Fisioter
Bras 2021;20(2);132-42
ARTIGO
ORIGINAL
Pressões
respiratórias máximas em indivíduos obesos antes e após cirurgia bariátrica
Maximum respiratory pressure in
obese individuals before and after bariatric surgery
Luana
Sanches Araújo, Ft.*, Cássio Daniel Araújo da Silva*, Caroline Lima de
Medeiros*, Nayara de Oliveira Bitencourt*, Camila Miriam Suemi
Sato Barros do Amaral, Ft., M.Sc.*, Fernanda
Figueiroa Sanchez, Ft., D.Sc.**, Roberta Lins
Gonçalves, D.Sc.***
*Universidade
Federal do Amazonas (UFAM), Manaus/AM, **Professora Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), Manaus/AM, ***Professora Adjunta da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), Manaus/AM
Recebido
em 23 de maio de 2020; Aceito em 20 de março de 2021.
Correspondência: Roberta Lins Gonçalves, Faculdade de
Educação Física e Fisioterapia, Universidade Federal do Amazonas, Av. General
Rodrigo Octavio Jordão Ramos, 1200 - Coroado I, 69067-005 Manaus AM
Luana Sanches Araújo: luanasanches.araujo@gmail.com
Cássio Daniel Araújo da Silva: cd.danielsilva@gmail.com
Caroline Lima de Medeiros: caroline.lm@live.com
Nayara de Oliveira Bitencourt:
luanasanches.araujo@gmail.com
Camila Miriam Suemi Sato Barros
do Amaral: milasuemi@yahoo.com.br
Fernanda Figueiroa Sanchez: fersanchez1@hotmail.com
Roberta Lins Gonçalves: betalinsfisio@yahoo.com.br
Resumo
A
obesidade é uma doença crônica e multifatorial que leva a alterações sistêmicas
e é considerada um problema de saúde pública mundial. Entre as alterações
respiratórias decorrentes da obesidade se discute como o ganho de peso ou a
perda deste pode interferir nas pressões respiratórias máximas (PRM), não
existindo consenso na literatura. Objetivo: Analisar o poder preditivo
das equações de referência para PMR em obesos antes e após perda de peso. Métodos:
Estudo transversal no qual foram incluídos vinte pacientes obesos dos Programas
de Cirurgia Bariátrica de hospitais de referência em Manaus/Amazonas, que tiveram
as PRM avaliadas por meio de manuvacuometria antes e
aproximadamente um ano e meio após a cirurgia bariátrica. Resultados: O
peso médio diminuiu de 138,5 ± 21,7 kg para 82,7 ± 8,2 kg após a cirurgia. As
PRM foram supranormais antes da cirurgia e reduzidas após a cirurgia. Entre as
equações analisadas, apenas as propostas por Sanchez et al. foram
capazes de predizer os valores medidos. Conclusão: As PRM foram aumentadas nos
obesos mórbidos avaliados e reduzidas após a cirurgia. As equações mais utilizadas
na prática clínica brasileira parecem não ser capazes de predizer valores de
PRM nessa população, sendo as mais adequadas as propostas por Sanchez et al.
Palavras-chave: obesidade; cirurgia bariátrica;
músculos respiratórios.
Abstract
Obesity is a chronic and multifactorial disease
and is considered a global public health problem. Among the respiratory
changes due to obesity, weight gain or loss of body weight
can interfere with maximal respiratory pressures, and there is no consensus
in the literature. Objective: To analyze the predictive power of the
reference equations for maximal respiratory pressures in obese before and after
weight loss. Methods: A cross-sectional study was carried out in which
20 obese patients were included in the Bariatric Surgery Programs of reference
hospitals in Manaus/Amazonas. The maximal respiratory pressures were assessed by manuvacuometry before and approximately one
year after bariatric surgery. Results: The mean weight decreased from
138.5 ± 21.7 kg to 82.7 ± 8.2 kg after surgery. The maximal respiratory
pressures were supranormal before surgery and reduced after surgery. Among the
analyzed equations, only those proposed by Sanchez et al. were able to
predict the measured values. Conclusion: The maximal respiratory
pressures were increased in the morbidly obese evaluated and reduced after the
surgery. The most used equations in Brazilian clinical practice seem not to be
able to predict maximal respiratory pressures values in this population,
being the most adequate those proposed by Sanchez et al.
Keywords: obesity; bariatric surgery;
respiratory muscles.
A obesidade, considerada um importante problema de saúde
pública global, é definida como uma doença crônica, multifatorial, não
transmissível e não infecciosa [1,2]. É uma síndrome inflamatória caracterizada
pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo capaz de gerar alterações sistêmicas,
decorrentes da interação entre fatores genéticos, ambientais, emocionais e
estilo de vida [1,2,3,4,5].
Dados do Ministério da Saúde do Brasil para o ano de 2017
revelaram que mais da metade da população residente nas capitais brasileiras
tem sobrepeso (54%) e uma em cada cinco pessoas (18,9%) no Brasil é obesa [6].
