Fisioter
Bras 2021;22(2):120-31
ARTIGO
ORIGINAL
Associação
entre funcionalidade e tempo de permanência de pacientes críticos em UTI
Association between functionality
and length of stay of critical ICU patients
Sarah
Maria Ramos*, José Vinicius de Souza Vaceli*, Odete Mauad Cavenaghi**, Juliana Rodrigues Correia Mello**,
Marcus Vinicius Camargo de Brito**, Murilo José Fernandes**, Lucas Lima
Ferreira**
*Programa
de Aperfeiçoamento em Fisioterapia Respiratória Adulto, Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto (FAMERP), **Serviço de Fisioterapia, Unidade de
Terapia Intensiva Geral, Hospital de Base, São José do Rio Preto, SP
Recebido
em 10 de janeiro de 2020; aceito em 19 de janeiro de 2021.
Correspondência: Lucas Lima Ferreira, R. Jamil Feres Kfouri, 51/22, Jardim Panorama 15091-240 São José do Rio
Preto SP
Sarah Maria Ramos: sarah.ramos1@hotmail.com
José Vinicius de Souza Vaceli:
jose_viniciu@hotmail.com
Odete Mauad Cavenaghi:
bebelmauad2009@hotmail.com
Juliana Rodrigues Correia Mello:
juliana.correia@hospitaldebase.com.br
Marcus Vinicius Camargo de Brito: marcusbrito@hotmail.com
Murilo José Fernandes: murilo.fer_10@hotmail.com
Lucas Lima Ferreira: lucas_lim21@hotmail.com
Resumo
Introdução: A imobilidade no leito de pacientes em
unidades de terapia intensiva (UTI) favorece o maior tempo de permanência na
unidade. Objetivos: Comparar a funcionalidade na admissão e na alta da
UTI segundo a especialidade médica e correlacionar a funcionalidade na alta com
o tempo de internação na UTI. Métodos: Estudo exploratório,
longitudinal, realizado na UTI Geral de um hospital escola. Os pacientes foram
divididos em grupos de acordo com a especialidade de internação: neurologia,
pneumologia, gastroenterologia, politrauma e outros. O estado funcional prévio
à internação foi obtido por meio da medida de independência funcional (MIF). Na
alta foi aplicada a escala de mobilidade funcional em UTI (EMU). Resultados:
Amostra de 174 pacientes, 53% do sexo masculino. O grupo politrauma apresentou
idade significativamente menor que os outros grupos (p < 0,0001). O tempo
médio de internação para os grupos neurologia e pneumologia apresentou
correlação inversamente proporcional com p = 0 ,02 / r = -0,5 e p = 0,009 / r =
-0,4 respectivamente. Não houve diferença significativa entre as médias da MIF
na admissão (p = 0,11) e da EMU na alta (p = 0,24) entre as especialidades
médicas em que os pacientes foram admitidos. Conclusão: Quanto maior o
tempo de internação na UTI, menor a funcionalidade na alta em pacientes
neurológicos e pneumopatas.
Palavras-chave: unidades de terapia intensiva;
limitação da mobilidade, tempo de internação, fisioterapia.
Abstract
Introduction: Patients on
bed rest in intensive care units (ICU) prolong length of stay in the unit.
Objectives: To compare ICU admission and discharge functionality according to
medical specialty, and to correlate ICU discharge functionality with ICU length
of stay. Methods: Longitudinal exploratory study, performed at the
General ICU of a teaching hospital. The patients were divided into groups
according to the hospitalization specialty: neurology, pneumology,
gastroenterology, polytrauma and others. The functional status prior to
hospitalization was obtained through the functional independence measure (FIM).
At discharge, the ICU functional mobility scale (FMS) was applied. Results:
A sample of 174 patients, 53% male. The polytrauma group was significantly
younger than the other groups (p < 0.0001). The mean length of stay for the
neurology and pneumology groups was inversely proportional to p = 0.02 / r =
-0.5 and p = 0.009 / r = -0.4, respectively. There was no significant
difference between the mean FIM at admission (p = 0.11) and FMS at discharge (p
= 0.24) between the medical specialties at which patients were admitted. Conclusion:
The longer the patient stays in the IC, the lower functionality at discharge in
neurological and lung disease patients.
Keywords: intensive care unit; limitation
of mobility; length of stay; physiotherapy.
A unidade de terapia intensiva (UTI) é designada a
assistência de pacientes graves ou de risco, potencialmente recuperáveis, que
demandam assistência intensiva [1]. A fraqueza muscular generalizada é uma
complicação muito comum e frequente nestes pacientes, que diante do quadro
clínico, desenvolvem um declínio musculoesquelético pelo desuso [2]. Sua
incidência ocorre em 30% a 60% dos pacientes internados em UTI [3].
