RELATO DE CASO
Reabilitação aquática
em criança com miosite ossificante
traumática
Aquatic rehabilitation in children with traumatic myositis ossificans
Kétura Rhammá
Cavalcante Ferreira*, Izaura Muniz Azevedo**, Rogério
Azevedo Antunes Pereira***
*Fisioterapeuta, mestranda
do Programa de Pós-graduação em Engenharia Biomédica da Universidade Federal de
Pernambuco, **Fisioterapeuta, mestranda do Programa de Pós-graduação em
Gerontologia da Universidade Federal de Pernambuco, ***Fisioterapeuta,
especialista em traumato-ortopedia (COFFITO), docente
do Programa de Pós-graduação em Fisioterapia Aquática
Correspondência: Kétura
Rhammá Cavalcante Ferreira, Rua Professor Augusto
Lins e Silva, 626, Boa Viagem 51030-030 Recife PE
Kétura Rhammá
Cavalcante Ferreira: ketura.cavalcante@hotmail.com
Izaura Muniz Azevedo:
izauram73@hotmail.com
Rogério Azevedo Antunes
Pereira: rogerioantunes10@hotmail.com
Resumo
Introdução: A miosite
ossificante traumática decorre de traumas que
desencadeiam um processo de calcificação e ossificação, levando a atrofia
muscular, rigidez, dor e diminuição da amplitude de movimento. Objetivo:
Relatar o caso de uma criança com miosite ossificante traumática, submetida ao atendimento da
Fisioterapia Aquática, apresentando as manifestações clínicas antes da
intervenção e os ganhos advindos da reabilitação. Metodologia: Trata-se
de um relato de um menor, do gênero masculino, com sintomatologia álgica,
diminuição de amplitude de movimento, edema em membro inferior e ausência de
qualquer tipo de intervenção por um período de seis meses. A intervenção
ocorreu uma vez por semana, com duração de trinta minutos, na Clínica Rogério
Antunes, em Recife/PE. Resultados: O trauma repercutiu em edema,
alteração sensorial, rigidez e alterações biomecânicas, ocasionando a precária
funcionalidade da articulação do joelho esquerdo. Com a reabilitação, houve
ganho da amplitude de flexão do joelho para 130°, bem como fortalecimento e
retorno da funcionalidade. Conclusão: Em decorrência das propriedades
físicas da água e dos efeitos da imersão, a reabilitação aquática possibilitou
minimizar o quadro álgico, aumentar a flexibilidade muscular e amplitude de
movimento, proporcionando uma diminuição na sobrecarga articular e amenizando as
atitudes compensatórias, impactando positivamente na funcionalidade.
Palavras-chave: Hidroterapia,
Fisioterapia, miosite ossificante.
Abstract
Introduction: Traumatic ossifying myositis results from trauma triggering a process
of calcification and ossification, leading to muscle atrophy, stiffness, pain
and decreased range of motion. Objective: To report the case of a child
with traumatic ossifying myositis submitted to Aquatic Physical Therapy,
presenting the clinical manifestations before the intervention and the gains
from rehabilitation. Methodology: This is a report of a minor male
patient with pain symptoms, decreased range of motion, lower limb edema and
absence of any intervention for a period of six months. The intervention took
place once a week, lasting 30 minutes, in a clinic specialized in aquatic
physiotherapy, in Recife/PE. Results: The trauma resulted in edema,
sensory alteration, stiffness and biomechanical alterations, causing the
precarious functionality of the left knee joint. With rehabilitation, knee
flexion amplitude was increased to 130 °, as well as strengthening and return
of functionality. Conclusion: Due to the physical properties of water
and the effects of immersion, aquatic rehabilitation made it possible to
minimize pain, increase muscle flexibility and range of motion, providing a
decrease in joint overload and softening compensatory attitudes, positively
impacting functionality.
Key-words: Hydrotherapy,
Physical therapy, Myositis ossificans.
