REVISÃO

Recursos fisioterapêuticos nas disfunções miccionais em injúrias espinhais congênitas

Physiotherapeutic resources in voiding dysfunctions in congenital spinal injuries

 

Daisy Mary Carvalho Kosmaliski, Ft.*, Magda Patrícia Furlanetto**

 

*Fisioterapeuta graduada pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter, **Orientadora, Profª da Disciplina de Fisioterapia Urogenital do Centro Universitário Ritter dos Reis - Uniritter

 

Recebido em 19 de abril de 2020; aceito em 30 de abril de 2020.

Correspondência: Daisy Mary Carvalho Kosmaliski, Avenida Dom Claudio J. G. Ponce de Leon, 140i/1803.2, Vila Ipiranga 91370-170 Porto Alegre RS

 

Daisy Mary Carvalho Kosmaliski: kosmaliski@gmail.com

Magda Patrícia Furlanetto: magdafurlanetto@hotmail.com

 

Resumo

Malformações congênitas são alterações morfológicas com origem no desenvolvimento embrionário e podem ser devido a causas genéticas, ambientais ou ambas. Em indivíduos que sofrem de injúrias espinhais congênitas, a bexiga neurogênica (BN) é um dos acometimentos com maior impacto na vida diária e o principal objetivo urológico é melhorar o manejo urinário e a continência social, para diminuir altas pressões vesicais e prevenir danos renais. Esta condição reflete diversas repercussões, como a diminuição na qualidade de vida, progressão para procedimentos invasivos, lesão renal e ao óbito. Objetivo: Revisar sistematicamente os estudos publicados nos últimos 10 anos a respeito da atuação da fisioterapia na incontinência urinária (IU) nas injúrias espinhais congênitas. Métodos: Revisão sistemática de literatura realizada através de busca, entre os anos de 2009 a 2019, nas bases de dados eletrônicas PubMed, Bireme e PEDro. Resultados: Não houve grande conformidade em relação às técnicas utilizadas, mas sim em relação aos desfechos analisados, sendo verificado estudos sobre IU na espinha bífida. Conclusão: A fisioterapia mostrou-se benéfica para os casos de IU nas injúrias espinhais congênitas, melhorando os parâmetros urodinâmicos e o desfecho no diário miccional.

Palavras-chave: incontinência urinária, fisioterapia, meningomielocele, espinha bífida e meningocele.

 

Abstract

Congenital malformations are morphological changes originating from embryonic development and can be due to genetic, environmental or both. In individuals suffering from congenital spinal injuries, the neurogenic bladder (BN) is one of the disorders with the greatest impact on daily life and the main urological objective is to improve urinary management and social continence, to decrease high bladder pressures and prevent kidney damage. This condition reflects several repercussions, such as a decrease in quality of life, progression to invasive procedures, kidney injury and death. Objective: To systematically review the studies published in the last 10 years regarding the role of physical therapy in urinary incontinence (UI) in congenital spinal injuries. Methods: Systematic literature, between the years 2009 to 2019, in the electronic databases Pubmed, Bireme and PEDro. Results: There was no great conformity in relation to the techniques used, but in relation to the analyzed outcomes, with studies on UI in spina bifida being verified. Conclusion: Physical therapy proved to be beneficial for cases of UI in congenital spinal injuries, improving urodynamic parameters and the outcome in the voiding diary.

Keywords: incontinence urinary, Physical Therapy, meningomyelocele, spina bífida, meningocele.

 

Introdução

 

Malformações congênitas são alterações morfológicas que tem sua origem no desenvolvimento embrionário e podem ser devido a causas genéticas, ambientais ou ambas [1]. Apesar do caráter multifatorial, as alterações medulares com esta etiologia frequentemente apresentam como fator de risco associado a baixa suplementação de ácido fólico durante a gestação. Neste cenário, a incidência mundial de nascimentos de crianças com espinha bífida (EB) é 0,5 para cada 1000 nascimentos e de nascidos com mielomeningocele (MMC) é de 1 para cada 1000 nascimentos. Contudo, algumas diferenças entre regiões geográficas podem aparecer devido à combinação de fatores [2].

