ARTIGO ORIGINAL
Fisioterapia nas
complicações ginecológicas decorrentes do tratamento do câncer de colo de útero
Physical therapy in gynecological complications arising from the
treatment of cervix cancer
Marina Rodrigues Lopes
Pereira*, Hellem Samilles
Cardoso da Costa*, Natália de Souza Duarte*, George Alberto da Silva Dias, Ft.,
D.Sc.**, Cibele Nazaré Câmara Rodrigues, Ft., D.Sc.***, Gustavo Fernando Sutter
Latorre, Ft., M.Sc.****,
Erica Feio Carneiro Nunes, Ft., D.Sc.*****
*Graduanda do Curso de
Fisioterapia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém/PA, **Pós-Doutor
em Doenças Tropicais (UFPA), docente da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
***Professora da Universidade Federal do Pará, Belém/PA, ****Professor da
Faculdade Inspirar, Florianópolis SC, *****Departamento de Ciências do
Movimento Humano, Universidade do Estado do Pará, Belém/PA
Recebido em 5 de maio
de 2020; aceito em 28 de setembro de 2020.
Correspondência: Erica Feio Carneiro
Nunes, Travessa Perebebuí, 2623 Marco 66087-670
Belém PA
Marina Rodrigues Lopes
Pereira: marinarlpereira@gmail.com
Hellem Samilles
Cardoso da Costa: hellensamile@gmail.com
Natália de Souza Duarte:
nataliaduartefisio@outlook.com
George Alberto da Silva
Dias: georgealbertodias@yahoo.com.br
Cibele Nazaré Câmara
Rodrigues: cibelecamara@hotmail.com
Gustavo Fernando Sutter Latorre:
gustavo@perineo.net
Erica Feio Carneiro Nunes:
erica@perineo.net
Resumo
Introdução: O tratamento do
Câncer de Colo do Útero (CCU) traz consequências anátomo-funcionais para o
sistema genital. Objetivo: Verificar o efeito da fisioterapia nas
complicações ginecológicas e na qualidade de vida (QV) das mulheres após o
tratamento do CCU. Métodos: Ensaio clínico, com 16 mulheres que
realizaram tratamento do CCU, alocadas em dois grupos: 10 para o Grupo
ambulatorial (GAM) e 6 para o Grupo domiciliar (GDE). A intervenção consistiu
em massagem perineal e treinamento dos músculos do assoalho pélvico por seis
semanas, porém o GAM realizou o acompanhamento em ambulatório e o GDE em
domicílio. Resultados: As complicações ginecológicas mais prevalentes
encontradas em ambos os grupos foram a estenose, o ressecamento vaginal, o
encurtamento vaginal, o estreitamento vaginal, a dispareunia
e a diminuição da libido. Após o protocolo, o GAM apresentou melhora
estatisticamente significante para a estenose, para o ressecamento, o
encurtamento vaginal, estreitamento vaginal e para a diminuição da libido. Conclusão:
Tanto as queixas ginecológicas, quanto a função muscular tiveram melhora
estatisticamente significante no GAM e alguns domínios do questionário de
função sexual e do questionário de QV apresentaram resultados similares de
melhora em ambos os grupos.
Palavras-chave: oncologia, colo de
útero, assoalho pélvico, saúde sexual.
Abstract
Introduction: The treatment of Cervical Cancer (CC) has anatomofunctional
consequences for the genital system. Objective: To verify the effect of
physical therapy on gynecological complications and quality of life (QOL) in
women after CC treatment. Methods: Clinical trial, with 16 women who
underwent CC treatment, divided into two groups: 10 for the outpatient group
(GAM) and 6 for the home group (GDE). The intervention consisted of perineal
massage and training of the pelvic floor muscles for six weeks, with the GAM
performed on an outpatient basis and the GDE at home. Results: The
gynecological complications found in both groups were stenosis, vaginal
dryness, vaginal shortening, vaginal narrowing, dyspareunia and decreased
libido as the most prevalent in both groups. After the protocol, the GAM showed
a statistically significant improvement for stenosis, dryness, vaginal
shortening, vaginal narrowing and decreased libido. Conclusion: Both
gynecological complaints and muscle function had a statistically significant
improvement in GAM, while aspects related to some domains of the sexual
function questionnaire and regarding the perception of QOL showed similar
results in both groups.
Keywords: medical oncology, cervix uteri, pelvic floor, sexual health.