A imobilidade acomete diversos órgãos e sistemas, no
sistema osteomioarticular pode ser observada a
diminuição da força muscular [4] pela metade em menos de duas semanas, e um
declínio de até 1,5 kg de peso ao dia se associado a sepse [2]. Além da fraqueza
muscular adquirida, a redução na capacidade funcional, na qualidade de vida e
aumento da taxa de mortalidade são consequências decorrentes do repouso
prolongado no leito e podem persistir por até 5 anos após a alta hospitalar
[5].
O repouso absoluto foi mantido, por muito tempo, como a
melhor forma de tratar os pacientes em estado crítico, pois pensava-se que eles
não seriam capazes de resistir a qualquer tipo de estímulo naquele estado [6].
Em consequência do imobilismo, os pacientes críticos podem possuir aumento do
tempo de hospitalização e de seus custos, perda da funcionalidade, apoio
familiar e maior tempo de recuperação após a alta, decorrentes do
comprometimento dos diversos órgãos e sistemas [7].
Considera-se que uma das formas de prevenir e/ou evitar a
fraqueza muscular adquirida na UTI e a piora da funcionalidade é a mobilização
precoce que, por sua vez, faz parte do processo de reabilitação dos pacientes
críticos [8]. A mobilização precoce é uma das propostas de terapia significativa
na modificação do risco de desenvolvimento de sequelas ao nível da mobilidade
física e funcional, relacionadas com a perda de força muscular que origina a
fraqueza adquirida em cuidados intensivos [9]. A mesma não deve ser iniciada
apenas quando há a retirada da ventilação mecânica e/ou alta da UTI, e sim logo
que ocorrer a estabilidade hemodinâmica, em que será possível incluir
atividades como mobilizações, treinos em ortostatismo, sentado no leito,
treinos de transferências do leito para cadeira e vice-versa e deambulação
[10]. A progressão da mobilização precoce está associada a condição clínica e
funcional destes indivíduos, podendo evoluir com a deambulação ainda no
ambiente de cuidados intensivos [11].
Para o fisioterapeuta é de suma importância a aplicação de
escalas de funcionalidade em pacientes críticos, já que a independência
funcional de indivíduos em ambientes de UTI é diretamente afetada pelo uso de
bloqueadores neuromusculares e medicações de uso prolongado, assim como o tempo
de internação na UTI e/ou em uso de ventilação mecânica invasiva [12]. Por meio
destas escalas, o terapeuta tem como objetivo principal minimizar a perda
funcional adquirida, além de preservar a capacidade de manter as habilidades
necessárias para realização das atividades cotidianas, com ênfase em
transferência e locomoção [12].
Os objetivos deste estudo foram comparar a funcionalidade
de pacientes internados em UTI na admissão e na alta segundo a especialidade
médica e correlacionar a funcionalidade na alta com o tempo de internação na
UTI.
Trata-se de um estudo do tipo exploratório, longitudinal,
com abordagem quantitativa, realizado na UTI Geral do Hospital de Base de São
José do Rio Preto, no período de junho a outubro de 2018. O estudo foi
submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer nº
3.069.342.
Foram incluídos todos os indivíduos internados nesta
unidade, com idade acima de 14 anos, independentemente de sua patologia. Foram
excluídos indivíduos que evoluíram a óbito durante a pesquisa, indivíduos em
que não foi possível realizar a coleta de dados por não comparecimento de
familiar e/ou responsável.
Para avaliar a mobilidade dos pacientes foram utilizados os
domínios transferência cama-cadeira e locomoção da medida de independência
funcional (MIF) [13]. Esta escala tem como objetivo mensurar a capacidade de o
indivíduo realizar diversas tarefas do dia a dia, bem como a função cognitiva.
A MIF foi aplicada na admissão e respondida por um familiar ou pelo próprio
paciente, se consciente e orientado, para uma avaliação do estado funcional
prévio. Foi questionado como o indivíduo se comportava em casa, nas últimas 48
horas anteriores a internação, em relação a sua mobilidade: transferências para
cadeira ou cadeira de rodas, vaso sanitário, banheira ou chuveiro; e referente
a sua locomoção: marcha ou cadeira de rodas. Para cada um desses itens foi dado
uma pontuação que variou de um – dependência completa – a sete – independência
completa [13]. De acordo com o protocolo de mobilização precoce utilizado na
UTI e para fins deste estudo, o escore total dos dois domínios da MIF
utilizados, variou entre 4 e 28 pontos, em que se classificou o nível entre
4-11 pontos, como indivíduo previamente dependente; entre 12-23 pontos,
indivíduo previamente semi dependente; e escore entre
24-28 pontos, indivíduo previamente independente.
