Fisioter Bras 2021;22(5):733-57
REVISÃO
Estimulação
elétrica transcraniana nos transtornos depressivos:
determinação de parâmetros para a prática clínica
Effectiveness of transcranial
electric stimulation in depressive disorders: parameters determination for
clinical practice
Carlos
Batista Coêlho*, Danielle Piazzi
Rezende*, Dayanne Rodrigues dos Santos*, Isadora Laboriê
Ferreira Martins*, Vivian Natália Mariano Nunes de Miranda*, Angélica Rodrigues
de Araújo, D.Sc.**
*Fisioterapeuta
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), ICBS, Belo
Horizonte, MG, **Fisioterapeuta, Docente do curso de Fisioterapia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), ICBS, Belo Horizonte, MG
Recebido
em: 24 de junho de 2020; Aceito em: 20 de agosto de 2021.
Correspondência: Profa. Dra. Angélica Rodrigues Araújo,
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências
Biológicas e da Saúde, Departamento de Fisioterapia Av. 31 de Março, acesso 8,
campus Coração Eucarístico, Prédio 46, 30535-901 Belo Horizonte MG
Carlos Batista Coêlho:
carloscoelhob@gmail.com
Danielle Piazzi Rezende:
daniellepiazzi@gmail.com
Dayanne Rodrigues dos Santos: dayarodrigues_17@hotmail.com
Isadora Laboriê Ferreira Martins:
isadora.martinslf@gmail.com
Vivian Natália Mariano Nunes de Miranda:
viviannatalia86@gmail.com
Angélica Rodrigues de Araújo: angelica@bios.srv.br
Resumo
Introdução: A estimulação elétrica transcraniana (EET) é uma técnica de neuromodulação não
invasiva, que tem sido utilizada como coadjuvante no tratamento de transtornos
depressivos devido à sua capacidade de modificar a excitabilidade cortical. Objetivo:
Analisar os efeitos da EET nos transtornos depressivos e propor parâmetros para
a prática clínica. Métodos: Estudo de revisão sistemática no qual foram
incluídos ensaios clínicos randomizados que utilizaram a EET no tratamento dos
transtornos depressivos, publicados entre 2010 e junho de 2018, nas línguas
inglesa e portuguesa. Resultados: Foram encontrados 14.775 estudos,
sendo selecionados para a amostra apenas 15 trabalhos. Todos os estudos
selecionados utilizaram a EET por corrente contínua e apresentaram semelhanças
em relação aos demais parâmetros elétricos de tratamento e locais de aplicação
dos eletrodos. Em 12 dos 15 estudos avaliados foi observada melhora
significativa (p < 0,05) dos sintomas depressivos e, em relação aos efeitos
adversos, constatou-se que são inferiores aos tratamentos convencionais. Conclusão:
A EET apresenta eficácia no tratamento dos transtornos depressivos e que isto
está diretamente relacionado ao uso adequado dos parâmetros e técnicas de
aplicação da corrente elétrica.
Palavras-chave: terapia por estimulação elétrica;
estimulação elétrica nervosa transcutânea; estimulação transcraniana
por corrente contínua; transtorno depressivo; sintomas depressivos.
Abstract
Introduction: Transcranial
electrical stimulation (TSE) is a noninvasive neuromodulation technique that
has been used as an adjunct in the treatment of depressive disorders due to its
ability to modify cortical excitability. Objective: To analyze the
effects of TSE on depressive disorders and propose parameters for clinical
practice. Methods: This ystematic review
included randomized clinical trials using TSE in the treatment of depressive
disorders, published between 2010 and June 2018, in English and Portuguese. Results:
14,775 studies were found, with only 15 studies selected for the sample. All
selected studies used TSE by direct current and showed similarities in relation
to the other electrical parameters of treatment and locations of application of
the electrodes. In 12 of the 15 studies evaluated, significant improvement (p
< 0.05) of depressive symptoms was observed and the adverse effects are
inferior to conventional treatments. Conclusion: TSE is effective in the
treatment of depressive disorders and that this is directly related to the
appropriate use of parameters and techniques for applying electric current.
