ARTIGO ORIGINAL
Modulação autonômica da
frequência cardíaca em crianças e jovens com paralisia cerebral
Autonomic heart rate modulation in children and youths with cerebral palsy
Vívian Aguiar Reis Ferreira*,
Daniel da Costa Torres, M.Sc.**, Paulo Eduardo Santos
Ávila, D.Sc.***, Andrezza
Sousa Assunção da Silva, Ft.****, Raphael do Nascimento Pereira, D.Sc.*****
*Graduação em
Bacharelado em Fisioterapia da Universidade da Amazônia, **Docente do Curso de
Graduação em Fisioterapia da Universidade da Amazônia, ***Docente do Curso de
Graduação em Fisioterapia da Universidade Federal do Pará, ****Fisioterapeuta
da Clínica Corpo e Saúde, *****Docente do Curso de Graduação em Fisioterapia da
Universidade da Amazônia
Recebido em 29 de abril
de 2020; aceito em 18 de novembro de 2020.
Correspondência: Raphael do Nascimento
Pereira, Universidade da Amazônia (UNAMA), Departamento de Fisioterapia, Av.
Alcindo Cacela, 287, Umarizal, 66060-000 Belém PA
Vívian Aguiar Reis Ferreira:
viaguiar88@gmail.com
Daniel da Costa Torres:
dct.fisio@gmail.com
Paulo Eduardo Santos
Ávila: pauloavila@ufpa.br.
Andrezza Sousa Assunção da
Silva: andrezza_fisioterapeuta@yahoo.com.br
Raphael do Nascimento
Pereira: raphaelnpfisio@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A paralisia cerebral é
uma doença que causa distúrbios neuromusculares, doenças cardiovasculares, além
de distúrbios autonômicos e homeostáticos. Objetivo: Avaliar a modulação
autonômica cardíaca de crianças e jovens com PC. Métodos: Estudo de
delineamento transversal e observacional de carácter quantitativo. Foram
coletados os intervalos R-R (IRR) do eletrocardiograma de 05 voluntários
cadeirantes, com idade de 06 a 18 anos com PC através do cardiofrequencimetro
Polar modelo V800®. Resultados: Idade média foi de 12,4 anos,
ambos os gêneros, massa corpórea de 35,1 kg, estatura de 1,39 m e índice de
massa corpórea 16,8 kg/m2 equivalente à desnutrição. Os dados
apresentam a modulação autonômica cardíaca no domínio do tempo, as variáveis do
desvio-padrão de todos os intervalos RR normais 60,0 ms,
raiz-quadrada da média da soma dos quadrados das diferenças entre os IRR
normais 60,3 ms, porcentagem dos IRR adjacentes maiores
que 50 ms 16,1 % e no domínio da frequência a baixa
frequência cardíaca (un) 55,7, a alta frequência
cardíaca (un) 44,2, a razão da alta com a baixa
frequência cardíaca 2,3. Conclusão: As crianças e adolescentes com paralisia
cerebral têm uma baixa variabilidade da frequência cardíaca, com alta
probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares, devido ao sedentarismo.
Palavras-chave: sistema nervoso
autônomo, frequência cardíaca, paralisia cerebral.
Abstract
Introduction: Cerebral Palsy is a disease that causes neuromuscular disorders,
cardiovascular diseases, in addition to disorders autonomic and homeostatic. Objective:
To measure the cardiac autonomic modulation of children and young people with
CP. Methods: Quantitative cross-sectional and observational study. The
electrocardiogram R-R intervals (IRR) were collected from 05 volunteers in
wheelchairs, aged 6 to 18 years with CP through the cardiofrequencimeter
Polar model V800®. Results: The average age is 12.4 years,
both genders, body mass 35.1 kg, height 1.39 m and body mass index of 16.8 kg/m2
equivalent to malnutrition. The data show cardiac autonomic modulation in the
time domain, the standard deviation variables of all normal RR intervals 60.0 ms, square root of the mean of the sum of squares of the
differences between normal IRR 60.3 ms, percentage of
adjacent IRR greater than 50 ms 16.1% and in the
frequency domain, low heart rate (un) 55.7, high heart rate (un) 44.2, the
ratio of discharge to low heart rate 2,3. Conclusion: Children and
adolescents with cerebral palsy have a low heart rate variability, with a
greater probability of developing cardiovascular diseases, due to sedentary
lifestyle.
