Fisioter Bras 2021;22(1):10-24

doi: 10.33233/fb.v22i1.4191

ARTIGO ORIGINAL

Habilidade motora grossa em lactentes prematuros segundo a Alberta Infant Motor Scale

Gross motor skill in premature infants according to Alberta Infant Motor Scale

 

Jaínne Silva dos Santos*, Laisla Pires Dutra**, Jasmine Lima de Santana*, Luana Silva Leite*, Ítylla Thaynã Cardoso Filgueiras*, Taís Dutra Rodrigues*, Marcela dos Santos Viana*

 

*Discente do curso de Fisioterapia da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR), Vitória da Conquista/BA, **Docente do curso de Fisioterapia da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR), Vitória da Conquista/BA

 

Recebido em 9 de junho de 2020; aceito em 11 de janeiro de 2021.

Correspondência: Jaínne Silva dos Santos, Avenida Crescêncio Silveira, 36, 45000-190 Vitória da Conquista BA

 

Jaínne Silva dos Santos: já-jay16@hotmail.com

Laisla Pires Dutra: laysla19@hotmail.com

Jasmine Lima de Santana: jasminelima.santana@gmail.com

Luana Silva Leite: luanamilks@gmail.com

Ítylla Thaynã Cardoso Filgueiras: ityllacardoso@gmail.com

Taís Dutra Rodrigues: tai.d.r@hotmail.com

Marcela dos Santos Viana: marcelasvianaa@gmail.com

 

Resumo

A prematuridade é caracterizada pelo nascimento entre 22 e 37 semanas de gestação, podendo implicar em disfunções de diversos sistemas do organismo, dentre eles, o sistema neurológico, devido à imaturidade dos órgãos. Alterações no sistema neurológico comumente afetam o desenvolvimento motor da criança, que é determinado pela habilidade motora grossa. O objetivo deste estudo é avaliar a habilidade motora grossa em lactentes prematuros, segundo a Alberta Infant Motor Scale (AIMS). Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, de abordagem quantitativa, associado a um delineamento transversal, no qual aplicou-se dois instrumentos para coleta de dados de 122 lactentes que nasceram com idade gestacional entre 28 e 36 semanas, que são atendidos pelo Projeto de Extensão “Acompanhamento do desenvolvimento motor de recém-nascidos de alto risco (Follow-up)”, realizado no Núcleo de Estudos de Fisioterapia de uma faculdade privada. Um instrumento estruturado com perguntas sobre características sociodemográficas da mãe, história obstétrica desta e perfil do recém-nascido, e outro, a escala validada AIMS, aplicada mensalmente, por quatro meses, para avaliar o desenvolvimento motor do lactente. Os resultados mostraram aumento gradual da presença de alterações do desenvolvimento motor dos lactentes com o passar dos meses.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil; Fisioterapia; prematuridade.

 

Abstract

Prematurity is characterized by birth between 22 and 37 weeks of gestation, which may imply dysfunctions in several systems of the organism, among them, the neurological system, due to the immaturity of the organs. Changes in the neurological system commonly affect the child's motor development, which is determined by gross motor skills. The purpose of this study is to assess gross motor skills in premature infants, according to the Alberta Infant Motor Scale (AIMS). This is a descriptive-exploratory study, with a quantitative approach, associated with a cross-sectional design, in which two instruments were applied for data collection of 122 infants born with gestational age between 28 and 36 weeks, assisted by the Project entitled “Monitoring the motor development of high-risk newborns (Follow-up)”, carried out at the Physiotherapy Studies Center of a private college. A structured instrument with questions about the mother's sociodemographic characteristics, obstetric history and profile of the newborn, and another, the validated AIMS scale, applied monthly, for four months, to assess the infant's motor development. The results showed a gradual increase in the presence of changes in the motor development of infants over the months.

Keywords: child development; Physical Therapy; prematurity.

