ARTIGO ORIGINAL
Eficácia da combinação
do Nintendo Wii® e fisioterapia convencional na independência funcional de
indivíduos hemiparéticos pós-acidente vascular
cerebral: ensaio clínico randomizado
The effectiveness of the combination of Nintendo Wii® and conventional
physical therapy in functional independence of post-stroke patients with
hemiparesis: a randomized clinical trial
Marcio Ribeiro de Souza Filho*, Nildo Manoel da Silva Ribeiro**,
Daniele Costa Borges Souza***, Matheus Sales****, Ailton Melo*****
*Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde
da Faculdade de Medicina da Bahia, Divisão de Neurologia e Epidemiologia do
Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal
da Bahia, Unidade de Reabilitação do Hospital Universitário de Lagarto,
Universidade Federal de Sergipe, **Divisão de Neurologia e Epidemiologia do
Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos, Departamento de
Fisioterapia, Programa de Pós-Graduação em Processos interativos dos órgãos e
sistemas do Instituto de ciências da saúde, Universidade Federal da Bahia,
***Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde da Faculdade de Medicina da
Bahia, Divisão de Neurologia e Epidemiologia do Complexo Hospitalar
Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia,
****Programa de Pós-Graduação em Processos interativos dos órgãos e sistemas, Instituto
de ciências da saúde, Divisão de Neurologia e
Epidemiologia, Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia, *****Divisão de
Neurologia e Epidemiologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor
Edgard Santos, Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Faculdade de
Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia
Recebido em 1 de março
de 2020; aceito em 26 de agosto de 2020.
Correspondência: Marcio Ribeiro de
Souza Filho, Divisão de Neurologia e Epidemiologia, Complexo Hospitalar
Universitário Prof. Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia, Av. Augusto
Viana, 1, Canela 40100-060 Salvador BA,
Marcio Ribeiro de Souza
Filho: marcioribeiro83@hotmail.com
Nildo Manoel da Silva
Ribeiro: nildoribeiro67@gmail.com
Daniele Costa Borges
Souza: dinniborges@hotmail.com
Matheus de Sales
Santos: mss.fisioufba@gmail.com
Ailton de Souza Melo:
asm@ufba.br
Resumo
Introdução: Nos últimos anos,
nota-se crescente interesse na utilização da realidade virtual não imersiva
(RVNI) em pacientes pós-acidente vascular cerebral. Objetivo: O objetivo
deste estudo é analisar a eficácia da combinação da realidade virtual não
imersiva através do console Nintendo Wii® e cinesioterapia na independência
funcional de indivíduos hemiparéticos pós-acidente
vascular cerebral. Métodos: Trata-se de um ensaio clínico randomizado
cego. 48 sujeitos foram randomizados, sendo 57,5 % do sexo masculino com idade
média de 55,6 anos, alocados em três grupos de tratamento: grupo Realidade
Virtual (GRV), grupo Cinesioterapia (GCT) e grupo Realidade Virtual e
Cinesioterapia (GRVCT). Cada grupo com 16 participantes realizaram 16 sessões
com duração de 50 minutos cada, duas vezes por semana, durante 8 semanas. A
avaliação da independência funcional foi realizada pelo Índice de Barthel Modificado pré e
pós-tratamento. Resultados: Não foram encontradas diferenças
significativas entre os grupos com relação à idade, gênero, tempo de acidente
vascular cerebral e hemicorpo afetado; os grupos foram homogêneos com relação a
essas variáveis. Não foram encontradas diferenças estatisticamente
significantes entre nenhum dos três grupos (intergrupo) antes do tratamento em
comparação com o pós-tratamento nas variáveis do Índice de Barthel
Modificado. Na comparação intragrupo, em alguns domínios do Índice de Barthel Modificado foram observadas alterações positivas
consideráveis, principalmente no grupo que realizou apenas realidade virtual
não imersiva. Conclusão: A realidade virtual não imersiva como terapia
para reabilitação não apresentou diferença no grau de independência funcional
dos pacientes analisados, porém a RVNI em combinação com a cinesioterapia ou
isolada, ou apenas a cinesioterapia, podem ser utilizadas sem prejuízos em
pacientes hemiparéticos após AVC.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, realidade virtual, Fisioterapia.
