REVISÃO
Fisioterapia no
pós-operatório de artroplastia de quadril: uma
revisão sistemática
Physiotherapy in the post-operative hip arthroplasty: a systematic
review
Lilian Ramine Ramos de Souza Matos*, Renata Maria Eloi dos Santos**, Beatriz Barros Medrado**, Eric Alencar
Lessa*, Naiara Kássia Macêdo da Silva Bezerra*, Ester
Menezes Silva Bonfim*
*Hospital Universitário
da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HU-UNIVASF), Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), Petrolina/PE, **Pós-Graduandas em
Fisioterapia Hospitalar pela Faculdade São Francisco de Juazeiro (FASJ),
Juazeiro/PE
Recebido em 27 de maio
de 2020; aceito em 28 de setembro de 2020.
Correspondência: Lilian Ramine Ramos de Souza Matos, Hospital Universitário da
Universidade Federal do Vale do São Francisco, Av. José de Sá Maniçoba, s/n, 56304-205
Petrolina PE
Lilian Ramine Ramos de Souza Matos: lilian.ramos@ebserh.gov.br
Renata Maria Eloi dos Santos: renataeloifisio@hotmail.com
Beatriz Barros Medrado:
bmedrado82@gmail.com
Eric Alencar Lessa:
eric.lessa@ebserh.gov.br
Naiara Kássia Macêdo da Silva Bezerra: namasil@hotmail.com
Ester Menezes Silva
Bonfim: estermenezes@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: À medida que a
sociedade envelhece, as incidências de doenças do quadril aumentam a cada ano e
a artroplastia do quadril é reconhecida como método
cirúrgico mais eficaz, necessitando de intervenção fisioterapêutica no período
pós-operatório. Objetivo: Identificar estudos que demonstrem os efeitos
da reabilitação através de exercícios terapêuticos no pós-operatório de artroplastia de quadril. Métodos: Realizou-se uma
revisão sistemática na qual levantou-se uma busca nas bases de dados: Pubmed, Lilacs, Scielo, Cochrane, Web of Science,
Scopus, Science Direct e Google Scholar, nos últimos 10 anos e utilizando os
descritores respectivos para estudos em inglês, português e espanhol. Resultados:
Foram selecionados 3 ensaios clínicos randomizados, somando um total de 225
indivíduos participantes das pesquisas, de ambos os sexos, para realização de artroplastia de quadril, apresentando diversas comparações
nas aplicações de exercícios terapêuticos no pós-operatório. Conclusão:
Os resultados apresentados nesta revisão demonstram os efeitos positivos da
fisioterapia iniciada precocemente após a cirurgia de artroplastia
de quadril, sendo perceptível que a reabilitação fisioterapêutica imediata
através de exercícios iniciados ainda no ambiente hospitalar pode ser benéfica
para melhora da mobilidade, funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes.
Palavras-chave: artroplastia
de quadril, terapia por exercício, período pós-operatório, serviço hospitalar
de fisioterapia.
Abstract
Introduction: As society ages, the incidences of hip disease increase each year and
hip arthroplasty is recognized as the most effective surgical method, requiring
physical therapy intervention in the postoperative period. Objective: To
identify studies that demonstrate the effects of rehabilitation through
therapeutic exercises in the postoperative period of hip arthroplasty. Methods:
A systematic review was carried out using the following database searches: Pubmed, Lilacs, Scielo, Cochrane,
Web of Science, Scopus, Science Direct and Google Scholar, in the last 10 years
and using the evaluated descriptors for studies in English, Portuguese and
Spanish. Results: Three randomized clinical trials were selected, with a
total of 225 research participants, of both sexes, for performing hip
arthroplasty, presenting several comparisons and applications of therapeutic
exercises in the postoperative period. Conclusion: The results
demonstrate the positive effects of physical therapy right after hip
arthroplasty surgery. It is noticeable that beginning physiotherapeutic
rehabilitation with exercises in the hospital environment can be beneficial for
improving mobility, performance and quality of life of patients.
Keywords: arthroplasty hip, exercise therapy, postoperative period, physical
therapy department hospital.
O crescimento da
população idosa vem ocorrendo de forma acelerada mundialmente e no Brasil, e
segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), este será o 6° país do mundo com
o maior número de indivíduos idosos (mais de 32 milhões acima de 60 anos) até
2025 [1].
