REVISÃO

Equoterapia sobre o desempenho funcional em crianças com paralisia cerebral: uma revisão sistemática

Equotherapy on functional performance in children with cerebral paralysis: a systematic review

 

Márcia Bianca Ferreira Silva*, Thialy Miranda Silva Santos*, Valdemy Novaes Costa Junior**, Roberto Moreno de Barros***, André Luiz Lisboa Cordeiro****

 

*Graduada em Fisioterapia pela Faculdade Nobre, Feira de Santana/BA, **Pós-graduando em Fisioterapia em Terapia Intensiva pela Faculdade Social da Bahia, Salvador/BA,  ***Pós-Graduado em Fisioterapia em Terapia Intensiva pela Faculdade Social da Bahia, Salvador/BA, ****Doutorando em Medicina e Saúde Humana pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador/BA

 

Recebido em 26 de fevereiro de 2020; aceito em 20 de maio de 2020.

Correspondência: André Luiz Lisboa Cordeiro, Rua Pássaro Vermelho, Condomínio Salvador Dali, casa 47, Lagoa Salgada, Feira de Santana BA

 

André Luiz Lisboa Cordeiro: andrelisboacordeiro@gmail.com

Márcia Bianca Ferreira Silva: bia_20silva@hotmail.com

Thialy Miranda Silva Santos: thialy.123@gmail.com

Valdemy Novaes Costa Junior: valdemyjunior20@gmail.com

Roberto Moreno de Barros: rmb_barros@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: A paralisia cerebral (PC) é uma condição permanente causada por uma lesão encefálica estática, multifatorial e não progressiva dos movimentos e postura. A equoterapia aparece como método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo para melhoria do desenvolvimento de pessoas portadoras de necessidades especiais. Objetivos: Revisar sistematicamente os efeitos da equoterapia sobre o desempenho funcional em crianças com paralisia cerebral. Métodos: Trata-se de uma revisão sistemática revisada por dois revisores independentes, conforme recomendações PRISMA, nas bases de dados PubMed e Biblioteca Cochrane. Incluídos estudos originais que utilizaram a equoterapia em pacientes com paralisia cerebral publicados em português e na língua inglesa. A Escala PEDro foi utilizada para analisar a qualidade metodológica dos estudos e a Cochrane Collaboration para análise de risco de viés. Resultados: Foram incluídos cinco artigos, publicados entre os anos 2012 e 2019. Todos estudos evidenciaram resultados satisfatórios em pacientes com paralisia cerebral após o tratamento com a equoterapia, melhorando a marcha, o equilíbrio, o tônus, a simetria e a qualidade de vida independente se ela foi associada a outro método. Conclusão: A equoterapia é uma modalidade terapêutica eficaz no tratamento das crianças com paralisia cerebral, melhorando os déficits motores e neurológicos, além da espasticidade muscular.

Palavra-chave: equoterapia assistida, paralisia cerebral, equilíbrio postural, tônus muscular.

 

Abstract

Introduction: Cerebral palsy (CP) is a permanent condition caused by a static, multifactorial and non-progressive brain injury of the movements and posture. Equine therapy is a therapeutic and educational method that uses horse to improve the development of people with special needs. Methods: This is a systematic review reviewed by two independent reviewers, according to PRISMA recommendations, in the PubMed and Cochrane Library databases. Including original studies that used equine therapy in patients with cerebral palsy published in Portuguese and in the English language. The PEDro Scale was used to analyze the methodological quality of the studies and the Cochrane Collaboration for bias risk analysis. Results: Five articles published between the years 2012 and 2019 were included. All studies showed satisfactory results in patients with cerebral palsy after treatment with equine therapy, improving gait, balance, tone, symmetry and quality of life whether it was associated with another method. Conclusion: Equine therapy is an effective therapeutic modality in the treatment of children with cerebral palsy, improving motor and neurological deficits, as well as muscle spasticity, favors balance, postural control, reduction of joint deformities and gross motor function.

Keywords: equine therapy, cerebral palsy, balance and tonus.

 

Introdução

 

A paralisia cerebral (PC) é uma condição permanente causada por uma lesão encefálica estática, multifatorial e não progressiva dos movimentos e postura. Está frequentemente acompanhada com epilepsia e irregularidades da fala, audição, visão e retardo mental [1,2]. Apresenta uma incidência na população em torno de um a dois para cada 1.000 nascidos vivos, podendo chegar a sete para cada 1.000 nascidos vivos em países em desenvolvimento [1].

