ARTIGO ORIGINAL

Perfil eletromiográfico do assoalho pélvico de bailarinas de dança do ventre

Electromiographic profile of the pelvic floor of belly dancers

 

Patrícia Brito Veiga*, Magda Patrícia Furlanetto**

 

*Aluna Pós-graduanda em Fisioterapia Pélvica pelo Centro Universitário Redentor/FisioWork, **Orientadora, Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter

 

Recebido em 16 de junho de 2020; aceito em 27 de novembro de 2020.

Correspondência: Patrícia Veiga, Rua Moyses Antunes da Cunha, 55/417 Santo Antônio 90640-190 Porto Alegre RS

 

Patrícia Veiga: pativeiga@gmail.com

Magda Patrícia Furlanetto: magdafurlanetto@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: Sabe-se a importância da fisioterapia na recuperação e prevenção das disfunções do assoalho pélvico, e a dança do ventre é reconhecida por atuar nesta musculatura. Objetivo: Investigar a funcionalidade dos músculos do assoalho pélvico a partir de eletromiografia em bailarinas de dança do ventre. Métodos: Foram avaliadas mulheres de 18 a 35 anos de idade, praticantes de dança do ventre há pelo menos dois anos, comparadas a mulheres não praticantes. Foram analisados parâmetros eletromiográficos para as fibras tônicas e fásicas durante a contração e o repouso. Os valores percentuais foram obtidos a partir do pico de contração voluntária máxima. Resultados: Verificou-se significância estatística na ativação muscular das fibras fásicas durante a contração e em repouso das mulheres que praticam dança do ventre mais de duas vezes na semana. Conclusão: Os achados sugerem que a prática regular da dança do ventre apresenta menor ativação de fibras fásicas tanto durante a contração quanto no repouso comparado ao grupo de mulheres não praticantes. Torna-se necessária a associação de programas de treinamento de fibras fásicas a fim de evitar, em longo prazo, prejuízos em relação à força muscular, à agilidade e às funções geniturinárias.

Palavras-chave: dança, diafragma pélvico, eletromiografia.

 

Abstract

Introduction: It is known the importance of physical therapy in the recovery and prevention of pelvic floor dysfunctions, and belly dancing is recognized for acting on this musculature. Objective: To investigate the functionality of the pelvic floor muscles using electromyography in belly dancers. Methods: Women aged 18 to 35 years, practicing belly dancing for at least two years, were evaluated, compared to non-practicing women. Electromyographic parameters were analyzed for tonic and phasic fibers during contraction and rest. The percentage values were obtained from the peak of maximum voluntary contraction. Results: There was statistical significance in the muscle activation of the phasic fibers during contraction and at rest for women who practice belly dancing more than twice a week. Conclusion: The findings suggest that the regular practice of belly dancing presents less activation of phasic fibers both during contraction and at rest compared to the group of non-practicing women. The association of phasic fiber training programs is necessary in order to avoid, in the long term, losses in relation to muscle strength, agility and genitourinary functions.

Keywords: dance, pelvic floor, electromyography.

 

Introdução

 

A dança existe desde os tempos mais remotos e sua história se confunde com a da humanidade. Seu surgimento é descrito como a necessidade de reverenciar o divino, uma vez que quase todas as danças tiveram origem nos rituais de adoração aos deuses da natureza [1]. Acredita-se que a dança oriental, conhecida no Brasil como “dança do ventre” (DV), seja de origem egípcia, surgindo há 7.000 anos a.C. com uma conotação sagrada, pois era realizada em templos, rituais secretos, festas religiosas e apenas com e para mulheres. Os objetivos eram diversos, desde reverenciar as deusas Ísis (Egito), Isthar e Inana (Mesopotâmia), bem como na iniciação sexual de jovens, além da preparação do parto [2].

Esta modalidade é considerada recente no Brasil. A primeira apresentação foi realizada em 1951 e tornou-se mais sólida no início dos anos 70 com apresentações em restaurantes árabes, para um público, em sua maioria, pertencente à colônia árabe [3]. Em 1999, a DV estabeleceu-se de forma definitiva em Porto Alegre. Época em que se constatou um número substancial de praticantes na cidade. Em 2012, a capital gaúcha tinha 14 escolas especializadas e 3 espaços alternativos com cerca de 750 praticantes [4]. Os benefícios da dança são inegáveis e, especificamente, em relação à DV é possível referir melhora da postura, motricidade, coordenação, criatividade e raciocínio, bem como outros decorrentes da constante movimentação pélvica e percepção da musculatura do assoalho pélvico. Além disso, podem ser usufruídos por mulheres de todos os tipos físicos e idades [5].