Keywords: electric stimulation therapy; transcutaneous electric nerve stimulation; transcranial direct current stimulation; depressive disorder; depression.
A depressão é uma condição de saúde limitante, caracterizada
por alterações cognitivas, psicomotoras, vegetativas e de humor [1], que vem se
tornando uma das mais relevantes causas de limitação e de incapacidade
funcional em toda esfera mundial [2]. É considerada uma das principais causas
de suicídio [3] e contribui para a prevalência de comorbidades tais como, o
diabetes e as doenças cardiovasculares, essa última devido, principalmente, à
fadiga extrema induzida pela doença [1].
Uma estimativa realizada em 2017 pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) mostrou que mais de 300 milhões de pessoas sofrem deste
distúrbio e que, entre os anos de 2005 a 2015, houve
um aumento de 18% do número de casos [4]. Estima-se que em 2020 a depressão
seja a segunda causa de enfermidade que gera limitações nas atividades de vida
diária e laborais, como também na participação social e qualidade de vida do
indivíduo [2].
Levantamentos realizados em vários países utilizando os
critérios da CID-10 mostraram que a prevalência da depressão ao longo da vida é
de 6 a 12%, com prevalência anual variando entre 3 e 11% [4]. No Brasil, há
importante prevalência dessa afecção em pacientes pediátricos, geriátricos e no
período pós-natal, sendo esta de 8,7%, 22% e 20,7%,
respectivamente [5].
A depressão pode apresentar-se de maneiras diferentes,
sendo classificada por subtipos, como unipolar caracterizada por sentimento de
tristeza e perda da capacidade de sentir prazer nas suas atividades de vida
diária e a bipolar, que se alterna em estados de depressão para estados de
mania [6,7].
Métodos não farmacológicos (psicoeducação,
atividade física e terapias comportamentais) têm sido recomendados para o
manejo dos casos de depressão leve [8] e/ou como profilaxia [9]. O tratamento
biológico ou somático (antidepressivos, outros medicamentos psicofarmacológicos
e hormonais, recursos físicos - correntes elétricas e campos eletromagnéticos),
isoladamente ou em associação aos métodos não farmacológicos, são recomendados
principalmente para o manejo dos casos de depressão moderada a grave, podendo também
ser utilizados naqueles casos de depressão leve, cujo tratamento não
farmacológico não surtiu efeitos [9,10,11].
Dentre as várias opções de tratamentos biológicos
disponíveis [12], o tratamento farmacológico, em especial com antidepressivos,
é a terapia mais comumente utilizada para o manejo da depressão [9]. Embora os
antidepressivos sejam capazes de promover respostas positivas ao tratamento
[13], seus efeitos adversos - boca seca, distúrbios gastrointestinais e do
sono, retenção urinária, taquicardia, ganho de peso, disfunção sexual,
cefaleias e exacerbação da enxaqueca, crises convulsivas e delirium [9] -
associados ao fato de que cerca de 30 a 50% dos distúrbios depressivos não
respondem de forma eficiente ao tratamento medicamentoso inicial [14], têm
contribuído para um crescente uso das terapias envolvendo a utilização de
correntes elétricas e campos eletromagnéticos.
Como exemplos de tratamentos com corrente elétrica e com
campo eletromagnético pode-se citar a eletroconvulsoterapia
(ECT) [4,9], a estimulação do nervo vago [15], a estimulação elétrica profunda
[16], a estimulação magnética transcraniana (EMT)
[15,17] e a estimulação elétrica transcraniana (EET)
[5,18,19,20,21]. Dentre essas abordagens, a EET tem se destacado por ser um
procedimento relativamente simples, de baixo custo, praticamente isento de
efeitos adversos e de fácil manuseio [22]. Seus benefícios estão relacionados
ao tipo de corrente (direta, alternada ou pulsada) e aos parâmetros elétricos
utilizados durante o tratamento, podendo estes inibir ou estimular a
excitabilidade motora do córtex [23].