 

Introdução

 

A prematuridade é um dos principais problemas decorrentes de uma gestação de alto risco em que pode implicar numa evolução inadequada da gravidez devido as condições de saúde da mãe ou do feto, sendo caracterizada pelo nascimento deste, entre 22 e 37 semanas incompletas de gestação, o que configura no parto pré-termo [1]. Tabagismo, condições socioeconômicas, ruptura prévia da bolsa, gestações múltiplas e má formação intrauterina são fatores podem levar ao parto prematuro e este, por sua vez, prejudica diversos aspectos funcionais e físicos do bebê em relação à sua idade [2].

De acordo com a Organização Mundial de Saúde [3], os bebês prematuros são mais frágeis biologicamente e isso acontece devido à saída precoce do útero materno, acarretando ao sistema fisiológico imaturo a responsabilidade que, outrora, era em sua maior parte realizada pela placenta, de manter as funções do subsistema autônomo [4]. Dessa forma, é comum que os bebês prematuros apresentem alterações tanto físicas, como funcionais, dentre as quais está a imaturidade de órgãos e sistemas, incluindo o sistema nervoso, podendo implicar em disfunções de origem neurológica, tais como a hipotonia e déficit na habilidade motora em geral [2].

A habilidade motora é a responsável por determinar a evolução do desenvolvimento motor, por meio de suas mudanças com o passar do tempo e crescimento do bebê; ela é subdividida em habilidade motora grossa e habilidade motora fina, sendo esta composta por atividades que requerem mais destreza, como manipulação de algum objeto e, aquela, composta por atividades motoras amplas como sentar, engatinhar e levantar. Essas habilidades vão se modificando gradativamente de acordo com o meio e as experiências vividas que promovem um processo de aprendizagem contínua do sistema nervoso central, a fim de melhor adaptar a criança ao meio em que vive de acordo com suas necessidades. O primeiro ano de vida é marcado pela percepção do mundo por meio dos sentidos e, a partir desta percepção, ocorre interação e modificação das habilidades que vão tornando o bebê cada vez mais independente fisicamente [5].

Como há uma tendência de bebês prematuros terem algum déficit no desenvolvimento motor devido à imaturidade do sistema nervoso central (SNC), faz-se necessário avaliar a qualidade das habilidades motoras a fim de conhecer e identificar as principais alterações destas, relacionadas à prematuridade. Para tanto, utiliza-se instrumentos especializados e confiáveis dentre os quais, destaca-se a Alberta Infant Motor Scale (AIMS) que é capaz de qualificar os movimentos do bebê e evidenciar sua capacidade funcional de acordo com a idade, apresentando elevada precisão no que diz respeito à percepção de déficit motor e é recomendada para observação da habilidade motora de bebês prematuros nos primeiros 18 meses de vida [6].

Os estudos realizados utilizando outras escalas revelam que os bebês pré-termo apresentam pior evolução motora quando em comparação com bebês nascidos a termo devido a maior vulnerabilidade biológica [7]. Em vista disso, é imprescindível entender melhor suas características no que concerne ao desenvolvimento motor, utilizando um instrumento moderno, a AIMS, que apesar de ter sido criada em 1991, foi validada recentemente para o Brasil, quando ratificou-se sua potencialidade científica e clínica. Tal avaliação pode preparar melhor os profissionais que trabalham a funcionalidade dessas crianças, tornando possível conhecer as principais características encontradas e assim, favorecer um plano de tratamento mais acurado, visando resultado mais efetivo.

Para tanto, o objetivo deste estudo é caracterizar a habilidade motora grossa em lactentes prematuros segundo a Alberta Infant Motor Scale com a pretensão de obter o embasamento científico necessário capaz de esclarecer o assunto e favorecer intervenções precoces.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, com delineamento transversal e abordagem quantitativa. A pesquisa foi realizada no Núcleo de Estudos de Fisioterapia pertencente a uma faculdade privada, a população estudada foi constituída por 122 crianças regularmente atendidas e cadastradas no Projeto de Extensão “Acompanhamento do desenvolvimento motor de recém-nascidos de alto risco (Follow-up)”.