Neste contexto, o estudo de Cardoso e Leme correlaciona os movimentos de cinesioterapia utilizados na fisioterapia pélvica com movimentos da DV. Dentre estes, foram citados os movimentos de nutação e contranutação sacral, movimentos pélvicos laterais, rotacionais, circulares e ondulatórios, bem como a utilização de alongamentos e atividades respiratórias. Todos os exercícios descritos correspondem a práticas nitidamente observadas na DV [6].

O assoalho pélvico (AP) é definido como o conjunto de partes moles que fecham a abertura inferior da pelve, sendo formado por músculos, ligamentos e fáscias. Suas funções são de sustentar e suspender os órgãos pélvicos e abdominais, mantendo as continências urinária e fecal e participando da função sexual [7]. Os músculos do AP são constituídos de 70% de fibras tônicas (fibras de contração lenta, tipo I) e 30% de fibras fásicas (fibras de ativação rápida, tipo II). As fibras tônicas são responsáveis pela ação antigravitacional dos músculos do AP, mantendo o tônus constante e pela manutenção da continência no repouso. As fibras fásicas, por sua vez, são recrutadas durante aumentos súbitos de pressão abdominal contribuindo assim para o aumento da pressão de fechamento uretral [7-9].

Existem diferentes instrumentos para a avaliação da musculatura do assoalho pélvico (MAP). Dentre estes, a eletromiografia (EMG) pode demonstrar de forma fidedigna várias alterações clínicas [10], sendo considerado o método mais preciso para mensurar a integridade neuromuscular, visto que através da captação do sinal elétrico muscular, é capaz de analisar a atividade espontânea e/ou voluntária das unidades motoras [11].

Eletromiografia de superfície (EMGs) é um método não invasivo capaz de captar a atividade bioelétrica gerada pelas fibras musculares. É realizada por meio da aplicação de eletrodos de superfície capaz de mensurar a atividade elétrica de várias unidades motoras ao mesmo tempo [12]. Apesar de não captar a força muscular, apenas a atividade elétrica promovida pelo recrutamento das unidades motoras, autores afirmam que há boa correlação entre o número de unidades motoras ativadas e a força muscular [13].

Esta avaliação tem sido bastante utilizada por fisioterapeutas no meio clínico e científico. No entanto, há ainda uma carência de consenso sobre vários fatores do método, como o posicionamento dos sensores e do paciente, necessidade de avaliação simultânea de músculos sinérgicos, tempo de contração de fibras tônicas, dentre outros aspectos que devem ser uniformizados [12]. Em alguns estudos, foi empregada com a finalidade de verificar a atividade elétrica da MAP em diversas posturas corporais e no decorrer de contrações musculares de grupos específicos [14-16]. Constatou-se que a atividade biomecânica dos músculos do AP é altamente complexa, uma vez que age sinergicamente em muitos movimentos devido às suas comunicações por meio das fáscias musculares. Este é o caso do músculo transverso abdominal que se comunica com o AP e promove estabilização de tronco em diversas posições, recrutando a MAP para contribuir na manutenção dessa postura [15,17].

A ausência de dados sobre as condições funcionais do AP em praticantes da DV motivou a realização deste estudo. Baseado neste contexto, esta pesquisa propõe a investigação da atividade eletromiográfica dos músculos do AP em mulheres praticantes desta modalidade quando comparadas a mulheres não praticantes.

 

Material e métodos

 

Descrição da amostra

 

Trata-se de um estudo observacional, do tipo caso-controle. Foram estudadas mulheres de 18 a 35 anos de idade, selecionadas por conveniência e distribuídas em grupo estudo e grupo controle. Foram incluídas mulheres nulíparas continentes que tiveram interesse em participar do estudo e realizar as avaliações uroginecológicas, com IMC menor que 25, sem dificuldades cognitivas, na ausência de diagnósticos de doença oncológica e/ou neurológica e não fumantes. O grupo controle foi composto por mulheres sedentárias não praticantes de DV entre 18 e 35 anos de idade, selecionadas por conveniência. No grupo estudo, foram incluídas as mulheres bailarinas de DV há, pelo menos, dois anos, com prática de duas a cinco vezes na semana que tinham interesse em participar do estudo; e disponibilidade de realizar avaliação uroginecológica. Foram excluídas do estudo, mulheres que passaram previamente por cirurgias uroginecológicas, de quadril ou coluna e que apresentassem diagnóstico de doenças oncológica e/ou neurológica, bem como distúrbios cognitivos e fumantes.