Sendo assim, este estudo teve por objetivo realizar uma
revisão sistemática para avaliar os efeitos da EET nos transtornos depressivos
unipolares e bipolares. Especificamente buscou-se: a) determinar os mecanismos
fisiológicos que embasam a utilização da eletroterapia nos transtornos
depressivos e quais são os benefícios terapêuticos advindos desta aplicação; b)
avaliar se os efeitos fisiológicos e terapêuticos da EET se diferem nos transtornos
depressivos unipolares e bipolares; e c) determinar o tipo de corrente e os
parâmetros elétricos mais adequados para o tratamento dos transtornos
depressivos unipolares e bipolares.
Estratégias
de busca
Uma pesquisa bibliográfica foi conduzida no período de
junho a julho de 2018 em quatro bases de dados (Registro Cochrane de Ensaios
Clínicos Controlados, Lilacs, Medline e SciELO),
utilizando como descritores as palavras-chave (DeCS/MeSH): ´´Depression´´; ´´Major Depressive Disorder´´; ´´Bipolar Disorder´´; ´´Adjustment Disorder´´; ´´Transcranial Direct
Current Stimulation´´; ´´Anodal Stimulation Transcranial Direct Current Stimulation´´; Cathodal Stimulation Transcranial Direct Current Stimulation´´; ´´Transcranial Alternating Current Stimulation´´; ´´Transcranial Electrical Stimulation; ´´Electric Stimulation
Therapy´´; ´´Electrical Stimulation Therapy´´; ´´Electrotherapy´´; ´´Interferential
Current Electrotherapy´´;
´´Electrical Stimulation of the Brain´´
e ´´Pulsed Current´´, que
foram combinadas entre si da seguinte forma: ´´condição de saúde´´ AND
´´terapia´´.
Além das bases de dados eletrônicas, a busca foi completada
por uma pesquisa manual, tendo como referência a bibliografia dos artigos previamente
selecionados.
Critérios
de inclusão
Foram incluídos ensaios clínicos controlados, randomizados
e publicados no período entre janeiro de 2010 a junho de 2018, nas línguas
inglesa e portuguesa, que possuíam texto completo.
Foram selecionados estudos realizados em humanos, com idade
acima de 18 anos, de ambos os gêneros, diagnosticados com Transtorno Depressivo
Unipolar (TDU) ou Transtorno Depressivo Bipolar (TDB), que foram submetidos ao
tratamento com EET.
Critérios
de exclusão
Estudos realizados em animais e os estudos realizados em
humanos do tipo quase- experimentais, comparativos sem grupo controle, estudo
de caso e estudos que utilizaram outras terapias que não fossem a EET para
tratamento dos transtornos depressivos foram excluídos desta revisão.
Desfechos
avaliados
Foram incluídos os estudos que avaliaram a eficácia do
tratamento com EET por meio da percepção de melhora (autorrelatada ou avaliada
por um profissional da saúde) do quadro dos sinais e sintomas característicos
dos transtornos depressivos e/ou através de exames laboratoriais.
Extração
de dados
Quatro revisores independentes selecionaram os artigos pela
leitura do título e do resumo de cada estudo. Caso estes fornecessem
informações suficientes para a sua inclusão ou fosse potencialmente útil, uma
cópia completa do texto era solicitada.
Características,
qualidade metodológica e nível de evidência dos estudos
Os trabalhos selecionados foram organizados em tabelas para
a caracterização geral do estudo e facilitação da análise da qualidade
metodológica e do nível de evidência. Foram coletados dados referentes ao
objetivo do estudo, tamanho da amostra, grupos de acompanhamento, idade, gênero
e diagnóstico clínico dos participantes, parâmetros eletroterapêuticos
utilizados, modelo do aparelho, local de aplicação, número de sessões,
desfechos avaliados, instrumentos de medida, resultados obtidos e as
justificativas para os mesmos.
A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada
utilizando a escala PEDro (Physiotherapy
Evidence Database) [24]. As
notas nessa escala variam de 0 a 10 pontos, pontuação inferior a 4 indica
estudo metodologicamente fraco, entre 4 e 7 refere a estudo de moderada
qualidade e entre 7 e 10 infere estudo de alta qualidade. Quatro revisores
independentes pontuaram os artigos de acordo com os critérios estabelecidos
pela escala. Era esperada a similaridade entre as notas. Na presença de
divergências, os revisores reuniram-se para que um consenso fosse obtido. Não
ocorrendo, uma quinta pessoa era consultada para o desempate.
