REVISÃO

Pé torto congênito: método de Ponseti e sua aplicabilidade pelo fisioterapeuta

Congenital clubfoot: Ponseti method and its applicability by the physiotherapist

 

Flávia da Costa Fincato*, Rose Lídice Holanda, M.Sc.**, Ana Paula Lima de Deus, M.Sc.***, Denilson de Queiroz Cerdeira, D.Sc.****

 

*Discente do Curso de Fisioterapia da Faculdade Vale do Jaguaribe (FVJ), **Especialista em Processos Educacionais em Saúde – Sírio Libanês, Fisioterapeuta e Docente do Curso de Fisioterapia da Faculdade Vale do Jaguaribe (FVJ), ***Especialista em Fisiologia do Exercício – UFSCar, Fisioterapeuta, Docente e Coordenadora do Curso de Fisioterapia da Faculdade Vale do Jaguaribe (FVJ), ****Orientador, Fisioterapeuta e Docente dos Cursos de Fisioterapia e Educação Física do Centro Universitário Estácio do Ceará e do curso de Fisioterapia da Faculdade Vale do Jaguaribe (FVJ)

 

Recebido em 12 de março de 2020; aceito em 23 de março de 2020.

Correspondência: Denilson de Queiroz Cerdeira, Rua Cajazeira, 501 Casa 39, Lagoa Redonda, Condomínio Imperial Residence II, 60831-310 Fortaleza CE

 

Flávia da Costa Fincato: flah_fincato@hotmail.com

Rose Lídice Holanda: lidicefisio@hotmail.com

Ana Paula Lima de Deus: ana.paula.deus@fvj.br

Denilson de Queiroz Cerdeira: denilsonqueiroz@hotmail.com

 

Resumo

O pé torto congênito é uma das deformidades mais frequentes de membro inferior que, por sua complexidade com relação às alterações anatômicas, é alvo de dúvidas e divergência de opinião dos profissionais da área quanto ao tratamento mais eficaz. No entanto, o método mais utilizado atualmente e que vem apresentando resultados positivos é o de Ponseti. O objetivo deste trabalho é analisar a eficácia do método de Ponseti e sua aplicabilidade pelo fisioterapeuta. Tratou-se de pesquisa do tipo revisão, com abordagem qualitativa por meio de consulta a publicações das bases de dados Scielo, Lilacs, Medline e Bireme, preferencialmente dos últimos dez anos, e a coleta de dados no mês de outubro de 2016. Foram encontradas 248 publicações e, após análise, foram selecionados 23 artigos para a pesquisa, distribuídas em duas categorias: Eficácia do método Ponseti e Eficácia das técnicas fisioterapêuticas. Diante do exposto, percebe-se que o método de Ponseti tem se mostrado o mais eficaz no tratamento do pé torto congênito, e suas técnicas são compatíveis com as utilizadas por fisioterapeutas, sendo possível sua aplicabilidade por este profissional, com exceção da tenotomia do calcâneo. Portanto, este trabalho abre espaço para novas pesquisas que corroborem esta temática.

Palavras-chave: pé torto congênito, método de Ponseti, Fisioterapia, equinovaro.

 

Abstract

The congenital club foot is one of the most frequent lower limb deformities that, due to its complexity in relation to anatomical changes, is the subject of doubts and divergence of opinion of professionals in the area regarding the most effective treatment. However, the method most used currently and that has presented positive results is that of Ponseti. The aim of this study was to analyze the effectiveness of the Ponseti method and its applicability by the physiotherapist. This research was a literature review, with a qualitative approach, through consultation of publications of Scielo, Lilacs, Medline and Bireme databases, preferably in the last ten years, and data collection in October 2016. We found 248 publications and after analysis, 23 articles were selected for the research, distributed in two categories: Efficacy of the Ponseti method and Efficacy of physiotherapeutic techniques. The Ponseti method has been shown to be the most effective in the treatment of congenital clubfoot, and its techniques are like those used by physiotherapists, being possible its applicability by this professional, except for tenotomy of the calcaneus. Therefore, this work opens space for new research that corroborates this theme.

Keywords: congenital clubfoot, Ponseti method, Physical Therapy, equinovarus.

 

Introdução

 

O pé torto congênito idiopático (PTC) é a principal malformação musculoesquelética ao nascimento e caracteriza-se por deformidade em equino do pé, varo do retropé, cavo do antepé e adução do médio e antepé [1].

