REVISÃO
Cinesioterapia aplicada
a entorse de tornozelo: estudo de qualidade metodológica
Kinesiotherapy applied to ankle sprain: methodological quality study
Raionara Figueiredo da Silva*,
Gabriela Lopes de Souza*, Ohanna Cristiny
Pimenta Batista*, Euclides Cabral de Vasconcelos Neto*, Yandra
Alves Prestes*, Hércules Lázaro Morais Campos, M.Sc.**
*Discentes do curso de
Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto de Saúde e
Biotecnologia (ISB), Coari Amazonas, **Docente da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB), Coari/AM, Graduado
em Fisioterapia, Especialista em Fisioterapia Geriátrica, Mestre em
Fisioterapia e Doutorando em Saúde Coletiva
Recebido em 20 de
dezembro de 2019; aceito em 25 de março de 2020.
Correspondência: Raionara
Figueiredo da Silva, Universidade Federal do Amazonas, Estrada Coari/Mamiá, 305, 69460-000 Coari AM
Raionara Figueiredo da
Silva; nara.figueiredo3@gmail.com
Gabriela Lopes de
Souza; souza.gabrielalopes@gmail.com
Ohanna Cristiny
Pimenta Batista; ohanna.cristiny@hotmail.com
Euclides Cabral de
Vasconcelos Neto; vasconcelosneto33@gmail.com
Yandra Alves
Prestes; yprestess18@hotmail.com
Hércules Lázaro Morais
Campos, M.Sc.; herculeslmc@hotmail.com
Resumo
Introdução: A entorse é definida
como uma lesão ligamentar cujo trauma é causado por estiramento ou por ruptura
das faixas fibrosas que constituem a estrutura ligamentar, acometendo o
complexo articular de tornozelo e pé causado por movimentos bruscos de inversão
e eversão. Objetivo: Identificar e analisar
através da escala PEDro os ensaios clínicos sobre a
aplicação da cinesioterapia como tratamento para indivíduos com entorse de
tornozelo. Métodos: Trata-se de uma revisão de literatura na qual foram
incluídos estudos do tipo ensaio clínico randomizado e não randomizado,
referentes aos anos de 2009 a 2019, que usassem exercícios fisioterapêuticos em
seu protocolo. A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada com base na
escala PEDro. Resultados: Os estudos
selecionados utilizaram protocolos fisioterapêuticos contendo exercícios
terapêuticos isolados e combinados associados ao treinamento de propriocepção
para tratamento de curto a longo prazo da entorse de tornozelo. Conclusão:
Para pacientes com entorse de tornozelo, o tratamento deve ser baseado na
combinação de diferentes métodos fisioterapêuticos para a obtenção do efeito
terapêutico positivo na fase aguda e crônica da lesão.
Palavras-chave: traumatismo do
tornozelo, terapia por exercício, Fisioterapia.
Abstract
Introduction: Sprain is defined as a ligament injury whose trauma is caused by
stretching or rupture of the fibrous bands that constitute the ligamentous
structure, affecting the ankle and foot joint complex, caused by sudden
inversion and eversion movements. Objective: To identify and analyze
through the PEDro scale clinical trials on the application
of kinesiotherapy as a treatment for individuals with ankle sprains. Methods:
This is a literature review that included studies of the randomized and
nonrandomized clinical trial, referring to the years 2009 to 2019, that used
physical therapy exercises in its protocol. The methodological quality of the
studies was assessed based on the PEDro scale. Results:
The selected studies used physical therapy protocols containing isolated and
combined therapeutic exercises associated with proprioception training for
short-term long-term treatment of ankle sprains. Conclusion: For
patients with ankle sprains, treatment should be based on the combination of
different physical therapy methods to obtain a positive therapeutic effect in
the acute and chronic phase of the injury.
Keywords: ankle injuries, exercise therapy, Physical therapy.
A entorse e/ou
traumatismo do pé é definida como uma lesão ligamentar cujo trauma é causado
por estiramento ou por ruptura das faixas fibrosas que constituem a estrutura
ligamentar [1]. É uma lesão ligamentar que acomete o complexo articular do
tornozelo e do pé, afetando os ligamentos talo-fibular anterior (LTFA),
ligamento talo-fibular posterior (LTFP) e talo calcâneo (LTC), responsáveis
pela estabilização lateral do tornozelo e pelo conjunto de ligamentos deltoide,
cuja finalidade é estabilizar internamente o tornozelo [2].