Foram avaliados todos os lactentes para seleção do estudo e escolhidos com base nos critérios de inclusão que abrangeram os seguintes itens: IG menor que 37 semanas, residentes na cidade de Vitória da Conquista/BA, regularmente atendidos no projeto de Extensão “Acompanhamento do desenvolvimento motor de recém-nascidos de alto risco (Follow-up)”, ausência de histórico de complicações neurológicas durante o período pré, peri e pós-natal, cuidados intensivos ou semi-intensivos pós-natal com relatório fisioterapêutico na alta da unidade. Foram excluídos do estudo, lactentes que apresentaram durante o período pré, peri e pós-natal complicações como: parada cardiorrespiratória (PCR), convulsões, insuficiências respiratórias graves (Displasia Broncopulmonar – DBP) e diagnósticos por imagem com história neurológica (anoxias, hemorragias peri-intraventricular, microcefalia, dentre outras).

Para traçar o perfil sociodemográfico, foi aplicado um formulário construído pelas pesquisadoras, contendo também informações da gestação e do recém-nascido (período pré, peri e pós-natal), constituído de três blocos: bloco A, contendo informações sociodemográficas da mãe do lactente (nome, endereço, RG/CPF, contato, e-mail, data de nascimento, naturalidade, escolaridade, renda familiar mensal, estado civil, local de residência, cor/etnia, tabagismo, etilismo e drogas); bloco B, com informações acerca da história obstétrica (número de gestações, antecedente de natimorto, duração da gestação em semanas, tipo de gravidez, tipo de parto, número de consultas pré-natal e patologias durante a gravidez); e bloco C, para caracterização do recém-nascido (nome, sexo, índice de APGAR no primeiro e quinto minuto de vida, data de nascimento, idade cronológica, idade corrigida, tempo de internamento, classificação da prematuridade e reflexos).

Para avaliar o desenvolvimento motor, foi aplicado o instrumento validado Alberta Infant Motor Scale (AIMS) que é uma escala observacional e de fácil aplicação que avalia o desenvolvimento motor de crianças desde o período neonatal até 18 meses de idade. Possui 58 itens subdivididos em quatro posturas diferentes, sendo elas: supino, prono, sentado e em pé. Baseia-se na análise de três critérios: alinhamento postural, movimentos antigravitacionais e a superfície de contato. No decorrer da avaliação, foram pontuadas as posturas observadas dentro das habilidades motoras da criança, sendo os itens identificados classificados pela escala como “janela motora”. Todas as posturas pontuadas dentro da “janela motora” foram contabilizadas e somadas com as posturas menos maduras que antecedem as habilidades identificadas, gerando quatro resultados parciais (prono, supino, sentado e em pé), que foram registrados em uma ficha e no fim somados constituindo o score final [8].

O score final da avaliação identifica, através de um gráfico padronizado, o percentil motor de desenvolvimento da criança, que pode variar em: 5%, 10%, 25%, 50%, 75% e 90%. Segundo a classificação, a criança pode ser categorizada em três parâmetros: desenvolvimento normal/típico (percentil > 25%), desenvolvimento suspeito com necessidade de acompanhamento (percentil entre 25% e 5%) e desenvolvimento anormal/atípico com necessidade de intervenção fisioterapêutica (percentil < 5%) [9].

A análise dos dados coletados ocorreu de forma descritiva, com verificação da média, desvio-padrão, porcentagem e frequência absoluta e relativa por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 20.0.

O presente estudo faz parte de uma ampla pesquisa intitulada “Avaliação Motora de Lactentes Pré-termos Segundo a Escala Albert Infant Motor Scale (AIMS)” e obedece à resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que rege os aspectos éticos inerentes ao desenvolvimento de pesquisas científicas envolvendo seres humanos. Seu projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Independente do Nordeste, sob parecer de nº: 1.825.545.