A EB ou disrafismo espinhal trata-se de um defeito de fechamento do tubo neural do sistema nervoso central que ocorre nas primeiras seis semanas de desenvolvimento fetal e pode ser classificada como oculta ou aberta [3,4]. Já a MMC é o tipo mais comum desta anomalia e este fechamento incorreto do tubo neural pode se projetar em diferentes níveis da coluna vertebral com apresentação de um cisto oriundo da coluna coberto por meninges e preenchido com líquido cefalorraquidiano e tecido neural, podendo ficar a meninge exposta ou apenas recoberta por pele [5].

A correção precoce tem sido a mais indicada para minimizar as complicações oriundas desta condição e pode ser realizada cirurgicamente por via extra ou intrauterina. A primeira ocorre, com frequência, nas primeiras horas de vida do recém-nascido e é a forma mais usualmente relatada. A correção intrauterina trata-se de uma técnica inovadora, de difícil acesso e que ainda apresenta riscos para a mãe e para o feto [5,6]. Entretanto, esta injuria vem com múltiplas alterações, pois quanto mais alto o nível da lesão, mais incapacidades acometem o indivíduo. Dentre essas, é possível citar hidrocefalia, alterações ortopédicas como o pé torto congênito, distúrbios motores e sensitivos abaixo do nível da lesão e alterações no controle e esvaziamento da bexiga e intestino [2,4].

Em indivíduos que sofrem de injúrias espinhais congênitas, a bexiga neurogênica (BN) é um dos acometimentos com maior impacto na vida diária e o principal objetivo urológico é melhorar o manejo urinário e a continência social, com foco em diminuir altas pressões vesicais e prevenir danos renais, visto que pressões de perda acima de 40 cmH2O têm risco elevado de lesão renal [7,8]. Nesses casos, o dissinergismo vesico-esfincteriano, representado pela incoordenação no processo de esvaziamento e enchimento da bexiga, pode estar presente e representar um importante agravo à saúde [8,9].

Nessa condição clínica, o diagnóstico padrão é realizado através de estudo urodinâmico (EUD) e o acompanhamento urológico é altamente indicado e necessário [8,9]. O tratamento padrão baseia-se em cateterismo intermitente limpo (CIL) e uso de medicamentos anticolinérgicos (ATC). A longo prazo, se o manejo da BN não for realizado corretamente, os danos podem se tornar irreversíveis, como infecções do trato urinário de repetição, hipocontratilidade detrusora, espessamento do músculo detrusor e podem culminar em falência renal [8,10].

Considerando os efeitos adversos dos ATC, como boca seca e a baixa adesão ao CIL, observa-se uma baixa continuidade deste tratamento a longo prazo. Para pacientes que não respondem ao tratamento da uroterapia padrão, outras estratégias mais agressivas podem ser utilizadas, como a ampliação vesical, aplicação de toxina botulínica e a estimulação elétrica intravesical (IVES). Neste contexto, revela-se a importância do tratamento multidisciplinar para estes pacientes, bem como a necessidade de alternativas de tratamento a fim de buscar uma melhor qualidade de vida, aumento da sobrevida e redução dos danos vesicais e renais [11–13]. Desta feita, esta revisão sistemática tem como principal objetivo evidenciar as práticas fisioterapêuticas e sua validação para o tratamento das disfunções miccionais nas injúrias espinhais congênitas e verificar se a integração destes recursos fisioterapêuticos pode contribuir no manejo adequado e mudança de desfecho desta condição clínica.

 

Material e métodos

 

Trata-se de uma revisão sistemática de literatura realizada através de busca bibliográfica digital em artigos científicos publicados em revistas impressas e eletrônicas, ensaios clínicos (EC) e ensaios clínicos randomizados (ECR), no período compreendido entre os anos de 2009 a 2019, nas bases de dados eletrônicas Pubmed, Bireme (Lilacs, Medline, Ibecs) e PEDro (Physiotherapy Evidence Database). Foram selecionados estudos com idioma de publicação em português e inglês em diferentes estratégias para assegurar uma busca abrangente (Tabela I). Pesquisas manuais também foram realizadas com base nas referências dos estudos incluídos. A questão norteadora deste estudo foi: Quais são os recursos fisioterapêuticos utilizados no tratamento das disfunções miccionais em injúrias espinhais, gerando assim palavras-chave referentes à população, tipo de intervenção e desfecho.