A entorse de tornozelo
pode ser causada por movimentos bruscos de inversão e eversão
[2,3]. A entorse por eversão ocorre quando há uma
distensão do ligamento deltoide, gerado pelo movimento brusco de pronação ou
pelo movimento externo do retropé, resultando na
incapacidade a longo prazo associado a equimoses e a sensibilidade aumentada
[2].
A classificação das
entorses segue o nível da lesão: Grau I é a entorse mais leve, na qual a
maioria das fibras mantêm-se preservadas sem presença de edemas; Grau II é a
forma moderada, a lesão vascular vai gerar edemas, dificultando a deambulação,
acarretando em dor; Grau III é a forma mais grave da entorse, pois há ruptura
de ligamento e vasos, formação de edemas, dor intensa, sendo necessária a
correção cirúrgica [4]. Acarretando limitação na mobilidade, incapacidade
funcional e alterações da marcha [5].
A entorse de tornozelo
é a lesão musculoesquelética mais frequente, acometendo, por dia, uma pessoa a
cada 10.000 em países ocidentais, representando cerca de 5% nos atendimentos de
urgência, além de apresentar um percentual de 40% nos acidentes desportivos,
ressaltando que essa lesão acomete mais mulheres (13,6%) que homens (6,94%)
[3].
Dentro das entorses de
tornozelo, a flexão plantar e a inversão são responsáveis por cerca de 80 a 90%
das entorses [6]. As pessoas mais acometidas pelas entorses são atletas de
futebol, basquete, corrida e de saltos, equivalente a 10% a 15% do total de
lesões no esporte [7]. De 10% a 30% dos acometidos por entorse de tornozelo
desenvolvem instabilidade crônica [8].
Identificou-se e
analisou-se através da escala PEDro os ensaios
clínicos sobre a aplicação da cinesioterapia como tratamento para indivíduos
com entorse de tornozelo.
Estratégia de busca e
seleção dos estudos
Trata-se de uma revisão
da literatura em ensaios clínicos nas bases de dados Scielo,
PubMed e PEDro, integrada
de literatura, as buscas se deram no período de 22 de agosto a 05 de setembro
de 2019 com os seguintes termos de busca registrados nos Descritores em
Ciências da Saúde: “entorse de tornozelo AND fisioterapia”, tanto em inglês: “ankle sprain and
physiotherapy” quanto em espanhol “esguince de tobillo y
fisioterapia”. As bases de dados com o maior número de artigos encontrados
foram a PubMed e a Scielo.
Análise metodológica
dos estudos
Foram incluídos estudos
do tipo ensaio clínico randomizado e não randomizado, referentes aos anos de
2009 a 2019, que usassem exercícios fisioterapêuticos em seu protocolo. A
qualidade metodológica dos estudos foi avaliada com base na escala PEDro, sendo esta constituída por 11 (onze) scores de
avalição, seguindo as seguintes indagações: 1) Os critérios de elegibilidade
foram especificados?; 2) Os sujeitos foram aleatoriamente distribuídos por
grupos?; 3) A alocação dos sujeitos foi secreta?; 4) Inicialmente, os grupos
eram semelhantes no que diz respeito aos indicadores de prognósticos mais
importantes?; 5) Todos os sujeitos participaram de forma cega no estudo?; 6)
Todos os terapeutas que administraram a terapia fizeram-no de forma cega?; 7)
Todos os avaliadores que mediram, pelo menos um resultado fizeram-no de forma
cega?; 8) Mensurações de, pelo menos, um resultado-chave foram obtidas em mais
de 85% dos sujeitos inicialmente distribuídos pelos grupos?; 9) Todos os
sujeitos a partir dos quais se apresentaram mensurações de resultados receberam
o tratamento ou a condição de controle conforme a alocação ou, quando não foi
esse o caso, fez-se a análise dos dados para, pelo menos, um dos
resultados-chave por “intenção de tratamento”?; 10) Os resultados das comparações
estatísticas intergrupos foram descritos para, pelo menos, um resultado-chave?;
e 11) O estudo apresenta tanto medidas de precisão como medidas de
variabilidade para, pelo menos, um resultado-chave?
