Fisioter
Bras 2021;2293):425-441
ARTIGO
ORIGINAL
Força
muscular do assoalho pélvico em mulheres com queixas de disfunção pélvica
Pelvic floor muscle strength in
women with pelvic dysfunction complaint
Karoline
Barbosa de Carvalho*, Francisco Tiago Oliveira Ibiapina**, Dionis
de Castro Dutra Machado***
*Fisioterapeuta,
Mestranda em Saúde Pública (Uniamérca College), **Fisioterapeuta (UFPI), Mestrando em
Fisioterapia (UFRN), Fisioterapeuta da Força Aérea
Brasileira, ***Fisioterapeuta (UCB), Professora do Departamento de
Educação Física/CCS (UFPI)
Karoline Barbosa de Carvalho: karolbcarvalho@yahoo.com.br
Francisco Tiago Oliveira Ibiapina: ibiapinatiago@gmail.com
Dionis de Castro Dutra
Machado: dionismachado@gmail.com
Recebido
em 7 de julho de 2020; Aceito em 12 de maio de 2021.
Correspondência: Dionis de
Castro Dutra Machado, UFPI, Av. Raul Lopes 1971 Ininga
64049560 Teresina PI
Resumo
A
disfunção do assoalho pélvico envolve condições nosológicas,
como incontinência urinária e disfunção sexual, com impacto negativo na
qualidade de vida. O presente estudo objetivou avaliar a força muscular do
assoalho pélvico de mulheres com disfunção pélvica. Trata-se de desenho
analítico transversal realizado com uma amostra de conveniência de 167 mulheres
com queixas de disfunções musculares do assoalho pélvico. Foram analisadas
características sociodemográficas e clínicas, qualidade de vida relacionada à
incontinência e força muscular pélvica. Estatísticas univariadase
bivariadas foram calculadas. A idade média das mulheres foi de
50,2 anos. A
maioria foi classificada com impacto muito grave (76,6%) na qualidade
de vida
relacionada à incontinência, 41 (24,6%) apresentaram
contração muscular não
sustentada e 7 (4,2%) apresentaram contração.
Associações significativas foram
identificadas entre força muscular pélvica e idade (p =
0,025), menopausa (p =
0,039) e histerectomia (p = 0,026). A pesquisa permitiu concluir que os
fatores
de risco responsáveis por problemas no assoalho pélvico
podem ser considerados
cruciais para avaliar o nível de impacto da incontinência
urinária e sua
evolução como resultado de intervenções
precoces, simples e de baixo custo na
atenção primária à saúde. As
disfunções do assoalho pélvico afetam negativa e
substancialmente a qualidade de vida das mulheres.
Palavras-chave: distúrbios do assoalho pélvico;
incontinência urinária; qualidade de vida.
Abstract
Pelvic floor dysfunction involves nosological
conditions, such as urinary incontinence and sexual dysfunction, which have a
negative impact on quality of life. This study aimed to evaluate pelvic floor
muscle strength of women with pelvic dysfunction. This is an analytical
cross-sectional performed design with a convenience sample of 167 women with
complaints of pelvic floor muscle dysfunctions. Sociodemographic and clinical
characteristics, quality of life related to incontinence and pelvic muscle
strength were analyzed. Univariate and bivariate statistics were calculated.
The mean age of women was 50.2 years. Most were classified having a very severe
impact (76.6%) on incontinence-related quality of life, 41 (24.6%) presented
non-sustained muscle contraction and 7 (4.2%) presented in contraction.
Significant associations were identified between pelvic muscle strength and age
(p = 0.025), menopause (p = 0.039) and hysterectomy (p = 0.026). This study allowed
us to conclude that the risk factors responsible for pelvic floor problems can
be considered crucial to assess the level of impact of urinary incontinence and
its evolution as a result of early, simple and low cost
interventions in primary health care. Pelvic floor dysfunctions affect
negatively and substantially the quality of life of women.
Keywords: pelvic floor disorders; urinary
incontinence; quality of life.