À medida que a
sociedade envelhece, as incidências de doenças que acometem o quadril como
osteoartrite, artrite reumatoide, fraturas e necrose avascular aumentam a cada
ano [2-4]. No entanto, essas patologias não se restringem somente a essa
população e, desta forma, pessoas jovens e ativas também podem ser afetadas
[5].
Para o tratamento de
doenças do quadril, há muito tempo a artroplastia do
quadril vem amplamente sendo utilizada e é reconhecida como método cirúrgico
mais eficaz [6], apresentando-se como indicação mais frequente para tratamento
da osteoartrite, por exemplo [7]. Estudos apontam que os benefícios dessa
abordagem podem reduzir a dor, melhorar a função e a mobilidade, permitindo ao
indivíduo retornar as suas atividades normais [8].
A artroplastia
é um procedimento cirúrgico de alto custo que vem gerando gastos substanciais
nos sistemas de saúde internacionalmente [9]. Por outro lado, é possível obter
bons resultados precocemente, através da intervenção fisioterapêutica no
período pós operatório, visando melhorar a saúde física das pessoas e restaurar
a função normal do indivíduo para um retorno mais rápido às suas atividades de
vida cotidiana [10].
Além disso, a
fisioterapia contribui na prevenção, minimização e restauração de possíveis
impactos psicológicos, emocionais e sociais provenientes da dependência
funcional, e o atendimento multidisciplinar é crucial [11-13]. Porém, os
protocolos e tecnologias atualmente utilizados durante a reabilitação estão
desatualizados ou tem valor limitado [14].
Levando em consideração
o aumento no número de cirurgias de artroplastia e a
importância da fisioterapia na fase pós-operatória, o presente estudo objetiva
identificar estudos que demonstrem os efeitos da reabilitação através de
exercícios terapêuticos no pós-operatório de artroplastia
de quadril.
Trata-se de uma de
revisão sistemática guiada de acordo com os critérios estabelecidos pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta- Analyses (PRISMA)
[15], na qual foi realizado um levantamento bibliográfico da literatura
digital, direcionado pela seguinte pergunta norteadora: Quais os efeitos da
reabilitação através de exercícios terapêuticos no pós-operatório de artroplastia de quadril?
A pergunta norteadora
foi estruturada de acordo com o acrônimo PICOT: População – Adultos submetidos
a artroplastia de quadril que receberam tratamento
fisioterapêutico no pós-operatório em ambiente hospitalar (inicialmente);
Intervenção – Cinesioterapia (exercícios terapêuticos); Comparador – Grupo
controle ou outros tipos de intervenções; Outcome (Desfecho) – Efeitos sobre a dor, amplitude de
movimento, força muscular, funcionalidade, capacidade de caminhar e qualidade
de vida; Tipo de estudo – Ensaios clínicos randomizados.
Para o levantamento dos
artigos na literatura, realizou-se uma busca nas bases de dados: Pubmed, Lilacs, Scielo, Cochrane, Web of Science,
Scopus, Science Direct e Google Scholar. Foram utilizados para a busca os
seguintes descritores cadastrados no MeSH e DeCS: “Arthroplasty hip”, “Exercise Therapy”, “Postoperative Period” os quais
foram combinados utilizando o operador booleano AND.
Os critérios de inclusão
foram: ensaios clínicos randomizados (ECR´s)
publicados na íntegra sobre o referido tema, nos períodos de 01/01/2010 a
01/01/2020, sem restrição quanto ao idioma e foram excluídos os artigos
incompletos, artigos publicados em mais de uma base de dados (duplicados) e
artigos publicados com a mesma amostra de estudos já incluídos.
Para a avaliação da
qualidade metodológica dos estudos incluídos nesta revisão sistemática foi
utilizada a escala PEDro que consiste em 11 itens,
sendo o item 1 não mensurável, enquanto os outros 10 itens recebem uma
pontuação de 0 a 10 e quanto maior a pontuação, maior a qualidade [16].
Durante a busca dos
artigos, os estudos foram selecionados com base em uma triagem inicial através
do título, resumo e descritores. Os que obedeceram aos critérios de inclusão
seguiram para uma leitura na íntegra e os artigos selecionados foram avaliados
por dois pesquisadores de forma independente e em caso de dúvidas e
divergências sobre determinado estudo seria resolvido por um terceiro
avaliador.