Abstract
Background: In recent years, there has been a growing interest in the use of
non-immersive virtual reality (NIVR) treatment in post-stroke patients. Objective:
The objective of this study is to analyze the efficacy of the combination of
non-immersive virtual reality through the Nitendo
Wii® console and kinesiotherapy in the functional independence of post-stroke
hemiparetic individuals. Methods: Blind randomized clinical trial; 48
volunteers randomly grouped, being 57.5% male with an average age of 55.6
years. These were allocated into 3 treatment groups: Virtual Reality Group
(VRG), Cinesiotherapy Group (CG) and Virtual Reality
and Cinesiotherapy Group (VRCG). Each group with 16
participants, held 16 sessions of 50 minutes each, twice a week for 8 weeks.
Functional independence was assessed by the Barthel Modified Index (BMI) pre
and post treatment. Results: No significant differences were found with
respect to age, gender, stroke time and affected hemibody.
The groups were homogeneous in relation to these variables. No statistically
significant differences were detected between any of the 3 groups (among
groups) before treatment compared to the post-treatment in BMI variables. In
the intra-group comparison, in some areas of BMI, positive changes were observed,
mainly in the groups that used only non-immersive virtual reality. Conclusion:
Non-immersive virtual reality as a rehabilitation therapy showed no difference
in the level of functional independence of the patients, but this technique in
combination with kinesitherapy or alone, or only kinesitherapy, can be used
without damage in post stroke hemiparetic patients.
Keywords: stroke, virtual reality, Physical Therapy.
O Acidente Vascular
Cerebral (AVC) é ocasionado por um comprometimento no fornecimento de oxigênio
e nutrientes para o tecido cerebral devido a uma interrupção no aporte
sanguíneo, de início súbito e com duração superior a 24 horas [1] causando
diversos prejuízos neurológicos dependendo da extensão da lesão e da área cerebral
afetada [2]. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que,
até 2030, o AVC continuará sendo a segunda maior causa de mortes no mundo [3].
A principal sequela
desta condição clínica é a hemiplegia, responsável por gerar outros
comprometimentos, como: alteração da marcha [4,5], distúrbios no controle da
postura e do equilíbrio [6] e limitações nas atividades da vida diária [7,8].
Diante desses
comprometimentos, o tratamento adotado para essa população consiste em condutas
que visam restabelecer as funções, e/ou minimizar as sequelas deixadas [6]. A
fisioterapia utiliza de diversos recursos para a recuperação desses indivíduos,
dentre eles a cinesioterapia e, nos últimos anos, nota-se um crescente
interesse em exercícios baseados em videogames na reabilitação neurológica, a
realidade virtual não imersiva (RVNI).
A cinesioterapia tem
demonstrado resultados efetivos, porém ao longo do tempo alguns pacientes
perdem a motivação e adesão ao tratamento devido à repetição e monotonia das
sessões [9]. A RVNI, utilizada através de jogos comerciais, tem como finalidade
criar ambientes motivacionais, proporcionar e incentivar o uso da função
motora, trazendo benefícios motores e entretenimento, além de encorajar os
pacientes a continuar a terapia por longos períodos [4,10].
Tecnologias de baixo
custo, simples e acessíveis estão disponíveis comercialmente, como o console de
videogame Nintendo Wii® (NW) que está sendo utilizado em unidades de
reabilitação de AVC no mundo todo [11]. Dessa forma, tornam-se necessários
estudos clínicos que comparem a eficácia da cinesioterapia e da RVNI.
O objetivo deste estudo
é analisar a eficácia da combinação da RNVI, através do console Nintendo Wii®,
e da cinesioterapia na independência funcional de indivíduos hemiparéticos pós-AVC.
Trata-se de um ensaio
clínico randomizado, simples-cego, realizado no Ambulatório Professor Francisco
Magalhães Neto (AMN), em Salvador, Bahia, Brasil no período de julho de 2015 a
junho de 2017. Os sujeitos do estudo foram recrutados da comunidade da cidade
de Salvador e do AMN. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, sob parecer nº
1.002.027, em consonância com os aspectos éticos previstos na declaração de
Helsinki.