 

Desenho experimental

 

A avaliação foi realizada um dia após o treino, foram coletados dados sociodemográficos e clínicos através de um formulário elaborado pelas autoras, contendo dados pessoais, frequência de atividade física, presença de comorbidades associadas e histórico de saúde física e ginecológica. Em seguida foram instruídas a se posicionar em decúbito dorsal, em posição de litotomia quando então foram colocados os eletrodos de superfície para a avaliação da musculatura perineal. As participantes, em posição ginecológica (litotomia), com as pernas apoiadas foram solicitadas a contrair a MAP como se estivessem interrompendo o jato urinário. A cada comando foi observada a presença de ativação simultânea dos músculos adutores do quadril e glúteos, bem como a ativação excessiva da musculatura abdominal, em comparação à ativação isolada dos músculos do AP.

Ainda na mesma posição, foram realizados os procedimentos para a realização da EMGs, ou seja, o posicionamento dos eletrodos de superfície ativos em torno do introito vaginal e o do eletrodo referência posicionado na proeminência óssea patelar com o objetivo de neutralizar interferências. Em seguida, foi realizada a captação do sinal eletromiográfico. O software do equipamento registra as amplitudes destas contrações em microvolts (µV), obtidas pela diferença entre a amplitude final da ativação e a amplitude de repouso. Para o registro eletromiográfico foi utilizado o aparelho NeuroTrac MyoPlus™ que apresenta um canal de registro de recrutamento muscular para Eletromiografia, Biofeedback e eletroestimulação neuromuscular. Foi utilizada uma ficha de avaliação, na qual constam os dados de identificação das participantes, resultados eletromiográficos de mulheres praticantes e não praticantes de DV.

Na avaliação da funcionalidade dos músculos do AP, foram analisados comparativamente os seguintes parâmetros eletromiográficos para as fibras tônicas e fásicas: recrutamento muscular durante a contração – Trabalho durante a contração (Trab); recrutamento muscular durante o repouso - (Rep); desvio padrão durante a contração (DP Trab); desvio padrão durante o repouso (DP Rep). Todos os valores percentuais de recrutamento foram obtidos a partir do pico de contração voluntária máxima obtida durante o teste.

 

Considerações éticas

 

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre/RS, sendo vinculado à Plataforma Brasil com CAAE n°: 95594418.9.0000.5309. Os pesquisadores envolvidos tiveram o compromisso em manter em segredo todos e quaisquer dados relatados, preservando integralmente a privacidade e anonimato das pacientes. Todas as participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordando em participar deste estudo e autorizando assim o uso das informações colhidas.

 

Análise estatística

 

Para realização da análise, foram testadas as pressuposições necessárias para testes estatísticos. Para isso, foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar se os resíduos do modelo seguiam uma distribuição normal e o teste de Bartlett para verificar a homogeneidade das variâncias entre os grupos. A técnica estatística de Regressão Linear (RL) foi utilizada a fim de avaliar se há uma relação linear de influência de uma informação específica em uma resposta de interesse. Para comparar a contração muscular das mulheres dos dois grupos foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA) na qual as variáveis Trab, Rep, DP Trab, DP Rep foram analisadas e essa técnica foi utilizada para verificar uma possível influência da idade, do IMC e do tempo de prática da dança nas seguintes medidas de ativação muscular. Nos casos em que os pressupostos da ANOVA não foram atendidos, foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis. Os valores mínimos para significância estatística foram de um p < 0,05.

 

Resultados

 

Foram analisadas 27 mulheres no total, com distribuição normal em relação ao IMC e idade dos participantes. Como grupo controle, participaram deste estudo 15 mulheres com idade média de 26,8 ± 3,2 anos, e IMC de 22,71 ± 4,7. O grupo estudo foi composto por 12 mulheres, com idade média de 28,08 ± 6,9 anos, tempo médio na prática de DV foi de 7,67 anos, o IMC médio do grupo estudo foi 23,16 ± 3,9. Os dados obtidos na comparação entre as medidas de contração muscular das participantes do estudo com o grupo controle de mulheres que não praticam esta modalidade encontram-se na Tabela I.

 

Tabela I - Recrutamento muscular em µV obtidos no teste eletromiográfico.

 

*Valores percentuais de recrutamento obtidos a partir do pico de contração voluntária máxima obtida durante o teste.