O câncer de colo de
útero (CCU) é o quarto tipo de câncer mais frequente na população feminina do
mundo todo, com uma incidência de 3,1 a cada 100.000 mulheres [1]. Na região
Norte do Brasil, sem considerar os tumores de pele não melanoma, o CCU é o tipo
de câncer mais incidente (25,62/100 mil/hab) e,
especificamente no estado do Pará, ele fica atrás apenas do Câncer de Próstata
e do Câncer de Mama [2].
Os tratamentos
utilizados para este tipo de câncer impactam negativamente na Qualidade de Vida
(QV) das mulheres, uma vez que causam mal estar físico, emocional, alteram a
autoimagem corporal, além de acarretarem no surgimento de diversas complicações
ginecológicas, que podem levar, dentre outras coisas, à alteração da função
sexual, um dos meios pelo qual se mede a qualidade de vida [3,4].
Complicações ginecológicas, dentre elas, o
surgimento de fístulas, a diminuição da rugosidade da vagina, a diminuição da
lubrificação, a estenose vaginal, a dispareunia e
infertilidade, geralmente surgem após o tratamento do CCU em decorrência das
radiações ionizantes, advindas da radioterapia, usadas para destruir ou inibir
o crescimento das células anormais que formam o tumor. Além disso, as cirurgias
realizadas, como a histerectomia, a laparoscopia e a linfedectomia,
também geram consequências, ocasionando, muitas vezes, a menopausa precoce e a
diminuição do canal e redução da elasticidade vaginal [3,5]. A combinação
desses efeitos, a longo prazo, pode dificultar não só a vida sexual como também
os exames ginecológicos de rotina, que são indispensáveis no seguimento clínico
dessas mulheres [5,6].
O tratamento do CCU
também causa danos na vascularização e inervação dos Músculos do Assoalho
Pélvico (MAP), alterando sua função, o que pode levar as incontinências,
prolapsos e piora da função sexual [7]. Acredita-se que a Fisioterapia Pélvica,
utilizando recursos como o Treinamento Muscular do Assoalho Pélvico,
Dilatadores Vaginais e a Terapia Manual, podem tratar essas consequências
ginecológicas, através da melhora da funcionalidade muscular e da recuperação
funcional da mucosa, uma vez que reestabelece as funções sexuais, de
continência, melhora a lubrificação e vascularização local e pode reverter
sinais de estenose, trazendo benefícios para a saúde íntima da mulher como um
todo [8].
Assim, a presente
pesquisa teve como objetivo principal, verificar o efeito da fisioterapia nas
complicações ginecológicas e na qualidade de vida das mulheres após o
tratamento do CCU.
Material e métodos
Trata-se de um ensaio
clínico controlado cego, realizado no Hospital Ophir
Loyola (HOL) em Belém do Pará, respeitando as Normas de Pesquisa envolvendo
Seres Humanos (Res. CNS 466/12) do Conselho Nacional de Saúde. Após a liberação
de acesso aos prontuários, por meio da assinatura do Termo de Compromisso de
Utilização de Dados, foi realizada uma prévia análise dos registros das
pacientes que se encontravam na sala de espera do ambulatório de ginecologia do
HOL, para facilitar a seleção das participantes por meio da amostragem não
probabilística por conveniência.
A coleta de dados
ocorreu no período de janeiro a agosto de 2018. Sendo incluídas mulheres de 20
a 55 anos, diagnosticadas com CCU, que realizaram radioterapia pélvica por teleterapia e/ou braquiterapia, associada ou não a
histerectomia e quimioterapia e que haviam recebido alta do tratamento há pelo
menos um mês e no máximo até cinco anos. Excluíram-se aquelas portadoras de
diabetes, hiperprolactinemia, hipotireoidismo,
menopausa prévia ao tratamento e que tivessem realizado radioterapia por doença
recidivante.
As participantes
previamente selecionadas através da análise dos prontuários eram abordadas na
sala de espera e, caso concordassem em participar do estudo, eram conduzidas a
uma sala reservada onde era assinado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e realizada a avaliação fisioterapêutica. Esta avaliação,
consistia na coleta dos dados pessoais, aplicação de questionários e na
realização do exame físico. Posteriormente, cada participante era alocada em um
dos grupos de tratamento: No Grupo Ambulatorial Misto (GAM) ou no Grupo
Domiciliar Exclusivo (GDE), cada um contendo 11 participantes.