Os sujeitos foram selecionados
de acordo com os seguintes critérios de inclusão: idade entre 18 e 80 anos;
sexo masculino ou feminino; diagnóstico clínico neurológico exclusivo de AVC;
apresentar hemiparesia acima de 6 meses de início da doença; serem capazes de
deambular com ou sem dispositivos auxiliares de marcha e ausência de déficit
visual ou auditivo. Os critérios de não inclusão foram os seguintes: sujeitos
que apresentassem sequelas cognitivas que dificultassem a compreensão dos
jogos, sendo utilizado como rastreio o Mini Exame do Estado Mental com escore
< 24; outras doenças incapacitantes crônicas ou lesões ortopédicas que
poderiam prejudicar a locomoção, impossibilitando a execução da atividade
proposta; e aqueles que participassem de outros programas de Fisioterapia.
Foram coletados os
dados demográficos e a avaliação da independência funcional foi realizada pelo
Índice de Barthel Modificada, que avalia a
independência funcional em dez tarefas: alimentação, banho, vestuário, higiene
pessoal, eliminações intestinais, eliminações vesicais, uso do vaso sanitário,
passagem cadeira-cama, deambulação e escadas, sendo a pontuação adotada pelo
índice e sua relação com o grau de independência a seguinte: 1 (dependente
total), 2 (assistência em todos os aspectos), 3 (assistência em alguns passos
da tarefa), 4 (assistência mínima) e 5 (totalmente independente). Uma pontuação
geral foi formada atribuindo-se pontos em cada categoria, a depender do tempo e
da assistência necessária a cada paciente. A pontuação varia de 10 a 50, em
intervalos de cinco pontos, e as pontuações mais elevadas indicam maior
independência: Dependência total: 10; Dependência severa: 11-30; Dependência
moderada: 31-45; 46-49: Ligeira dependência; Independência total: 50 pontos.
O cálculo amostral foi
baseado a partir da realização de um estudo piloto composto por três grupos
distintos e independentes, sendo avaliados em dois momentos distintos. Para
tanto, utilizou-se os seguintes parâmetros: o tamanho do efeito de 0,24; o
nível de significância de 5% (0,05); o poder de 80%; e a correlação entre as
medidas de 0,65. Posteriormente, foi determinado um total de 33 participantes,
sendo estes divididos em três grupos de 11 participantes cada. Devido às
possíveis perdas amostrais, foram acrescentados mais cinco pacientes em cada
grupo, totalizando-se, assim, 16 pacientes em cada grupo. A análise foi
realizada utilizando o software Gpower®, versão 3.1,
do módulo F, Teste Anova de medidas repetidas mistas.
A randomização foi
realizada em bloco de 6 pacientes por um pesquisador independente usando um
gerador de número aleatório básico. A identificação dos grupos de cada
participante foi armazenada em envelopes opacos, selados e colocados nas pastas
dos respectivos pacientes para assegurar confidencialidade.
A amostra foi
distribuída em três grupos de intervenção com o mesmo número de sujeitos, 16 em
cada grupo.
1) Grupo Realidade
Virtual (GRV) realizou tratamento apenas com o console NW;
2) Grupo Cinesioterapia
(GCT) realizou um programa de Cinesioterapia, baseado no conceito de
Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP);
3) Grupo Realidade
Virtual e Cinesioterapia (GRVCT) realizou tratamento com a utilização das duas
terapêuticas, console NW e cinesioterapia baseada no conceito FNP.
Ao chegar ao
ambulatório os participantes realizaram os protocolos de tratamento, que foram
aplicados por fisioterapeutas treinados para cada terapia, totalizando 16
sessões, com duração de 50 minutos cada sessão, duas vezes na semana, durante 8
semanas.
Todos os pacientes dos
três grupos realizaram alongamento por 10 minutos, de forma bilateral nos
seguintes grupos musculares: bíceps, tríceps, quadríceps, isquiotibiais,
adutores e abdutores dos membros inferiores.