Para a extração dos
dados, foi utilizada uma matriz de catalogação validada por Ursi
[17]. Os artigos incluídos na revisão foram apresentados em forma de quadro,
destacando suas características principais como: autores, ano de publicação,
objetivo do estudo, amostragem e desenho metodológico, intervenção e
resultados. A análise dos dados foi realizada de forma descritiva.
A estratégia de busca
foi realizada de acordo com as peculiaridades de cada base de dados incluída,
conforme apresenta a Tabela I.
Tabela I - Estratégia de
busca realizada nas bases de dados.
Após a busca dos
artigos de acordo com os critérios pré-estabelecidos, foram encontrados 1.428
estudos. Após a identificação e triagem dos mesmos,
oito foram lidos na íntegra, mas apenas três artigos foram elegíveis e seguiram
para o processo de análise da qualidade metodológica e extração dos dados,
conforme demonstrado abaixo no Fluxograma.
Fluxograma – Etapas da revisão
e seus respectivos resultados.
Com relação ao local de
realização dos estudos selecionados, estes foram realizados no Reino Unido
(33,3%), Brasil (33,3%), e Alemanha (33,3%). O idioma de publicação
predominante foi o inglês e a distribuição por ano de publicação apontou para:
2013 (33,3%), 2014 (33,3%) e 2018 (33,3%). As informações detalhadas dos
estudos encontram-se no Quadro 1
Quadro 1 – Apresentação da
síntese de artigos incluídos na revisão sistemática. (ver PDF em anexo).
A amostra foi
randomizada em 100% dos estudos. Um total de 225 indivíduos participou dos
estudos, de ambos os sexos, para realização de artroplastia
de quadril.
Quanto às evidências
encontradas, observou-se uma variação de Score na escala PEDro
de 6 a 8 com média de 7, conforme descreve a Tabela II abaixo.
Tabela II - Variação de Score
na escala PEDro.
Dentre os três ensaios
clínicos incluídos, observou-se que as técnicas terapêuticas utilizadas em
programas de reabilitação no pós-operatório de artroplastia
de quadril são: mobilização no leito tanto passivo quanto ativo das
articulações dos membros inferiores; alongamento dos flexores do quadril;
programa de exercícios isométricos e/ou isotônicos graduados para melhorar a
amplitude de movimento e a força muscular de membros inferiores; treino de marcha
com dispositivos auxiliares de marcha progredindo para marcha independente;
treino de transferências de sentar para ficar de pé; descarga parcial e total
do peso no membro operado; treino de equilíbrio; drenagem linfática manual e
educação sobre os cuidados em casa.
Algumas referências
adotam orientações quanto à restrição pós-operatória de determinados movimentos
para redução de risco de luxação, tais como: flexão do quadril acima de 90°,
adução e rotação interna do quadril, incluindo a entrega de material educativo
com orientações e outros optaram por não adotar orientações de precaução.
O primeiro ensaio
clínico apresentado foi realizado em pacientes no pós-operatório de artroplastia de resurfacing, uma
cirurgia que tende a ser realizada em pacientes mais jovens e mais ativos e com
menos comorbidades e que prevê uma reabilitação mais dinâmica. Ao comparar um
programa tradicional de exercícios com um programa aprimorado, no qual a
descarga de peso já era realizada desde o primeiro dia e sem precauções para
movimento do quadril, observou-se uma melhora significativa no grupo
intervenção para amplitude de movimento do quadril, função, qualidade de vida e
metas traçadas [18].
Porém, a artroplastia de resurfacing é um
procedimento diferenciado de uma artroplastia de
quadril comumente realizada, que possui um público com faixa etária diversa, e
este fato pode ocasionar dúvidas em relação a adoção deste protocolo fora da
população em questão.
Pacientes em
pós-operatório imediato de ATQ que realizam exercícios de forma precoce se
beneficiam de melhora no quadro de dor e função durante as primeiras 6 semanas
em ambiente hospitalar, conforme uma pesquisa publicada em 2017 [19],
ratificando os achados de Umpierres et al.
[20], que, ao comparar a execução de um protocolo de intervenção
fisioterapêutica com o fisioterapeuta conduzindo e somente orientações por
outros profissionais obteve melhora da dor, força e amplitude de movimento e,
desta forma, desempenho funcional no grupo intervenção.