Alguns estudos que
cumpriram os critérios de inclusão e não constavam com a nota de qualidade
metodológica pela PEDRo foram avaliados por mais de
um examinador de forma independente quanto à qualidade metodológica a mais
usada na área da reabilitação. Essa escala foi desenvolvida pela Physiotherapy Evidence Database constituindo uma pontuação total de até 10
pontos, incluindo 11 critérios de avaliação. Sendo assim permaneceram aqueles
que apresentaram pontuação maior que 5 e, corresponderam aos devidos critérios
de inclusão para o referente estudo [9].
Figura 1 - Fluxograma
referente ao método de busca e seleção dos estudos.
Os estudos selecionados
aplicam protocolos fisioterapêuticos com uso da cinesioterapia para a entorse
do tornozelo, usam exercícios terapêuticos do tipo isotônico, resistido,
isométrico, calistênico, pliométrico,
exercícios de equilíbrio e de propriocepção, além disso, estes foram
trabalhados de forma isolada e combinada com o uso da terapia manual como a
mobilização articular e a crioterapia. Os planos de tratamento
fisioterapêuticos foram realizados de curto a longo prazo para os diferentes
tipos de entorses, abrangendo desde o grau I ao III da lesão. A prescrição dos
exercícios variou desde nível ambulatorial supervisionado até domicílio.
Quadro 1 - Resumo de
evidências com protocolos de exercícios terapêuticos para pacientes com entorse
de tornozelo. (ver anexo em PDF)
Foram sugeridos
diversos protocolos para a aplicação da cinesioterapia em pacientes com entorse
de tornozelo. Os protocolos que envolvem técnicas de mobilização neural e neurodinâmica associadas a exercícios proprioceptivos e de
fortalecimento para o tornozelo tendem a maximizar o efeito do tratamento, pois
realiza uma correlação entre a instabilidade funcional do tornozelo e as
alterações sensório-motoras da musculatura do quadril, joelho e tornozelo [10].
Associando o ganho funcional da musculatura do membro inferior a aplicação do
programa de Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP) cujo treinamento
incorpora estratégias de controle neuromuscular do quadril, joelho e tornozelo
[11].
A melhorar da musculatura
inversora e eversora do tornozelo se deve a associação dos programas de FNP
exercícios de cadeia cinética aberta e fechada [12]. Por outro lado, os
exercícios de propriocepção convencionais não demonstram ganhos significativos
nos déficits causados pela lesão por inversão, sendo necessária a aplicação de
exercícios proprioceptivos de “curto-pé” para a
eficácia do tratamento [13]. A combinação de exercícios proprioceptivos com a
utilização de um programa de treinamento domiciliar utilizando-se Nintendo Wii
Fit (jogo de realidade virtual), surte efeitos positivos na qualidade da
marcha, tendo como base os parâmetros espaço-temporais e cinéticos,
demonstrando que não há diferença significativa quando comparados ao protocolo
daqueles apresentados pela fisioterapia ambulatorial, visando a continuação das
atividades a longo prazo [14].
A prescrição de
exercícios de fortalecimento quando associados a mobilização articular surtem
efeitos mais significativos para redução do quadro álgico bem como no ganho de
funcionalidade do tornozelo lesionado por inversão, quando comparado a
realização de exercícios isolados [15]. A reabilitação envolvendo força
excêntrica da musculatura de membros inferiores causa aumento da tonicidade dos
músculos eversores lesionados, evidenciando-se ausência de déficits em
comparação com o lado saudável, resultando na inferioridade do método
concêntrico de reabilitação. Contudo, não houve demonstrativo de diferenças
significativas entres as relações em ambos os grupos do estudo. Significando
que, apesar do reforço excêntrico proporcionar maiores resultados no aumento de
força muscular em comparação ao reforço concêntrico, não se pode afirmar a
superioridade do reforço concêntrico sob a força muscular excêntrica. Desse
modo, o reforço muscular não se direcionou para a força concêntrica ou para a
excêntrica [16].
A aplicação combinada
da Estabilização Rítmica (RE) com as técnicas isotônicas pode ser eficaz na
redução dos riscos das lesões recidivas que acometem o tornozelo [11].