A miosite
ossificante, cujo fator causal é o trauma, é
caracterizada por formação de tecido fibroso, desencadeando calcificação e
posterior ossificação [1-3]. Atrofia muscular, rigidez articular, dor e
diminuição da amplitude de movimento da articulação dependente dos músculos
envolvidos, são achados clínicos dos indivíduos com Miosite
Ossificante Traumática (MOT). Sua manifestação
corresponde de 60% a 70% dos casos, havendo predominância no gênero masculino e
em membros inferiores [1,3,4].
O tratamento de eleição
para a MOT é conservador, com a Fisioterapia. Exceto para os casos em que haja
maior limitação funcional e complexidade [5]. A Fisioterapia Aquática aponta
como estratégia para os achados clínicos de pacientes com MOT, em favorecimento
de seus efeitos fisiológicos e propriedades físicas da água, que favorecem a
redistribuição do fluxo sanguíneo, a diminuição da sensibilidade nas
terminações nervosas, promovendo relaxamento e declínio da tensão muscular,
auxiliando no processo de reabilitação [6].
Mediante carência na
temática, objetivou-se relatar o caso de uma criança com miosite
ossificante traumática, submetida ao atendimento
fisioterapêutico em meio aquático, apresentando as manifestações clínicas antes
da intervenção e os ganhos advindos da reabilitação através da observação dos
ângulos articulares.
Menor do sexo
masculino, 11 anos, chegou ao consultório de fisioterapia em uma clínica
especializada em Recife/PE, apresentando dor a nível proximal e anterior da
coxa esquerda. Nos achados da Ressonância Magnética Nuclear (RMN) constatou-se
massa fibrosa com a aparente calcificação, demonstrado em figura 1, após
constatação clínica foi descartada a hipótese neoplásica. Assim, o diagnóstico
de miosite ossificante por
origem traumática foi estabelecido.
Após avaliação inicial,
foram constatados na anamnese: rigidez articular do joelho, quadro álgico com
intensidade oito na escala analógica de dor, alteração sensorial em membro
inferior, especialmente em coxa, precária descarga de peso em membros
inferiores e presença de edema na região onde ocorreu o trauma. Nos
antecedentes, foi referido trauma em coxa em novembro de 2017, após atividade
recreativa. A criança supracitada não recebera qualquer tipo de intervenção
fisioterapêutica, totalizando um período de seis meses desde a lesão.
Fonte: Exame cedido
pelos genitores do menor.
Figura 1 - Ossificação em
terço médio do fêmur visualizada através da RMN.
Conduta
Foram realizadas 10
sessões de fisioterapia aquática, de junho a agosto de 2018, uma vez por semana
e duração de 30 minutos cada sessão. Os tutores do menor assinaram um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando o relato do caso do menor
para cunho científico.
Durante as sessões, o
limiar de dor e desconforto do paciente foi respeitado, levando em consideração
a escala analógica de dor. Foram atribuídos exercícios direcionados para:
amplitude de movimento; mobilizações; manipulações; estimulação sensorial;
fortalecimento de membros inferiores; treino proprioceptivo; e treino de marcha
com o equilíbrio estático e dinâmico.
Da primeira à quarta
sessão, os exercícios foram realizados em profundidade a nível do processo xifóide do menor, com intensidade leve, respeitando o fluxo
laminar. Foi abordada a alteração sensorial e flexibilização da região,
oferecendo um estímulo tátil aos receptores.
De acordo com o limiar
de dor do paciente e compensações posturais, os exercícios foram incrementados.
Exercícios ativos-livre para ativação dos músculos flexores, abdutores,
adutores e extensores de membros inferiores, especialmente para ativação dos
músculos flexores de quadril e joelho, como demonstrados na tabela I.