Instrumentação
A avaliação da função
dos MAP foi realizada através da ficha de Avaliação Cinesiológico-funcional
da Musculatura do Assoalho Pélvico (AVCF-MAP) (organizada e estrutura por Latorre em 2016) e da escala de Oxford modificada [9], a
primeira permitia registrar a endurance e a potência
da contração muscular e a segunda, o grau de força definindo em grau 1
(ausência de resposta muscular), grau 2 (esboço de contração não sustentada),
grau 3 (contração moderada, sentida um aumento da pressão intravaginal,
que comprime os dedos do examinador com pequena elevação
cranial), grau 4
(contração satisfatória, que aperta os dedos do
examinador com elevação da
parede vaginal em direção à sínfise
púbica) e grau 5 (contração forte,
compressão
firme dos dedos do examinador com movimento positivo em
direção à sínfise
púbica). Previamente a esta etapa, foi realizada a
higienização das mãos com
água, sabão neutro e álcool 70% e sua devida
proteção com luvas de látex.
A avaliação das complicações
ginecológicas ocorreu por meio da verificação de possíveis alterações
anatômicas no momento do exame físico, como o encurtamento ou estreitamento do
canal vaginal perceptível ao toque e alterações visíveis na mucosa vaginal e
vulvar, associado com o relato da percepção das participantes durante a
aplicação da ficha de avaliação, idealizada pelas pesquisadoras, a qual
indagava quanto as queixas principais e sintomas (ressecamento, encurtamento,
estreitamento, dispareunia, dor pélvica, diminuição
da libido, calor corpóreo, incontinência urinária e incontinência fecal)
surgidos após o tratamento do CCU.
Com relação à
verificação da estenose vaginal, foi aplicada a escala Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) v.5.0 [10], que define a estenose como
encurtamento ou estreitamento do canal vaginal da seguinte forma: estenose que
se manifesta de forma assintomática (grau 1), encurtamento e/ou estreitamento
que não atrapalha o exame físico ou função (grau 2) e, por fim, encurtamento e/ou
estreitamento que atrapalha a função (grau 3).
Ao final da avaliação,
as participantes responderam a um questionário de QV, o The World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref),
constituído de 26 questões. O instrumento tem 24 facetas as quais compõem 4
domínios que são: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Cada
domínio é composto por questões cujas pontuações das respostas variam de um a
cinco. O escore médio em cada domínio indica a percepção do indivíduo quanto à
sua satisfação em cada aspecto em sua vida, relacionando-se com sua QV. Quanto
maior a pontuação, melhor a QV [11]. Aplicou-se também, o Female
Sexual Function Index (FSFI) [12], para verificar
a função sexual, apenas em mulheres sexualmente ativas. Este questionário
dispõe de 19 questões, distribuídas em seis subescalas e uma soma de escores
que mede o grau de desejo, excitação, lubrificação, orgasmo, satisfação e dor,
podendo variar de 2 a 36, em que se adota 26 pontos como uma pontuação de
corte, sendo assim, os escores mais altos indicam uma incidência menor de DS.
Protocolo
fisioterapêutico
Para ambos os grupos,
após a avaliação, foi realizado um atendimento ambulatorial para ensinar a
conscientização diafragmática (3 séries de 10 repetições), através de uma
respiração lenta e profunda, com o objetivo de garantir concentração e
percepção corporal antes de cada sessão e incrementar o TMAP, uma vez que a
contração era solicitada no momento da expiração. A automassagem perineal,
instruída para ser feita com os polegares introduzidos no canal vaginal,
realizando movimento de deslizamento para baixo em “U” com leve pressão de
alongamento; e a realização do TMAP [13], que consistia em 10 contrações
voluntárias máximas sustentadas por 6-8 segundos com relaxamento de 10
segundos, visando melhora da endurance; para
potência: 15 contrações voluntárias máximas com relaxamentos totais e,
contrações voluntárias máximas sustentadas com progressão de 15, 20 e 30
segundos no decorrer do período de tratamento, associado, em consultório, com o
uso de dilatadores vaginais da marca Absoloo e, em
domicílio, com tubetes plásticos de 11,5 cm. Todas as participantes receberam
orientações verbais quanto a higiene necessária e a realização correta dos
exercícios em casa durante as 6 semanas, e um folheto que continha a descrição
dos exercícios e um calendário para controle e anotação dos dias que o
protocolo foi realizado.