Logo após a classificação do estado funcional prévio, foi
traçada uma meta para cada indivíduo, de maneira individualizada e a tentativa
de se alcançar a máxima reabilitação com ênfase no nível pré-estabelecido para
cada um.
O protocolo de mobilização precoce possuiu três fases de
reabilitação, a Fase I consistia em mudanças de decúbito e posicionamento funcional,
mobilização passiva e sedestação passiva fora do
leito; Fase II composta por exercícios ativo-assistidos e ativos no leito, uso
de cicloergômetro, sedestação
à beira do leito, transferência da cama para a poltrona e exercícios na
poltrona; Fase III formada por ortostatismo, marcha estacionária e deambulação
com ou sem auxílio.
No momento da alta foi aplicada a escala de mobilidade
funcional em UTI (EMU) pontuada de 0 a 10, com uma pontuação de 0 significando
baixa mobilidade – paciente capaz de realizar apenas exercícios passivos na
cama – e uma pontuação de 10 que equivale a alta mobilidade – paciente capaz de
deambulação independente, sem ajuda [8].
Os indivíduos foram divididos em grupos de acordo com a
especialidade para a qual foram internados: neurologia, pneumologia,
gastroenterologia, politrauma e outros, como hepatologia, nefrologia,
ortopedia, vascular, endocrinologia, ginecologia e obstetrícia.
Para a análise estatística dos dados recolhidos,
elaborou-se uma tabulação contendo a data de admissão, quantidade de dias em
que os indivíduos ficaram em cada fase e etapas de cada fase, pontuação de
classificação da MIF, pontuação do índice da EMU, data da alta e dias de
internação, internação por especialidade. Foi realizada estatística inferencial
com o teste de Kolmogorov-Smirnov para analisar a
normalidade dos dados, foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis
com pós-teste de Dunn ou ANOVA one-way com pós teste
de Tukey para comparar os grupos e o coeficiente de
correlação não linear de Spearman. Considerou-se
significativo valor de p ≤ 0,05. As análises foram executadas no programa
Graphy Pad Instat versão 3.0 para Windows.
O presente estudo analisou 278 pacientes admitidos na UTI,
destes, 104 foram excluídos e a amostra final foi de 174 pacientes (Figura 1).
Figura
1 – Fluxograma da
seleção dos pacientes do estudo
Houve
prevalência do sexo masculino (53%) e a idade média da amostra foi de 52,72 ±
17,14 anos (Tabela I).
Tabela
I – Características
sociodemográficas e clínicas dos pacientes
M = masculino; F = feminino; MIF = medida
de independência funcional; EMU = escala de mobilidade em UTI
O grupo politrauma apresentou idade significativamente
menor em relação aos outros grupos (p < 0,0001) de acordo com a Tabela II.
Tabela
II – Características
sociodemográficas e clínicas dos pacientes por especialidade
M = masculino; F = feminino. tANOVA one-way com pós-teste de Tukey. *Teste de Kruskal-Wallis
com pós-teste de Dunn
Não foi verificada diferença significativa entre as médias
da MIF na admissão (p = 0,11) e da EMU na alta (p = 0,24) entre as
especialidades médicas segundo as quais os pacientes foram admitidos (Tabela
III).
Tabela
III – Comparação da
MIF na admissão e da EMU na alta segundo as especialidades médicas para as
quais os pacientes foram admitidos na UTI
MIF = medida de independência funcional;
EMU = escala de mobilidade em UTI; *teste de Kruskal-Wallis
com pós-teste de Dunn
Na Figura II estão apresentados os gráficos de correlação
entre a EMU no momento da alta da UTI com o tempo de internação, em dias,
segundo a especialidade clínica de admissão dos pacientes do estudo.
Verificou-se correlação significativa inversamente proporcional entre os
pacientes internados pela neurologia (p = 0,02 / r = -0,5) e pneumologia (p =
0,009 / r = -0,4).
Diante dos resultados encontrados, constatou-se que os
pacientes com um estado funcional prévio de independência, evoluíram com
moderada mobilidade no momento da alta. Observou-se correlação significativa
inversamente proporcional da EMU em relação ao tempo de internação, nos
pacientes internados pelas especialidades neurologia e pneumologia, ou seja, os
pacientes destas especialidades permaneceram mais dias internados, obtiveram
pior funcionalidade na alta.