Nessa perspectiva, o
exercício físico pode ser frequentemente proposto como uma forma de inibição da
dor endógena, proporcionando uma melhor autoestima, disposição e participação,
visando auxiliar na rápida recuperação desse indivíduo [21].
Além disto, um
protocolo executado por um profissional difere em relação a somente dar
orientações, pois os pacientes sem a presença deste não se sentem motivados e
nem seguros ao realizar os exercícios [22].
Quanto à melhora da
funcionalidade após a ATQ, a fisioterapia traz benefícios [23]. A utilização do
fortalecimento dos músculos abdutores do quadril e dos rotadores externos
resultam na melhoria da capacidade de deambulação na fase precoce após o procedimento
cirúrgico, e o fortalecimento do músculo quadríceps é interessante para
prevenir má função e redução da mobilidade articular [8]. Além disso, o
exercício resistido é preferível ao não-resistido para melhorar a velocidade da
marcha [24].
Uma metanálise
que investigou a eficácia do exercício após ATQ concluíram que o exercício é
benéfico na melhora da força muscular do quadril, da diminuição da dor
pós-operatória e na funcionalidade [24].
A execução de
exercícios em cadeia cinética fechada pode trazer dinamismo articular e
muscular, ativando várias porções do músculo quadríceps simultaneamente com
ativação precoce e maior potencial no músculo vasto medial obliquo [25]. Porém
foi observado durante a pesquisa que há poucos estudos sobre a viabilidade e
adoção de protocolos de exercícios funcionais em cadeia cinética fechada em
comparação a exercícios de cadeia cinética aberta em pacientes no
pós-operatório de ATQ no ambiente hospitalar, para avaliar seus efeitos no
tratamento precoce.
Em
relação a
intensidade de realização dos exercícios no
pós-operatório, um trabalho
publicado em 2018 comparou a realização de fisioterapia
padrão com um
treinamento adicional de força e mobilização
direcionada para os músculos do
quadril com sustentação de peso total já na
primeira semana pós-operatória e
obteve resultados estatisticamente significativos para amplitude de
movimento
para extensão e abdução de quadril. No entanto,
quanto à duração da manutenção
da postura sobre uma perna, não teve diferença
significativa para a
intervenção, enquanto houve redução do
tempo da manutenção desta no grupo
controle [26]. Isto demonstra que o treinamento adicional nem sempre
pode levar
a ganhos, mas também à prevenção da perda
de força muscular nos grupamentos musculares
envolvidos.
Em pacientes de
pós-operatório em membros inferiores, torna-se imprescindível a manutenção da
força muscular, amplitude de movimento e da funcionalidade, almejando a
prevenção de complicações como: imobilismo no leito, trombose, lesões por
pressão, dentre outros [27].
A partir dos resultados
encontrados pode-se observar que a fisioterapia empregada promove uma redução
das limitações, um aumento da amplitude de movimento e uma maior confiança
gerada pelo paciente e bem-estar geral, por não se sentirem inseguros em
relação ao uso inadequado do quadril [28].
Em relação à avaliação
da qualidade metodológica dos estudos, observou-se que dos 3 ECRs encontrados, dois apresentaram boas notas (7 e 8/10),
as quais refletem em bons delineamentos e implicam em baixo risco de viés.
Porém pode-se perceber que os estudos encontrados não apresentam uniformidade
em relação ao protocolo de intervenção e no quantitativo de participantes da
pesquisa. Uma diversidade de exercícios terapêuticos foi aplicada e comparada,
além do emprego de orientações para realizações de exercícios domiciliares.
Os resultados
apresentados nesta revisão demonstram evidências sobre os efeitos positivos da
fisioterapia iniciada precocemente após a cirurgia de artroplastia
de quadril, sendo perceptível que a reabilitação fisioterapêutica imediata
através de exercícios iniciados ainda no ambiente hospitalar pode ser benéfica
para melhora da mobilidade, funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes.
No entanto, cada estudo realizou um protocolo diverso, sendo necessário mais
recomendações baseadas em evidências para a devida prescrição de exercícios
terapêuticos objetivando definir diretrizes e padrões para o tratamento no
período pós-operatório, e para que desta maneira seja proporcionado um
atendimento seguro e eficaz, visando o retorno da função dos indivíduos
acometidos sem o risco de complicações secundárias.