ARTIGO ORIGINAL
Avaliação do equilíbrio
em ambiente aquático através da acelerometria em
paciente pós acidente vascular cerebral
Evaluation of body balance in aquatic environment in post-stroke patient
through accelerometry
Amanda Maria da
Conceição*, Caroline de Cássia Batista de Souza**, Maria Clara Porfirio de
Souza**, Kétura Rhammá
Cavalcante Ferreira*, Leiliane Patrícia Gomes de
Macêdo**, Malki-çedheq Benjamim Celso da Silva Silva***, Ana Vitória de Morais Inocêncio****, Marco
Aurélio Benedetti Rodrigues*****
*Fisioterapeuta, Grupo
de Pesquisa Engenharia Biomédica, UFPE, Recife/PE, **Fisioterapeuta, Faculdade
São Miguel, Recife, **Fisioterapeuta; Faculdade São Miguel, Recife,
***Engenheiro eletrônico, Grupo de Pesquisa Engenharia Biomédica, UFPE, Recife,
****Engenheira biomédica, Grupo de Pesquisa Engenharia Biomédica, UFPE, Recife,
*****Engenheiro eletrônico, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica,
UFPE, Recife
Correspondência: Amanda Maria da
Conceição, Laboratório de Interface Homem-Máquina, Departamento de Eletrônica e
Sistemas - DES, Centro de Tecnologia e Geociências - CTG, Universidade Federal
de Pernambuco - UFPE, Av. da Arquitetura, s/n, Cidade Universitária, 50740-550
Recife PE
Amanda Maria da
Conceição, e-mail: amanda.1fisio@hotmail.com
Caroline de Cássia
Batista de Souza, e-mail: carolcb_souza@hotmail.com
Maria Clara Porfirio de
Souza, e-mail: mclarafisioterapia@gmail.com
Kétura Rhammá Cavalcante Ferreira,
e-mail: ketura.cavalcante@hotmail.com
Leiliane Patrícia Gomes de
Macêdo, e-mail: leilianemaacedo@gmail.com
Malkiçedheq Benjamim Celso da
Silva Silva, e-mail: malki-cedheq.benjamim@ufpe.br
Ana Vitória de Morais
Inocêncio: anavitoriam@gmail.com
Marco Aurélio Benedetti
Rodrigues, mabrbenedetti@gmail.com
Resumo
Introdução: O acidente vascular
cerebral (AVC) compromete o Sistema Nervoso Central sendo responsável por uma
série de lesões que provocam déficits de equilíbrio. O acelerômetro é utilizado
para mensurar a aceleração, podendo calcular a velocidade dos movimentos, a
partir das oscilações corporais e pode ser empregado na avaliação do
equilíbrio. Objetivo: Avaliar o equilíbrio após um AVC, através da acelerometria. Métodos: Trata-se de um estudo
piloto. A pesquisa foi composta por duas etapas sendo a primeira o
desenvolvimento de um equipamento para a aquisição e armazenamento de sinais de
acelerômetros. O sistema é composto por dois acelerômetros integrados a um
microcontrolador com comunicação via Bluetooth. A segunda parte foi a
aplicabilidade do instrumento dentro da água e a comparação dos dados obtidos
dentro e fora da água. Resultados: Observou-se a velocidade do passo e o
deslocamento do centro de massa durante a caminhada através da variação da acelerometria nos eixos (XY). O equilíbrio sofreu poucas
variações durante o exercício na água, tornando a caminhada mais constante e
sem variações abruptas quando comparado com o solo. Conclusão: Após a análise
dos dados concluiu-se que o instrumento foi eficiente para avaliar o equilíbrio
dentro e fora da água.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, equilíbrio, acelerômetro hidroterapia.
Abstract
Introduction: Stroke compromises the Central Nervous System (CNS) and is responsible
for a series of injuries that can cause body balance deficits. The
accelerometer is device used to measure acceleration and calculate the movement
speed from body oscillations and can be used to assess balance. Objective:
Evaluation of body balance after stroke through accelerometry. Methods:
This is a pilot study. The research consisted of two stages, the first being
the development of equipment for the acquisition and storage of accelerometer
signals. The system consists of two accelerometers integrated into a
microcontroller with communication via Bluetooth. The second part was the
evaluate applicability of the instrument in water and the comparison of data
obtained in and out of water. Results: The velocity of the step and the
displacement of the center of mass during the walking were observed through the
variation of the axial accelerometry (XY). The balance suffered few variations
during water exercise, making walking more constant and without abrupt
variations compared to the ground. Conclusion: After data analysis it
was concluded that the developed instrument was efficient to evaluate the body
balance in and out of water.
Key-words: stroke, balance,
accelerometer, hydrotherapy.