Keywords: autonomic nervous system, heart rate, cerebral palsy.
A
paralisia cerebral
(PC) é uma doença que causa distúrbios
neurológicos e musculoesqueléticos que
pode induzir à depreciação da sensibilidade
tátil, cognição, comunicação e
percepção do tempo e do espaço, além dos
distúrbios comportamentais,
metabólicos e hemodinâmicos. Estes danos permanecem na
vida inteira do paciente
e não são progressivos [1].
Estudos recentes
relatam que as pessoas com PC têm maior predisposição de desenvolver
hipertensão arterial sistêmica do que as pessoas sem deficiência, isso se dá,
devido, principalmente, ao sedentarismo. Com o tempo, essas pessoas podem
apresentar alteração dos níveis de colesterol e triglicerídeos que, se não
tratados adequadamente, aumentará a probabilidade de casos de obesidade e
doenças cardiovasculares (DCVs) na idade adulta, além
de problemas no funcionamento do sistema nervoso autônomo (SNA) [2].
O SNA controla as
atividades do músculo liso e cardíaco, além de algumas glândulas endócrinas e
exócrinas e pequena parte do tecido adiposo, os quais são coordenados pelos
neurônios pré-ganglionares e pós-ganglionares, que
secretam acetilcolina, noradrenalina e adrenalina, estes hormônios se ligarão
aos receptores nicotínicos, adrenérgicos e muscarínicos, com a finalidade de
manter a homeostase corporal [3].
A desarmonia da
modulação simpática e parassimpática do SNA leva a distúrbios autonômicos e
pode causar deficiências do débito cardíaco que, a curto ou a longo prazo,
apresentarão um desequilíbrio da homeostasia [4].
Assim, o objetivo deste
estudo é realizar a avaliação da modulação autonômica da FC de crianças e
jovens com PC.
Este
estudo foi
desenvolvido de acordo com a resolução 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde (Brasil). Teve início
após a aprovação do Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade da Amazônia (UNAMA) com número
do parecer
3.513.559, do local onde foram realizadas as avaliações
na Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais (APAE) de Belém e aceite dos
responsáveis e dos
voluntários, por meio das assinaturas do Termo de Consentimento
Livre e
Esclarecido (TCLE) e Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE),
respectivamente.
Trata-se de um estudo
com delineamento transversal e observacional, de caráter quantitativo, único
centro e de financiamento próprio. Os participantes do estudo são indivíduos
com idade de 06 a 18 anos, com diagnóstico de PC e pertencente a ambos os
gêneros.
Já os critérios de
exclusão da pesquisa, foram pessoas que faziam uso de medicamentos que alteram
o controle autonômico da FC (betabloqueadores), e que não tinham condições
físicas ou apresentavam déficits cognitivos incompatíveis com a realização dos
procedimentos experimentais.
A coleta de dados foi
realizada durante todo o mês de setembro de 2019. A fim de caracterizar a
amostra, foram descritos os índices de massa corpórea (IMC) e se utilizavam ou
não cadeira de rodas durante as suas atividades cotidianas.
Para a coleta de dados,
foi utilizado o cardiofrequencímetro Polar modelo
V800®, para verificar a variabilidade da frequência cardíaca (VFC), por meio da
captação da FC e dos intervalos entre cada uma das ondas R no eletrocardiograma
(iR-R).