 

Foi realizada a comparação entre as medições de recrutamento muscular das participantes do estudo (praticantes) com um grupo controle (não praticantes). Para comparar a ativação muscular das mulheres dos dois grupos foi utilizada a ANOVA, cujos resultados estão apresentados na Tabela II abaixo.

 

Tabela II - Comparação de recrutamento entre grupo controle e praticantes.

 

NS = não significativo; S = significância estatística para um p< 0,05.

 

Verifica-se que o p-valor do teste foi inferior a 0,05 (p-valor = 0,0192), então se pode concluir com 95% de confiança de que mulheres que praticam a DV apresentam desvios das fibras fásicas em repouso.

 

 

Gráfico 1 - À esquerda, médias de recrutamento de fibras tônicas e fásicas durante a contração e o repouso; à direita compara-se o desvio encontrado no recrutamento de fibras tônicas e fásicas durante a contração e o repouso.

 

A partir dos resultados eletromiográficos e utilizando a técnica de RL, a influência da idade das participantes praticantes de DV na ativação muscular foi testada e não houve evidências estatísticas de que a idade apresente influência nas medidas de ativação muscular (p-valor > 0,05).

Para uma análise mais completa foram realizadas duas categorizações de variáveis coletadas no estudo, tempo de prática e frequência semanal da prática de DV. A variável tempo de prática foi dividida em dois grupos: até cinco anos de prática e acima de cinco anos. A variável frequência semanal de prática da DV também foi dividida em dois grupos: mulheres que praticam a dança com frequência de até duas vezes por semana, e mulheres que praticam com frequência acima de duas vezes por semana.

Através dos resultados obtidos, verificou-se que não há evidências estatísticas de que o tempo de prática de DV apresente influência nas medidas de ativação muscular mensuradas pelo estudo (p-valor > 0,05). Nos resultados obtidos na comparação dos grupos de frequência semanal de prática da dança, verifica-se que não há evidências que apresente influência na ativação muscular nas fibras tônicas (p-valor > 0,05). Para as fibras fásicas, porém, houve diferença entre as médias dos grupos no trabalho e repouso (p-valor < 0,05) conforme demonstrado na tabela III.

 

Tabela III - Relação da frequência semanal de prática de DV e medidas de recrutamento muscular.

 

NS = não significativo; S = significância estatística para um p< 0,05.

 

Com isso, verifica-se que há evidências estatísticas (p-valor = 0,002) na ativação muscular das fibras fásicas em repouso das mulheres que praticam DV em até duas vezes por semana em comparação com as que praticam mais vezes por semana. Igualmente verifica-se que há evidências estatísticas (p-valor = 0,004) na ativação muscular das fibras fásicas durante o trabalho. Segue abaixo os valores das médias dos grupos conforme Gráfico 2.

 

 

Gráfico 2 - Fibras fásicas durante o trabalho e o repouso na comparação entre frequência de prática das participantes.

 

Em ambos os grupos, há evidências estatísticas de que o aumento proporcional do IMC promove uma redução dos valores de contração das fibras fásicas no trabalho, conforme resultados demonstrados na Tabela IV.

 

Tabela IV - Relação do IMC com o perfil eletromiográfico das participantes.

 

NS = não significativo; S = significância estatística para um p< 0,05.

 

Discussão

 

A partir das análises realizadas foi possível verificar que não há evidências estatísticas de que o grupo de bailarinas de DV apresentem níveis de ativação muscular diferente das mulheres do grupo controle. No entanto, é importante salientar que o recrutamento muscular se mostra sempre com médias superiores aos do grupo controle para as fibras lentas e inferiores para as fibras rápidas no que diz respeito ao grupo de estudo (bailarinas).

Para uma análise mais detalhada, o tempo e a frequência semanal de DV foram divididos em dois grupos: até cinco anos e acima de cinco anos de prática. A variável mais ou menos tempo de dança não foi determinante para que houvesse uma diferença estatística, no entanto, mulheres que praticam com frequência acima de duas vezes por semana demonstraram que existe diferença estatisticamente significativa na contração muscular das fibras fásicas durante a contração e o repouso em comparação às que praticam em até duas vezes por semana. Na comparação entre os grupos controle e estudo, verificou-se significância estatística quanto ao desvio das fibras fásicas em repouso.