 

Resultados

 

Buscando responder aos objetivos do estudo, os resultados apresentados com relação aos dados sociodemográficos das mães mostraram que 49,2% possuem ensino médio completo, 17,2% possui ensino superior completo e apenas 1,6% não apresenta nenhum tipo de escolaridade. Destacou-se ainda no estudo que a maioria das mães dos prematuros (64,8%) são casadas, 79,5% moram em zona urbana e 68,2% se declaram pardas.

 

Tabela I - Caracterização do perfil sociodemográfico das mães de prematuros. Vitória da Conquista, 2020

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

No que tange ao perfil obstétrico dos lactentes prematuros, os resultados apontaram 75,4% de gravidez do tipo única, 63,1% dos partos ocorreram por meio da cirurgia cesariana, 3,27% (4) das mães entrevistadas apresentaram histórico de aborto e a idade gestacional média encontrada apresentou-se em torno de 32,24 semanas, como apresentada na tabela II.

 

Tabela II - Caracterização do perfil obstétrico dos lactentes prematuros. Vitória da Conquista, 2020

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Concernente à classificação da prematuridade dos lactentes selecionados para o estudo, pode-se observar que houve predominância de bebês prematuros moderados (64,2%), sendo que os que nasceram em prematuridade extrema e prematuridade limítrofe apresentaram a mesma frequência (16,4%). Destes, 36,1 % estiveram internados em unidade de terapia intensiva ou semi-intensiva por até 30 dias, 32,8% de 31 a 60 dias e 5,7% necessitaram de suporte ventilatório por mais de 60 dias. Com relação ao valor de Apgar no 1’, é possível perceber que 42,5% apresentaram-se com o valor menor que 7. Já no 5’, observa-se que os resultados maiores que 7 foram mais frequentes, somando 70,4% dos nascidos.

 

Tabela III - Caracterização das condições de saúde dos lactentes ao nascer. Vitória da Conquista, 2020

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Com relação à avaliação do desenvolvimento motor dos lactentes, segundo a AIMS, no primeiro mês 71,3% dos avaliados foram classificados como apresentando desenvolvimento motor normal. Já no segundo mês de avaliação, este percentual decresceu para 47,5% e o percentual de bebês com desenvolvimento atípico aumentou de 2,5% para 4,1%, seguindo-se aumentando no terceiro (5,7%) e quarto (10,7%) meses em contrapartida com o desenvolvimento normal que caiu de 35,2% no 3º mês para 23% no 4º mês de avaliação.

 

Tabela IV - Caracterização do desenvolvimento motor geral, segundo a AIMS por 4 meses. Vitória da Conquista, 2020

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Foi possível observar nos resultados do estudo que no primeiro mês de avaliação, apenas 3 bebês do sexo feminino apresentaram desenvolvimento motor atípico e nenhum do sexo masculino fez parte desta categoria, porém nos meses seguintes, os scores ficaram relativamente equilibrados no que diz respeito ao desenvolvimento atípico, comparando ambos os sexos. Já o desenvolvimento motor normal foi mais frequente em bebês do sexo masculino, visto que apenas no segundo mês de avaliação, a quantidade de meninas foi superior à dos meninos nesta classificação, como apresentados na tabela V.

 

Tabela V - Desenvolvimento motor dos lactentes com relação ao sexo. Vitória da Conquista, 2020

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Discussão

 

O avanço na assistência prestada ao recém-nascido pré-termo nos últimos anos tem elevado consideravelmente a taxa de sobrevida dessa população, resultando na apreensão dos pais e profissionais de saúde com relação ao futuro desenvolvimento dos bebês e consequentemente sua qualidade de vida, justificada pela imaturidade dos seus sistemas como um todo [10].