Com incidência aproximada de um para cada 1.000 nascidos vivos, predomina no gênero masculino, na proporção de 2:1, e tem acometimento bilateral em 50% dos casos. São encontradas variações populacionais em relação à incidência, porém, nos chineses, é cerca de 0,39 casos por 1.000 nascidos vivos, nos caucasianos um a três casos por 1.000 nascidos vivos, enquanto nos havaianos ocorre em cerca de sete por 1.000 nascidos vivos [2].

A etiologia desta deformidade pode ser associada com mielodisplasia, artrogripose ou anormalidades congênitas múltiplas, porém o mais comum é a deformidade isolada, considerada idiopática [3]. Segundo Maranho e Volpon, o PTC idiopático possui origem ainda desconhecida, podendo estar relacionada a várias causas desde a posição intrauterina do feto, até defeitos genéticos, não sendo identificado no ultrassom antes da 12ª semana de gestação [2].

Ainda existem controvérsias quanto ao tratamento que melhor responde ao objetivo terapêutico que, de acordo com Lara et al., consiste na obtenção de pés plantígrados, indolores, com boa mobilidade e que não necessitem de calçados especiais [1]. Além do método cirúrgico, as técnicas conservadoras mais populares atualmente são as de Kite e de Ponseti, sendo esta última a mais utilizada pelos ortopedistas no Brasil, pois apresenta resultados mais satisfatórios [4].

O método de Ponseti se utiliza de várias manobras como gesso seriado, manipulações, órteses de abdução e, quando necessário, secção percutânea do tendão calcâneo. Estudos comprovaram que a técnica de Ponseti foi capaz de reduzir significativamente a necessidade de liberação cirúrgica, em relação aos métodos de tratamento antecedentes. A grande aceitação do método estendeu seu uso para os casos de PTC idiopáticos em crianças mais velhas; pés complexos e resistentes; pés recidivados, inclusive recidivas após extensa liberação cirúrgica, e, nos casos não idiopáticos, como na mielomeningocele e artrogripose distal [5].

Ponseti et al. [6] afirmam que o pé torto em uma criança sem outras anormalidades pode ser corrigido em 2 meses ou menos com seu método de manipulações e aplicação de gessos seriados, com uma intervenção cirúrgica mínima, ou mesmo sem nenhuma cirurgia.

A maior parte dos pés pode ser corrigida por breves manipulações e aplicação do gesso na posição de correção máxima. Após aproximadamente 5 gessos, o aduto e o varo são corrigidos. Uma tenotomia percutânea do tendão do calcâneo é realizada em quase todos os pés e o pé é mantido nessa posição por 3 semanas. A correção é mantida pela utilização de órtese de abdução durante a noite, que é continuada aproximadamente entre 2 e 4 anos de idade. Pés tratados por esse tratamento mostraram-se com boa força, flexíveis e sem dor, permitindo uma vida normal [6].

Dentre as alterações anatômicas próprias desta patologia, Maranho e Volpon citam encurtamentos, fibroses e retrações de origem genética e que, possivelmente, sejam as causas das recidivas mesmo em tratamentos bem-sucedidos [2].

O tratamento para o PTC pode ser cirúrgico ou conservador, porém este último vem sendo priorizado na última década por proporcionar pés com maior mobilidade e flexibilidade, menos dor e bom aspecto estético. As manipulações, trocas gessadas e órteses de abdução utilizados no método de Ponseti são também objeto de estudo da fisioterapia.

Nesse contexto, defende-se que os profissionais de fisioterapia podem desempenhar papel relevante no acompanhamento de pessoas com pé torto congênito, sobretudo, ao compor equipes multiprofissionais de saúde que atuam no tratamento de tal patologia, por acumular conhecimento técnico-científico que os permitem intervir desde a avaliação até as ações de prevenção e reabilitação.

Assim, buscou-se responder, com base na produção científica brasileira publicada em periódicos indexados, a seguinte pergunta norteadora da investigação: Quais as ações desenvolvidas pelo fisioterapeuta, individualmente ou em equipe multiprofissional, no acompanhamento terapêutico de pessoas com pé torto congênito, baseando na aplicabilidade do método Ponseti?

A eleição do objeto de estudo apresentado decorreu da inserção da pesquisadora no campo de estágio, na condição de aluno do curso de fisioterapia, desenvolvendo ações junto a pessoas com pé torto congênito em tratamento, quando apesar do embasamento teórico e técnico da intervenção fisioterápica se deparou com a inexistência de sistematização de condutas e/ou protocolos assistenciais que permitiam um direcionamento mais uniforme dos casos, na perspectiva de evitar condutas variadas a critério do profissional, gerando multiplicidade de intervenções sem base em evidências cientificas consistentes.