Para a análise do nível de evidência foi utilizada uma
adaptação da análise qualitativa do estudo de Reid e Rivett [25]:
Nível 1: Forte evidência - consistentes achados de
múltiplos estudos controlados randomizados (ECR’s) de
alta qualidade (PEDro 8 a 10).
Nível 2: Moderada evidência - consistentes achados de um
ECR de alta qualidade (PEDro 8-10) e um ou mais de
baixa qualidade (PEDro 0-3).
Nível 3: Limitada evidência - consistentes achados de um
ECR de moderada qualidade (PEDro 4-7) e um ou mais de
baixa qualidade (PEDro ≤ 3)
Nível 4: Evidência insuficiente - consistentes achados de
um ou mais ECR de limitada qualidade (PEDro ≤
3), nenhum ECR disponível ou resultados conflitantes.
Parâmetros
de tratamento
Os parâmetros de tratamento com a EET para os transtornos
depressivos também foram organizados em uma tabela para facilitar a análise dos
estudos. Foram descritos dados relacionados ao tipo de corrente utilizada,
local de aplicação, número/tipo de eletrodos, frequência da corrente, duração
de pulso, amplitude/limiar, tempo de aplicação, frequência semanal, número de
sessões, outras características específicas e reações adversas.
Síntese
das evidências
A pesquisa bibliográfica resultou em um total de 14.775
artigos, sendo 70 selecionados para leitura na íntegra. Destes, 55 foram
excluídos, restando, portanto, 15 estudos para análise (Figura 1). Os
principais motivos de exclusão foram: duplicata nas bases de dados; estudos que
utilizaram a EET, porém não tinham como objetivo principal avaliar os seus
efeitos nos sinais e sintomas depressivos; ausência de grupo controle; por
serem desenhos de estudos ainda não executados.
A maioria dos estudos foi encontrada na base de dados
Medline. Na tabela I pode ser vista a quantidade de artigos encontrados em cada
uma das bases pesquisadas.
Tabela
I – Número de
artigos encontrados nas bases de dados e através da pesquisa manual
Fonte: Resultados da pesquisa
Perfil
dos participantes
Nos estudos selecionados foram avaliados 971 indivíduos,
com faixa etária entre 18 e 85 anos (média de 42,6 anos). Foram recrutados
indivíduos de ambos os gêneros, sendo predominante o gênero feminino (443
mulheres; 355 homens). Em dois estudos [26,27], o número de indivíduos de cada
gênero não foi especificado, totalizando uma amostra de 135 indivíduos. Dentre
os 971 indivíduos selecionados, 38 indivíduos não completaram o estudo.
Dos 971 indivíduos, 37 apresentavam diagnóstico de
transtorno depressivo agudo [28], 144 de depressão maior unipolar não psicótica
[26,29], 59 de transtorno bipolar tipo I ou II [30], 130 de TDB que estivessem
em episódio depressivo [31], 101 de Transtorno Depressivo Maior (TDM) [32,33],
344 de TDU [27,29,34-36], 2 de TDB [36], 69 de depressão moderada [37]. Em dois
estudos [38], os participantes apresentavam outra condição de saúde associada à
alteração psiquiátrica, sendo: 48 indivíduos que sofreram Acidente Vascular
Cerebral e que apresentaram episódio depressivo maior [38] e 37 indivíduos com
epilepsia associada ao transtorno depressivo [20].
Os sintomas mais frequentes descritos nos estudos foram
ansiedade, pânico, transtorno de ansiedade social e queixas cognitivas
[20,37,38,39,40,41]. Apenas os estudos de Brunoni et al. [28],
Sampaio-Júnior et al. [30], Vanderhasselt et al. [32]
e Brunoni et al. [35] descreveram o tempo de doença
dos indivíduos participantes, e a média de idade do início da doença foi 29,6
anos, 21,8 anos, 26,6 anos e 18,2 em cada um dos estudos, respectivamente
[28,30,32,35].