De acordo com os resultados apresentados, pode-se observar, acerca do local de moradia das mães, que 79,5% relataram ser residentes de zona urbana, enquanto apenas 18,9% declararam morar em zona rural. O estudo de Pereira et al. [11] diferiu deste resultado, bem como o de Ramos e Cuman [12] que concluíram haver maior possibilidade de relação entre local de residência e prematuridade, devido à restrição no acesso aos serviços de saúde seja pela estrutura do atendimento à gestante, pela distância da unidade de saúde mais próxima, ou mesmo da qualidade dos serviços.

Concernente à caracterização obstétrica, o tipo de parto mais comum encontrado no estudo foi a cesariana. Na pesquisa desenvolvida por Menetrier e Almeida [13], realizada em 2016 com 156 prontuários de mães que tiveram parto prematuro em um hospital de referência do sudoeste do Paraná, constatou-se que a maioria dos partos foi realizada por meio da cirurgia cesariana, confirmando os resultados encontrados no presente estudo. Este resultado é similar aos dados do Ministério de Saúde que comprovam que o Brasil é colocado como segundo país com o maior número de realização de partos cesáreos em todo o mundo [14].

Sabe-se que existem condições específicas que requerem a prática da cesariana, principalmente em caso de prematuridade extrema, já que as contrações do parto vaginal podem causar sofrimento fetal ao bebê com muito baixo peso. Porém, conforme o Manual Técnico de Gestação de Alto Risco, não necessariamente precisa ocorrer a cirurgia cesariana em toda gravidez de risco, sendo possível em vários casos, o parto vaginal induzido ou mesmo o espontâneo [15]. Entretanto, é notório que no Brasil não é isso que tem acontecido, pelo contrário, apenas por comodismo por parte da equipe médica, as cesáreas eletivas são programadas aumentando o risco de infecção e hemorragias maternas e de síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido [13].

A respeito das condições de saúde ao nascer, os resultados da pesquisa mostraram que o tipo de prematuros mais prevalente foi o moderado, ou seja, aqueles que nasceram entre a 31ª e 36ª semana de idade gestacional, corroborando o estudo de Rebouças et al. [16], que observaram dentre outras características, a classificação da prematuridade de 47 bebês e identificaram que 73,8% eram prematuros moderados. A idade gestacional do prematuro interfere diretamente na sua sobrevivência e qualidade de vida no ambiente extrauterino, pois é diretamente proporcional à maturidade do seu organismo e sua capacidade funcional.

Quanto ao índice de Apgar, 35,3% dos bebês obtiveram o valor, no primeiro minuto de vida, menor que 7; no quinto minuto, todavia, a porcentagem de bebês com o valor menor que 7 decaiu para 5,7% indicando rápida recuperação de grande parte destes comparando a avaliação do primeiro com o quinto minuto de vida, o que corrobora o estudo de Lima et al. [17], que analisou características de 222 prematuros de uma maternidade de alto risco de Maceió e também perceberam queda significativa da frequência de lactentes com o valor de Apgar abaixo de 7, comparando a avaliação do primeiro em relação ao quinto minuto de vida.

Com relação à avaliação motora dos lactentes durante o período de quatro meses utilizando a AIMS, o resultado predominante, em todas as avaliações, foi compatível com desenvolvimento motor adequado, assim como confirmou o estudo de Venturella et al. [18] e outros estudos brasileiros que aplicaram a AIMS para avaliar a motricidade de prematuros [19,20]; ainda assim, houve um número crescente de avaliações que por algum motivo não foram feitas ou registradas.

Por outro lado, é importante observar que houve aumento progressivo da frequência do desenvolvimento caracterizado como suspeito, bem como de desenvolvimento atípico. Esse crescimento gradual da frequência de desenvolvimento motor alterado no decorrer das avaliações é reafirmado pelo estudo de Rebouças et al. [16] e pode ser explicado partindo do pressuposto que à medida em que a criança cresce, espera-se aquisição de habilidades motoras mais complexas por parte desta, o que dificulta seu processo de desenvolvimento, uma vez que seu organismo não possuiu maturidade suficiente para executar suas funções motoras compatível com sua idade corrigida.