Outro aspecto que justifica o interesse pela temática é a identificação de uma lacuna na produção científica brasileira no concernente a atuação do fisioterapeuta no tratamento do pé torto congênito. Esta foi evidenciada mediante uma rápida busca em bases de dados como Scielo-BR, Lilacs, Medline e portal CAPES onde são raras as publicações na área, sendo a sua maioria com publicação em língua estrangeira.

Por conseguinte, o estudo mostra-se relevante pelo potencial de contribuir para a reflexão e aprimoramento teórico, técnico e prático do profissional de fisioterapia que atua no acompanhamento terapêutico de pessoas com pé torto congênito. Além disso, por se tratar de um estudo bibliográfico, contribuirá com a sistematização da produção científica, bem como poderá gerar novos conhecimentos, permitindo a redução da lacuna evidenciada no que se refere à divulgação científica nessa área. O presente trabalho tem por objetivo analisar a eficácia do método de Ponseti e sua aplicabilidade pelo profissional fisioterapeuta.

 

Material e métodos

 

Tratou-se de uma pesquisa do tipo revisão da literatura, com abordagem qualitativa. A pesquisa constitui um procedimento racional e sistemático cujo objetivo é viabilizar a solução dos problemas que são desenvolvidos por pesquisadores, com o intuito de contribuir para o crescimento social, cultural e científico da sociedade.

Corroboram essa perspectiva Marconi e Lakatos ao considerarem que a pesquisa é uma atividade voltada à busca de respostas e à solução de problemas para questões propostas, através da utilização de métodos científicos [7].

Em relação à pesquisa bibliográfica, pode-se afirmar que corresponde à atividade de localizar e consultar as mais diversas fontes de informação sejam estas primárias, secundárias ou terciárias, para coletar dados gerais ou específicos acerca de uma temática [8].

Nesse sentido, esse tipo de pesquisa representa, portanto, não uma mera repetição e/ou compilação do que já foi dito ou escrito sobre determinada tema, mas possibilita examiná-lo sob novo enfoque ou abordagem, conduzindo a conclusões inovadoras [7].

A abordagem qualitativa de pesquisa em saúde, segundo Minayo, permite responder a questões muito particulares, tendo em vista que ela se ocupa, no campo das ciências sociais, com um nível da realidade não reduzível a números por se tratar de um universo composto por significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes [9]. É notória a sua expansão e emprego no âmbito dos serviços de saúde que, em virtude de sua complexidade, requerem métodos de investigação que ultrapassem o positivismo e contemplem a possibilidade de abordar os fenômenos humanos e sociais em saúde de modo dinâmico.

Nesta revisão, a coleta de dados se deu no mês de outubro/2016. Contudo, o período considerado para esta pesquisa compreendeu um lapso temporal de dez anos, em virtude do pouco número de publicações nos últimos cinco anos. Assim, foram considerados estudos publicados desde 2006 até 2016.

O material empírico selecionado corresponde a artigos publicados em periódicos indexados, disponíveis, inicialmente, nas seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online – Brasil Scielo BR; Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – Lilacs; Medical Literature Analysis and Retrieval System Online – Medline; e portal Capes.

Para operacionalizar a busca dos artigos, adotaram-se os seguintes descritores acompanhados do marcador booleano: Fisioterapia and Pé Torto Congênito e Fisioterapia and método Ponseti. Tal estratégia permitiu resgatar estudos sobre o tema proposto nesta investigação, qual seja, a atuação da fisioterapia no acompanhamento terapêutico de pessoas com pé torto congênito, através da aplicabilidade do método de Ponseti.

Foram aplicados os critérios de inclusão que consistiam em: Artigos publicados em periódicos brasileiros ou estrangeiros indexados, no período 2006-2016; Artigos publicados em língua portuguesa, espanhola ou inglesa; Artigos disponíveis na integra; Artigos que apresentem os descritores selecionados. E os seguintes critérios de exclusão: Artigos duplicados (disponíveis em duas ou mais bases de dados); Artigos não disponíveis na íntegra; Artigos que embora coincidam com os descritores adotados não permitem responder a pergunta do estudo por não tratar do tema em análise.