A reabilitação virtual
através do NW foi realizada em uma sala com uma área de 20 m², livre de ruído
externo, equipada com o sistema NW® (Nintendo Company,
Minami-ku-based, Kyoto, Japan)
e um aparelho multimídia que projetou a imagem em uma parede branca de
superfície lisa.
O grupo VR realizou o
seguinte protocolo: 40 minutos de treinamento com NW, no qual os pacientes
jogaram quatro jogos (do pacote Wii Sport e Wii Fit) na posição de ortostase: na primeira sessão foram utilizados os jogos Tennis e Balance Bubble Plus, e
na segunda sessão os jogos Boxing e Rhythm Parade. Cada jogo foi
realizado por 20 minutos, com intervalo de descanso durante os jogos baseado no
condicionamento físico de cada paciente. Os jogos escolhidos estimularam
movimentos de lateralização e rotação do tronco, transferência de peso, reações
de equilíbrio, e marcha estacionária com atividades simultâneas do membro
superior.
O
grupo CT consistiu em
40 minutos de cinesioterapia baseada no conceito FNP, na qual
fisioterapeutas
treinados realizaram os padrões da FNP, associados à
técnica de iniciação
rítmica. Foram utilizados 30 minutos de diagonais
específicas distribuídas em
duas sessões semanais. Na primeira sessão, foram
realizadas as diagonais para
membro superior
(flexão-abdução-rotação
externa/extensão-abdução-rotação
interna),
escápula (elevação anterior/ depressão
posterior) e na segunda sessão as
diagonais de pélvis (depressão
anterior/elevação posterior) e membro inferior
(flexão-abdução-rotação externa com
flexão de
joelho/extensão-abdução-rotação
interna com extensão de joelho). O protocolo também foi
composto por treino de
marcha durante 10 minutos, no qual receberam pelo terapeuta uma
orientação
manual ou resistência para estimular transferência de peso
na posição de passo
e foi criado no intuito de estimular movimentos funcionais e metas
semelhantes
ao do grupo VR.
No grupo VRCT, foi
realizada a combinação das duas terapias: Nintendo Wii e cinesioterapia baseada
no conceito FNP, durante 40 minutos, sendo 20 minutos de treinamento com NW, no
qual os pacientes utilizaram quatro jogos (Wii Sport e Wii Fit) na posição de ortostase. Na primeira sessão, foram utilizados os jogos Tennis e Balance Bubble Plus, e
na segunda sessão os jogos Boxing e Rhythm Parade
e 20 minutos de
Fisioterapia convencional com a utilização de diagonais
específicas
distribuídas em duas sessões semanais. Na primeira
sessão, foram realizadas as
diagonais para membro superior
(flexão-abdução-rotação
externa/extensão-abdução-rotação
interna), escápula (elevação
anterior/depressão posterior) e na segunda sessão as
diagonais para pélvis
(depressão anterior/elevação posterior) e membro
inferior
(flexão-abdução-rotação externa com
flexão de
joelho/extensão-abdução-rotação
interna com extensão de joelho), associadas ao treino de marcha.
Para a escolha dos
jogos do Nintendo Wii e das diagonais da FNP foram considerados os padrões dos
pacientes pós-AVC (extensão do membro inferior acometido e flexão do membro
superior acometido) e consequentemente a quebra desses padrões através de
diagonais da FNP e jogos que estimulem a flexão de quadril e joelhos, a
dorsiflexão dos tornozelos, extensão de braço, antebraço e punho e o treino de
marcha. Por exemplo, o jogo de Tennis exige
movimentos de extremidades superiores incluindo rotação interna e externa do
ombro, flexão e extensão do cotovelo e pronação e supinação do antebraço. Os
pacientes foram instruídos a jogar com a sua extremidade superior hemiparética.
A análise estatística
foi dividida em descritiva e analítica. Na descritiva, a apresentação dos dados
ocorreu na forma de frequência absoluta e/ou frequência relativa para variáveis
categóricas e medidas de tendência central e dispersão para variáveis discretas
e/ou contínuas.