Características
dos estudos
Os estudos, em sua maioria, tiveram como objetivo avaliar
os efeitos antidepressivos, cognitivos e eficácia do tratamento com a EET
[20,29,33,35,38,39]. Os desfechos avaliados entre os estudos foram considerados
a partir da melhora na pontuação dos questionários Escala de Depressão de
Montgomery-Åsberg [29,32-35,37], Young Mania Rating Scale [37,38], Inventário de Depressão de Beck (BDI)
[20,26,29,34,35,36,37] e Escala de Avaliação Depressão de Hamilton
[26,28,29,32,34,35,36,37,38,40].
Protocolos
utilizados
Em relação ao tipo de corrente usada para a realização da
EET foi unânime o uso da corrente direta. Os parâmetros utilizados
predominantemente foram: amplitude máxima de 2mA (limiar sensorial), tempo de
aplicação de 20 a 30 minutos, frequência de aplicação de 5 vezes por semana e
número de sessões variando entre 5 e 22, com média de 13,9 sessões (Quadro 1).
Foram encontrados 3 estudos por meio da busca manual que utilizaram a corrente
pulsada [43,44,45], entretanto eles não se enquadravam nos critérios de inclusão:
um por ter sido publicado antes de 2010 [43], um por ser apenas estudo
descritivo [44] e o último por não avaliar o efeito antidepressivo da corrente,
pois avaliava somente a excitabilidade do córtex através da corrente pulsada
[45].
Fonte: Elaborado pelos autores
Figura
1 – Organograma da
pesquisa bibliográfica realizada
Os locais de aplicação dos eletrodos utilizados nos estudos
foram: anodo sobre o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) esquerdo e catodo
no CPFDL direito [26,27,28,30,34,38]; anodo no CPFDL esquerdo e catodo na área supraorbital contralateral [29,32,35,38,39]. O tipo de
eletrodo e o meio de acoplamento utilizados nos estudos variaram entre eletrodo
de borracha siliconada impregnada de carbono, não relatando se foi utilizado
algum meio de acoplamento [28,29,32,33,34,35,38,40], e eletrodo de metal coberto por
esponja embebida em solução salina, com área de 20 a 35 cm²
[20,26,27,30,36,37,40].
Efeitos
da EET nos TDU e TDB
Apenas 3 estudos [30,36,39] selecionaram indivíduos diagnosticados
com distúrbios bipolares e, nestes, o protocolo de eletroestimulação utilizado
foi o mesmo dos demais trabalhos, e os efeitos promovidos foram os mesmos
relatados em participantes que possuíam o TDU. No estudo de Palm et al. [36], a
amostra foi pequena (n = 22) e os autores não especificaram se houve resultados
diferentes entre os tipos de depressão. Sampaio-Junior et al. [30]
selecionaram apenas indivíduos com transtorno bipolar, não comparando com o
transtorno unipolar, e obtiveram resultados positivos e Loo
et al. [39] selecionaram indivíduos diagnosticados com TDB apenas que
estivessem em episódio depressivo maior sem comparar os tipos de depressão.
Os efeitos adversos mais relatados foram vermelhidão
transitória [29,33,34,35,40], que é um efeito esperado no local de aplicação da
corrente direta, parestesia no local pós-aplicação [33,34. 35], cefaleia [33,34] e
coceira [33,34,36].
Em 12 dos 15 estudos analisados, foi observada melhora
significativa (p-valor < 0,05) dos sintomas depressivos ao final do período
experimental, com melhora nos scores dos questionários utilizados
[20,26,27,28,29,30,32,33,35,37,38,39]. No estudo de Bennabi et
al. [40], o resultado não foi significativo, apresentando p = 0,69 entre o
grupo controle e o ativo, assim como Loo et al.
[34] e Palm et al. [36], que apresentaram p > 0,05 para efeitos
antidepressivos.
Dentre os estudos cujos resultados não foram significativos
para melhora dos sintomas depressivos [34,36,40], vale destacar o estudo de Loo et al. [34], pelos efeitos cognitivos positivos,
como melhora da memória de trabalho (p = 0,04) e de Palm et al. [36], em que
houve aumento significativo das emoções positivas (p = 0,0145) e uma tendência
estatística a redução das emoções negativas (p = 0,0735).