O material bibliográfico selecionado para compor o substrato analítico deste estudo foi submetido ao processamento, análise e discussão dos resultados com base na técnica de conteúdo, modalidade temática, conforme proposto por Bardin, cujos passos são os seguintes [10]:

 

1) Ordenação das informações: primeiro contato com o material de análise, no qual se faz a leitura flutuante e organização do conjunto de dados coletado.

2) Classificação dos dados: momento em que se processa a leitura exaustiva/analítica procede-se a identificação das categorias empíricas na busca de responder as questões e/ou objetivos da pesquisa.

3) Análise final: consiste no movimento, a partir da profunda inflexão sobre o material empírico, na perspectiva de aprofundar a análise articulando os achados com a literatura especifica da área do estudo.

 

Resultados e discussão

 

Logo após o processamento do material empírico coletado procedeu-se a análise crítica dos artigos, a qual foi antecedida por uma leitura exaustiva do conteúdo dos mesmos, sendo possível identificar os núcleos de sentidos e estruturar as categorias temáticas apresentadas a seguir.

 

Caracterização da produção científica sobre a eficácia do método de Ponseti no tratamento do pé torto congênito idiopático e sua utilização por fisioterapeutas

 

O substrato de análise em nossa pesquisa ficou demonstrado de modo sintético na figura 1.

Verifica-se que os artigos foram publicados em diversos periódicos como: Revista ABTPé; Revista Brasileira de Ortopedia; Revista Terapia Manual; Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba; Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano; Revista Brasileira de Educação Física e Esporte; Revista Colombiana de Ortopedia e Traumatologia; Acta Ortopédica Brasileira; entre outros. A análise dos estudos, componentes desta revisão, permitiu evidenciar que a maioria possui Qualis nos estratos B1 e B4, enquanto os periódicos estrangeiros possuem nível de evidência II e III.

Quanto à instituição e/ou região dos autores, identificou-se que doze publicações procedem de instituições situadas na região Sudeste, uma no centro-oeste, uma no Nordeste, também foram obtidas publicações de Portugal, Austrália, Estados Unidos, Nigéria, Canadá e Colômbia. No referente ao ano de publicação, verifica-se uma constância ao longo do período de dez anos escolhido para a pesquisa, estabelecendo uma média de duas publicações por ano.

Constata-se que os objetos de estudo são diversificados, relacionado a aspectos como avaliação da eficácia do método de Ponseti, análise da funcionalidade do pé torto pós-cirúrgico e comparação de resultados de tratamentos e modalidades fisioterapêuticas aplicadas no pé torto congênito idiopático.

 

 

Figura 1 - Esquema sintético do levantamento bibliográfico sobre a eficácia do Método de Ponseti no tratamento do Pé Torto Congênito e a atuação da fisioterapia, nas bases de dados Scielo-BR, Lilacs, Medline, Portal CAPES. Aracati/CE, 2016. (ver anexo em PDF)

 

 

No relacionado ao delineamento do estudo, pode-se verificar que 50% dos estudos selecionados, somando 11 pesquisas, correspondem a ensaios clínicos. Além destes, há quatro pesquisas com desenho transversal, um estudo de caso, e duas revisões bibliográficas, existem também dissertações de pós-graduação, mestrado, e tese de doutorado.

 

O pé torto congênito idiopático

 

O pé torto congênito pode ser de origem sindrômica, neurológica, posicional ou idiopática, que é o objeto de enfoque deste estudo. Segundo Flores, as alterações anatômicas e funcionais relacionadas a essa patologia são: equino (flexão plantar), varo do retro pé, cavo, adução do antepé (articulação tarso-metatarsiana) [11].

Existem poucos relatos sobre a incidência de casos de PTC no Brasil e na região Nordeste. Um estudo realizado em três maternidades de Maceió/AL [12], que avaliou 2.500 recém-nascidos no período de julho de 2012 a junho de 2013, apontou que 2,88% apresentaram alguma deformidade no aparelho locomotor, e a principal foi o pé torto congênito, com uma prevalência de 7,2 para 1000 nascidos vivos. A proporção foi de 1,5 do sexo masculino para um feminino.

Um estudo feito por Chaim et al. [4] aponta que dentre 539 ortopedistas que foram entrevistados, 88 tratam PTC e destes, 88,60% preferem o método de Ponseti e 10,20% utilizam o de Kite. Do total de ortopedistas que tratam o PTC, 46 confirmam uma taxa de 10% de recidivas.