O Acidente Vascular Encefálico
(AVE) é caracterizado como um déficit neurológico de início súbito, de origem
vascular que causa lesões encefálicas e danos às funções neurológicas, pode
ocorrer do tipo isquêmico ou hemorrágico, sendo o isquêmico o mais comum [1-3].
O AVE é uma das principais causas de morte e incapacidades no mundo. No Brasil,
são registradas cerca de 68 mil mortes por AVE anualmente [1,2]. A incidência
do AVE aumenta duas vezes mais a cada década de vida a partir dos 55 anos,
sendo que em mulheres a incidência é superior, com aproximadamente mais 55000 AVEs do que quando comparada aos homens [4].
Após um AVE o indivíduo
acometido pode evoluir com várias sequelas sendo essas dependentes do local
atingido, do tipo e da extensão da lesão [5,6]. Os sistemas, sensitivo, visual,
motor, perceptual, vestibular e cognitivo podem ser comprometidos, gerando
déficits na capacidade motora, sendo a mais evidente a hemiparesia. A
hemiparesia gera dificuldades de manter a postura adequada com alteração da
distribuição de peso no hemicorpo plégico [3]. Essa
assimetria e a dificuldade em transferir o peso para o lado afetado interferem
na capacidade de manter o controle postural, dificultando a orientação e a
estabilidade nos movimentos de tronco e membros, prejudicando de forma
relevante o equilíbrio [1,3,4].
O equilíbrio é um
componente fundamental para a manutenção da postura, sendo um facilitador do
movimento, configurando-se como estratégia para reorganizar o controle
postural, coordenado pela complexa interação entre os sistemas corporais [5].
Os déficits de equilíbrio influenciam diretamente na capacidade funcional dos
indivíduos que sofreram um AVE, incapacitando a realização de tarefas do
cotidiano [2]. Além do déficit de equilíbrio aspectos como força,
sensibilidade, cognição, e comunicação também são prejudicadas. Sendo assim, o
processo de reabilitação formado por uma equipe multidisciplinar é de extrema
importância para o restabelecimento das funções afetadas [4].
A fisioterapia aquática
é capaz de promover maior autonomia e funcionalidade ao paciente, minimizando
as respostas anormais, favorecendo os movimentos apropriados. Os pacientes se
beneficiam dos princípios físicos e termodinâmicos da água, entre os quais se
destacam a pressão hidrostática, a viscosidade e o empuxo sendo essas as
variáveis que direcionam as intervenções terapêuticas [6,7]. As variações que
podem ser proporcionadas no ambiente aquático, como, por exemplo, a produção de
turbulência, criam um meio propício para o trabalho do equilíbrio estático e
dinâmico, a água também favorece maior liberdade ao paciente durante execução
de movimentos [7].
Com o desenvolvimento
da tecnologia, sensores inerciais, como acelerômetros e giroscópios, têm sido
cada vez mais utilizados para monitoramento das atividades físicas humanas [8].
Esses equipamentos podem auxiliar no desenvolvimento de sistemas de controle
biomédicos para reabilitação. Os acelerômetros são sensores muito precisos na
percepção de frequência e intensidade de movimentos podendo ser muito úteis
para a avaliação dos movimentos humanos [9].
A fixação de sensores
em membros inferiores permite uma avaliação confiável dos parâmetros
espaço-temporais durante a marcha, como, por exemplo, comprimento da passada,
velocidade de caminhada e fase de balanço, podendo ser utilizados também para
avaliar o equilíbrio tanto de pessoas saudáveis quanto de pessoas com
disfunções neurológicas, como é o caso do AVE [9,10]. Neste contexto o presente
estudo tem como objetivo avaliar o equilíbrio após um AVE, e validar os
aspectos funcionais de um sistema eletrônico para uso em ambiente aquático.
Trata-se de um estudo
do tipo piloto, que teve o objetivo de validar aspectos funcionais de um
instrumento para sua utilização em meio aquático. O estudo foi dividido em duas
partes. A primeira parte foi o desenvolvimento e adaptação de um equipamento
com acelerometria para utilização dentro da água.
Visando essa atividade, foi desenvolvido um sistema composto por dois sensores
de acelerometria integrados a um microcontrolador com
comunicação a um computador realizada através do protocolo Bluetooth.
A finalidade dessa
comunicação sem fio é de visualizar os resultados e também
armazená-los para análises estatísticas. A segunda parte foi a aplicabilidade
do instrumento dentro da água e a verificação do funcionamento. A coleta de
dados foi realizada através do projeto previamente autorizado pelo comitê de
ética de estudos com seres humanos sob CAAE 86285418.7.0000.5208.