Na analítica, os dados
foram analisados através do programa estatístico SPSS e foram considerados
significantes com p < 5% (0,05). Os dados foram inicialmente testados quanto
à normalidade da distribuição por meio do teste Shapiro-Wilk, no qual foi
observado que a distribuição foi não normal (p = 0,576) ou seja p > 0,05. Dessa
forma, na análise, foi utilizado o Teste de Kruskal-Wallis,
no qual foram selecionadas as medianas antes e após tratamento dos três grupos
em análise.
Foram avaliados 95
sujeitos por um avaliador treinado cego para alocação dos mesmos, 47 foram
excluídos por não preencherem os critérios de inclusão e 48 sujeitos foram
randomizados. Após a randomização, os participantes foram alocados em três
grupo GRV, GCT, GRVCT, cada grupo com 16 participantes. Durante a realização do
estudo, ocorreram 8 perdas, sendo 5 no grupo GVR, 1 perda no grupo GCT e 2
perdas no grupo GRCT. Na análise dos dados, foram considerados: 11
participantes no GRV, 15 participantes no GCT e 14 participantes no GRVCT
(Figura 1).
Figura 1 - Diagrama de fluxo
dos participantes do estudo no ambulatório Professor Francisco Magalhães Neto,
em Salvador/BA, no período de julho de 2015 a junho de 2017.
Dos 48 pacientes
avaliados, 57,5 % foram do sexo masculino, com idade média de 55,6 ± 10,5, a
média do tempo de AVC em meses foi 76,1 ± 79,5 meses (aproximadamente 6 anos de
AVC), 30% tinha 1º grau incompleto, 42,5% era casado, 65% era aposentado, 56,4%
não usava dispositivo de marcha, 97,5% era destro, 55% teve o lado direito
acometido, 45% tinha mais de uma história de patologia pregressa, sendo 30%
hipertensos e 5% diabéticos, 89,7% sofreu AVC Isquêmico, 47,4% teve um discreto
aumento de tônus (1 na Escala de Ashworth), 52,6%
apresentava espasticidade (Tabela I).
Tabela I - Dados
demográficos e características dos participantes do estudo no ambulatório
Professor Francisco Magalhães Neto, Salvador/BA, no período de julho de 2015 a
junho de 2017.
CT = Cinesioterapia; RV
= Realidade virtual.
Não foram encontradas
diferenças significativas entre os grupos com relação à idade, gênero, tempo de
AVC e hemicorpo afetado; os grupos foram homogêneos com relação a essas
variáveis.
Não foram encontradas
diferenças estatisticamente significantes entre nenhum dos três grupos
(intergrupo), antes do tratamento, em comparação com o pós-tratamento, nas
variáveis do Índice de Barthel modificado. Antes do
tratamento, as Medianas do Índice de Barthel
modificado encontradas foram: no GRV - ligeira independência (49); no GCT -
independência total (50); no GVRCT - ligeira independência (48,5). Após o
tratamento, os pacientes foram reavaliados e as medianas mantiveram-se com os
mesmos resultados (Tabela II).
Tabela II - Comparação
intergrupo das medianas através do Índice de Barthel
modificado na avaliação e reavaliação dos pacientes do estudo no Ambulatório
Professor Francisco Magalhães Neto, em Salvador/BA, Brasil, no período de julho
de 2015 a junho de 2017.
P= 0,576 (Kruskal-Wallis test)
Na comparação
intragrupo não foi obtida também nenhuma diferença estatisticamente
significante, porém, em algumas variáveis do Índice de Barthel
modificado, observaram-se alterações consideráveis (Tabela III). O grupo GRV
apresentou melhora nas seguintes variáveis: na variável Alimentação passou de
31,3% para 63,6% de independência total; na variável Higiene Pessoal passou de
68,8% para 90,9% de independência total; na variável Uso do Banheiro passou de
87,5% para 100% de independência total; na variável Banho passou de 75% para
100% de independência total; na variável Continência Vesical passou de 87,5%
para 100% de independência total; na variável Transferências passou de 93,8%
para 100% de independência total; na variável Subir e Descer Escadas passou de
75% para 90,9% de independência total; e na variável Deambulação passou de
68,8% para 90,9% de independência total. Manteve-se inalterado nas variáveis:
Vestir-se e Continência Fecal.