Existem variados sistemas para a classificação do PTC, dos quais os principais são Diméglio, que determina quatro tipos: pé benigno, pé moderado, pé grave e pé muito grave; e Pirani que os classifica como: normal, leve ou moderado, e grave [2].

 

O método de Ponseti

 

O método foi criado pelo médico espanhol Ignácio Ponseti, que trabalhou na Universidade de Iowa desde o final dos anos 40, e se baseia no funcionamento das articulações do pé e seus movimentos, e no entendimento das propriedades elásticas dos tecidos [13]. Por ser considerado um método de fácil entendimento e baixo custo, tem ganhado bastante aceitação em países em desenvolvimento e, segundo Cock, é a primeira opção de tratamento, não só nos Estados Unidos, como em todo o mundo [14].

O tratamento é iniciado logo que possível, preferencialmente pouco depois do nascimento, e consiste na manipulação do pé por alguns segundos, posicionando gradativamente em maior abdução ao longo das semanas. A aplicação de gesso seriado é feita primeiro no pé e na perna em máxima correção e, em seguida, na coxa com o joelho fletido a 90º. As trocas são feitas semanalmente em média de 4 a 6 semanas [6].

Após atingir 70º de abdução do pé (eversão), pode ser necessário realizar a secção do tendão calcâneo, para em seguida colocar o último gesso, mantendo esta abdução e dorsiflexão para alongamento do tendão durante sua cicatrização. Este dura três semanas e após a retirada do gesso, é adaptada uma órtese de abdução para manter a posição de correção e prevenir recidivas [13].

A órtese deve ser mantida por 23 horas diárias durante três meses e por 14 horas, no período da noite, até os quatro anos de idade. Os pais também são instruídos a executar exercícios suaves nos pés corrigidos para manter flexibilidade. Estes exercícios devem ser realizados diariamente [15].

Na literatura atual enfatiza-se que as recidivas não estão relacionadas à gravidade das deformidades dos pés no início do tratamento ou ao número de gessos usados para correção, porém os autores são unânimes em reforçar que o uso da órtese de abdução é a forma adequada para sua prevenção [1].

Com relação à necessidade de se realizar a tenotomia do calcâneo, Chaim et al. [4] afirmam que este é um procedimento indicado em cerca de 80% dos casos. Este pode ser feito por duas vias: aberta, em centro cirúrgico; ou percutânea, de forma ambulatorial.

Dos estudos encontrados durante a coleta de dados, quatro avaliavam a eficácia do tratamento realizado com o método de Ponseti e todos eles obtiveram resultados positivos como mostra a tabela I.

 

Tabela IAmostra de artigos sobre a eficácia do método Ponseti. Aracati/CE, 2016.

 

 

Quanto aos benefícios do método de Ponseti, estudos foram unânimes em afirmar que, quando comparado com outros métodos conservadores, este é o que utiliza menos gessos, e obtém pés mais funcionais e flexíveis, com menor índice de recidivas. E em relação ao tratamento cirúrgico, além das vantagens já mencionadas, pode-se acrescentar o baixo custo e menor risco de intercorrências [18].

 

Tratamento fisioterapêutico

 

Nos estudos encontrados que versam sobre o tratamento fisioterapêutico para o pé torto congênito, é consenso que a manipulação do pé é uma fase crucial para a correção da deformidade, entretanto, apenas uma das pesquisas relata sobre o tempo de manipulação adequada para cada intervenção, e a maioria não descreve a sequência das correções descritas no protocolo, um dado fundamental para o fisioterapeuta [19].

Lima cita como tratamento fisioterapêutico para o PTC, as manipulações, os alongamentos, as órteses, a prevenção de contraturas, o trabalho de coordenação motora, a melhora da deambulação e o coadjuvante no pós-operatório. Porém não especifica um protocolo, nem descreve as técnicas de forma detalhada [20].

Um estudo de caso, feito por Ezeukwu e Maduagwu, acompanhou o tratamento de um bebê com PTC durante um ano, e a Fisioterapia consistia em posicionar o joelho a 90º de flexão, em seguida, os tecidos do pé direito eram passivamente esticados, o antepé foi desenrolado para correção da adução (eversão) [21]. Então o pé foi girado de forma a corrigir a inversão. Finalmente, para corrigir o pé equino, o tornozelo foi posicionado em dorsiflexão. Cada uma das manipulações durou cerca de dois minutos e todo o procedimento foi repetido quatro vezes.

A partir do levantamento de dados realizado durante a pesquisa, foram encontradas seis publicações comparando o tratamento fisioterapêutico tradicional ou francês com o método de Ponseti, conforme descrição dos resultados na tabela II.