Entre os métodos utilizados para tratar a obesidade, a cirurgia bariátrica
tem se mostrado uma excelente alternativa especialmente nos casos de falha dos
métodos conservadores [7], estando indicada quando o IMC está entre 35 kg/m² e
40 kg/m² associado a comorbidades e/ou insucesso da terapia clínica para perda
de peso, e também para indivíduos com IMC superior a
40 kg/m² [7,8].
O Brasil é o segundo país no mundo em número de cirurgias
bariátricas realizadas, atrás apenas dos Estados Unidos; o número de
procedimentos aumentou 90% nos últimos cinco anos e 300% em dez anos [7].
Além
de várias alterações sistêmicas, a obesidade
está relacionada a alterações na
mecânica e na função respiratória, com
provável alteração da força muscular
respiratória devido a fatores como a distribuição
da gordura corporal e as
mudanças na relação entre o pulmão, a
parede torácica e o diafragma [9,10,11].
Algumas dessas alterações, especialmente em relação à função pulmonar,
mostraram-se reversíveis com a perda de peso [12].
Entretanto, a análise da força muscular respiratória
através da pressão inspiratória máxima (PImáx)
e da pressão expiratória máxima (PEmáx) em
obesos tem provocado discussões conflitantes, sem um consenso sobre seu
comportamento nesse grupo [9,13], principalmente quando estudados os valores
previstos pelas equações de referência. Nesse contexto, o objetivo do presente
estudo foi analisar o poder preditivo das equações de referência de PMR para
obesos antes e após a perda de peso por cirurgia bariátrica.
Trata-se de um estudo longitudinal realizado por amostragem
de conveniência com os participantes dos Programas de Cirurgia Bariátrica de
dois hospitais de referência nessa cirurgia em Manaus/Amazonas: Hospital
Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas e Fundação
Hospital Adriano Jorge do estado do Amazonas. O estudo foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da UFAM sob CAAE: 45586815.0.0000.5020 e seguiu todas as
diretrizes éticas. A avaliação constou de anamnese, mensuração de sinais vitais
e avaliação das pressões respiratórias máximas.
Critérios
de inclusão e exclusão
O estudo incluiu adultos de ambos os sexos com o
diagnóstico clínico de obesidade mórbida (IMC ≥ 44 kg/m²), cadastrados
nos Programas de Cirurgia Bariátrica e clinicamente estáveis. Indivíduos
portadores de outras doenças crônicas, como insuficiência cardíaca congestiva,
cardiopatia isquêmica, angina instável, doenças neuromusculares e/ou
respiratórias e/ou que não apresentassem condições físicas cognitivas para os
exames foram excluídos do estudo.
Medição
das pressões respiratórias máximas
As PRM foram avaliadas através da pressão estática máxima
gerada ao nível da boca, caracterizando a força dos músculos inspiratórios e expiratórios,
respectivamente, PImáx (pressão inspiratória máxima)
e PEmáx (pressão expiratória máxima) medidas com um
manômetro / manuvacuômetro graduado em cmH2O, segundo
as diretrizes da American Thoracic Society
(ATS) em parceria com a European Respiratory Society (ERS) [14], adotado pela Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para testes de função pulmonar.
Equações
de referência
As seguintes equações preditivas foram utilizadas para a
população brasileira.
Tabela
I - Equações de
referência utilizadas no presente estudo
E1 = equação 1; E2 = equação 2; PImáx
= pressão inspiratória máxima; PEmáx = pressão
expiratória máxima; IMC = índice de massa corpórea
Análise
estatística
Os dados foram apresentados através de média e desvio
padrão da média (DP). As médias foram comparadas antes e após a cirurgia e
entre os valores previstos pelas diferentes equações. Para as medidas
paramétricas, foi utilizado o teste t de Student, e,
para as medidas não paramétricas, foi utilizado o teste de Mann Whitney,
considerando um valor significativo de P ≤ 0,05. Os dados foram
analisados usando o software SigmaStat 3.5.
Foram estudados 20 indivíduos, sendo 7 do sexo masculino
(35%) e 13 do feminino (65%), avaliados antes da cirurgia, e, em média, 17,9 ±
1,7 meses após a cirurgia. O peso corporal médio diminuiu de 138,5 ± 21,7 kg
antes da cirurgia para 82,7 ± 8,2 kg após a cirurgia. As características da
população estudada estão descritas na tabela II.
Tabela
II - Descrição da
população do estudo
IMC = índice de massa corpórea; DP = desvio-padrão.
Os indivíduos apresentaram PRM supranormais antes da
cirurgia, com base nos valores preditos pelas equações de Neder et al.
[15], Costa et al. [16] e Sanchez et al. [17]. Esses valores
diminuíram com a redução do peso após a cirurgia, com redução significativa da PImáx, mas ainda acima dos valores previstos. Apenas as
equações de Sanchez et al. [17] aproximaram-se dos valores encontrados,
conforme descrito nas tabelas III e IV.