Tabela III - Comparação
Intragrupo com relação ao nível de independência nos domínios do Índice de Barthel modificado pré e
pós-tratamento dos pacientes do estudo no Ambulatório Professor Francisco
Magalhães Neto, em Salvador/BA, Brasil, no período de julho de 2015 a junho de
2017.
1 - dependência
total, 2 - assistência em toda tarefa, 3 - assistência em alguns passos da
tarefa, 4 - assistência mínima, 5 - independência total
No GCT, houve melhora
na variável Higiene Pessoal, 87,5% apresentavam independência total e passou
para 93,3%; e na variável Subir e Descer Escadas 93,8% eram de independência
total e passou para 100% de independência total. As outras variáveis mantiveram-se
sem alterações ou não apresentaram melhoras.
No GRVCT, houve melhora
na variável Higiene Pessoal, 87,5% eram de independência total e passou para
92,9% de independência total; na variável Subir e Descer Escadas 87,5% eram de
independência total e passou para 100% de independência total. As outras
variáveis mantiveram-se sem alterações ou não melhoraram.
A independência ou
capacidade funcional dos pacientes compreende a aptidão em manter as
habilidades físicas e mentais para a condução autônoma e independente da vida.
Este estudo teve como objetivo analisar a independência funcional dos pacientes
pós-AVC que utilizam as técnicas de reabilitação cinesioterapia e RVNI. Esta
análise mostra-se relevante no planejamento da reabilitação dos pacientes
pós-AVC, pois observa-se prejuízo na capacidade funcional desses indivíduos
[12].
A recuperação da função
em tratamentos de reabilitação é sustentada pela neuroplasticidade. Ocorre um
aumento das taxas de disparo dos neurônios no cérebro humano adulto quando um
sujeito observa movimentos realizados por outras pessoas. A ativação desse
sistema de neurônios espelho, incluindo área frontal, parietal e lobos
temporais, pode induzir à reorganização cortical e, possivelmente, contribuir
para a recuperação funcional [13].
O presente estudo
demonstrou que a reabilitação de pacientes pós-AVC hemiparéticos
crônicos com cinesioterapia, RVNI com o Nintendo Wii ou a combinação de ambas
as terapias não trazem alterações significativas na independência funcional
desses pacientes. Porém, ao realizar uma análise intragrupo das variáveis do
Índice de Barthel modificado, foram observadas
algumas alterações positivas, por exemplo, na variável Higiene Pessoal no grupo
GRV, em que os participantes passaram de 31,3% para 63,6% de independência
total no final do tratamento, no GCT 87,5% dos participantes eram de
independência total e passou para 93,3% e no GRVC, 87,5% eram de independência
total e passou para 92,9%. Contudo, o grupo GRV apresentou alterações em mais
variáveis do que nos outros grupos.
Alguns fatores podem
ter influenciado estes resultados, entre eles, destaca-se o tempo mínimo de AVC
dos pacientes selecionados para o estudo. Estudos demonstram que as habilidades
funcionais continuam melhorando com a realização da Fisioterapia mesmo anos
após o AVC, contrariando o pensamento de que a recuperação seria entre os três
primeiros meses até um ano [6]. Diante desses dados, o estudo atual considerou
como critério de inclusão que os pacientes deveriam apresentar hemiparesia
acima de 6 meses (24 semanas) de início da doença.
Os pacientes
selecionados são considerados crônicos, a média de tempo de AVC em meses foi de
76,1 ± 79,5 meses. De acordo com o estudo que avaliou o estado funcional,
mental e a redução da dor de 120 pacientes após AVC, que utilizou o Índice de Barthel modificado, com o objetivo de avaliar a eficácia da
reabilitação pós-AVC dentro do aspecto biopsicossocial, observou-se que a
fisioterapia era definitivamente menos eficaz nos casos em que os pacientes
foram admitidos na enfermaria de reabilitação com tempo de AVC maior que 16
semanas (quatro meses) [14]. Ou seja, o tempo de AVC pode ter influenciado os
resultados obtidos neste estudo.