Sendo assim, sem contar
com a sessão de avaliação e orientações acerca do protocolo, o GAM realizou o
protocolo acima mencionado uma vez por semana no ambulatório e duas vezes por
semana em domicílio, durante seis semanas e o GDE, três vezes na semana somente
em domicílio, durante as seis semanas. Ambos os grupos eram monitorados
semanalmente via mensagem de celular e ligações telefônicas, tanto para o
controle da realização dos exercícios quanto para confirmar o retorno para
reavaliação, sendo esta realizada apenas uma vez, ao final das seis semanas, no
qual todo o protocolo de avaliação era repetido, por um avaliador que não
possuía conhecimento da alocação das participantes nos grupos, garantindo o
cegamento da pesquisa.
Análise dos dados
Adotou-se o software
Excel® 2010 para entrada dos dados e confecção das tabelas, bem como o software
BioEstat 5.0 na análise estatística. As variáveis
categóricas foram apresentadas como frequências e as numéricas por meio de
medidas de tendência central e dispersão. Verificou-se a normalidades dos dados
empregando o teste D’Agostino. A significâncias das comparações entre as
amostras se deu por meio do teste t Student (amostra
relacionada) e o McNemar, com nível de significância
de 5% (p ≤ 0,05).
A amostra inicial foi
composta por 22 participantes, sendo 11 no GDE e 11 no GAM. No entanto, apenas
6 participantes do GDE e 10 do GAM finalizaram o protocolo.
A idade média das
participantes foi de 42,6 ± 6,32 anos. Quanto ao estado civil, 10% das
participantes do GAM eram solteiras, os outros 90% estavam distribuídas
igualmente entre mulheres casadas (30%), divorciadas (30%) e em união estável
(30%), enquanto no GDE, 50% eram de mulheres casadas e 50% estavam em união
estável. A baixa escolaridade foi encontrada na maioria das integrantes dos
dois grupos: o GAM possuía 40% das mulheres com ensino fundamental incompleto,
30% com ensino médio incompleto e 30% com ensino médio completo e, no GDE,
33,33% possuíam ensino fundamental incompleto, 33,33% ensino fundamental
completo, 16,67% tinham ensino médio incompleto e 16,67% com ensino superior
incompleto. Além disso, a maioria do GAM (70%) eram residentes da capital, já
as participantes do GDE (100%) eram do interior do Estado.
Em relação aos
tratamentos realizados para o câncer, no grupo GAM, 100% (n = 10) realizaram
radioterapia, 90% (n = 9) quimioterapia, 80% (n = 8) a braquiterapia e 60% (n =
6) fizeram a histerectomia. Já no GDE, observou-se que 100% (n = 6) fizeram
radioterapia, 83,33% (n = 5) a quimioterapia, 83,33% (n = 5) a braquiterapia e
66,67% (n = 4) realizaram a histerectomia. Estes tratamentos foram realizados
de forma associada ou não.
No que diz respeito às
complicações ginecológicas mais prevalentes em ambos os grupos foram a
estenose, o ressecamento vaginal, o encurtamento vaginal, o estreitamento
vaginal, a dispareunia e a diminuição da libido.
Entretanto, após o tratamento fisioterapêutico, apenas o GAM apresentou melhora
estatisticamente significante para a estenose, para o ressecamento, o
encurtamento vaginal, estreitamento vaginal e para a diminuição da libido, como
descritos na Tabela I.
No que diz respeito às
complicações ginecológicas após o tratamento, não foi possível observar
diferença entre o grupo ambulatorial e domiciliar. Ambos apresentaram
resultados semelhantes para todas as variáveis estudadas, conforme mostra a
tabela I.
Tabela I - Complicações
ginecológicas após intervenção fisioterapêutica (n=16).
Teste de McNemar, p ≤ 0,05.
Com relação a
funcionalidade dos músculos do assoalho pélvico foi possível observar que houve
melhora em algumas variáveis estudadas tanto no grupo GAM quanto no GDE. No
grupo GAM a endurance (p = 0,0001), potência (0,02) e
a força (p = 0,002) melhoraram significativamente após intervenção. Enquanto no
GDE apenas a endurance (p = 0,04) obteve resultados
significativos, conforme mostra a tabela II.
Tabela II - Avaliação cinesiológico-funcional da Musculatura do Assoalho Pélvico
(AVCF-MAP) antes e após intervenção fisioterapêutica (n =16).