É necessária a atuação de vários profissionais no tratamento desses pacientes com destaque ao fisioterapeuta. Esse profissional objetiva a diminuição do quadro álgico, juntamente com a manutenção da função, realização das atividades de vidas diárias (AVD’S), promover o bem-estar físico psicológico e a inserção da criança na sociedade [3].

A equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo para melhoria do desenvolvimento de pessoas portadoras de necessidades especiais [4]. Nessa intervenção, o movimento que o cavalo proporciona é utilizado pelo indivíduo para estimular a movimentação ativa, equilíbrio, visão, audição, propriocepção e ter uma noção do seu corpo no espaço [5].

Podem ser encontrados na literatura alguns estudos nos quais a equoterapia é utilizada em crianças com PC, sendo descrito durante a sessão ganho significativo no controle postural e na flexibilidade da cadeia muscular posterior, aparecendo com importância fundamental a utilização dessa terapia nas assimetrias motoras observadas nesses indivíduos [5-7].

Em estudo realizado por Sanches [8] foi observado que os pacientes submetidos às sessões de equoterapia alcançaram um grande desenvolvimento na marcha, principalmente no equilíbrio, na intervenção social, na coordenação e na postura.

Portanto, o presente tem como objetivo revisar sistematicamente os efeitos da equoterapia sobre o equilíbrio, função motora grossa e atividades sociais em crianças com paralisia cerebral.

 

Material e métodos

 

Esta revisão sistemática foi guiada com base na seguinte pergunta de investigação: Quais os efeitos da equoterapia sobre o equilíbrio, função motora grossa e atividades sociais em crianças com paralisia cerebral? A pesquisa foi estruturada com base na estratégia PICO (Quadro 1).

 

Quadro 1 - Estratégia de busca PICO.

 

 

Os artigos foram pesquisados nos seguintes bancos de dados: Pubmed, Scielo (Scientific Electronic Library Online) e Lilacs (Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences). As palavras-chave usadas foram: equoterapia, terapia assistida por equinos, paralisia cerebral, criança, desempenho, desempenho funcional, equilíbrio, função motora grossa e atividades sociais; sinônimos e palavras relacionadas foram adicionadas e operadores booleanos como “AND” e “OR” foram usados, de acordo com o Health Sciences Descriptors (DeCS). A pesquisa foi realizada de março a maio de 2019.

 

Critérios de inclusão e exclusão

 

Foram selecionados ensaios clínicos que abordassem a aplicação da equoterapia em crianças com paralisia cerebral sobre o equilíbrio, função motora grossa e atividades sociais, nas línguas inglesa e portuguesa nos últimos 10 anos. Foram excluídos estudos que estivessem relacionados a outros tipos de patologias, estudos em adultos e/ou adolescentes, robóticos ou estudos que não fossem ensaios clínicos.

 

Avaliação da qualidade metodológica

 

Os estudos foram sistematicamente analisados por um instrumento de avaliação de qualidade metodológica, utilizando a escala PEDro, em que consiste em um sistema de pontuação que varia de 0-10 pontos, em que as pontuações altas refletem maior qualidade metodológica dos estudos. Estudos com menos de 4 pontos são considerados de qualidade baixa a moderada e, portanto, não poderiam ser usados nessa revisão sistemática.

 

Extração dos dados

 

Para extração dos artigos selecionados, verificamos títulos e resumos. Posteriormente, os artigos foram comparados com os critérios de inclusão já pré-estabelecida com o objetivo de obter resultados para a revisão sistemática.

Dois revisores avaliaram a qualidade metodológica dos estudos de forma independente, o resultado foi comparado e discutido até que se chegasse a um acordo. Se houvesse divergência entre os avaliadores, os estudos seriam enviados para um terceiro avaliador. Esta revisão sistemática foi concluída de acordo com as diretrizes de Relatórios Preferenciais para Revisão Sistemática e Meta-Análises (PRISMA).

 

Resultados

 

Na busca realizada nas bases de dados do Medline (Pubmed), biblioteca virtual de saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (Scielo) foram identificados o total de 64 estudos inicialmente apresentados 59 artigos foram excluídos, incluindo estudos que em seus títulos não apresentavam relação direta com paralisia cerebral, estudo que não se tratava de ensaio clínico, estudos que foram relacionados a equoterapia em adultos e estudos que utilizaram simulador de equoterapia em vez de cavalos. Foram incluídos 5 artigos nesta revisão sistemática, de acordo com os critérios de elegibilidade. A Figura 1 mostra o processo de seleção dos artigos através do fluxograma da plataforma PRISMA.

 

 

Figura 1 - Busca e seleção de estudos para inclusão da revisão sistemática de acordo com a metodologia de PRISMA.