 

Tabela I - Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e operadores booleanos utilizados nas buscas em bases de dados.

 

As buscas foram realizadas por dois avaliadores independentes que selecionaram os estudos potencialmente relevantes a partir dos títulos e resumos dos resultados obtidos nas bases de dados. Quando essas seções não forneceram informações suficientes para serem incluídas, o texto completo foi verificado. Posteriormente, os mesmos revisores avaliaram independentemente os estudos completos e realizaram a seleção de acordo com os critérios de elegibilidade, ou seja, o uso de uma metodologia que tenha envolvido uma intervenção voltada para o tratamento da IU em injúrias espinhais em pelo menos um grupo pesquisado. Os casos discordantes foram resolvidos por consenso. Autores, ano de publicação, participantes, tipo de intervenção e resultados das variáveis de interesse foram obtidos de forma independente pelos dois revisores, utilizando um formulário padronizado. A análise dos dados foi realizada de forma descritiva, procedendo-se a categorização dos dados extraídos em grupos temáticos a partir das variáveis de interesse.

A avaliação da qualidade dos estudos foi realizada através da escala Downs and Black [14] que foi desenvolvida com intuito de validar a qualidade e a força dos ensaios clínicos selecionados. Esta escala inclui 5 subitens relacionados com: I) a forma de reportar os resultados (se a informação apresentada no estudo permite ao leitor interpretar os dados e resultados sem enviesamento), II) a validade externa, III) os vieses, IV) os fatores de confusão, e a V) potência do estudo. Para corresponder a estes subitens estão listados 27 critérios que, por se tratar de uma revisão sistemática, cujos estudos selecionados são apenas ensaios clínicos, pode-se chegar ao escore total de 28 pontos, devido ao item V da escala que pode ter resultados de 0 a 2. Caso o avaliador os identifique, serão pontuados com o valor de “1 (um)” e a ausência de critério corresponde a avaliação “0 (zero)”. Nestes critérios incluem-se aspectos como: i) se as hipóteses e objetivos são descritos, ii) se as variáveis a serem medidas estão descritas na secção de introdução e métodos, iii) se os indivíduos perdidos no follow-up foram ou não reportados, iv) se está garantida a aleatoriedade da amostra, o anonimato dos sujeitos, vi) se há referência aos procedimentos estatísticos, entre outros. Esta escala é reconhecida como metodologicamente forte e é mais flexível que outras, já que permite avaliar de forma verossímil, um maior leque de tipos de estudos. Também possui a vantagem de possibilitar a avaliação e o destaque de potenciais forças e fraquezas dos estudos avaliados [14]. Foram considerados metodologicamente fortes os trabalhos que apresentassem escores igual ou superior a 80% da pontuação máxima, escores entre 60% e 80% como moderados e aqueles inferiores a 60% foram considerados de metodologia insatisfatória (fracos) [14].

A qualidade metodológica e a confiabilidade estatística dos ensaios clínicos também foram testadas através da escala da plataforma PEDro [15,16] que é composta por 11 itens que são respondidos com o binômio “sim ou não”. Cada item respondido como “sim” recebe a pontuação “1 (um)” quando a questão corresponde aos critérios de avaliação e a ausência dos critérios não recebe pontuação. Destes onze itens, nove são baseados na escala Delphi [17] e dois foram inseridos, sendo um para verificar o período de acompanhamento (“follow-up”) e outro para a comparação entre grupos. A escala utiliza o score de 0 a 10, mas são utilizados apenas os itens de 2 a 11, visto que o item 1 não apresenta valor estatístico na escala PEDro, por se referir à validade externa. Nestes critérios estão incluídos aspectos como cegamento, acompanhamento, medidas de precisão e variabilidade, randomização, entre outros. A pontuação é aplicada apenas pela contagem dos números de itens que foram cumpridos, sendo assim quanto mais alta a pontuação recebida no estudo, melhor a qualidade apresentada (pontuação máxima de 10).