A coleta de dados foi
realizada por intermédio de uma ficha de avaliação, onde constava para
preenchimento, a altura, peso, idade, e data e horário da coleta, feita pelos
próprios pesquisadores e da análise da VFC, seguindo os procedimentos propostos
pelo Task Force (1996) [5].
Inicialmente, foram
dadas orientações aos voluntários e a seus responsáveis, para que evitassem o
consumo de bebidas estimulantes (café, chás, chocolate, refrigerante) 24 horas
antes do teste, que ingerissem refeição leve e não praticassem atividade física
extenuante, no dia anterior ao teste.
Durante a coleta, os
voluntários foram orientados a não falar e a não se movimentar. Os experimentos
foram realizados todos no mesmo período do dia para evitar influências do ciclo
circadiano. Para a realização dos testes, foi realizada a assepsia da pele com
algodão e álcool.
Análise do controle
autonômico da frequência cardíaca
Foi utilizado o cardiofrequencímetro durante 10 minutos, com o paciente em
repouso e na posição supina em uma maca, estando em um ambiente silencioso e
com temperatura controlada para o conforto do paciente. Para controlar a ansiedade
dos voluntários, foi permitido a permanência de um responsável, durante a
coleta de dados.
Este dispositivo capta
os iR-R do eletrocardiograma, por meio de eletrodos
ligados a uma cinta elástica colocada ao redor do tórax, sendo os sinais
eletrônicos captados constantemente, transmitidos por Bluetooth® e armazenados
a um receptor através de um campo eletromagnético, para posteriormente, poder
ser feita a análise e cálculo dos valores da VFC. Os dados obtidos pelo Polar
V800® foram transferidos para um computador, por intermédio do aplicativo Polar
Flow (Polar Electro Co.Ltda.
Kempele, Oulu, Finland).
Em seguida, esse banco
de dados foi exportado como documento texto, e os sinais da FC foram
processados para se calcular a VFC, usando o aplicativo Kubios,
versão 3.3 (Universidade de Kuopio, Kuopio, Finlândia), que calcula os valores da VFC com base
nos iR-R do eletrocardiograma. Para a análise dos
dados, foi utilizado modelo de análise linear, no domínio do tempo e no domínio
da frequência.
Análise estatística
Os dados coletados
foram armazenados no Aplicativo Polar Flow e
analisados por meio do programa Bioestat 5.3, onde
foi realizada a análise estatística descritiva com medida de posição e
dispersão como média, desvio padrão e variância das variáveis.
Foram analisados para o
estudo 05 pessoas, com o diagnóstico de PC, sendo 04 do gênero feminino e 01 do
gênero masculino. Todos os voluntários utilizavam cadeira de rodas como
dispositivo auxiliar para locomoção. Os dados antropométricos como: idade
(anos), massa corpórea, estatura e índice de massa corpórea (IMC), estão
apresentados na Tabela I.
Tabela I - Características
antropométricas e informações da amostra. Belém/PA, 2020.
IMC = índice de massa
corpórea; kg = quilograma; m = metro; kg/m2: quilograma por metro
quadrado; DP = desvio-padrão. Fonte: Dados da pesquisa (2019).
A Tabela II apresenta a
análise linear, o domínio do tempo e domínio da frequência, além dos valores da
raiz quadrada da média da soma dos desvios-padrão dos IRR normais (RMSSD),
percentual dos IRR normais que diferem mais que 50 ms
de seu intervalo adjacente (pNN50 - %), o desvio padrão dos IRR normais (SDNN),
a baixa frequência (BF), a alta frequência (AF), e a razão da baixa frequência
com a alta frequência (BF/AF).
Tabela II - Modulação
autonômica da frequência cardíaca dos voluntários. Belém/PA, 2020.