 

No que se refere à qualidade metodológica avaliada dos artigos incluídos (Tabela I), todos os estudos foram considerados de “qualidade regular a alta”, uma vez que atingiram pontuação igual ou superior a 5 na Escala PEDro. Nesta revisão sistemática os cinco estudos discutem sobre equoterapia em paciente com paralisia cerebral. O tamanho da amostra nos artigos selecionados variou de quatorze a duzentos e oitenta e três pacientes de ambos os gêneros.

 

Tabela I - Qualidade metodológica dos estudos pela Escala PEDro dos estudos incluídos (2012 a 2019).

 

1) Especificação dos critérios de inclusão (item não pontuado); 2) Alocação aleatória; 3) Sigilo não alocado; 4) Similaridade dos grupos na fase inicial ou basal; 5) Mascaramento dos sujeitos; 6) Mascaramento do terapeuta; 7) Mascaramento do avaliador; 8) Medida de pelo menos um desfecho primário em 85% dos sujeitos alocados; 9) Análise da intenção de tratar; 10) Comparação entre grupos de pelo menos um desfecho primário; 11) Relato de medidas de variabilidade e estimativa dos parâmetros de pelo menos uma variável primária.

 

Os cinco estudos evidenciaram resultados satisfatórios quando comparados a outras intervenções ou ao controle, em pacientes com paralisia cerebral após o tratamento da equoterapia, melhorando a marcha, o equilíbrio, o tônus, a simetria e a qualidade de vida, independente se ela foi associada com outro método (Tabela II).

 

Tabela II - Dados gerais sobre os ensaios clínicos randomizados incluídos, por meio da equoterapia sobre o desempenho funcional em crianças com PC. (ver anexo em PDF)

 

 

Discussão

 

De modo geral, a equoterapia é capaz de promover controle postural como movimento do cavalo, transmitindo uma grande variedade de estímulos à criança, de forma dinâmica, motiva os indivíduos a participarem com maior entusiasmo nas atividades funcionais para melhorar equilíbrio [9] espasticidade dos adutores de quadril [10], nas funções neuromusculoesqueléticas [11] como a função motora grossa [10,12], melhorando, assim, as atividades da vida diária [13].

O número de artigos abordando sobre a equoterapia tem aumentado nos últimos anos, porém ainda há uma pequena demanda de estudo sobre esse tema, mesmo sendo necessário um bom conhecimento do mesmo para estabelecer um plano de intervenção bem estruturado e direcionado para as necessidades de cada criança em particular, para amenizar/evitar as sequências patofisiológicas decorrentes dessa patologia.

O desenvolvimento da marcha normal depende do controle do tronco, sendo fundamental ter controle do equilíbrio sobre a base de suporte. Quando a criança apresenta condição que afeta em grande escala os membros inferiores, consequentemente haverá compensações no tronco que levarão a consequências na deambulação dando origem a um ciclo vicioso que é bastante comum na Paralisia Cerebral.

O movimento tridimensional do cavalo move passivamente a pelve da criança, movimento esse, que é necessário para caminhar, além de produzir perturbações para o centro da gravidade [9] que pode quebrar este ciclo através das propriedades de aprendizagem motora que o cavalo proporciona através dos padrões de movimentos repetitivos e ritmados da marcha do cavalo baseado na neurofisiologia [14].

Com base nos ensaios clínicos randomizados que foram selecionados, a equoterapia mostrou-se uma terapia eficaz para o tratamento de crianças com paralisia cerebral, principalmente em relação à diminuição de assimetrias musculares, melhoria da função motora grossa, da mobilidade articular e na marcha. Reduzindo assim possíveis chances de deformidades e dependências nas atividades diárias. Melhorou também a capacidade de crianças com PC de controlarem o movimento da cabeça e do tronco como resultado do movimento rítmico proporcionada pelo cavalo.

Silkwoo-Sherer et al. [9 observaram uma diferença estatística entre as medidas iniciais e pós-intervenção e concluíram que houve uma grande melhoria do equilíbrio e nas atividades de vida diária. Por outro lado, no estudo de Hsieh et al. [11] e Kwon et al. [10] avaliaram os efeitos da equoterapia nas funções, atividades e participação do corpo em crianças com PC de vários níveis funcionais e foram verificadas que houve uma melhora significativas nos qualificadores nas funções neuromusculoesqueléticas relacionadas ao movimento, mobilidade das funções articulares, funções de tônus muscular, funções de reação do movimento involuntário, na função motora grossa.