Outro estudo comprovou
a hipótese de que o prognóstico funcional de pacientes com AVC isquêmico que
recebem reabilitação precoce diária em um ambiente de prática clínica é
geralmente melhor do que o de pacientes que receberam reabilitação somente em
alguns dias da semana. Foram avaliados, pelo índice de Barthel,
661 pacientes com AVC isquêmico e 245 com AVC hemorrágico e observado que houve
eficácia do tratamento, sendo essa eficácia maior para pacientes que receberam
terapia precoce diariamente após AVC isquêmico [15].
Ao analisar esse estudo
e observar a quantidade de sessões que os pacientes realizaram (fisioterapia
diária) e o tempo de AVC (fase aguda) desses pacientes, pode-se deduzir, ao
comparar com o estudo atual, que 16 sessões, 50 minutos por dia, duas vezes na
semana, durante 8 semanas pode ter sido pouco para obter alterações
significativas na independência funcional pelo Índice de Barthel
modificado. Além do tempo de AVC, uma vez que foram selecionados pacientes
crônicos com média de aproximadamente 6 anos de AVC.
Outro fato que pode
explicar o motivo pelo qual os resultados obtidos não apresentarem diferença
estatisticamente significante entre os grupos foi a escolha da escala de
avaliação. Dentre as escalas de avaliação para independência funcional, o Índice
de Barthel modificado foi a escala escolhida para
este estudo. Um estudo de acompanhamento transversal concluiu que a escala é
justificada como medida de resultado padrão para populações de pacientes com
AVC para o acompanhamento em longo prazo, além de ser simples de administrar,
facilmente compreendida, validada e confiável, tornou-se uma escala bastante
aceita na pesquisa de AVC [16]. É a medida funcional mais utilizada nas
reabilitações pós-AVC e a segunda medida de resultado funcional mais comum em todos
os ensaios de AVC [17].
No entanto, deve-se
observar que a capacidade de resposta às mudanças do Índice de Barthel modificado pode ter sido uma limitação. Um escore
deve ser capaz de representar mudanças em todo o espectro de resultados
funcionais potenciais. Os efeitos “piso” e “teto” que existem no Índice de Barthel modificado descrevem o fenômeno pelo qual a
pontuação não muda de mínimo ou máximo, apesar da mudança clínica [17]. No
grupo GCT, os pacientes que realizaram reabilitação através da cinesioterapia e
foram considerados independentes na avaliação, ainda podem apresentar
alterações funcionais, no entanto, marcarão 50 no Índice de Barthel
modificado, ou seja, totalmente independentes.
A escolha pelo uso do
videogame NW foi de acordo com a quantidade de estudos publicados em comparação
com outros modelos de Realidade Virtual, além do custo para aquisição do
equipamento. Uma pesquisa realizada no Canadá com o objetivo de descrever o uso
clínico da Realidade Virtual por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, 46%
dos que responderam tinham experiência com a Realidade Virtual, sendo o NW o
sistema mais utilizado (41%), com o uso mais frequente na Reabilitação (32%),
tendo a melhoria do equilíbrio como o principal objetivo nas sessões de
Reabilitação (39,3%) e o AVC sendo a doença mais frequentemente tratada com a
técnica (25,8%) [18]. Uma revisão concluiu que 79% dos estudos encontrados
utilizou o NW na reabilitação e, nos estudos com AVC, foram encontrados
resultados positivos para a extremidade superior e melhoria do equilíbrio
corporal [19].
A maioria dos artigos
pesquisados explorou a recuperação motora do membro superior. Foram encontrados
seis estudos que exploraram independência funcional e Realidade Virtual em
pacientes pós-AVC. Alguns estudos demonstraram que, em alguns aspectos, como
independência funcional, não há diferença estatística significativa nos seus
resultados, mas podem trazer alterações positivas ou negativas em alguns
domínios das escalas utilizadas na avaliação [9,2-22]. Em apenas um estudo foi
encontrada melhora significativa da Independência Funcional [23].