 

Resultados

 

Na busca realizada, 107 referências foram localizadas, das quais 2 foram encontradas através de busca manual nos estudos incluídos por meio da seleção inicial. Noventa e dois artigos foram oriundos na base de dados Pubmed, 80 destes artigos foram excluídos pois não se aplicavam ao objetivo de análise, 3 foram excluídos, pois não se aplicavam ao tema ou faziam parte de um dos critérios de exclusão do estudo e 6 foram excluídos após leitura do resumo, já que traziam desfechos diferentes dos pesquisados. Na base de dados Bireme, foram encontrados 10 artigos, 1 foi excluído por duplicidade, 7 foram excluídos por não se aplicar ao tema e 2 foram excluídos após a leitura dos resumos, pois traziam desfechos diferentes. Por fim, na base de dados PEDro, foram localizados 3 artigos, 1 estava duplicado e 1 foi excluído, uma vez que não se aplicava ao tema e fazia parte dos critérios de exclusão. Após a leitura analítica, 6 estudos foram selecionados como objeto de análise, por apresentarem aspectos que respondiam à questão norteadora. A figura 1 representa o fluxograma de pesquisa que demonstra que destes seis selecionados dois foram EC e quatro foram ECR. Além disso, todos os estudos selecionados têm como idioma a língua inglesa, cujas características podem ser observadas na Tabela II.

 

 

Figura 1 - Fluxograma de pesquisa. PRISMA, 2009 [18].

 

Características dos estudos incluídos

 

As características dos estudos selecionados quanto à intervenção, desfechos e resultados são apresentadas na Tabela III. Os artigos incluídos utilizaram recursos fisioterapêuticos para o manejo da IU secundária a EB. Alguns artigos apresentaram pouca descrição das técnicas, mas todos tiveram como objetivo melhorar os sintomas e parâmetros do EUD. Os recursos fisioterapêuticos utilizaram, em sua maioria, correntes elétricas, tanto a Estimulação Elétrica Funcional (FES) quanto a Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS).

Dentre os artigos selecionados dois apresentaram o uso do TENS aliados com ATC para o tratamento da IU em crianças com EB, houve comparação entre a aplicação do TENS e uso do ATC e outro grupo apenas o uso de ATC [19,20]. Outros dois artigos avaliaram a terapia com o uso do FES, sendo que um comparou esta corrente ao uso concomitante de ATC em comparação a um grupo que usou somente ATC. Já o outro estudo analisou o uso do FES e ATC, mas sem grupo controle, mantendo o foco na IU [7,21]. Um único artigo comparou o efeito de um tratamento multidisciplinar focado nas sequelas da EB com o tratamento ambulatorial padrão e o foco não era apenas na IU, mas sim na melhora da qualidade de vida destes pacientes [22]. Por fim, um artigo avaliou a melhora dos resultados imediatos do EUD após a aplicação do FES, sem realização de follow up [10].

 

Pacientes estudados

 

Entre os estudos, o número de participantes variou de 12 a 69 e apresentaram indivíduos na sua maioria crianças e adolescentes de ambos os sexos. As características estão agrupadas na Tabela II.

 

Tabela II - Fontes bibliográficas identificadas, local de realização do estudo, tipo de estudo, características de amostra, tipo de disfunção estudada e injúria.

 

EC = Ensaio Clínico; ECR = Ensaio Clínico Randomizado; IU = Incontinência Urinária.

 

Avaliação do risco de viés dos estudos

 

No que se refere às pontuações obtidas por meio da Escala Metodológica Downs and Black, os quatro ECR obtiveram média de 74% e os dois EC restantes apresentaram média de 65%, considerando a pontuação máxima de 28 pontos (100%). Dentre os critérios metodológicos que mais apresentaram lacunas na descrição, foram nos aspectos relativos ao reportar dados como os fatores de confusão, assim como se houve ou não efeitos adversos. No quesito de validade externa foi a representatividade dos participantes quanto a população, tal como se os locais onde foram executadas as intervenções/avaliações eram centros de referências. Na categoria de viés metodológico, os critérios que mostraram maiores falhas foram no cegamento das equipes (tanto as que aplicaram o tratamento quanto dos avaliadores), o tipo de intervenção recebida e o processo de randomização dos pacientes. Dos seis trabalhos analisados, cinco destes obtiveram uma pontuação igual ou acima de 60% e foram considerados metodologicamente moderados, e um obteve pontuação maior do que 80% e foi considerado metodologicamente satisfatório, de acordo com os critérios descritos anteriormente, conforme demonstrado no Gráfico 1.