O assoalho pélvico é composto por músculos e ligamentos
responsáveis pela sustentação dos órgãos pélvicos e abdominais, mantendo a
continência urinária. A saúde dos músculos do assoalho pélvico é essencial para
manter o funcionamento harmonioso da vagina, uretra e órgãos da pelve. Nas
mulheres, a incontinência urinária (IU) tem sido estudada ao longo dos anos,
pois causa desconforto e interfere diretamente nas atividades diárias. Sinais e
sintomas relacionados às disfunções do assoalho pélvico são muito comuns e
reforçam a necessidade da investigação da força muscular, principalmente em
mulheres com queixas pélvicas [1]. Entre as funções mais importantes dos
músculos do assoalho pélvico, destaca-se a manutenção da posição anatômica dos
órgãos pélvicos, um bom desempenho sexual e, quando devidamente fortalecido, a
prevenção de disfunções pélvicas [2].
No entanto, esses músculos são suscetíveis à atrofia ou
enfraquecimento [2], o que pode comprometer aspectos como o desempenho sexual,
pois a sensação de pressão intravaginal é reduzida,
dificultando a atividade sexual da mulher e do parceiro. Outro problema
frequente associado ao enfraquecimento desta musculatura é a IU, que consiste
na queixa de qualquer perda involuntária de urina [3]. Essa disfunção é
responsável por prejuízos físicos, psicológicos e sociais, e existem diversos
fatores sociodemográficos, obstétricos e comportamentais associados a sua gênese. Dentre eles, destacam-se o envelhecimento,
responsável pelo desgaste natural das fibras musculares que pode levar à
atrofia; os problemas congênitos; a obesidade; a gravidez e o parto, que podem
afetar parte do complexo esfincteriano; os distúrbios psíquicos (ansiedade,
depressão e ataques de pânico); a constipação; os distúrbios alimentares; a
atividade sexual e a contracepção oral combinada. Esses fatores podem causar
incontinência em algum momento da vida, sendo contínua ou reversível [4,5].
Embora a IU seja subdiagnosticada, seja porque a maioria
das mulheres não relata a perda de urina por vergonha ou por considerá-la um
processo natural, uma revisão sistemática verificou a prevalência de 1% a 42,2%
para mulheres na literatura geral. Entre o público feminino com queixa de IU, a
prevalência de incontinência urinária variou de 12,5% a 79% para a de esforço;
15,6% a 41,6% para a de urgência e de 8,3% a 50% para a incontinência mista
[3]. Durante a gravidez, a incidência e prevalência da IU variam de 14,1% a
75%, sendo a idade materna apontada como fator de aumento da IU [6,7]. Um
estudo de coorte encontrou uma redução estatisticamente significativa na força
da musculatura pélvica de mulheres que tiveram parto normal ou parto vaginal
instrumental (p <0,001) e houve menos força desta musculatura nas mulheres
com IU em comparação às continentes [8].
A diminuição da força muscular pélvica é um fator negativo
para a gravidez e o parto. Neste contexto, promover o fortalecimento perineal
facilita a prevenção e redução da IU. Estudos confirmam que mulheres que
realizam exercícios perineais rotineiramente apresentam menor queixa de IU
durante a gestação, promovendo a prevenção e o tratamento desta afecção. Os
exercícios físicos generalizados não previnem a IU, sendo necessária a ênfase
nos exercícios perineais [9]. Os profissionais de saúde devem estar preparados
para acolher mulheres com IU, apresentando habilidade técnica e amplo
conhecimento científico, além de conduta humanizada. Igualmente se faz
necessária a abordagem multidisciplinar porque as disfunções do assoalho
pélvico se caracterizam por serem multifatoriais, resultando em impacto
negativo na qualidade de vida e prejuízos sociais e familiares. O conhecimento
e a superação das barreiras relacionadas às crenças, assim como os esforços
clínicos para tornar a identificação de IU um aspecto padrão na avaliação da
saúde da mulher, são itens essenciais a serem enfocados na formação em saúde
[10]. Neste sentido, este estudo teve como objetivo avaliar a força da
musculatura pélvica em mulheres com queixa de disfunção pélvica.