Jesus et al. [14] avaliaram a variação da
mobilidade, por meio dos domínios transferência e locomoção da MIF, durante a
internação em UTI e sua associação com mortalidade hospitalar. Os autores
observaram que houve declínio de mobilidade durante a internação na UTI, e que
este foi maior nos pacientes que ficaram mais que 48 horas na unidade e nos que
usaram drogas vasopressoras. Não houve diferença na perda de mobilidade na
comparação das variáveis paciente idoso, motivo de internação, uso de
ventilação mecânica e óbito. Tais resultados corroboram o presente estudo, que
utilizou o mesmo instrumento para mensuração da funcionalidade dos pacientes no
momento da internação na UTI, e demonstraram similaridade ao fato de não haver
diferença na mobilidade segundo o motivo de internação.
Os resultados demonstraram que houve mais admissões do sexo
masculino (53%) em relação ao sexo feminino (47%), o que condiz com estudos de
diversos autores que apresentam maior prevalência de internação do gênero
masculino nas UTI [15,16,17] e este cenário pode ser oriundo do baixo empenho dos
homens em cuidar da própria saúde.
No que diz respeito aos motivos de internação, Castro et
al. [18] apontam que 15% foram internados para a especialidade de neurologia e
12% para a pneumologia, enquanto neste estudo foi observado taxas maiores para
ambas as especialidades de 19,5% e 21% respectivamente. A maior taxa foi vista
no grupo outros com 29%, o qual contém diversas especialidades como
hepatologia, nefrologia, ortopedia, vascular, endocrinologia, ginecologia e
obstetrícia. Tal achado pode ser explicado por se tratar de uma UTI geral, na
qual são admitidos pacientes de diversas especialidades.
A média de tempo de internação considerando todas as
especialidades foi de 7,1 dias. Ao analisar as especialidades separadamente, a
pneumologia apresentou a maior média de 9,8 dias, ao passo que a menor média
observada foi para o grupo outros com 4,9 dias. A média geral de 7,1 dias se
equipara a valores médios obtidos em outros estudos, os quais apresentam
valores médios de tempo de internação de dez, oito, cinco dias [18,19,20], no
entanto, difere de outros estudos com média de 7 a 28 dias de internação
[21,22,23] como consequência de uma internação prolongada na qual o paciente fica
mais restrito ao leito, podendo apresentar modificações da coordenação,
equilíbrio e força muscular, ou seja, alteração da funcionalidade.
A = Grupo neurologia; B = Grupo
pneumologia; C = Grupo gastroenterologia; D = Grupo traumatologia; E – Grupo
outras especialidades
Figura
2 - Correlação não
linear de Spearman entre a EMU na alta da UTI com o
tempo de internação segundo a especialidade clínica na admissão
Diversos são os fatores que podem influenciar o declínio
funcional após uma internação em UTI. Peres et al. [24] mostraram que
houve um declínio significativo na capacidade funcional imediatamente após a
alta do setor, já Martinez et al. [25] evidenciaram que há diminuição na
independência funcional de aproximadamente 30% no momento da alta quando
comparado a admissão indicando a maior perda no domínio transferência e
locomoção. Esses itens avaliados no presente estudo demonstraram que mesmo
aqueles pacientes que apresentaram independência completa, de acordo com a MIF
na admissão, apresentaram também comprometimento na locomoção, caracterizada
por um escore médio de sete pontos na EMU, que indica deambulação com auxílio,
no momento da alta.
O estudo apresenta algumas limitações como a não mensuração
da dosagem e do tempo de uso de drogas vasopressoras e drogas sedativas, os
quais podem ter repercussões sobre a mobilidade desses pacientes. Não organizar
as especialidades por abordagens clínica ou cirúrgica também influenciou os
resultados, pois as condutas e o tempo de reabilitação após os procedimentos
são diferentes. Optou-se por excluir os pacientes que evoluíram a óbito, porém
fica a lacuna se a funcionalidade interferiu na mortalidade. A idade é outro
fator limitante deste estudo, uma vez que não foi delimitada uma faixa etária,
sendo comparados pacientes jovens, adultos e idosos, e, sabe-se que quanto mais
avançada, maior a relação com piores desfechos e com o declínio da
funcionalidade.
A implementação de escalas funcionais na terapia intensiva
pode embasar sobre a funcionalidade prévia dos pacientes admitidos, e, assim,
traçar metas terapêuticas individualizadas para se alcançar o máximo nível de
reabilitação até o momento da alta da UTI, de acordo com o quadro clínico,
patologia e presença ou não de comorbidades de cada paciente.
Não houve diferença entre a funcionalidade na admissão e na
alta da UTI entre as especialidades médicas em que os pacientes foram
admitidos. Quanto maior o tempo de internação na UTI, menor a funcionalidade na
alta em pacientes neurológicos e pneumopatas.