Em relação a associação da EET a outras terapias, Brunoni et al. [29] mostraram que a eficácia da EET
quando associada a antidepressivos (p = 0,01) é superior a aplicação da EET
isolada (p = 0,02), assim como apenas o uso dos fármacos (p = 0,03). Nos
estudos de Palm et al. [36] e Bennabi et
al. [40] em que não houve relevância estatística das comparações
intergrupos da estimulação ativa e simulada coincidente, os pacientes eram
resistentes ao tratamento.
Qualidade
metodológica dos estudos e nível de evidência
Na análise da qualidade metodológica, 11 dos 15 estudos
(73,3%) apresentaram nota PEDro entre 8 e 10 (alta
qualidade metodológica), indicando que há um forte nível de evidência sobre os
benefícios da EET no tratamento dos distúrbios depressivos. Nos demais estudos
[26,28,32,40], a nota PEDro variou entre 4-7 (Tabela
II).
A depressão é uma condição multifatorial envolvendo
diversas teorias para sua definição fisiopatológica. Por décadas, a hipótese
monoaminérgica parecia ser a principal resposta a sua causa, pois leva a uma
diminuição de oferta de neurotransmissores na fenda sináptica ou alterações em
receptores monoaminérgicos (serotonina, dopamina, norepinefrina) que,
juntamente com a acetilcolina, estão envolvidos na regulação da atividade
psicomotora, apetite, sono e, provavelmente, do humor [46]. Porém, outras
alterações parecem ocorrer, revelando a complexidade fisiopatológica desta
condição de saúde. Dentre estas, pode-se citar o envolvimento de marcadores
inflamatórios como as citocinas, que estão aumentadas nos indivíduos deprimidos
e atuam como neuromoduladores, alterando aspectos
neuroquímicos [47]. As células microgliais, que tem
como função captação e liberação de neurotransmissores, ao ter sua atividade
aumentada, contribuem para os sintomas depressivos por induzirem ao aumento de
citocina [48]. A depressão pode estar associada, ainda, a uma diminuição da
expressão dos fatores de crescimento, o que pode afetar a neurogênese
[49] e ao fator neuroendócrino, em que há o aumento do cortisol, o hormônio do
estresse [50].
Diante da complexidade fisiopatológica dos transtornos
depressivos, o conhecimento das principais alterações associadas aos quadros
depressivos e a correlação dos sintomas clínicos são fundamentais para a determinação
da melhor estratégia de tratamento. Especificamente em relação à EET, isso é de
fundamental importância, já que a eletroterapia pode ter um caráter excitatório
ou inibitório [51], dependendo de como ela é aplicada ao indivíduo.
A corrente elétrica, quando aplicada nos tecidos, promove
um fluxo de íons, criando um campo elétrico dentro dele, capaz de promover
alterações celulares, teciduais e segmentares. Em nível celular, a
eletroterapia promove a despolarização de nervos periféricos e da fibra
muscular, altera a permeabilidade da membrana, aumenta a atividade enzimática e
de síntese proteica. Quanto ao tecidual, pode causar contrações da musculatura
esquelética inervada ou não, contração e relaxamento da musculatura lisa e seus
efeitos sobre o fluxo sanguíneo e venoso, regeneração, cicatrização e
remodelação tecidual. Já em relação ao segmentar, observa-se a contração de
grupos musculares, efeitos de bomba muscular na drenagem linfática e alteração
do fluxo sanguíneo arterial não associado à contração de musculatura
esquelética em resposta ao estímulo elétrico terapêutico [52].
Quando a corrente elétrica é aplicada na região cerebral,
como é o caso da EET, o fluxo de corrente induzido intracerebral é capaz de
promover uma alteração da excitabilidade cortical, alterando a atividade e o
comportamento neuronal de uma região do cérebro específica, aumentando-os ou
diminuindo-os [53]. Este processo é denominado neuromodulação [54], e diz
respeito à estimulação elétrica do sistema nervoso com o propósito de modular
ou modificar uma função, como a percepção de dor [55], sendo utilizada também
em distúrbios do movimento, na espasticidade, epilepsia, incontinência urinária
e distúrbios viscerais [56]. Devido a estas propriedades, vem sendo utilizada
também no tratamento dos transtornos depressivos [54].