Porém, ˇaliene et al. [12] verificaram duas significância: no primeiro grupo houve uma melhora significativa, pois estavam fazendo a equoterapia semanal e andando; e no outro grupo, além da sessão semanal de equoterapia, estavam pedalando e não houve melhora significativa no nível de função motora grossa, a justificativa para isso, pode estar no curto tempo de estudo com apenas 10 sessões.

Já Lucena-Antón et al. [13] avaliaram o efeito de um protocolo de 12 semanas de intervenção da equoterapia na espasticidade dos adutores de quadril em crianças com PC espástica e afirmaram que em seu estudo de 12 semanas houve diferenças significativas no tratamento e no grupo controle em ambos os adutores, após uma intervenção da equoterapia.

Esta revisão apresenta como limitação a heterogeneidade dos protocolos aplicados, durante a equoterapia, além disso a diferença entre a faixa etária pode ter contribuído para mascarar resultados em populações específicas. Porém, este estudo, ao demonstrar os benefícios da equoterapia, estimula os profissionais a se capacitarem cada vez mais para utilização desse recurso em pacientes com paralisia cerebral.

 

Conclusão

 

      crianças com paralisia cerebral, melhorando os déficits motores e neurológicos, além da espasticidade muscular, favorece no equilíbrio, no controle postural, na diminuição de instalação de deformidades articulares e na função motora grossa. Após o tratamento, grandes partes das crianças apresentaram melhora para realização das atividades de vida diárias como mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social.

 

Referências

 

  1. Leite JMRS, Prado GF. Paralisia cerebral: aspectos fisioterapêuticos e clínicos. São Paulo: Escola Paulista de Medicina 2004;12(01):41-5. Revista Neurociências 2004;12(1):41-5. https://doi.org/10.4181/RNC.2004.12.41
  2. Zanini G, Cemin FN, Peralles NS. Paralisia cerebral: causas e prevalência. Fisioter Mov 2009;22(3):375-381.
  3. Orsolin LTP, Pitzer VEM, Lopes OS, Oliveira MS. Equoterapia: a influência da variação do peso na frequência do passo do cavalo. São Paulo: Anhanguera Educacional; 2012;16(3):39-48.
  4. Cherng R, Liao H, Leung HWC, Hwang A. The effectiveness of therapeutic horseback riding in children with spastic cerebral palsy. Taiwan: adapted physical activity quarterly 2004;21(2):103-21. https://doi.org/10.1123/apaq.21.2.103
  5. Vidal AP, Cascaes FS, Silva R, Araújo JTS, Barbosa PJGF. A equoterapia na reabilitação de indivíduos com paralisia cerebral: uma revisão sistemática de ensaios clínicos. Cad Bras Ter Ocup 2018;26(1):207-18. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1067
  6. Espindula AP, Fernandes M, Ferreira AA, Ferraz MLF, Cavellani CL, Ferraz PF et al. Flexibilidade muscular em indivíduos com deficiência intelectual submetidos à equoterapia: estudo de casos. Ciência em Extensão 2012;8(2):125-33.
  7. Gregório A, Krueger E. Influência da equoterapia no controle cervical e de tronco em uma criança com paralisia cerebral. Revista Uniandrade 2013;14(1):65-75.
  8. Sanches SMN. Equoterapia na reabilitação da meningoencefalocele: estudo de caso. Fisioter Pesqui 2010;17(4):358-61. https://doi.org/10.1590/S1809-29502010000400014
  9. Silkwood-Sherer DJ, Killian CB, Long TM, Martin KS. Hippotherapy - an intervention to habilitate balance deficits in children with movement disorders: a clinical trial. Phys Ther 2012;92(5):707-17. https://doi.org/10.2522/ptj.20110081
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  11. Hsieh YL, Yang CC, Sun SH, Chan SY, Wang TH, Luo HJ. Effects of hippotherapy on body functions, activities and participation in children with cerebral palsy based on ICF-CY assessments. Disabil Rehabil 2017;39(17):1703-13. https://doi.org/10.1080/09638288.2016.1207108
  12. ˇalienė L, Mockevičienė D, Kreivinienė B, Razbadauskas A, Kleiva ˇ, Kirkutis A. Short-term and long-term effects of riding for children with cerebral palsy gross motor functions. Biomed Res Int 2018; 2018(11):1-6.
  13. Lucena-Antón D, Rosety-Rodríguez I, Moral-Munoz JA. Effects of a hippotherapy intervention on muscle spasticity in children with cerebral palsy: A randomized controlled trial. Complement Ther Clin Pract 2018;31:188-192. https://doi.org/10.1016/j.ctcp.2018.02.013