Tabela
III - Comparação dos
valores de PImáx obtidos e preditos pelas diferentes
equações
*diferença estatística significativa
Tabela
IV - Comparação dos
valores de PEmáx estabelecidos e preditos pelas
diferentes equações
*diferença estatística significativa
O presente estudo teve como objetivo avaliar a força
muscular respiratória em obesos mórbidos, antes e aproximadamente um ano e meio
após a cirurgia bariátrica, período em que 59,71% do peso corporal foi
reduzido. Segundo Novais et al. [18], a cirurgia é bem-sucedida quando
há perda de pelo menos 50% do excesso de peso no momento do procedimento.
Assim, se estabelece o sucesso da cirurgia de acordo com os resultados do IMC,
com IMC < 30 kg/m2 sendo considerado excelente, entre 30 e 35 kg/m2
de bom resultado e > 35 kg/m2 de falha ou insucesso.
No presente estudo, o IMC reduziu em média de 50,2 ± 7,5
kg/m2 antes da cirurgia para 29,9 ± 1,9 kg/m2 depois, e,
portanto, foi considerado um excelente resultado com considerável perda de
peso. Em estudos anteriores, demonstrou-se que, após a cirurgia, a maioria dos
indivíduos emagrece rapidamente e continua diminuindo lentamente entre 18 e 24
meses após o procedimento, podendo manter de 50 a 60% de sua perda de peso 10 a
14 anos após o procedimento [19]. Dessa forma, optamos por realizar a segunda avaliação
após um período em que a redução de peso fosse considerada ótima e estável,
além de reduzir as chances de viés que uma avaliação no pós-operatório imediato
sujeitaria pelo próprio processo cirúrgico em si.
Embora a influência da obesidade sobre as PRM seja
controversa, argumenta-se que a restrição da cavidade torácica causada pela
deposição excessiva de gordura na região toracoabdominal
altera a mobilidade dos músculos abdominais e diafragmáticos, causando aumento
do trabalho respiratório e consequente desvantagem muscular, o que justificar a
diminuição das PRM [20,21]. Entretanto, apesar dessa linha de raciocínio, as
equações preditivas mais utilizadas na literatura brasileira não incluem
variáveis antropométricas como peso ou IMC e, portanto, não contemplam de forma
confiável a avaliação para populações não eutróficas
[13]. Uma revisão sistemática publicada em 2014 sobre a avaliação da PImáx já discutiu a inconsistência dos valores
de referência na metodologia dos artigos analisados, e apenas dois consideraram
fatores relacionados ao peso como modificadores dessa medida, mas sem consenso
quanto à significância desta influência [22].
Ainda nesse contexto, Sanchez et al. [17] publicaram
estudo com equações preditivas que incluiu 353 indivíduos do norte do Brasil em
diferentes faixas de IMC, de eutróficos a obesos grau I, II e III, com o objetivo de facilitar a
predição de força muscular na população obesa. No estudo, os autores
verificaram que a equação considerando apenas o peso como variável preditora
foi discretamente superior à que considerou o IMC, não havendo diferença
significativa entre as duas, indicando que essas variáveis podem ser utilizadas
com precisão estatística na predição dos valores das pressões respiratórias
máximos.
Na amostra estudada, a PImáx
e PEmáx dos participantes foi supranormal
com redução importante após a perda de peso devido à cirurgia bariátrica,
principalmente na PImáx, que apresentou significância
estatística. Outro estudo publicado recentemente verificou aumento ascendente
das PRM à medida que o IMC dos indivíduos se elevou, sendo significativamente
aumentada nos diferentes graus de obesidade [23].
Ao compararmos os valores obtidos com as equações
preditivas, observamos que as equações de Neder et al. [15] e Costa et
al. [16] não foram capazes de predizer os valores medidos das PRM dos
avaliados, subestimando os valores. Não obstante, outros autores também
encontraram diferença entre os resultados de obesos e os valores obtidos com
essas mesmas equações [24,25,26,27]. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de
as equações não considerarem como fatores preditivos o peso e o IMC, além de
terem sido sugeridas a partir de população da região sudeste do Brasil. No
entanto, ao comparar os valores obtidos com os preditos pelas equações de
Sanchez et al. [17] - que levam em consideração as variáveis peso e
IMC, verificamos que não houve diferença estatística. Portanto, estas foram as
únicas equações capazes de predizer os valores obtidos.
As pressões respiratórias máximas dos obesos mórbidos
avaliados apresentavam valores supranormais antes da perda de peso. Esses
valores diminuíram após a cirurgia bariátrica, sugerindo uma influência do peso
nessa variável. As equações mais utilizadas na prática clínica brasileira
parecem não ser capazes de prever os valores de PRM nessa população, e as
equações propostas por Sanchez et al. foram as que mais se ajustaram a essa
população.