Dentre as várias teorias propostas para explicar a
fisiopatologia dos transtornos depressivos, o desequilíbrio neuronal inter-hemisfério é comumente citado pela literatura [54].
Estudos demonstraram que o comprometimento de humor, afeto, comportamento
social e raciocínio observado nos indivíduos com depressão unipolar ou bipolar
pode estar relacionado a uma hiperativação do CPFDL direito e a uma hipoativação do CPFDL esquerdo [57,58]. Sendo assim, os
resultados positivos observados nos estudos analisados no presente trabalho, em
que o eletrodo anódico aplicado na região pré-frontal dorsolateral esquerda
(região hipoativa) promoveu a redução dos sintomas depressivos, podem ser
justificados pelas ações neuromoduladoras da corrente
elétrica [59].
Entretanto, os efeitos fisiológicos promovidos pela
corrente bem como a sua magnitude estão intimamente relacionados não somente ao
local de aplicação da corrente, mas também ao tipo e às características da
corrente utilizada e, principalmente, aos parâmetros e a técnica de
eletroestimulação.
As correntes utilizadas podem ser do tipo direta, que tem
como característica o fluxo contínuo e unidirecional [59]; pulsada, com breve
fluxo unidirecional ou bidirecional de partículas carregadas, seguido por um
curto período sem fluxo [52] e alternada, com fluxo contínuo e bidirecional de
partículas carregadas, e a mudança na direção do fluxo ocorre pelo menos uma
vez a cada segundo [58]. No presente trabalho, em todos os estudos analisados a
corrente direta foi a única utilizada para a aplicação da EET. A justificativa
para a utilização desta corrente, mesmo diante dos maiores riscos a ela
associados (queimadura química) quando comparada às correntes pulsada e
alternada [58], não foi, entretanto, citada por nenhum dos autores.
Quadro
1 – Protocolos de
tratamento com a EET utilizados nos estudos selecionados para a revisão (ver PDF tabela)
Tabela
II – Qualidade
metodológica dos estudos de acordo com Escala PEDro
[24] (ver PDF tabela)
Segundo Brasil-Neto et al. [60]; Berlim et al.
[58] e Nitsche et al. [61],
a corrente direta é usada para EET por ser uma corrente que possui a capacidade
de modular a excitabilidade cortical no córtex motor e outras regiões
cerebrais, levando à melhora da cognição em distúrbios psiquiátricos, como na
esquizofrenia, e nas alterações de humor, que é uma das características da
depressão [62].
Esse efeito modulador, contudo, não é uma exclusividade das
correntes do tipo direta. A neuromodulação da dor, por exemplo, pode ser
realizada por correntes do tipo pulsada (corrente pulsada bidirecional de baixa
frequência), sendo este um tratamento considerado pela literatura como efetivo
e seguro [44].
Dentre os parâmetros eletroterapêuticos,
a frequência, a duração de pulso e a amplitude da corrente estão intimamente
relacionadas aos efeitos fisiológicos e objetivos terapêuticos da intervenção.
A corrente direta é uma corrente cuja frequência é igual à zero, tendo por esse
motivo uma pequena profundidade de penetração nos tecidos biológicos quando
comparada às demais correntes. Para a sua aplicação, apenas a amplitude e o
tempo são ajustáveis e a literatura preconiza cautela com o ajuste destas
variáveis devido ao risco de lesões eletroquímicas. Por segurança, recomenda-se
que a densidade de corrente não ultrapasse o valor de 0,5 mA/cm2
(amplitude máxima, dada por: D = mA/área
eletrodo) e que o tempo de aplicação seja de no máximo 40 minutos. Em todos os
estudos analisados parece que houve este cuidado, uma vez que a amplitude
utilizada nos tratamentos foi relativamente baixa, com densidade de corrente
média de 0,06 mA/cm².