O tratamento funcional
imediato, durante a primeira semana após a entorse de tornozelo surte efeitos a
curto prazo maiores que o tratamento padrão, buscando a ativação precoce da
musculatura do tornozelo, bem como o restauro dos padrões de movimento funcional
com a incorporação de exercícios terapêuticos. Evitando os déficits
proprioceptivos que levam a instabilidade do tornozelo a longo prazo [17].
Contudo, o uso de
exercícios básicos de resistência (contrações concêntricas e excêntricas) se
tornam ineficazes quando comparados a exercícios pliométricos
na fase aguda da entorse de tornozelo, evidenciando o aumento de desempenho
funcional, bem como o caráter preventivo de lesões recorrentes do tornozelo
[18]. Ressalta-se que aplicação de exercícios pliométricos
foi realizada em atletas, significando que os parâmetros fisiológicos não
correspondem ao de pessoas comuns ou mesmo aquelas que executem alguma
atividade física regular.
Ao analisar os
protocolos de tratamentos apresentados, bem como o tipo amostral e os achados
dos estudos, observou-se que aqueles que apresentam uso do treinamento de
equilíbrio associado a exercícios proprioceptivos para a orientação
cinético-espacial do tornozelo são voltados para pacientes acometidos por Chronic Ankle Instability
(CAI) decorrentes de entorse do tornozelo,
tendo como finalidade evitar lesões recidivas. Contudo, apesar
dos estudos
analisados terem demonstrado resultados positivos com a
realização do plano de
tratamento, verificou-se que há déficits quanto a
padronização da quantidade de
sessões, nas séries e repetições da
execução dos exercícios terapêuticos e nas
semanas de acompanhamento ao paciente. Notou-se lacunas na
especificação da
forma de aplicação do método que foi utilizado e
na intensidade de aplicação do
exercício, assim como no quantitativo de participantes dos
estudos.
A significância clínica
no ganho de amplitude de movimento (ADM) da dorsiflexão, bem como nas medidas
de desempenho funcional diante da entorse de tornozelo se deve a utilização do
programa Balance e do programa de FNP. Quando comparados isoladamente, levando
em consideração o treinamento de orientação cinético-espacial do tornozelo, as
técnicas demonstram que o Balance se sobressai quanto a melhora do equilíbrio
em superfícies instáveis após a lesão do tornozelo, evitando re-lesão. No demais, os ganhos funcionais pós-lesão se
devem ao programa de FNP, dados estes evidenciados pela utilização da
eletromiografia (EMG), que verificou a alteração na atividade de condução nervosa
da musculatura do tornozelo [12]. O protocolo apresentado pelo estudo,
demonstra, explicitamente, qual a conduta fisioterapêutica utilizada,
esclarecendo qual o objetivo do tratamento, qual a duração dos exercícios, bem
como o quantitativo de séries e repetições e o tempo de intervalo entre uma
série e outra. Facilitando, assim, a prática clínica fisioterapêutica diante de
pacientes acometidos por entorse de tornozelo.
Para pacientes com
entorse de tornozelo, o tratamento baseado em exercícios de equilíbrio,
propriocepção, isométricos em combinação com terapia manual são eficazes para o
aumento da força muscular do tornozelo e redução de lesões recorrentes, revelando
que a associação de diferentes recursos fisioterapêuticos se mostra mais eficaz
que a aplicação de apenas um único método utilizado para a abordagem
terapêutica na fase aguda e crônica da lesão.
Com base nos resultados
deste estudo, observou-se que são poucos os autores que utilizam protocolos
fisioterapêuticos de forma completa e detalhada para o manejo de pacientes com
entorse de tornozelo embora essa seja uma lesão recorrente na prática clínica.
Recomenda-se que para
estudos futuros haja uma homogeneização da amostra, bem como um número maior de
participantes, assim como uma descrição mais detalhada da intervenção
fisioterapêutica utilizada. Tais medidas devem ser tomadas para salientar as
evidências encontradas, possibilitar a comprovação da eficácia do método
utilizado pelo estudo, assim como demonstrar a aplicabilidade do método de
forma universal. Ainda há poucos estudos de qualidade metodológica alta sobre a
importância da cinesioterapia em pacientes com entorse de tornozelo, muitas vezes
o fisioterapeuta não consegue direcionar o seu trabalho pela falta de prática
baseada em evidência.