DP = desvio padrão; SDNN
= desvio padrão de todos os intervalos RR normais; RMSSD = raiz-quadrada da
média da soma dos quadrados das diferenças entre os IRR normais; pNN50 =
porcentagem dos IRR adjacentes maiores que 50 ms; BF
= baixa frequência cardíaca; AF = alta frequência cardíaca; BF/AF = razão da
baixa e alta frequência cardíaca. Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Após compilação e
análise dos dados, pode-se constatar baixa VFC no domínio do tempo nas crianças
e jovens com PC avaliados, o que indica que essa população apresenta maior
atividade simpática e menor atividade parassimpática em repouso na posição
supina.
Em estudo realizado com
um grupo de crianças obesas e eutróficas,
verificou-se menor atividade parassimpática no grupo obeso, em repouso ao
analisar os valores de SDNN, pNN50 e FC [6], semelhante ao observado por este
estudo, uma vez que as crianças e jovens com PC também apresentaram tal
comportamento.
Para mais, em outro
estudo realizado com 70 crianças desnutridas, observou-se diminuição tanto do
tônus simpático como do parassimpático (BF=343,43 ± 259,06; AF= 208,69 ±
176,01; BF/AF=2,33 ± 1,67; SDNN=32,09 ± 11,16; RMSSD= 21,54 ± 9,48; pNN50= 5,35
± 6.62), bem como, da pressão arterial sistólica e diastólica, com elevação da
FC de repouso. Essas adaptações foram atribuídas ao quadro de desnutrição
apresentado pelos participantes do estudo [7], o que torna fortemente sugestivo
que o quadro de desnutrição e caquexia, comumente apresentado por pessoas com
PC, possa influenciar na atividade simpato-vagal
destes indivíduos.
Em estudo realizado por
Freitas et al. [8], foi avaliada a modulação autonômica da FC de 66
crianças e adolescentes obesos e eutróficos. Como
resultado, os autores observaram que as crianças e adolescentes obesos
apresentam alteração do controle autonômico da FC, uma vez que eles
apresentaram os índices pNN50 e AF menores, e BF e BF/AF elevadas, semelhante
ao encontrado com os pacientes com PC aqui avaliados
Além do que foi
descrito acima, Froio [9] também investigou o
comportamento da modulação simpato-vagal em crianças
obesas e eutróficas, encontrando resultados
semelhantes aos de Freitas et al. [8] e aos resultados do estudo aqui
apresentado. Tal equivalência pode ser explicada pelo estilo de vida de hipoatividade física adotado tanto pelas crianças e
adolescentes obesos, quanto pelas crianças e adolescentes com PC.
Em relação ao estilo de
vida sedentário, Nascimento et al. [10] investigaram a modulação
autonômica da FC de adolescentes sedentários e fisicamente ativos, dos quais
49% eram do gênero masculino e 58 % do gênero feminino. Verificou-se que os
adolescentes sedentários apresentaram alterações na modulação autonômica da FC,
e com isso alta probabilidade de desenvolver DCVs no
futuro. O estudo supracitado comprova que a inatividade física (comum em
pessoas com PC) gera alterações na modulação simpato-vagal,
deixando essas pessoas sobre maior risco de desenvolvimento de DCVs.
Assim, os achados deste
estudo indicam que a VFC das pessoas com PC é reduzida, possivelmente, devido
aos problemas neuromusculares, a inatividade física e às alterações do estado
nutricional dessas pessoas, aumentando a probabilidade de desenvolver doenças
cardíacas na vida adulta.
Conforme os resultados
deste estudo, conclui-se que as crianças e jovens com paralisia cerebral
apresentam baixa variabilidade da frequência cardíaca e maior modulação
simpática, elevando a probabilidade de aparecimento de doenças cardiovasculares
no futuro. Tal achado foi atribuído às alterações oriundas dos déficits motores
provenientes da patologia em questão. Para mais, sugere-se que as pesquisas
futuras busquem aumentar o número de participantes e contar com um grupo
controle de crianças e jovens sem paralisia cerebral.