*Resultado
estatisticamente significante. Teste t Student
(amostra relacionada), p ≤ 0,05.
A
função sexual, das
participantes sexualmente ativas (n = 14), mostrou variância dos
n amostrais em
relação a aplicação do questionário
antes e após a intervenção fisioterapêutica
ofertada, pois no grupo GAM, duas mulheres passaram a ser sexualmente
inativas
durante a pesquisa, já no grupo GDE, o inverso aconteceu.
Independente disto, a
Tabela III destaca que ambos os grupos apresentaram score total
inferior à
pontuação de corte do questionário, antes da
intervenção e este valor
apresentou melhora após a intervenção, sendo que
no GAM foi significante
estatisticamente. Quando avaliados por domínios, a dor (p =
0,002) e a
lubrificação (p = 0,02) foram os que apresentaram melhora
estatisticamente
significante, no GAM e no GDE, respectivamente.
Tabela III - Escore do FSFI
por domínio antes e após intervenção fisioterapêutica (n = 14).
*Resultado
estatisticamente significante. Teste t Student
(amostra relacionada), p ≤ 0,05.
A análise da QV das
participantes, mostrada na Tabela IV, evidencia que a média do score total não
apresentou grande discrepância entre os grupos, antes e após intervenção,
entretanto, o GDE apresentou melhora significante (p = 0,05) após intervenção.
Tabela IV - WHOQOOL-BREF
antes e após intervenção fisioterapêutica (n= 16).
*Resultado estatisticamente significante.
Teste t Student (amostra relacionada), p ≤
0,05.
Neste estudo
observou-se que a idade média das participantes se mostrou em uma faixa etária
abaixo dos achados da literatura para ocorrência de CCU na população
brasileira, que está entre 45 e 50 anos [14]. A maioria das participantes de
ambos os grupos eram casadas ou possuíam união estável, diferentemente de outra
pesquisa [4], na qual a maioria foi abandonada pelos seus parceiros após o
diagnóstico ou durante o tratamento do CCU, contudo, assim como no presente
estudo, estas também tinham baixa escolaridade [4]. Destaca-se o baixo nível
educacional como característica comum em mulheres com CCU, dado que a condição
socioeconômica e as limitações ao acesso aos serviços de saúde levam a não
realização do exame de Papanicolau, possibilitando então evolução silenciosa do
câncer [15,16].
Todas as participantes
de ambos os grupos realizaram a radioterapia, fato que pode agravar as
complicações ginecológicas, visto que estas podem ser mais intensas quando
utilizada a radioterapia exclusiva ou concomitante, em comparação com as que se
submeteram somente à cirurgia [3].
Este estudo mostrou que
as complicações ginecológicas mais frequentes encontradas após o tratamento do
CCU foram: o ressecamento vaginal, a dispareunia, a
disfunção orgásmica, a incontinência urinária e
fecal, a presença de estenose vaginal, fístulas e a coitorragia
[17-19]. Tais complicações podem surgir até 5 anos após a finalização do
tratamento [20]. Além disso, o calor corpóreo e a dor pélvica são outros
achados comuns a este grupo de mulheres [21].
O GAM melhorou em nove
das complicações ginecológicas do tratamento do CCU após a fisioterapia,
diferentemente do GDE. O acompanhamento do fisioterapeuta certamente contribuiu
na melhora da maioria dos sintomas relatados pelo GAM, pois a assistência
semanal e as orientações garantem maior assiduidade e aderência ao tratamento.
A maioria das participantes do GDE, mesmo que monitoradas semanalmente não se
mostraram tão comprometidas à realização dos exercícios, apresentando uma maior
taxa de desistência e resultados inferiores [22]. Após a intervenção
fisioterapêutica, o GAM obteve melhora estatisticamente significante, diferentemente
do GDE, provavelmente pelo uso adequado do dilatador vaginal e da massagem
perineal, feitos pelo profissional. Estas técnicas contribuem para reversão da dispareunia [20,23].
Destaca-se também que
muitas participantes relataram dificuldades na realização da automassagem
perineal e dos exercícios de contração, mesmo com as instruções prévias,
acarretando na possível realização incorreta do
protocolo. O tabu do toque ao corpo pode ter dificultado a execução deste, já
que entre os problemas relatados, havia o constrangimento ao se tocar. Além
disso, a mulher após o CCU acaba assumindo conceitos negativos acerca da
sexualidade, dificultando a performance neste aspecto [24].