Verificou-se que não há evidências estatísticas de que a idade das participantes deste estudo apresente influência nas medidas de ativação muscular (p-valor >0,05), visto que são mulheres jovens e em idade fértil. O presente estudo encontrou evidências estatísticas de que o aumento do IMC promove uma redução dos valores de ativação das fibras fásicas no trabalho. O estudo de Silva et al. [18] demonstrou que tanto a obesidade quanto a sarcopenia se associam a limitações funcionais e afirma que à medida que a população envelhece, torna-se cada vez mais evidente a necessidade do estudo dos fatores associados à perda de massa muscular.

De forma geral, todos os resultados demonstraram que, apesar de não significativa, bailarinas de DV apresentam uma tendência de possuir maior recrutamento de fibras tônicas, e menor recrutamento de fibras fásicas, perfil oposto ao encontrado no grupo controle. Este perfil eletromiográfico sugere que praticantes desta modalidade possuem um treinamento capaz de privilegiar a resistência e endurance muscular, em detrimento da força e agilidade. Esta observação pode ser ratificada pelos resultados obtidos e demonstram que a prática regular e com maior frequência favorece este padrão de treinamento. Diversos estudos mostram que os músculos do AP, quando treinados, podem desenvolver hipertrofia e aumento da resistência muscular. Existem poucos estudos que relatam o funcionamento dos músculos do períneo durante os exercícios. Sendo assim, as mulheres que praticam exercícios físicos nem sempre realizam a contração perineal e, não apresentando a MAP forte, podem apresentar incontinência urinaria (IU) [19-22]. Pedroti, Freitas e Wuo [23], por sua vez, verificaram evolução da força muscular do AP após exercícios de DV e os resultados mostram que, em média, a força músculo perineal aumentou após a aplicação de um protocolo de 10 sessões/aulas.

Neste mesmo contexto, estudo realizado na Coréia do Sul [24] examinou o efeito de um programa de DV sobre os músculos do AP em relação à IU e à pressão vaginal em mulheres de meia-idade. O resultado indicou que 12 semanas de intervenção aumentou significativamente a pressão máxima da contração muscular do AP. Este efeito melhora a função e diminui os sintomas da IU. Esse treinamento é adquirido quando se realizam exercícios específicos para essa região, baseando-se no preceito de que os movimentos voluntários repetidos aumentam a força muscular. Seus benefícios incluem desenvolvimento, melhora e restauração e/ou manutenção não só da força, mas também da resistência, flexibilidade, relaxamento e coordenação, entre outros [19].

Acredita-se que uma das hipóteses de ocorrência da IU seja pela fadiga muscular, isto porque cerca de 70% das fibras musculares do AP são fibras tônicas, ou seja, fibras de contração lenta, ricas em mitocôndrias, e que se contraem por mecanismo oxidativo [25]. Machado [26] afirma que o volume de treinamento semanal também pode influenciar na prevalência de IU. Da Roza et al. [27], por sua vez, investigaram a ocorrência de sintomas de perda urinária em jovens sedentárias e ativas com diferentes níveis de atividade física, independentemente da modalidade esportiva. As praticantes de exercícios com fins competitivos, ou seja, com grande volume de treinamento semanal, demonstraram um risco 2,53 vezes maior de desenvolver incontinência em comparação com as sedentárias.

Portanto, devido a maior solicitação de contenção e suporte, os músculos do AP devem estar não somente mais fortalecidos, mas também mais resistentes em comparação com mulheres sedentárias, a fim de preservar sua função e prevenir disfunções perineais [25]. Apesar de não mostrar diferença estatística significativa na comparação entre os grupos controle e estudo, o grupo de bailarinas de DV apresentou aumento no recrutamento muscular de fibras tônicas quando comparados ao grupo de não praticantes. Já nas fibras fásicas mostram um declínio quanto à força muscular o que sugere que o treinamento com ênfase na contração muscular de endurance pode alterar o padrão de recrutamento das fibras fásicas [17].

 

Conclusão

 

Os achados deste estudo sugerem que a prática regular da dança do ventre preconiza um maior recrutamento de fibras tônicas em detrimento das fibras fásicas. Visto que as fibras tônicas são mais resistentes à sarcopenia gerada pelo envelhecimento, torna-se necessário a associação de programas de treinamento de fibras fásicas a fim de evitar, em longo prazo, prejuízos em relação à força e agilidade muscular e às funções geniturinárias. Neste cenário, a dança do ventre emerge como uma modalidade de atividade física que atende a todas as dimensões da saúde feminina, constituindo assim um campo rico para atuação dos profissionais de Fisioterapia seja na perspectiva de saúde ou de lazer. Existe a necessidade, portanto, de novos trabalhos com maior número amostral a fim de ratificar estes resultados aqui relatados.

 

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