Em estudo realizado
para investigar o efeito do NW sobre o controle postural, função motora e
independência funcional (avaliada pela Medida de Independência Funcional, MIF)
em pacientes crônicos de AVC, em seus resultados, não foi obtida uma diferença
estatisticamente significante na pontuação do MIF nos grupos controle e
experimental antes e depois da intervenção (p>0,005) nem entre o grupo experimental
e o grupo controle (p > 0,05) [20].
Um ensaio clínico
randomizado, cego e controlado, no qual foram avaliados 30 pacientes com
hemiparesia pós-AVC, distribuídos aleatoriamente em dois grupos de tratamento,
um de NW e outro grupo de fisioterapia convencional (FC), com 15 pacientes
cada, com o objetivo de melhorar a função sensório motora e a qualidade de vida
dos mesmos; utilizou as escalas de qualidade de vida SF-36 e a escala de Fulg-Meyer (FM), não encontrou nenhuma diferença
estatisticamente significativa entre os grupos para quaisquer uma das variáveis
FM e SF-36, exceto o funcionamento físico do domínio SF-36 no grupo FC [9].
Em um estudo
randomizado, multicêntrico, cego e controlado, no qual foram incluídos adultos
que tiveram AVC alocados aleatoriamente (1:1) para receber um programa de
sessões para o membro superior de RVNI usando o NW ou atividades recreativas
simples como, por exemplo, cartas de jogar e bingo, ao longo de um período de 2
semanas, a RVNI como terapia complementar à reabilitação convencional não foi
superior a uma intervenção de atividade recreativa para melhorar FM. Esse
estudo sugere que atividades recreativas simples, de baixo custo e amplamente
disponíveis podem ser tão eficazes quanto às tecnologias de RVNI inovadoras
[21].
Outro ensaio clínico,
randomizado e controlado para investigar o treinamento de equilíbrio, simetria
corporal e funcionalidade com NW após AVC, contou com vinte adultos
hemiplégicos, divididos em dois grupos de tratamento; sendo um com Fisioterapia
convencional e outro com fisioterapia convencional associada ao NW (wii fit). A independência
funcional foi avaliada pela MIF e não foram encontradas diferenças
estatisticamente significantes na análise intergrupo (p > 0,05). Porém
apresentou melhorias na simetria corporal, equilíbrio estático e funcional,
mobilidade funcional e independência nas atividades de vida diárias na análise
intragrupo [22].
O único estudo
encontrado que apresentou nos seus resultados melhora considerável na independência
funcional em atividades de vida diárias, avaliou o impacto da RV na terapia multidimencional para 100 pacientes com AVC no estágio
agudo com início de 7 dias. Os pacientes foram submetidos a um programa de
reabilitação, sendo divididos em dois grupos de tratamento: cinesioterapia e
realidade virtual mais cinesioterapia. Foram utilizadas as escalas de avaliação
NIHSS e MRS. Os resultados revelaram que o grupo realidade virtual mais
cinesioterapia obteve melhora significativa nas duas escalas de avaliação e
melhora considerável na independência funcional e o grupo cinesioterapia obteve
melhora apenas na MRS [23].
A RVNI como terapia
para reabilitação ou como terapia complementar à cinesioterapia, analisada
através do índice de Barthel modificado, não
apresentou diferença nas medidas pré e
pós-intervenção entre os grupos, ou seja, não foi significativa para alterar o
nível de independência funcional dos pacientes analisados, assim como a
cinesioterapia sozinha não alterou o nível de independência funcional dos
pacientes do estudo.
Apesar de não ter
alteração significativa na análise intergrupos, a independência funcional dos
pacientes se manteve, não apresentou piora e na análise intragrupo alguns
domínios do IBM apresentaram melhoras. Ou seja, tanto a cinesioterapia, quanto
a RVNI, isoladas ou combinadas, podem ser utilizadas sem prejuízos em pacientes
hemiparéticos após AVC, sendo necessário um período
de adaptação dos novos recursos tecnológicos, principalmente em indivíduos que
não possuem a prática da tecnologia virtual.