 

Tabela IIAmostra de artigos sobre a eficácia de técnicas (Fisioterapia Convencional X método Ponseti). Aracati/CE, 2016.

 

 

A aplicação das técnicas de manipulação, séries gessadas e órteses realizadas no método de Ponseti pelo fisioterapeuta, está resguardada na resolução do COFFITO nº 8, de 20 de Fevereiro de 1978, que afirma em seu Art. 3º que: constituem atos privativos do fisioterapeuta prescrever, ministrar e supervisionar terapia física, que objetive preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgão, sistema ou função do corpo humano, por meio de: [...] e II – utilização, com o emprego ou não de aparelho, [...] de adaptação ao uso de ortese ou prótese e de adaptação dos meios e materiais disponíveis, pessoais ou ambientais, para o desempenho físico do cliente [27].

Um estudo de coorte feito no Canadá, por Janicki et al. [28], que comparou o tratamento do pé torto sendo direcionado por um cirurgião, com ele sendo direcionado por um fisioterapeuta e não foram encontradas diferenças significativas quanto ao número de moldes, taxa de tenotomia e falhas. Já as taxas de recidivas foram de 14% no grupo fisioterapeutas e 26% no grupo cirurgião, procedimentos adicionais foram necessários em 6% dos pés no grupo fisioterapeutas e 18% no grupo cirurgião.

Nilgun et al. [29] apresentaram um ensaio clínico que avaliou a eficácia da Fisioterapia no pé torto tratado pelo método de Ponseti, como forma de melhorar seu desempenho. A comparação dos resultados da avaliação antes e após o tratamento revelou uma diferença em termos de recuperação, sobre todos os parâmetros, exceto valores de inversão passiva no grupo de estudo e para todos os parâmetros no grupo controle.

Com base nestes achados, pode-se inferir que o fisioterapeuta está apto a aplicar as técnicas descritas no método de Ponseti, com exceção da tenotomia do calcâneo, que é do âmbito profissional do cirurgião ortopedista. Além disso, a Fisioterapia pode contribuir de forma positiva para a continuação do tratamento dos pacientes acometidos com a deformidade, intensificando os resultados e diminuindo as incidências de recidivas ou falhas. Com base no modelo de saúde vigente no país, deve-se sugerir um trabalho multiprofissional no tratamento destes bebês e nas orientações à família.

 

Conclusão

 

Ao demarcar a atuação do fisioterapeuta no tratamento do pé torto congênito utilizando o método de Ponseti como objeto de estudo, viabilizou-se uma melhor compreensão acerca da temática. Nesse sentido, foi possível ao longo da confecção desta pesquisa, observar semelhanças das técnicas fisioterapêuticas com o método referenciado como objeto de estudo, com exceção da tenotomia do calcâneo, e diferenças na execução do protocolo.

O levantamento bibliográfico permitiu perceber que há uma vasta produção acadêmica sobre o pé torto congênito e acerca do método de Ponseti quando se refere aos aspectos etiológicos, fatores associados e suas complicações, processos de diagnósticos e resultados de tratamentos. Sobre a atuação do fisioterapeuta nesse campo visualizou-se uma lacuna, representada por escassa divulgação em periódicos científicos de estudos nessa temática.

Assim, considera-se que existe uma quantidade limitada de evidências científicas, principalmente com publicações no Brasil, para que se estabeleça posicionamento definitivo que corrobore para uma participação mais efetiva no tratamento do Pé Torto Congênito. Apesar desta limitação, é possível considerar que esta afecção patológica constitui um campo de intervenção do fisioterapeuta, sendo possível instrumentalizar sua prática profissional, uma vez que foi evidenciada a disponibilidade de diferentes recursos e técnicas terapêuticas que aplicadas adequadamente permitem tratar e reabilitar os pacientes com esta deformidade.

Contudo, acredita-se que este estudo conseguiu sistematizar o conhecimento já produzido na temática em questão, que pode subsidiar a atuação do fisioterapeuta, bem como o desenvolvimento de novos projetos de pesquisa sobre a atuação da Fisioterapia no pé torto congênito utilizando o método de Ponseti.

Com efeito, recomenda-se a realização de pesquisas na área da Fisioterapia, que permitam a construção de novas evidências científicas que balizem a atuação do fisioterapeuta junto a esse grupo populacional com maior qualidade e resolutividade no tratamento.

     

Referências

 

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