OPINIÃO

Interdisciplinaridade em cuidados paliativos em neurologia: um olhar para o idoso

 

Marco Orsini*, Adalgiza Mafra Moreno**, Renata Castro** Victor Hugo Bastos***, Rossano Fiorelli****, Giseli Roque****, Marco Antonio Alves Azizi**

 

*Programa de Mestrado em Ciências Aplicadas em Saúde, Universidade de Vassouras; Universidade Iguaçu UNIG/RJ, Programa de Mapeamento Cerebral e Funcionalidade UFPI, **Universidade Iguaçu UNIG/RJ, ***Universidade Federal do Piaui UFPI, Programa de Mapeamento Cerebral e Funcionalidade, ****Universidade de Vassouras/RJ

 

Marco Orsini: orsinimarco@hotmail.com.

Adalgiza Mafra Moreno: adalgizamafra@gmail.com

Renata Castro: castrorrt@gmail.com

Victor Hugo Bastos: victorhugobastos@ufpi.edu.br

Rossano Fiorelli: fiorellirossano@hotmail.com

Giseli Roque: g.roque@gmail.com

Marco Antonio Alves Azizi:  masisi@gmail.com

 

 

O processo acelerado de envelhecimento da população brasileira impõe desafios urgentes e prioritários na área da saúde. Segundo dados recentes do IBGE o número de idosos no país aumentou mais de 50% na última década. Hoje, 11% da população são maiores de 60 anos. A projeção para 2050 é de que a expectativa média de vida alcance os 82 anos, caso o comportamento sócio demográfico continue nesse ritmo, o percentual de idosos no Brasil vai ultrapassar os 22% [1,2].

Com o aumento da expectativa de vida do brasileiro, encontramos cada vez mais em nossos serviços, pessoas portadoras de doenças neurológicas que necessitam de cuidados paliativos. Por exemplo, a Doença de Alzheimer é progressiva e incurável desde o momento do diagnóstico, sendo seu curso previsível e, assim como o de outras doenças crônicas, ideal para a aplicação de Cuidados Paliativos [3,4].

Cerca de 25,5 milhões de pessoas com graves problemas de saúde, que requerem cuidados paliativos, morrem no mundo todos os anos. Os Governos têm a responsabilidade, sob a Cobertura Universal de Saúde, de fornecer recursos para a prestação de cuidados, a fim de garantir que os pacientes tenham serviços de cuidados paliativos de acordo com suas necessidades [4,5].

Como os pacientes vivem cada vez mais tempo, com doenças neurológicas, existe uma necessidade crescente de integrar totalmente cuidados paliativos com cuidados neurológicos. Um paciente com doença neurológica em cuidados paliativos necessita, além da família e dos amigos, de uma equipe multidisciplinar que varia de acordo com suas necessidades, com envolvimento de diferentes profissões, integradas com o mesmo fim [3,4].

Normalmente essa equipe é composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista, assistente social e assistente espiritual. Todos trabalham em conjunto para atingir os objetivos do cuidado, e assim, manter um dos princípios do cuidado paliativo que é oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte [3,4,6].

Sintomas como dor, dispnéia, náusea, vômito e delirium, entre outros, precisam ser avaliados com rapidez, principalmente no que diz respeito às causas reversíveis e aos casos em que existe a possibilidade de boa resposta com uso de terapias medicamentosas e não- medicamentosas para controle desses sintomas e conforto do paciente [3,4,6].

As doenças neurológicas, que cursam com a perda da capacidade funcional, deixam os pacientes cada vez mais dependentes. A deterioração progressiva da capacidade física e/ou da função cognitiva mesmo com a terapia otimizada; a dificuldade progressiva de comunicação e/ou deglutição; as pneumonias aspirativas recorrentes; a falta de ar ou insuficiência respiratória são indicadores clínicos de condições avançadas da doença e processo de morte [3,7-9].

No trabalho do profissional de saúde que lida com pacientes com grave prejuízo da linguagem é fundamental observar o que provoca fácies de dor para melhor controle. Sintomas persistentes, apesar do tratamento das condições de base, são um dos indicadores gerais da piora da saúde [3,6,9].

O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO descreve que, a atuação do Fisioterapeuta se caracteriza pelo exercício profissional em todos os níveis de atenção à saúde, em todas as fases do desenvolvimento ontogênico utilizando recursos de ação isolada ou concomitante de agente cinésio-mecano-terapêutico [10].