Considerações
clínicas
Na prática de todas as áreas da fisioterapia é crescente a
presença de indivíduos com labilidade emocional, condição que, dependendo de
sua intensidade, causa importante incapacidade física e dificulta a evolução do
processo de reabilitação. Uma instabilidade emocional não permite, entretanto,
“diagnosticar” o indivíduo como sendo portador de um transtorno depressivo, o
que do ponto de vista ético também não estaria correto, já que o diagnóstico
fisioterapêutico é baseado nas alterações de estrutura e função, atividade e
participação e não na condição de saúde.
A eletroterapia é um recurso físico que apesar de
historicamente fazer parte do arsenal de procedimentos fisioterapêuticos e
promover resultados positivos tanto em pesquisas quanto na clínica, ainda hoje
é muito pouco explorada pelos fisioterapeutas. Os resultados do presente estudo
reforçam ainda mais a importância da eletroterapia dentro da fisioterapia, além
de elucidar mais um importante campo para atuação do fisioterapeuta.
O tratamento fisioterapêutico tem por objetivo reabilitar a
funcionalidade e a depressão é uma condição incapacitante que altera a
qualidade de vida e restringe as atividades de vida diária e a participação do
indivíduo. A EET é uma técnica que tem como foco primário a reabilitação da
função da estrutura cerebral, através da estimulação da produção de serotonina
e reequilíbrio do potencial elétrico das células corticais, diminuindo assim a
incapacidade e melhorando a funcionalidade do indivíduo.
Como se preconiza em qualquer condição de saúde, antes de
intervir é importante uma avaliação minuciosa para identificar as alterações
específicas do paciente, determinando assim os parâmetros e características da
corrente mais adequados. Uma vez que a EET é um recurso que atua na estrutura,
o conhecimento da fisiologia da mesma e dos efeitos fisiológicos induzidos pelo
recurso é de suma importância. Ao usar uma corrente elétrica, variáveis como
frequência e amplitude devem ser moduladas, assim como a técnica e o tipo de
estimulação que devem ser adequados para produzirem os efeitos clínicos
desejados. Deve-se levar em consideração também a posição e tamanho dos
eletrodos, pois estes possuem papel crucial na administração da dose elétrica
no cérebro, assim como a intensidade e a forma da onda da corrente. Apesar de
todos os estudos utilizarem eletrodos do mesmo tamanho, sua dimensão assim como
sua localização deveriam ser adequados de acordo com a conformação do crânio de
cada indivíduo.
Diante deste estudo, pode-se concluir que a EET é uma
terapia benéfica e promissora, mas que seus efeitos dependem dos parâmetros e
da técnica utilizada. Segue a sugestão de um protocolo para a aplicação da EET
com base nos estudos analisados: aplicação da corrente direta por meio de um
par de eletrodos de metal (com tamanho de 25 a 35 cm²), ajustados ao tamanho do
crânio, se necessário, associados a uma esponja umedecida com água da torneira
ou solução salina. Os eletrodos devem ser posicionados com montagem bifrontal, a estimulação anódica é feita sobre o CPFDL
esquerdo e o cátodo inibitório, sobre CPFDL direito, com amplitude de 2 mA, no limiar sensorial, por 20 a 30 minutos, por 12 a 15
sessões. A EET deve ser aplicada por pessoas capacitadas e os parâmetros
ajustados de acordo com as particularidades e a tolerância de cada indivíduo.
Através desta revisão pôde-se perceber que a EET apresenta
eficácia no tratamento dos transtornos depressivos, promovendo efeitos
benéficos na redução dos sintomas decorrentes desta condição. Essa eficácia
está diretamente relacionada à utilização adequada dos parâmetros e a técnica
de aplicação da corrente elétrica, não excluindo a associação com o tratamento
farmacológico. O tipo de corrente sugerida neste estudo foi a direta, aplicada
por um par de eletrodos ajustados de acordo com o formato do crânio, montados
de forma bifrontal, de modo que a estimulação anódica
seja feita sobre o DLPFC e o catodo DLPFC, induzindo, assim, os efeitos
desejados.
Conflito de interesses
Os autores não possuem nenhum
conflito de interesses.