 

 

Gráfico 1Avaliação do risco de viés através da Escala Downs and Black [14].

 

No que se refere às pontuações obtidas por meio da Escala PEDro, os quatro ECR obtiveram média de 5,25 ± 2,5 e os dois EC restantes apresentaram média de 3,5, considerando a pontuação máxima de 10 pontos. Nesta escala que avalia apenas EC e ECR, o critério que mais apresentou falha metodológica foi o parâmetro de cegamento, que avalia o recrutamento aleatório e cegado das intervenções e avaliações pré e pós-tratamento. Dos seis trabalhos analisados, cinco apresentaram pontuação menor do que 5 e um apresentou pontuação 9. Como a Escala PEDro tem seus principais fundamentos nos critérios de viés interno, a maior parte não obteve uma boa pontuação, conforme demonstrado no Gráfico 2.

 

 

Gráfico 2 Avaliação do risco de viés através da Escala PEDro [16].

 

Análise dos desfechos

 

Os resultados obtidos em relação aos métodos de avaliação, grupos de intervenção, frequência, intensidade e duração do programa de reabilitação e as principais conclusões estão dispostos na Tabela III.

 

Tabela III - Resultados obtidos em relação aos métodos de avaliação, análise dos desfechos, resultados e principais conclusões (ver PDF em anexo)

 

 

Os estudos selecionados para esta revisão constataram que em ao menos um parâmetro avaliado houve melhora quando utilizado algum recurso fisioterapêutico. De forma geral, a terapia combinada (fisioterapia e terapia padrão) apresentou resposta superior quando confrontada apenas com a terapia padrão (ATC e CIL). Os estudos relataram basicamente o emprego de eletroterapia, FES e TENS, e abordagem multidisciplinar. No quesito avaliação, aparecem com frequência o EUD, escore diário de incontinência descrito por Schurch [21], bem como a utilização do diário miccional preenchido pelos pais.

Em termos metodológicos, ambos instrumentos de checagem de risco de viés, Downs and Black e PEDro, demonstraram concordância na discriminação dos escores em que apenas um único estudo apresentou maior robustez e os demais foram classificados como moderados ou insatisfatórios. Dentre os indicadores de qualidade omissos, estão principalmente o cegamento dos indivíduos que participaram, o cegamento dos avaliadores, lista de possíveis efeitos colaterais e descrição dos principais fatores de confusão. Estes critérios colocam em voga a importância da randomização e cegamento para um trabalho científico com maior confiabilidade e menor risco de viés. O estudo conduzido por Kamper et al. ratifica o caráter crucial da randomização e do cegamento nos estudos, pois a aleatoriedade equilibra os fatores de confusão, assim como o cegamento diminui os riscos de viés e a influência sobre os resultados [23].

Nesta pesquisa, dois estudos foram conduzidos por Kajbafzadeh et al. [7,21], sendo um estudo piloto e um seguimento, e avaliaram a utilização do FES para verificar a melhora nos parâmetros de capacidade média da bexiga, ponto de pressão de perda do detrusor, diminuição no número de fraldas e pontuação na Escala de Schurch, onde 0 é completamente seco, 1 molhado uma vez por dia (geralmente à noite), 2 úmido por <50% do tempo entre CIL e 3 úmido por >50% do tempo entre CIL. No primeiro estudo não existia grupo controle, apenas a implementação do FES aliado a terapia padrão. Bons resultados foram apresentados em todos os parâmetros, mas o mais expressivo foi a diminuição das trocas de fraldas entre os CIL. Alguns pacientes apresentaram continência completa e após os 3 meses de tratamento, o ponto de pressão de perda do detrusor seguiu com melhora. O estudo posterior avaliou os mesmos parâmetros, porém foi controlado e um follow up de 6 meses foi realizado. O recurso fisioterapêutico se demonstrou eficaz, entretanto, mesmo sendo um tratamento não invasivo, os eletrodos foram dispostos em locais desconfortáveis e de forma invasiva. De forma similar, em um estudo realizado por Barroso et al. demonstrou um protocolo aplicado em 36 mulheres utilizando o FES (com o uso de eletrodos intracavitários) para mulheres com incontinência urinária, na avaliação imediata pós intervenção 88% dos pacientes apresentaram diminuição dos sintomas, porém não se mantiveram após 6 meses [24].