Posteriormente, o
treino de marcha com dissociação de cinturas escapular e pélvica e treino
proprioceptivo foi implementado, os quais facilitavam a amplitude de movimento
na articulação em virtude do empuxo. Nas sessões subsequentes, quinta e sexta,
o menor apresentara boa mobilidade e não relatava desconforto, com isso foi
implementado progressivamente a resistência e a execução em profundidade ao
nível da cicatriz umbilical do menor. Os exercícios foram inseridos para
favorecer o aumento da amplitude de movimento, descarga de peso anteriormente e
lateralmente, e o fortalecimento. Nas últimas sessões foram inseridos
movimentos funcionais voltados para as atividades recreativas do menor.
Tabela I - Exercícios para
ativação muscular em membros inferiores.
Fonte: autores, 2018.
O evento traumático,
ocasionou precária funcionalidade da articulação do joelho esquerdo e
alterações biomecânicas no menor. Observou-se melhora em: descarga de peso em
membros inferiores; marcha; ausência de edema; fortalecimento de membros
inferiores; mobilidade do joelho esquerdo, com evolução progressiva na
amplitude articular de 90° em junho de 2018, para 130° em setembro do mesmo
ano. Evidenciando uma equiparação do joelho esquerdo ao joelho direito com
flexão de 138º. Além da diminuição na percepção da dor, com intensidade inicial
de 8 inicial e 2 ao final.
A MOT é caracterizada
por uma proliferação de tecido fibroso e neoformação óssea e cartilaginosa,
conforme apontam Sold et al. [7] e Alassane et al. [8]. Em estudo realizado por King
[9], foi evidenciado que durante eventos esportivos houve uma incidência maior
para a formação de MOT. Sendo a coxa, um dos locais mais comuns para
evidenciar-se MOT e o trauma um preditor, conforme apontam Batista et al. [10].
O menor apresentou
ganho na amplitude de movimento (ADM) com a atividade em ambiente aquático. A
ADM para flexão de joelho evidenciada na literatura varia de acordo com os
autores. Conforme Marques [11] de 0°-140°, o que representa nos achados uma
equiparação ao joelho direito do menor.
Conforme Sold et al. [7], a alteração sensorial e o edema,
respondem a uma semana de descanso, o que não ocorreu neste caso. A
sensibilidade local persistiu, necessitando de uma abordagem específica. A
privação sensorial do menor pode ter ocasionado mudanças no funcionamento
cognitivo e comportamental, pois o mesmo evitava ser
tocado e ao permitir o toque pela terapeuta, compreendeu que a dor imaginada
era maior que a sentida.
Bennell et al. [12],
sugere que as deficiências no controle motor podem desempenhar dor anterior do
joelho e que os exercícios devem ser projetados também para um aumento da força
do quadríceps. Conforme o autor supracitado, os treinos com foco em habilidades
funcionais, apresentam maior plasticidade da via motora. O que corrobora com o
estudo de Zhang, Roxburgh e Huang [13], no qual
evidencia os efeitos do tratamento em ambiente aquático e com os atendimentos
que visam a funcionalidade.
Este estudo demonstra conformidades
com os estudos de Candeloro e Caromano,
em 2004 [14] que evidenciaram que estando o indivíduo imerso, há redução da
sensibilidade nas terminações nervosas, proporcionando também estimulação
cinestésica e tátil. E com os estímulos provenientes do meio aquático, há
aumento dos efeitos na sedação e relaxamento. Com a diminuição da gravidade e a
flutuabilidade proporcionada pelo empuxo, há diminuição da carga, alterando a
percepção do indivíduo quanto a sensibilidade e movimento, conforme afirmam Cunha
e Caromano em 2003 [15] e Ide e Caromano
em 2003 [16].
São precários os
estudos acerca da temática da MOT e a abordagem. O ambiente aquático aponta-se
como estratégia para os achados clínicos e retorno da funcionalidade com maior
brevidade. Proporcionando flexibilidade e mobilidade articular, minimizando o
quadro álgico durante e após os manuseios, além de amenizar atitudes
compensatórias, ofertando maior mobilidade ao menor. Considerando tais achados,
é importante ressaltar os benefícios da descrita conduta realizada no ambiente
aquático. Sugerem-se mais estudos, com uma amostra expressiva para inferir os
resultados diante a população.