O bebê prematuro apresenta maior predisposição a hipotonia muscular e sua estrutura musculoesquelética tem redução ou ausência de força para contração voluntária, o que dificulta a aquisição de novas posturas que exigem, gradativamente, superação da gravidade e são indispensáveis no processo de desenvolvimento motor no decorrer dos meses. Ademais, a especificidade e complexidade das habilidades motoras aumentam com o passar do tempo e requerem mais coordenação e força para serem realizadas, o que também é dificultado devido a redução da destreza, fator comum em prematuros [2].

O afastamento do padrão de desenvolvimento motor conveniente pode indicar alteração do funcionamento do sistema neuropsicomotor em bebês pré-termo. Por isso, a qualidade das habilidades motoras que eles possuem são capazes de oferecer noções acerca da integridade destes sistemas, sendo assim, importantes informativos para acompanhar sua saúde física e mental. Tal acompanhamento nos primeiros anos de vida é de grande importância, uma vez que é neste intervalo de tempo que são apresentadas deficiências graves e frequentes alterações transitórias que são detectadas em 40 a 80% dos casos e podem ou não, desaparecer até o segundo ano de vida [21].

Por isso, detectar o mais antecipadamente possível qualquer alteração no desenvolvimento motor dos prematuros tem se mostrado fundamental pois permite a elaboração de um prognóstico preciso que direciona com relação aos futuros problemas a médio e longo prazo e proporciona a construção e condução de um plano de tratamento com estímulos precoces eficazes no desenvolvimento das habilidades motoras normais ou o mais próximo do normal realizável.

No que se refere ao desenvolvimento motor em relação ao sexo, não houve diferença significativa entre crianças do sexo masculino e feminino, corroborando o estudo de Venturella et al. [18] que fizeram a análise comparativa do desenvolvimento motor de crianças nascidas a termo que tinham entre 0 e 18 meses com relação ao sexo. Outros estudos utilizando diferentes instrumentos de avaliação detectaram também semelhança no desempenho motor de meninas e meninos, como, por exemplo, o de Bandeira et al. [22] em que a escala utilizada foi o Teste de Desenvolvimento Motor Grosso (TGMD-2).

Conquanto as pesquisas citadas mostrem não haver diferenças de desenvolvimento motor entre sexos na primeira infância, há um estudo ainda do ano 2000, que indica haver pequena vantagem a favor das crianças do sexo masculino [23]. Porém, este não foi realizado com crianças prematuras. Na literatura há poucos estudos que comparam o desenvolvimento motor de prematuros com relação ao sexo e nenhum deles utiliza a AIMS como instrumento de avaliação motora.

Embora tenha cumprido o objetivo proposto, o estudo apresentou algumas limitações tais como a quantidade de avaliações motoras mensais registradas, que apresentou número significativo apenas durante os quatro primeiros meses e a escassez de artigos científicos que verifiquem o desenvolvimento motor de prematuros com relação ao sexo, utilizando a Alberta Infant Motor Scale para comparações de resultados dos estudos e possíveis discussões mais aprofundadas.

 

Conclusão

 

A partir da análise dos resultados do estudo é possível observar que o desenvolvimento motor dos bebês prematuros, segundo a Alberta Infant Motor Scale, indica aumento gradual da presença de alterações com o passar dos meses, visto que há maior exigência dos sistemas neurológico e muscular para a aquisição de posturas e movimentos que demandam mais força em postura antigravitacional, habilidade e coordenação. É, porém, relevante considerar a importância da realização de mais estudos que obtenham maior frequência de avaliações mensais utilizando a AIMS, a fim de obter resultados mais amplos, capazes de identificar possível evolução ou decrescimento no desenvolvimento dos prematuros para além do 4º mês de vida.

 

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