Os MAP, nesta pesquisa,
foram diretamente afetados, mostrando-se disfuncionais, o que é consequência
comum pós tratamento do CCU [25]. Contudo, o TMAP aumentou o tônus, o
recrutamento das fibras e a vascularização pélvica, levando a melhora da função
muscular. A massagem perineal possibilitou redução da hipertonia muscular
[20,23,26]. Com este protocolo, houve melhora significativa quanto à endurance, a potência e o grau de força desses músculos,
nas participantes do GAM e, no GDE, observou-se mudança estatisticamente
significante apenas no que se refere as variáveis de grau de força e endurance.
Os melhores resultados
a respeito da função muscular do GAM em comparação com o GDE podem ser devido à
maior interação terapeuta-paciente, posto que este grupo teve um maior período
de conscientização dos MAP, com a possiblidade um feedback contínuo durante as
sessões semanais em consultório, o que garantiu a realização correta das
contrações, essencial para o sucesso de um protocolo fisioterapêutico [27].
A DS é identificada
como um dos principais aspectos de QV que são afetados nas sobreviventes do
câncer ginecológico. Além do impacto fisiológico do tratamento do CCU, as
mulheres sofrem de uma série de consequências psicológicas relacionadas, como a
perda de feminilidade percebida, negativa imagem corporal e angústia
psicológica [28].
Diante disso,
evidenciou-se que antes do protocolo fisioterapêutico, ambos os grupos
apresentaram pontuação sugestiva de DS, de acordo com o FSFI [12], o que é
esperado após o tratamento do câncer ginecológico [4,29], sendo que o GDE
mostrou pior pontuação. A função sexual se modificou em ambos os grupos, que
passaram a apresentar pontuação acima da linha de corte, como o encontrado na
pesquisa que tratou mulheres com dispareunia obtendo
resultados significantes na 12ª semana de tratamento [30].
O TMAP também tem sua
aplicabilidade no tratamento das DS, melhora a sensibilidade clitoriana, ajuda na excitação e lubrificação, aumentando
também a receptividade para a relação sexual e a satisfação com o desempenho
[23]. Fatos corroborados em outra pesquisa, que apresentou melhora da função
muscular, sexual e da QV de um grupo de intervenção em comparação com um grupo
domiciliar controle [31].
O tratamento do CCU
afetou diretamente a QV, como mostra outro estudo com público semelhante [4],
em especial as que passaram por radioterapia apresentam alteração mais
significante do que aquelas submetidas ao procedimento cirúrgico [29]. Após a
intervenção fisioterapêutica, houve melhora no score total do WHOQOOL, mesmo
que a pontuação não tenha aumentando consideravelmente, acredita-se que isso se
deve ao fato de que muitos dos domínios deste questionário não poderiam ser
modificados pela influência do tratamento fisioterapêutico ofertado, por se
tratarem de aspectos referentes ao meio ambiente e às relações sociais.
Entretanto, a melhora nos domínios referentes ao aspecto físico e a percepção
com relação à função sexual, apresentaram ganho significativo.
O presente estudo
apresentou como limitação a falta de assiduidade do grupo GDE no decorrer da
pesquisa, o que interferiu na realização correta do protocolo, muitas vezes
resultando em desistências; e questões de ordem pessoal e socioeconômica, que
interferiram nos resultados.
Evidenciou-se que a fisioterapia conseguiu
tratar as complicações ginecológicas e assim melhorar a função muscular e
sexual das mulheres pós-tratamento de CCU, interferindo também na qualidade de
vida, entretanto o tratamento ambulatorial se mostrou mais eficaz quando
comparado ao domiciliar.
Conflito de interesse
Os autores declaram não
ter conflito de interesse.
Fontes de financiamento
Estudo financiado pela
Universidade do Estado do Pará; Aprovação no Comitê de Ética: Parecer nº:
1.667.031; Systematic review registration
number: REBEC: TRIAL: RBR-64WRVV.
Contribuição dos
autores
MRLP: Coleta de dados e
redação do manuscrito; HSCC: Coleta de dados e redação do manuscrito; NSD:
Coleta de dados; GASD: Análise e interpretação dos dados; CNCR: participou do
planejamento e revisão crítica do manuscrito; GFSL: Participou da interpretação
dos dados e revisão crítica do manuscrito; EFCN: Orientadora, participou de
todo planejamento, e interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito.