Fisioter Bras
2021;22(2):196-204
ARTIGO
ORIGINAL
Estimulação
elétrica nervosa transcutânea interativa e convencional em mulheres com
dismenorreia primária
Interactive and conventional
transcutaneous electrical nerve stimulation in women with primary dysmenorrhoea
Bianca
Santiago Menezes*, Fabrícia Calheira Primo Paiva**,
Lorena Couto Lobo**, Everaldo Nery de Andrade, D.Sc.**
*Graduada
em Fisioterapia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Jequié,
BA, **Docente pelo Departamento de Saúde I, UESB, Jequié, BA
Recebido
em 29 de julho de 2020; Aceito em 23 de abril de 2021.
Correspondência: Bianca Santiago Menezes, Rua José
Moreira Sobrinho, s/n Campus de Jequié, Jequiezinho
45205-490 Jequié BA, Brasil
Bianca Santiago Menezes: bia.santi.fisio@gmail.com
Everaldo Nery de Andrade: everalfisio@yahoo.com.br
Resumo
A
dismenorreia primária é uma dor na região inferior do abdômen, antes ou durante
a menstruação e independente de patologias pélvicas. Tratamentos
fisioterapêuticos são alternativas para a melhora dos sintomas, dentre esses
recursos, a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS). O objetivo deste
estudo foi comparar o efeito terapêutico e analgésico da TENS interativa e
convencional na dor secundária à dismenorreia primária. A aplicação da TENS, em
ambos os grupos, foi realizada no primeiro dia do período menstrual por 35
minutos. Na TENS interativa todas as voluntárias optaram pelos seguintes
parâmetros: frequência de 250 Hz, duração de pulso de 25 µs e intensidade
conforme nível sensorial, sendo essa ou a duração do pulso reajustado, a cada 5
minutos, conforme houvesse necessidade. Na TENS convencional foi utilizado os
seguintes parâmetros: frequência de 100 Hz, duração de pulso de 50 µs e com a
intensidade conforme grupo anterior. A análise estatística foi realizada por
meio do software GraphPadPrism®, versão 5.0, sendo
empregado o teste t de Student e com nível de
significância de p < 0,05. Obteve-se como resultado uma redução da dor entre
as participantes de ambos os grupos logo após o tratamento. Porém não houve
diferença na analgesia promovida pelos dois métodos de tratamento.
Palavras-chave: estimulação elétrica nervosa transcutânea;
dismenorreia; escala visual analógica; fisioterapia.
Abstract
Primary dysmenorrhea (PD) is a lower region of the
abdomen pain, before or during menstruation and independent of pathologies.
Physical therapy treatments are alternatives to improve symptoms, among these
resources, transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS). The aim of this
study was to compare the therapeutic and analytical effect of interactive and
conventional TENS in high school in PD. The application of TENS, in both groups,
was performed on the first day of the menstrual period for 35 minutes. In the
interactive TENS all the volunteers chose the following parameters: frequency
of 250 Hz, pulse duration of 25 µs and intensity according to sensory level,
whether this or the duration of the readjustment of the pulse, every 5 minutes,
according to the need for use. In conventional TENS, the following parameters
were used: frequency of 100 Hz, pulse duration of 50 µs and intensity according
to the previous group. A statistical analysis was performed using the GraphPadPrism® software, version 5.0, being employed
Student's test with a significance level of p < 0.05. The result is a
reduction in pain among participants in both groups right after treatment.
However, there was no difference in the analgesia promoted by the two treatment
methods.
Keywords: transcutaneous electrical nerve
stimulation; dysmenorrhea; visual analog scale; physical therapy.
A dismenorreia primária (DP) é uma dor localizada na região
inferior do abdômen, independente de patologias pélvicas diagnosticadas, com
ocorrência antes ou durante a menstruação [1,2] com duração média de 8 a 72
horas [2]. A DP pode ser acompanhada de náuseas, vômitos, fadiga, dores nas
costas e de cabeça, tonturas e diarreia [1,2] e pode ser responsável pela
redução da qualidade de vida das mulheres jovens na escola e trabalho,
principalmente, aquelas em idade reprodutiva [1].
O alívio da dor na DP pode ocorrer por meio de
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs),
antiespasmódicos, analgésicos, anticoncepcionais orais e injetáveis [3].
Entretanto, a utilização desses fármacos pode causar efeitos colaterais como
náuseas, sensibilidade mamária, hemorragia intermenstrual e distúrbios
auditivos e visuais e, em alguns casos, os AINEs não
possuem eficácia em tratamento único [1].
Dessa forma, tratamentos fisioterapêuticos são possíveis
alternativas para a melhoria dos sintomas da dismenorreia [1,2,4,5]. Entre
esses recursos, pode-se citar: a estimulação elétrica nervosa transcutânea
(TENS) de alta frequência [4,6], Burst [7] e o
recente e denominado método interativo [8].
Em relação aos resultados da terapêutica com a TENS na DP
ainda há contradições, no entanto existem evidências sobre a sua efetividade na
melhora da sintomatologia quando os parâmetros, a região a ser estimulada,
intensidade e duração são considerados [5,7].
Assim, este estudo sobre TENS interativo se caracteriza por
ser inovador, já que aborda um tipo de TENS recente e com poucas publicações,
sendo encontrada apenas uma publicação sobre esse método de aplicação de TENS
na DP [8]. Ademais, verificou-se que não há estudos comparativos entre o uso da
TENS com o método interativo e convencional na dismenorreia primária. Nesse
sentido, o presente estudo tem como objetivo comparar o efeito analgésico da
TENS interativa e convencional na dor secundária à DP.
Trata-se de um ensaio clínico, randomizado e simples cego,
realizado na clínica escola de fisioterapia da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB) e aprovado pelo Comitê de ética dessa instituição
(Parecer nº. 3.050.211).
Participaram deste estudo 10 mulheres, divididas de modo
aleatório em dois grupos de intervenção: grupo 1 (n = 5), teste de normalidade
no qual foi utilizado a TENS interativa e grupo 2 (n = 5), a TENS convencional.
Os critérios de inclusão foram: diagnóstico clínico de dismenorreia primaria de
média e alta intensidade e faixa etária entre 18 e 30 anos. Foram considerados
como critérios de exclusão: autorrelato de dismenorreia secundaria; dispositivo
intrauterino; déficit cognitivo; ausência no dia do tratamento sem justificativa;
idade inferior ou superior a faixa etária desejada; uso de marca-passo; uso de
drogas ilícitas; etilismo; epilepsia; uso de medicamento para dor anterior ao
início de tratamento com a TENS, realização de atividade física constante e
regular mesmo durante o período menstrual e uso de medicação (analgésicos,
AINES, antiespasmódicos) nas últimas 6 horas antes da aplicação do TENS ou com
administração dentro da meia vida plasmática.
Os indivíduos que cumpriram os critérios de inclusão foram
convidados a participar do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido. Os seguintes dados foram avaliados por meio de um questionário:
idade, grau de escolaridade, estado civil, data de início e duração média do
último ciclo menstrual, intervalos dos últimos ciclos menstruais.
Em seguida, foi utilizada a escala análoga visual (EVA)
numérica [9] para avaliar o nível de dor antes e após a aplicação do tratamento
e foi entregue um formulário de registro para que as mulheres registrassem a
intensidade e o horário em que, possivelmente, a dor voltou e a necessidade de
medicamentos após o término da sessão de TENS.
A aplicação da TENS, em ambos os grupos, foi realizada em
apenas uma sessão com o aparelho Neurodyn III da Ibramed® no primeiro dia do período menstrual por 35
minutos, com as voluntárias em decúbito ventral e os quatro eletrodos dispostos
paralelamente à coluna vertebral (região correspondente aos dermátomos
L1 e L4), próximo dos processos transversos [6,7,8].
Na TENS interativa foi realizada, inicialmente, em cada
paciente, a submissão a dois conjuntos de parâmetros diferentes: o primeiro com
uma frequência de 250 Hz, duração de pulso de 25 µs e intensidade conforme o
nível sensorial, enquanto o segundo com uma frequência de 1 Hz, duração de
pulso de 400 µs e intensidade do mesmo modo que a primeira. Entretanto, todas
as voluntárias escolheram o primeiro conjunto de parâmetros, ou seja, alta
frequência e baixa duração de pulso [8].
Em seguida, a voluntária era questionada sobre qual dos
dois métodos foi mais confortável e, então, a configuração dos parâmetros
escolhidos era aplicada com a intensidade da corrente elevada até o nível
máximo de tolerância ou parestesia forte, sendo essa ou a duração do pulso reajustado,
a cada 5 minutos, conforme houvesse redução da sensação parestésica
[8].
Além disso, no método da TENS Interativa, era realizada,
após a fixação inicial, uma varredura com os quatro eletrodos com o intuito de
conseguir uma interceptação mais exata das raízes nervosas relacionadas com o
estímulo nociceptivo para assim, haver a fixação final dos eletrodos [8].
Entretanto, a aplicação da TENS convencional foi realizada
com os seguintes parâmetros: frequência de 100 Hz, duração de pulso de 50 µs,
intensidade conforme nível sensorial, sendo reajustada a cada 5 minutos
conforme a necessidade.
A análise estatística foi realizada por meio do software GraphPadPrism®, versão 5.0, sendo empregado o teste t de Student. O nível de significância estabelecido foi p <
0,05.
A amostra estudada foi composta por 5 mulheres no grupo
submetido ao procedimento de TENS interativa (grupo 1) e 5 a TENS convencional
(grupo 2) apesar da existência de 53 mulheres interessadas em participar do
tratamento, das quais 40 possuíam algum critério de exclusão do estudo. As
características gerais dos grupos estão descritas na tabela I.
Tabela
I - Características
gerais do grupo de TENS interativa e convencional
IM = Intervalo menstrual; ID = Intensidade da dor
Após o tratamento com o uso da TENS, a dor diminuiu entre
as mulheres de ambos os grupos, interativo e convencional, de acordo,
respectivamente, com as figuras 1 e 2, porém percebe-se, apenas, dor residual
logo depois do uso de TENS convencional. Entretanto, não foi percebida
diferença na analgesia promovida pelos dois métodos de tratamento com a TENS,
conforme visualizado na figura 1.
Dados expressos como média ± EPM: p < 0,0001
Figura
1 - Nível da dor
medida pela escala visual análoga (EVA) antes e depois da aplicação da TENS
interativo
Dados expressos como média ± EPM: p < 0,0001
Figura
2 - Nível da dor
medida pela escala visual análoga (EVA) antes e depois da aplicação da TENS
convencional
Dados expressos como média ± EPM: p = 0,8494
Figura
3 - Variação (antes
- depois do tratamento) da dor medida pela escala visual análoga (EVA) depois
da aplicação do TENS interativo e convencional
Após
o final do tratamento, a analgesia foi mantida no
grupo 1 e 2 por, respectivamente, 07:23 e 05:40 horas. Ademais, o
quadro álgico
não retornou em apenas uma e três mulheres após,
respectivamente, a realização
do tratamento com a TENS interativa e convencional, não havendo
diferenças (p =
1,0000) entre os dois grupos. Entretanto, quando comparada com os
valores
anteriores ao tratamento, também houve redução da
dor após a aplicação da TENS interativa
(p = 0,0434) e convencional (p = 0,0121).
Os resultados do nosso estudo evidenciaram que ambos os
métodos de aplicação de TENS, convencional e interativo, reduziram o quadro
álgico, logo após e no retorno parcial da dor após o uso da TENS, nas
pacientes, mas sem diferença no alívio da dor promovido pelos tratamentos em
mulheres com dismenorreia primaria.
Assim como neste estudo, um trabalho realizado por Camilo
[8] com mulheres, na mesma faixa etária e com dismenorreia primária,
percebeu-se a redução da dor após o uso da TENS interativa, porém naquele
trabalho quando este método de TENS era comparado com o placebo.
No trabalho de Torrilhas et
al. [5] tal como neste estudo, com mulheres, na mesma faixa etária, também
foram analisados os efeitos da TENS de alta frequência, convencional, na
redução da dor em mulheres com dismenorreia primaria, porém, comparando este
modo de tratamento com o grupo placebo. A TENS de alta e baixa frequência foram
eficazes na redução dos sintomas dolorosos da DP de intensidade moderada a
severa, apresentando diferenças significativas intragrupo, diferente do grupo
placebo no qual não houve diferença [6]. Assim como em nosso estudo, obtiveram
redução da dor com a TENS convencional.
Em nossa revisão teórica, não foram encontrados estudos
comparativos entre o uso da TENS interativo e convencional na dismenorreia
primária. No entanto existem estudos comparativos entre a TENS convencional e
outros métodos de aplicação [5,6,7]. Assim como no estudo de Reis, Souza, Bueno
[7], em que os tratamentos com a utilização da TENS convencional e burst reduziram, igualmente a dor na dismenorreia primária,
observou-se que os dois métodos de TENS, interativo e o convencional, não
diferiram na redução da dor em mulheres com DP.
Corroborando nossos resultados, com a analgesia mantida no
grupo 1 e 2 por, respectivamente, 07:23 e 05:40 horas, Silva et al. [10]
ao utilizar a TENS convencional (Frequência de 150 Hz, duração de pulso de 50
µs e intensidade aumentada a cada 10 minutos), encontraram diminuição da dor
entre as participantes mesmo após o retorno parcial da mesma após duas horas.
No entanto quando comparados com o grupo controle, constatou que o grupo de
tratamento teve uma redução maior da algia.
Adicionalmente, a alta intensidade, ajustada até o nível
máximo de tolerância, de corrente utilizada neste estudo pode ter sido um
motivo crucial para o resultado de hipoalgesia após o tratamento, já que como
descrito por Claydon et al. [11] os efeitos da
estimulação segmentar de alta intensidade, com diferentes parâmetros
proporcionam efeitos hipoálgicos maiores quando
comparados aos grupos controles e placebo, ao contrário de impulsos de baixa
intensidade.
Este estudo apresentou limitações quanto a sua amostra
devido a necessidade de que as mulheres estivessem no primeiro ou segundo dia
menstrual, sendo uma variável não controlável. Dessa forma, considera-se a
necessidade de estudos novos com um número maior de participantes e ciclos menstruais
e com possibilidade de estratificação por faixa etária. Assim, seria possível
uma melhor identificação dos parâmetros de frequência e duração de pulso na
TENS interativa ou mesmo para manter a analgesia obtida logo após a realização
dos tratamentos.
O uso da TENS interativa e convencional, com intensidade
ajustada até o nível máximo de tolerância, reduz, similar, a dor logo após a
aplicação e o seu retorno parcial em mulheres com dismenorreia primaria.