A intervenção fisioterapêutica atua realizando posicionamento no leito, sedestação, ortostatismo, deambulação, além de planejar e executar estratégias de adaptação, readaptação, orientação e capacitação dos pacientes visando a maior funcionalidade do paciente crítico ou potencialmente crítico [10].

Nos cuidados com pacientes neuro-paliativos que apresentam sintomas respiratórios, como sono ruim e interrompido, sinais de respiração superficial ou apneia, o profissional de fisioterapia deve avaliar e monitorar os parâmetros cardiorrespiratórios, inclusive em situações de deslocamento do paciente crítico ou potencialmente crítico. Os sintomas respiratórios geralmente surgem quando a capacidade vital forçada é menor que 50 % [3,7-9,11,12].

Para melhora da qualidade de vida, sobrevida e diminuir a taxa de declínio respiratório se faz recomendável à ventilação não invasiva (VNI) à noite. Menos de 5% dos pacientes optam por traqueostomia e ventilação mecânica. Não obstante, a equipe de cuidados paliativos deve se manter sempre atenta para desenvolver estratégias para reconhecer e minimizar os efeitos iniciais de exaustão física e mental [3,7-9,11,12].

O Cuidado Paliativo não se baseia em protocolos, mas sim em princípios para cuidar dessas pessoas. Não se fala mais em terminalidade, mas em doença que ameaça a vida, por isso, o cuidado deve começar desde o diagnóstico. Também não falamos na impossibilidade de cura, e sim, na possibilidade ou não de tratamento modificador da doença, para afastar a ideia de “não ter mais nada a fazer [3-6,9].

Independente da patologia de base, os Cuidados Paliativos, visam aliviar o sofrimento e agregar qualidade à vida e ao processo de morrer; pretendem prevenir a ocorrência de novos problemas e promover oportunidades para experiências significativas e valiosas, crescimento pessoal, espiritual e autorrealização [3,6].

Faz-se importante ressaltar que, apesar de não haver leis constitucionais especificas sobre os Cuidados Paliativos no Brasil, ocorreram na última década diversos avanços nesse sentido; Em 2009, o Conselho Federal de Medicina (CFM), incluiu, pela primeira vez na história da Medicina brasileira, os Cuidados Paliativos como princípio fundamental no novo Código de Ética Médica e publicou diferentes resoluções relacionadas ao tema promovendo reflexões e avanços importantes nessa área 3,13].

Destacando-se quatro delas: sobre a legitimidade da ortotanásia (Resolução CFM 1.805/06); sobre o novo Código de Ética Médica no qual os cuidados paliativos são diretamente mencionados (Resolução CFM 1.931/09); regra que define a Medicina Paliativa como área de atuação (Resolução CFM 1.973/12) e a Resolução CFM 1.995/12, sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade [13].

A atuação da equipe de cuidados paliativos é permeada por variados conflitos, sentimentos e emoções, que requerem não apenas uma capacitação técnico-científica, mas exigem sobretudo, um preparo profissional e emocional para promover uma assistência de qualidade visando garantir a segurança e a redução de sofrimento do paciente e de seus cuidadores [3,7,13-15].

As constantes situações de enfrentamento frequente com a morte são fatores que podem ameaçar a atmosfera desse ambiente, tornando-o mais estressante tanto para os profissionais quanto para o paciente e seus familiares. Além de habilidade na tomada de decisão, é exigida do profissional de saúde, que atua em cuidados paliativos, competência técnica no controle dos sintomas e sensibilidade para uma comunicação clara e acolhedora com o paciente e familiar, tirando suas dúvidas e os tranquilizando [3,6,9,13-15].

Vale ressaltar que a participação da família é fundamental, porém, as doenças crônicas degenerativas causam um desgaste considerável das relações familiares, com alto risco de sobrecarga dos cuidadores. A família é incluída durante todo o tratamento e deve ser assistida também após a morte do paciente, no período de luto. Nesse contexto, se faz importante não subestimar a importância emocional de ajudar os pacientes referente a atingir seus objetivos pessoais [3,6-9].

Profissionais que atuam nos cuidados paliativos devem ter conhecimentos e habilidades para oferecer aos pacientes um cuidado humanizado, respeitando suas necessidades física, social, psíquica e espiritual que são comuns a todos os indivíduos, apenas variando na maneira como são cumpridas, expressas ou satisfeitas. Mas são fundamentais para a manutenção e promoção de saúde. No entanto, com o paciente crítico, essas premissas adquirem um significado diferenciado, uma vez que este paciente dificilmente buscará ou alcançará sua satisfação pessoal sozinho [3,6-9].

Desse modo, tendo como objetivo minimizar o sofrimento dos pacientes graves durante a hospitalização, os profissionais atuantes em unidades de cuidados paliativos devem prezar pelo atendimento de forma humanizada, buscando preservar no cotidiano hospitalar sentimentos como compaixão, respeito, buscando sempre a aproximação dos familiares do cuidado com o paciente [3,6,16].

Pela primeira vez, a espiritualidade é abordada como uma das dimensões do ser humano, junto com a física, social e psíquica. As pessoas querem ter suas necessidades espirituais atendidas quando estão enfermas e, principalmente, perto da morte. Trabalhar com a espiritualidade é um fator muito importante para lidar com o sofrimento do paciente, cuidadores e até da equipe de assistência. Pessoas que encontram conforto na espiritualidade ou na religiosidade encontram menos dificuldades durante o processo de adoecimento e finitude [3,6.9].

 

Referências

 

  1. Brasil. Populações e políticas sociais no Brasil: os desafios da transição demográfica e das migrações internacionais. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência da República: Brasília, 2008.
  2. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo Demográfico 2010 - características da população e dos domicílios: resultados do universo. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/sinopse.pdf
  3. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho, RT, Parsons HÁ, eds. Manual de Cuidados Paliativos. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP); 2012. p.23-30-474-478.
  4. Fechine BRA, Trompieri N. O processo de envelhecimento: as principais alterações que acontecem com o idoso com o passar dos anos. Inter Science Place 2012;(1):106-32.
  5. Connor SR, Bermedo MCS. Global Atlas of palliative care at the end of life. http://www.thewhpca.org/resources/globalatlas-on-end-of-life-care
  6. Ohio Health Hospice, Columbus. Vamos falar de Cuidados Paliativos. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). https://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/05/vamos-falar-de-cuidados-paliativos-vers--o-online.pdf
  7. Kleopa KA, Sherman M, Neal B, Romano GJ, Heiman-Patterson T. Bipapimproves survival and rate of pulmonary function decline in patients with ALS. J Neurol Sci 1999;164:82-8. https://doi.org/10.1016/s0022-510x(99)00045-3 
  8. Creutzfeldt CJ, Robinson MT, Holloway RG. Neurologists as primary palliative care providers approaches: Communication and practice. Neurol Clin Pract 2016;6;40-8. https://doi.org/10.1212/cpj.0000000000000213 
  9. Lopes de Souza PT et al. Basic human needs in intensive care. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental 2019;11(4):1011-6. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i4.1011-1016
  10. COFFITO. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia. https://www.coffito.gov.br
  11. Lyall RA, Donaldson N, Fleming T et al. A prospective study of quality of life in ALS patients treated with noninvasive ventilation. Neurology 2001;57:153-6. https://doi.org/10.1212/wnl.57.1.153 
  12. Bradley WG, Anderson F, Bromberg M et al. Current management of ALS: comparison of the ALS CARE Database and the AAN Practice Parameter. The American Academy of Neurology. Neurology 2001;57:500-4. https://doi.org/10.1212/wnl.57.3.500 
  13. Gomes ALZ, Othero MB. Cuidados paliativos / Estudos Avançados 2016;30(88). https://doi.org/10.1590/s0103-40142016.30880011
  14. Pirolo SM, Ferraz CA, Gomes R. A integralidade do cuidado e ação comunicativa na prática interprofissional da terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP 2011;45(6):1396-402. https://doi.org/10.1590/s0080-62342011000600017 
  15. De Araujo Neto JD et al. Profissionais de saúde da unidade de terapia intensiva: percepção dos fatores restritivos da atuação multiprofissional. Revista Brasileira em Promoção da Saúde 2016;29(1):43-50. https://doi.org/10.5020/18061230.2016.p43 
  16. Mondadori AG et al. Humanization of physical therapy in an Intensive Care Unit for adults: a cross-sectional study. Fisioter Pesqui 2016;23(3):294-300.