Dentre os estudos que utilizaram TENS [10,19,20] como recurso fisioterapêutico não houve uma documentação adequada sobre os parâmetros utilizados. Este recurso que já é utilizado em crianças e adultos que sofrem apenas de IU, demonstrou significativos resultados na melhora de todos os parâmetros avaliados, principalmente no parâmetro de pressão de perda do detrusor e os mesmos se mantiveram durante todo o seguimento. As terapias utilizadas demonstram um grande potencial de melhora, com baixo custo, fácil aplicação e com a facilidade de serem não-invasivas e poderem ser utilizadas em domicílio, desde que bem instruídos [25]. Nesta mesma linha, a revisão sistemática de Gross et al. aponta que o TENS é uma terapia promissora e valida a eficácia da mesma na BN, mas sugere que sejam realizados estudos adicionais em grupos específicos de pacientes [26].

Apenas um estudo dentre os observados, apresentou pontuação satisfatória na Downs and Black e pontuação elevada de 9 na Escala Pedro. Os pacientes com EB foram avaliados a partir de uma abordagem multidisciplinar focada nos aspectos de gestão do trato urinário/intestinal e cognitivo-comportamental. Foi demonstrado que, em comparação ao grupo controle, a abordagem direcionada e individualizada apresentou melhores resultados em todos os quesitos dos questionários aplicados [22]. Um estudo produzido no oeste dos Estados Unidos da América com crianças acometidas com EB e seus tutores realizou entrevistas sobre o manejo do trato urinário/intestinal e os relatos mais frequentes foram acerca da qualidade de vida, tal como a dificuldade de realizarem o autocateterismo em locais distantes dos seus pais, a vergonha em contar para os amigos, a dificuldade de realizar passeios longos ou participar de eventos sociais em ambientes externos [27].

Corroborando, um estudo realizado na Suécia apresentou uma relação negativa entre o uso de fraldas e estimativa de emprego entre os participantes [28]. Estes estudos ratificam que a presença de uma equipe multidisciplinar com visão mais ampla sobre esta condição pode, de fato, trazer grandes benefícios físicos e emocionais. Neste contexto, a fisioterapia urogenital pode vir a exercer um papel crucial na continência destes pacientes através do uso de diversos recursos fisioterapêuticos integrados ao atendimento.

De fato, ainda não existem estudos que demonstrem os resultados de um tratamento fisioterapêutico com recursos combinados ou comparando os recursos de eletrotermofototerapia. Um estudo de 2016, desenvolvido na Austrália, avaliou pacientes com EB e demonstrou que 78% dos participantes apresentavam disfunção vesical e destes, 65% eram incontinentes [22]. Os autores igualmente relatam a importância de combinar todos os recursos disponíveis para tratar a IU, pois grande parte dos pacientes que sofrem de injúrias espinhais sofrem de distúrbios miccionais. Isto evidencia a fisioterapia como uma alternativa com grande potencial em beneficiar pacientes que sofrem de IU nas injúrias espinhais, pois pode promover melhora na qualidade de vida desde a infância.

 

Conclusão

 

Ainda que os estudos analisados tenham apresentado bons resultados quando utilizados recursos de fisioterapia, apresentam limitações referentes ao tempo de seguimento, randomização amostral, bem como um número pouco expressivo de participantes. Neste relato, a fisioterapia mostrou-se benéfica para os casos de IU nas injúrias espinhais, melhorando os parâmetros urodinâmicos e o desfecho no diário miccional. Não há um consenso sobre qual a melhor terapia, quais parâmetros a serem utilizados e não apresentam enfoque no trabalho multidisciplinar. Tendo em vista que a continência é um fator importante na qualidade de vida, sugere-se a execução de novos trabalhos que ofereçam não apenas eletroterapia, mas também a utilização de diversos recursos fisioterapêuticos agregados, a multidisciplinaridade e o prolongamento do tempo de acompanhamento.

 

Conflito de interesse

 

Os autores declaram que não têm interesses concorrentes.

 

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