, notou-se que grande parte das mulheres (60,5%) relataram
facilidade neste ato, demonstrando uma boa percepção dos MAP.
Tabela II - Distribuição de
frequência (%) do questionário para investigar a IUE. Patos de Minas, 2018.
Na avaliação do perfil
de treinamento conforme demonstra a Tabela III, verificou-se que a maioria das
mulheres (55,4%) prática Crossfit® há menos de 1 ano.
Relação essa que quanto mais tempo submetido ao estresse da musculatura,
maiores são as chances de desenvolver IUE.
Tabela III - Distribuição de
frequência (%) quanto ao perfil de treino da amostra.
Ao avaliar a presença
de perda urinária durante a prática do treino de Crossfit®,
notou-se que apenas 7,9% da amostra apresentou incontinência atlética conforme
pode ser visto no Gráfico 2.
Gráfico 2 – Distribuição da
frequência (%) quanto a presença de perda urinária pelas praticantes da
pesquisa.
O presente estudo
partiu da hipótese que a prática do Crossfit® levaria
a perda de urina durante a realização do exercício, já que atividade física de
alto impacto e alto rendimento é um fator de risco importante de prevalência de
IU. Segundo Da Roza et al. [9], a incidência de IUE aumenta consideravelmente
de acordo com a frequência de impacto sobre o períneo e pode tornar também
frequentes os episódios de perda.
Borghetti e Costa [10]
ao analisar a presença de perda urinária em 32 mulheres multíparas praticantes
de atividade física, observou que apenas 34,3% destas tiveram perda durante o
exercício uma vez por semana ou menos. Em outra pesquisa realizada em Taubaté,
com mulheres praticantes de atividade física de academias, também foi
encontrada uma prevalência de 34% de sinais e sintomas de Incontinência
Urinária de Esforço [3]. Já estudo realizado com ex
atletas de trampolim acrobático mostrou que as ginastas que tinham perda
involuntária de urina quando jovens, 76% continuaram a perder, mesmo após a
interrupção do esporte [11].
No presente estudo,
apenas 7,9% apresentaram perda urinária durante o treino de Crossfit®
e 10,5% relataram vazamento urinário do tipo urge-incontinência, ou seja, antes
de chegar ao banheiro. Corroborando estes dados, uma pesquisa realizada em
academias na cidade de Jundiaí/SP verificou que apenas 34% das participantes
referiram escape durante o exercício físico e 74% relataram não ter nenhuma
queixa em relação ao ato miccional [10].
Resultados divergentes
foram observados por Araújo et al. [8] no setor de Ginecologia do
Esporte da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo,
apontando um número de 76% de perda urinária em mulheres atletas. Estudo
realizado no interior de São Paulo com mulheres jovens praticantes de exercícios
físicos também encontrou resultado divergente, pois a incontinência urinária
foi autorrelatada em 42,5% da amostra [12].
Acredita-se que esta divergência possa estar relacionada ao fato de serem
modalidades de exercícios físicos diferentes do estudado no presente estudo, e
que sendo assim ativam a musculatura do assoalho pélvico de forma diferente.
Além da investigação
quanto a perda urinária associada a atividade física, deve-se destacar a idade
avançada, a multiparidade e a obesidade como fatores
de risco para a IU. Porém, neste estudo, a média de idade das mulheres foi de
26 ± 8,11 anos, apenas 21,1% delas já tiveram algum parto e estavam com peso
normal o que pode explicar o presente resultado.
Por outro lado, sabe-se
que o aumento do impacto da pressão abdominal proporcionado por atividades de
alto impacto, pode levar a uma pré-contração dos músculos do assoalho pélvico
(MAP), resultando em um efeito de treinamento dos músculos, diminuindo a perda
urinária aos esforços [13,14]. Na presente pesquisa, observou-se que 60,5% das
voluntárias conseguem interromper o jato miccional com facilidade, demostrando
que possuem uma boa percepção de MAP.
Sapsford e Hodges
afirmam que uma ativação muscular involuntária associada a uma contração
voluntária dos músculos abdominais denominada de coativação
foi observada nos indivíduos em pé; isto porque na posição vertical há aumento
das forças hidrostáticas do abdômen e assoalho pélvico como resultado da ação
da gravidade [15]. Hipótese essa que pode ser justificada pelo fato que
mulheres praticantes de atividade física conseguem ter uma musculatura mais
fortalecida e preparada aos impactos do que mulheres inativas.
Conclui-se que as
praticantes de Crossfit® relataram perda urinária e
urge-incontinência durante a prática. A baixa prevalência de incontinência
atlética em mulheres encontrada no presente estudo foi justificada pelas
características da amostra não enquadrarem ao público de risco, sendo um
público jovem, a maioria nulíparas e com pouco tempo da prática esportiva.