O equipamento
desenvolvido é composto por dois acelerômetros integrados a um microcontrolador
com comunicação com um computador realizada através do protocolo Bluetooth. Foi
utilizada a placa de desenvolvimento MSP430 para a construção do equipamento.
Esta placa de desenvolvimento da Texas Instruments é
uma placa de baixo custo com o microcontrolador MSP430G2553 com 16KB de memória
flash e 512B de memória RAM, que pode funcionar em 16 mHz.
Dentre as principais características desta placa de desenvolvimento, pode-se
citar o baixo consumo de energia, permitindo o uso de baterias por longos
períodos.
A transmissão de dados
sem fio para o computador foi feita utilizando um dispositivo com protocolo
Bluetooth 2.0. Este tipo de protocolo trabalha com baixo consumo de energia e
com alcance máximo 50 metros, dependendo da potência utilizada. Os dispositivos
de Bluetooth trabalham na faixa de frequência ISM (Industrial, Scientific, Medical), oferecem taxa de transmissão
relativamente alta (3Mbits/s para o Bluetooth 2.0), e trabalham de modo pareado
com os dispositivos, garantindo uma transmissão segura de dados.
O módulo escolhido para
o sistema contém um acelerômetro LSM6DS3 com um giroscópio integrado, ambos triaxiais e usando tecnologia MEMS (Micro Electromechanical Systems), tendo 6 graus de liberdade ao
todo. O conversor AD integrado ao módulo LSM6DS3 possui 16-bits e captura os
sinais para os eixos X, Y e Z simultaneamente. É um dispositivo de consumo
baixo e oferece comunicação serial I2C, diminuindo assim o número de fios
conectados ao dispositivo e facilitando o trabalho no momento da aquisição.
Para impermeabilização e selagem dos acelerômetros para o funcionamento dentro
da água, foi utilizado um verniz impermeabilizante e cola epóxi Araldite® (Figura 1).
Fonte: acervo da autora,
2019.
Figura 1 - Acelerômetro impermeabilizado.
Foi confeccionada uma
caixa personalizada para proteger o sistema embarcado contendo saídas para os
dois canais dos acelerômetros, a caixa foi construída utilizando uma impressora
3D. A passagem dos cabos na caixa foi vedada com silicone. Os cabos foram
presos com Fita Tape (Silver Tape 8979, 3MTM) a caixa finalizada pode ser vista
na Figura 2.
Fonte: Acervo da autora,
2019.
Figura 2 - Instrumento.
Inicialmente a paciente
realizou uma caminhada de 8 metros, em solo e em seguida em ambiente aquático,
com água ao nível do esterno, com monitoramento da acelerometria.
Apenas um acelerômetro foi utilizado e ele foi colocado na região lombar da
paciente. Os dados foram enviados via Bluetooth para o software instalado no
computador, gravados e computados para comparação posterior.
Diante das disfunções
encontradas na caminhada decorrente do déficit de equilíbrio, comumente
observado após um AVE, realizou-se uma caminhada em ambiente aquático e em solo
a fim de avaliar e comparar o equilíbrio. O diferencial dessa pesquisa foi a
utilização do acelerômetro para verificar sua usabilidade como ferramenta de
auxílio na avaliação do equilíbrio dentro da água em tempo real. O acelerômetro
fixado na lombar permitiu analisar o grau de dispersão da caminhada, além de
permitir calcular o tempo total do teste, a velocidade média e o valor médio do
passo.
O equipamento utilizado
possibilitou observar a velocidade do passo e o deslocamento do centro de massa
da paciente durante a caminhada através da variação da acelerometria
nos eixos (XY). A aquisição dos sinais da acelerometria
deu-se em formato analógico que posteriormente foi transformado para o formato
digital, em seguida foram utilizadas técnicas de processamento, melhoramento e
filtragens desses sinais. Após o processamento da informação adquirida, houve a
extração dos dados referentes às acelerações e aos deslocamentos, esses dados
foram visualizados através do software Matlab®, que é
um é um software de computação numérica de visualização e análise de dados.
A caminhada ocorreu em
um trajeto de 8 m, tanto em solo como na água e após as análises foram
encontrados os seguintes resultados: em ambiente aquático a paciente fez um
tempo médio de 23,24 segundos para completar o percurso, sua velocidade média
para esse percurso foi de 0,344 m/s (Figura 3). A caminhada em solo, no entanto
teve um tempo médio de 19,10 segundos para completar o percurso, e a velocidade
média foi de 0,4188 m/s (Figura 4). De acordo com dados das análises pode-se
identificar que o centro de massa teve menos variações durante a caminhada
dentro da água, quando comparado com a caminhada em solo.
Fonte: Acervo da autora,
2019.