O presente estudo apresenta caráter transversal analítico e
foi realizado em um hospital regional do Nordeste do Brasil. A população do
estudo foi composta por mulheres com queixa de distúrbios da musculatura do
assoalho pélvico. A amostra foi composta por mulheres que atenderam aos
seguintes critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, queixar-se de disfunção
da musculatura do assoalho pélvico, ser atendida no ambulatório de ginecologia
do hospital e apresentar encaminhamento médico para avaliação fisioterapêutica.
Para o cálculo amostral foi utilizada a fórmula para determinar com base na
estimativa da proporção da população para a população finita, expressa como: n = (N ∙ p ∙ (1-p) ∙ Z²) /
(p ∙ (1-p) ∙ Z2 + (N-1) ∙ E²).
Para o tamanho da população (N) foi considerado como a
quantidade média anual de atendimentos (400); para a proporção populacional de
ocorrência do evento (p), foi utilizado 25%, sendo referido o percentual médio
de mulheres acometidas pelo problema [11,12,13]; e o intervalo de confiança foi de
95% com curva normal do ponto crítico (Z) de 1,96 e erro máximo de estimativa
(E) 5%. Assim, a amostra mínima exigida para o estudo consistiu em 167
mulheres. A amostragem foi não probabilística, por tipo de conveniência, na
qual foram incluídas mulheres com queixa de disfunção pélvica atendidas no
serviço de ginecologia da instituição e consultas com fisioterapeuta até que
completassem o número mínimo da amostra.
O estudo atendeu às normas nacionais e internacionais para
pesquisa em humanos, incluindo a Declaração de Helsinque e a Resolução CNS nº
466/12. Foi autorizada pela coordenação da clínica ginecológica e aprovada pelo
comitê de ética e pesquisa do hospital sob o parecer nº 1.304.909. Todas as
participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido em duas
vias. Após a explicação dos objetivos e dos procedimentos desta investigação,
os instrumentos de coleta de dados foram aplicados presencialmente, em ambiente
privativo, que garantisse conforto, privacidade de segurança da confidencialidade
dos dados coletados. A coleta de dados ocorreu no turno da manhã e os
procedimentos de avaliação foram realizados por um único examinador.
Para coleta de dados, um formulário contendo variáveis sociodemográficas
(idade, etnia/raça, escolaridade e estado civil) e clínicas (gravidez,
paridade, tipo de parto, episiotomia/laceração vaginal, doenças sexualmente
transmissíveis, cirurgias ginecológicas, disfunção / incontinência sexual e
urinária reclamações) foi utilizado. Adicionalmente, o instrumento International Consultation
on Incontinence Questionnaire - Short Form
(ICIQ-SF) foi empregado para verificar a qualidade de vida relacionada à
incontinência e a escala de Oxford modificada para classificar a força da
musculatura do assoalho pélvico avaliada pela palpação digital vaginal. O
ICIQ-SF é composto por quatro questões que avaliam a frequência, gravidade e
impacto da IU, além de um conjunto de oito itens relacionados a queixas ou
situações vivenciadas. A pontuação geral é obtida pela soma das pontuações das
questões 3, 4 e 5. Quanto maior a pontuação, maior o impacto na qualidade de
vida. Os participantes foram classificados da seguinte forma: sem impacto (0
ponto); impacto leve (1 a 3 pontos); impacto moderado (4 a 6 pontos); impacto severo
(7 a 9 pontos); e impacto muito grave (acima de 10 pontos) [14].
A avaliação da força da musculatura do assoalho pélvico foi
feita com base na escala de Oxford modificada e por meio da palpação digital da
vagina. Tal avaliação considerou as seguintes etapas: uso de lubrificante
específico na região vaginal para proceder o exame; introdução de duas falanges
distais dos dedos indicador e médio do avaliador, usando luvas de
procedimentos, no intróito
vaginal da voluntária;
solicitação à participante que efetuasse
contração da musculatura perineal e
manutenção da contração voluntária
pelo maior tempo possível. A contração
voluntária foi solicitada por três vezes, havendo
intervalo de 15 segundos
entre as mesmas e o examinador mantendo os dedos no canal vaginal
durante todas
as medições da força da musculatura do assoalho
pélvico. O resultado da melhor
contração era registrado e considerado para
classificação segundo a escala de
Oxford modificada [15].
Os dados do estudo foram analisados no software IBM SPSS,
versão 21.0 e foram calculados os valores de média (± DP), valores mínimo e
máximo para as variáveis quantitativas; e frequências para qualitativa. Para a
análise inferencial, foi utilizado o teste qui-quadrado
de Pearson. Quando não atendidas as condições deste teste, as variáveis foram
dicotomizadas para a realização do teste exato de Fisher. Para associações
significativas foram calculados efeitos de medidas como o Odds
Ratio (OR) e seu intervalo de confiança (IC). Para a
dicotomia das variáveis quantitativas, foi considerado o valor da mediana da
distribuição dos valores. Foram calculados os percentuais da tabela de
contingência para o total da amostra. O nível de significância foi de 5%.
As mulheres com queixas de disfunção pélvica foram
caracterizadas quanto aos aspectos sociodemográficos, os quais estão descritos
na Tabela I. A média ± DP de idade das mulheres com queixas de disfunção
pélvica foi de 50,2 ± 14,1 anos, com idade mínima de 19,0 e máxima de 80,0
anos. A maioria das participantes declararam-se pardas (59,9%), com
escolaridade até o ensino fundamental (35,9%) e casadas (71,9%).
Tabela
I - Descrição
sociodemográfica de mulheres com queixas de disfunção pélvica (n = 167).
Teresina, PI, Brasil
M = Média; DP = desvio padrão
Os dados clínicos da amostra estudada encontram-se na
tabela II. Entre as participantes, 62,9% com queixas de disfunção pélvica,
estavam na menopausa; 2,4% apresentavam alguma doença sexualmente transmissível
e 29,2% foram submetidas à histerectomia. O relato de gestação esteve presente
em 91,0% das voluntárias e cuja média ± DP foi 3,7 ± 7,9, tendo o número máximo
de seis gestações. O principal tipo de parto foi vaginal (79,0%) e a
episiotomia foi realizada em 73,7% ou houve laceração. A queixa ou disfunção
sexual foi relatada por 53,9% das participantes, distribuídas em: 6,6%
anorgasmia, 28,7% diminuição da libido e 19,2% dispareunia. A IU por esforço
esteve presente em 88,0% das voluntárias.
Tabela
II - Descrição clínica
de mulheres com queixa de disfunção pélvica (n = 167). Teresina, PI, Brasil
M = Média; DP = desvio padrão; *N = 152
O nível de qualidade de vida relacionado à incontinência,
segundo a classificação do ICIQ-SF, que varia de muito grave a nenhuma
gravidade, apresentou pontuação média ± DP 11,2 ± 4,8 variando de 0,0 a 20,0
pontos. A maioria das mulheres foi classificada com impacto muito grave (76,6%)
na qualidade de vida relacionada à incontinência. As participantes foram
classificadas em 93,4% como incontinentes e 6,6% continentes. O gráfico 1
ilustra os demais resultados obtidos na avaliação da qualidade de vida
relacionada à classificação do ICIQ-SF.
Gráfico
1 - Distribuição das
mulheres com queixa de disfunção pélvica de acordo com a classificação do
ICIQ-SF (n = 167)
Quanto à caracterização da perda urinária em mulheres com
queixas de disfunção pélvica, 92,8% referiram perda urinária, sendo informada
uma frequência semanal 22,7%, uma vez ao dia 28,7%, várias vezes ao dia 16,2%,
várias vezes 17,4% e 7,8% o tempo todo. Apenas 7,2% das voluntárias não
relataram perda de urina. Em relação à quantidade de urina perdida 40,7% das
mulheres relataram pequenas perdas; 46,7% perdas moderadas e 7,8% grandes
perdas. A classificação da força da
musculatura do assoalho pélvico foi feita por meio da escala de Oxford
modificada, cujos resultados são apresentados no gráfico 2.
Gráfico
2 - Distribuição de
mulheres com queixa de disfunção pélvica de acordo com a classificação da
escala de Oxford modificada (n = 167)
As associações investigadas entre a força muscular pélvica
e as características sociodemográficas e clínicas de mulheres com queixas de
disfunção pélvica estão apresentadas na Tabela III. Foi encontrada associação
estatisticamente significativa entre a força muscular pélvica e a idade das
mulheres (p = 0,025). Para essa associação, o valor do OR foi de 2,195 (IC95%
1,098 a 4,389), indicando que mulheres com idade acima de 51 anos tiveram 2,19
vezes mais chance de perda de força muscular pélvica, em comparação às mulheres
mais jovens. Não foram encontradas associações entre a força da musculatura
pélvica e cor/raça (p = 0,725), escolaridade (p = 0,493) e estado civil (p =
0,447).
Tabela
III - Associação
entre a força muscular pélvica e características sociodemográficas e clínicas
de mulheres com queixa de disfunção pélvica (n = 167). Teresina, PI, Brasil
*Outras = branca, negra, amarela; p = significância do
teste de associação; aqui-quadrado; bTeste
de Fisher
Foram encontradas associações estatisticamente
significativas entre a força muscular pélvica das mulheres e a menopausa (p =
0,039) e a histerectomia (p = 0,026). Em associação com a menopausa, o valor de
OR foi de 2,174 (IC 95% = 1,03 a 4,59), indicando que as mulheres menopausadas apresentaram 2,17 vezes mais chance de perda
de força muscular pélvica em relação às que não atingiram esse estágio, com
percentuais de 36 (21,6%) e 12 (7,2%), respectivamente. Em associação à
histerectomia, o valor de OR foi de 2,217 (IC95% = 1,09-4,51), indicando que
mulheres com queixas de disfunção pélvica submetidas à histerectomia
apresentaram 2,22 vezes mais chance de falta de força muscular pélvica, em
comparação com aquelas que não realizaram esse procedimento. Não foi encontrada
associação com doenças sexualmente transmissíveis (p = 0,580), gravidez (p =
0,371), via de parto (p = 0,593), episiotomia / laceração (p = 0,353),
disfunção ou queixas sexuais (p = 0,325) para tanto anorgasmia (Fisher p =
0,731), como diminuição da libido (Pearson p = 0,763) e dispareunia (Pearson p
= 0,603), incontinência urinária (p = 0,895) e qualidade de vida relacionada à
incontinência (p = 0,731).
Considerando que a IU é em geral subdiagnosticada e que os
esforços no sentido de identificá-la precocemente por meio de exames de rotina
serão úteis para propiciar tratamentos menos onerosos e com maiores chances de
sucesso, este estudo buscou avaliar a força da musculatura pélvica em mulheres
com queixas de disfunção pélvica. Os resultados obtidos puderam identificar uma
prevalência considerável de contração de não sustentada ou alguma contração nas
mulheres com queixas de disfunção pélvica (28,7%). Além disso, o impacto muito
grave na qualidade de vida em razão da IU esteve presente em 76,6% dos casos.
Igualmente foi percebido que a presença de força muscular pélvica teve relação
significativa com a idade, a menopausa e a realização da histerectomia.
A associação significativa entre a força muscular pélvica e
a idade das mulheres neste estudo identificou 2,19 vezes mais chance de perda
de força muscular pélvica em mulheres com mais de 51 anos. A idade das mulheres
acometidas pela IU é fator recorrente e discutido na literatura. Em geral,
mulheres a partir dos 40 anos estão propicias a esta afecção; especialmente
após climatério / menopausa. A menopausa é uma fase fisiológica vivida pela
mulher, a partir dos 40 anos, e está intimamente relacionada à diminuição dos
níveis dos hormônios estrogênio e progesterona. Esses hormônios têm grande
influência nas etapas essenciais da vida da mulher, na relação direta com a
maturação e manutenção dos órgãos sexuais [3,4].
Com a diminuição dos níveis de estrogênio e progesterona,
ocorrem alterações fisiológicas com sintomas que variam em intensidade e que
geram consequências que podem afetar o bem-estar geral da mulher. Dentre essas
alterações, a IU é conhecida por ser prevalente, gerando um grande desconforto
social, familiar e sexual. Isso pode ser explicado pelo fato de que a
diminuição dos níveis hormonais influencia direta e
negativamente em aspectos fundamentais para a manutenção da continência: mucosa
da uretra, vasculatura, músculo e tecido conjuntivo ao redor da uretra [3,4].
A menopausa é um fator que pode diminuir o suporte
anatômico ao redor da bexiga e da uretra, levando à hipermobilidade da uretra a
ponto de, ao invés de ser comprimida em momentos de aumento da pressão
intra-abdominal, a uretra desce sem compressão, resultando em menor pressão da
uretra para a bexiga e consequente vazamento de urina [1]. Um estudo mostrou
prevalência de 61% de mulheres menopausadas com
queixas de disfunção pélvica que não procuram tratamento para IU. Estas
mulheres não buscavam tratamento por não considerarem como motivo grave,
acharem que era um evento normal do envelhecimento ou mesmo por nunca terem
sido questionadas quanto à presença de IU [10].
Considerando aspectos da gestação e parto das mulheres com
disfunção e queixas do assoalho pélvico que participaram deste estudo,
predominou aquelas que tiveram gestações com parto vaginal e alto índice de
episiotomia ou laceração. Em relação à modalidade do parto, é comum dizer que o
parto normal confere maior risco de desenvolver IU de esforço quando comparado
à cesárea, pois os traumas no assoalho pélvico decorrentes do parto normal
representam risco para o desenvolvimento de IU [9,16]. Um estudo transversal
com 150 mulheres atendidas em um centro urológico, constatou que, entre as
mulheres com diagnóstico de IU, 28% tiveram parto cesáreo e 72% parto normal ou
vaginal [17]. Estudo de coorte realizado com mulheres jovens saudáveis e
nulíparas mostrou que durante a gestação houve aumento dos sintomas de IU, dor
perineal, diminuição da atividade sexual e manutenção do suporte pélvico [18].
Um estudo cujo objetivo foi avaliar a força perineal até
sete meses após o parto (vaginal ou cesáreo) constatou que mulheres que
realizaram cesárea apresentaram força muscular do assoalho pélvico maior do que
aquelas que realizaram parto vaginal [19]. Os autores que apontam o parto vaginal
como preditor de IU não consideram ser possível afirmar que a cesariana tenha
efeito preventivo à IU [20]. Além disso, presume-se que os partos vaginais com
episiotomia resultem em menor força muscular do assoalho pélvico em razão do
dano causado pelo trauma perineal pélvico. Assim, a episiotomia é considerada
um fator de risco associado ao desenvolvimento de sintomas de IU no pós-parto.
O procedimento é usado para amenizar os danos causados durante o parto,
principalmente em primíparas. É um método clínico, com uma incisão na região
perineal para expandir o trajeto do canal do parto e evitar rupturas na
expulsão do feto [21].
No tocante à histerectomia, quase 30% das mulheres com
queixas de disfunção pélvica e voluntárias da presente pesquisa foram
submetidas ao procedimento. Houve maior probabilidade de falta de força
muscular pélvica e da gravidade de suas consequências nas mulheres
histerectomizadas. A indicação da histerectomia corresponde a diferentes riscos
de disfunção, de forma que aquelas associadas ao câncer de colo uterino e
prolapso têm maior incidência de disfunção miccional, enquanto aquelas
realizadas por indicações benignas, como sangramento uterino anormal,
apresentam frequências menores. Embora a precisão das pacientes que serão afetadas
após a histerectomia seja difícil, é importante orientar às mulheres sobre a
possibilidade de incontinência, bem como sobre as capacidades de manejo, caso
ocorra [22]. Mulheres que realizaram histerectomia ainda são apontadas como de
alto risco para perda de força da musculatura do assoalho pélvico [23].