Figura 3 - Gráfico da
caminhada em ambiente aquático.
Fonte: Acervo da autora,
2019.
Figura 4 - Gráfico da
caminhada em solo.
Os resultados sugerem
que houve melhora no equilíbrio durante a caminhada em meio aquático,
consequentemente houve também melhora no padrão de marcha apresentado pela
paciente.
Há vários métodos para
mensuração e avaliação do equilíbrio, mas também é possível e eficaz a
avaliação através de acelerômetros. A acelerometria
pode ser obtida em uma, duas ou três dimensões, no estudo em questão
utilizou-se dois eixos de acordo com o objetivo do estudo. Além da praticidade
e baixo custo do instrumento, o que favorece sua aplicação.
O uso da acelerometria tem como principal finalidade a determinação
da posição e sensibilidade das vibrações mecânicas, amplitudes e frequências
que ocorrem durante a movimentação [11,12] e com isso é comum a utilização
desse recurso para reabilitação neurológica e monitoramento de atividade
física, conforme aponta Magarreiro [13]. Em um estudo
realizado por Silva [14], que tinha como objetivo a combinação de questionário
e uso da acelerometria como sendo uma melhor
estratégia para avaliar a proporção de indivíduos adultos fisicamente inativos,
foi percebido que o uso dos parâmetros supracitados se mostrou válido para a
averiguação. O que pode inferir sobre a utilização da acelerometria
para observação de atividade física.
A prática de atividade
física pode contribuir para a manutenção e melhora funcional [15,16]. Em razão
dos benefícios proporcionados em ambiente aquático é comum a utilização desse
recurso como abordagem em indivíduos pós-AVE.
No que refere aos
efeitos da imersão no indivíduo, Carregaro e Toledo
[17] e Caromano et al. [18] apontam que as
propriedades físicas da água e seus efeitos fisiológicos sugerem um maior tempo
de reação, ou seja, o indivíduo apresenta maior tempo de resposta em relação ao
ato motor. Além disso existe uma menor descarga de peso e, consequentemente,
menor impacto nas articulações, facilitando a execução dos movimentos.
Greco-Otto et al.
[19] realizaram um estudo com cavalos que evidenciou o impacto nos membros
quando imerso em diferentes profundidades com o auxílio de acelerômetros. O
estudo constatou que a aceleração de pico em todos os locais foi menor com água
em qualquer altura em comparação com o controle em ambiente terrestre.
Conclui-se que a imersão em água durante o exercício reduziu as acelerações e
houve aumento da passada em cavalos. Apesar da população estudada ser composta
por cavalos, tal pesquisa sugere efeitos benéficos da imersão na reabilitação
de lesões nos membros inferiores em humanos.
Durante a atividade em
ambiente aquático são gerados estímulos em decorrência da movimentação, o que
promove certa instabilidade postural. Porém, em decorrência do aumento no tempo
de resposta no meio há o favorecimento na melhoria do equilíbrio.
O que corrobora com o
estudo de Mann et al. [20], em que avaliaram um grupo de idosos que realizaram
hidroginástica. No estudo foi avaliado o equilíbrio estático e constatou-se uma
melhora no equilíbrio de idosos que realizavam atividades em ambiente aquático.
Assim como o de Resende et al. [21], com estudo experimental com idosos
utilizando um programa de exercícios por 12 semanas com duração de 40 minutos
por sessão, além de outras ferramentas para avaliação de equilíbrio,
concluiu-se que a fisioterapia aquática se mostra efetiva na melhoria do
equilíbrio em idosos.
Os achados obtidos nos
estudos supracitados corroboram com os achados do presente estudo apontando que
a utilização de acelerômetros podem ser uteis na avaliação do equilíbrio em
ambiente aquático. Contudo se faz necessário que outros estudos com maior
número amostral e um período maior de intervenção sejam realizados para
comprovar a real eficiência da utilização desse tipo de equipamento em imersão.
Os achados obtidos
nesse estudo sugerem que a utilização de um sistema eletrônico composto por
acelerômetros foi eficaz para avaliar em tempo real as alterações de equilíbrio
durante a marcha dentro e fora da água. Foi possível observar o deslocamento do
centro massa da paciente, a velocidade média e o valor médio do passo, tornando
o sistema uma opção viável, fornecendo dados que auxiliam o terapeuta durante o
atendimento.
Os resultados sugerem
ainda que o ambiente aquático favorece a melhora do equilíbrio durante a
caminhada em meio aquático, além da melhora do padrão de marcha, sendo esses
achados positivos, que tornam possível uma avaliação mais criteriosa, trazendo
a possibilidade de escolher a melhor alternativa de tratamento para a paciente.
Os autores agradecem o
apoio da CAPES e da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.