A disfunção ou queixa sexual foi relatada por 53,9% das
mulheres sendo identificadas como anorgasmia (6,6%), diminuição da libido
(28,7%) e dispareunia (19,2%). Quase todas as mulheres foram avaliadas como
incontinentes, e a maioria tinha IU de esforço (88,0%). Este estudo mostrou que
a IU como queixa mais frequente no serviço de clínica ginecológica estudado. A
IU representou um sério impacto na qualidade de vida, sendo alta frequência
daquelas que relataram a perda de urina (92,8%), a maioria sendo mais uma vez
ao dia em quantidades moderadas. O impacto dessa afecção foi expresso pela
percepção do problema das mulheres, cujo escore é subjetivo. Os parâmetros
clínicos relatados por elas podem ser considerados pontos cruciais tanto para
avaliar o grau de impacto da IU quanto sua evolução em decorrência de
intervenção precoce, simples, básica, de baixo custo, embora específica na
atenção primária à saúde. Em pesquisa brasileira de prevalência de sintomas
urinários, a IU foi descrita como a queixa mais comum (53,1%), mostrando-se
significativa [24].
Há uma prevalência considerável de mulheres com queixas de
disfunção pélvica que não apresentam contração sustentada ou qualquer
contração. Uma pesquisa realizada na Bósnia realizou uma análise de regressão univariada que mostrou envelhecimento, esforço físico no
trabalho, altura corporal, número de partos, atividades esportivas, cirurgias
ginecológicas causadas por prolapso, outras cirurgias ginecológicas e outras
doenças ginecológicas como parâmetros com correlação positiva com a força da
musculatura pélvica. No modelo de regressão multivariada, incontinência e
cirurgia de prolapso pélvico foram identificados como fatores de risco
independentes. O conhecimento dos fatores de risco que causam danos à
musculatura do assoalho pélvico constitui uma etapa para prevenir o
comprometimento da musculatura do assoalho pélvico [23].
Para melhorar a atenção às mulheres com IU, incentiva-se o
desenvolvimento de pesquisas direcionadas ao entendimento da etiologia
subjacente ao problema, bem como biomarcadores que possam ajudar a predizer o
sucesso do tratamento, avaliação de novos tratamentos e estudo aprofundado, com
resultados focados no paciente. As estratégias de tratamento baseadas em
evidências existentes têm mostrado resultados inconsistentes, às vezes são
caras e acompanhadas de efeitos colaterais [25]. Estudar a perda da continência
urinária e os fatores associados é relevante não só por se tratar de um grave
problema de saúde pública, mas também pela magnitude do sofrimento que causa às
pessoas acometidas nos níveis físico, psicológico e social.
Avaliar a força da musculatura pélvica em mulheres com
queixa de disfunção pélvica pode auxiliar os profissionais de saúde no
acolhimento das pacientes, na seleção da melhor estratégia terapêutica e na
redução do impacto negativo na qualidade de vida causado pela IU. No presente
estudo, a maioria das mulheres apresentou um impacto muito grave na qualidade
de vida relacionado a essa incontinência. A escala de Oxford modificada é uma
ferramenta útil para avaliar a força muscular pélvica e orientar o tratamento
precocemente. A menopausa, a histerectomia e o envelhecimento estão
intrinsecamente relacionados às queixas de perda urinária. Portanto, a mulher
nessas situações requer uma abordagem terapêutica específica. Os fatores de
risco responsáveis pelos problemas do assoalho pélvico podem ser considerados
cruciais para avaliar o grau de impacto da IU e sua evolução em decorrência de
intervenções precoces, simples e de baixo custo na atenção primária à saúde. As
disfunções do assoalho pélvico afetam negativa e substancialmente essa
qualidade de vida das mulheres.