Fisioter Bras 2021;2293):425-441

doi: 10.33233/fb.v22i3.4257

ARTIGO ORIGINAL

Força muscular do assoalho pélvico em mulheres com queixas de disfunção pélvica

Pelvic floor muscle strength in women with pelvic dysfunction complaint

 

Karoline Barbosa de Carvalho*, Francisco Tiago Oliveira Ibiapina**, Dionis de Castro Dutra Machado***

 

*Fisioterapeuta, Mestranda em Saúde Pública (Uniamérca College), **Fisioterapeuta (UFPI), Mestrando em Fisioterapia (UFRN), Fisioterapeuta da Força Aérea Brasileira, ***Fisioterapeuta (UCB), Professora do Departamento de Educação Física/CCS (UFPI)

 

Karoline Barbosa de Carvalho: karolbcarvalho@yahoo.com.br

Francisco Tiago Oliveira Ibiapina: ibiapinatiago@gmail.com

Dionis de Castro Dutra Machado: dionismachado@gmail.com

 

Recebido em 7 de julho de 2020; Aceito em 12 de maio de 2021.

Correspondência: Dionis de Castro Dutra Machado, UFPI, Av. Raul Lopes 1971 Ininga 64049560 Teresina PI

 

Resumo

A disfunção do assoalho pélvico envolve condições nosológicas, como incontinência urinária e disfunção sexual, com impacto negativo na qualidade de vida. O presente estudo objetivou avaliar a força muscular do assoalho pélvico de mulheres com disfunção pélvica. Trata-se de desenho analítico transversal realizado com uma amostra de conveniência de 167 mulheres com queixas de disfunções musculares do assoalho pélvico. Foram analisadas características sociodemográficas e clínicas, qualidade de vida relacionada à incontinência e força muscular pélvica. Estatísticas univariadase bivariadas foram calculadas. A idade média das mulheres foi de 50,2 anos. A maioria foi classificada com impacto muito grave (76,6%) na qualidade de vida relacionada à incontinência, 41 (24,6%) apresentaram contração muscular não sustentada e 7 (4,2%) apresentaram contração. Associações significativas foram identificadas entre força muscular pélvica e idade (p = 0,025), menopausa (p = 0,039) e histerectomia (p = 0,026). A pesquisa permitiu concluir que os fatores de risco responsáveis por problemas no assoalho pélvico podem ser considerados cruciais para avaliar o nível de impacto da incontinência urinária e sua evolução como resultado de intervenções precoces, simples e de baixo custo na atenção primária à saúde. As disfunções do assoalho pélvico afetam negativa e substancialmente a qualidade de vida das mulheres.

Palavras-chave: distúrbios do assoalho pélvico; incontinência urinária; qualidade de vida.

 

Abstract

Pelvic floor dysfunction involves nosological conditions, such as urinary incontinence and sexual dysfunction, which have a negative impact on quality of life. This study aimed to evaluate pelvic floor muscle strength of women with pelvic dysfunction. This is an analytical cross-sectional performed design with a convenience sample of 167 women with complaints of pelvic floor muscle dysfunctions. Sociodemographic and clinical characteristics, quality of life related to incontinence and pelvic muscle strength were analyzed. Univariate and bivariate statistics were calculated. The mean age of women was 50.2 years. Most were classified having a very severe impact (76.6%) on incontinence-related quality of life, 41 (24.6%) presented non-sustained muscle contraction and 7 (4.2%) presented in contraction. Significant associations were identified between pelvic muscle strength and age (p = 0.025), menopause (p = 0.039) and hysterectomy (p = 0.026). This study allowed us to conclude that the risk factors responsible for pelvic floor problems can be considered crucial to assess the level of impact of urinary incontinence and its evolution as a result of early, simple and low cost interventions in primary health care. Pelvic floor dysfunctions affect negatively and substantially the quality of life of women.

Keywords: pelvic floor disorders; urinary incontinence; quality of life.

 

Introdução

 

O assoalho pélvico é composto por músculos e ligamentos responsáveis pela sustentação dos órgãos pélvicos e abdominais, mantendo a continência urinária. A saúde dos músculos do assoalho pélvico é essencial para manter o funcionamento harmonioso da vagina, uretra e órgãos da pelve. Nas mulheres, a incontinência urinária (IU) tem sido estudada ao longo dos anos, pois causa desconforto e interfere diretamente nas atividades diárias. Sinais e sintomas relacionados às disfunções do assoalho pélvico são muito comuns e reforçam a necessidade da investigação da força muscular, principalmente em mulheres com queixas pélvicas [1]. Entre as funções mais importantes dos músculos do assoalho pélvico, destaca-se a manutenção da posição anatômica dos órgãos pélvicos, um bom desempenho sexual e, quando devidamente fortalecido, a prevenção de disfunções pélvicas [2].

No entanto, esses músculos são suscetíveis à atrofia ou enfraquecimento [2], o que pode comprometer aspectos como o desempenho sexual, pois a sensação de pressão intravaginal é reduzida, dificultando a atividade sexual da mulher e do parceiro. Outro problema frequente associado ao enfraquecimento desta musculatura é a IU, que consiste na queixa de qualquer perda involuntária de urina [3]. Essa disfunção é responsável por prejuízos físicos, psicológicos e sociais, e existem diversos fatores sociodemográficos, obstétricos e comportamentais associados a sua gênese. Dentre eles, destacam-se o envelhecimento, responsável pelo desgaste natural das fibras musculares que pode levar à atrofia; os problemas congênitos; a obesidade; a gravidez e o parto, que podem afetar parte do complexo esfincteriano; os distúrbios psíquicos (ansiedade, depressão e ataques de pânico); a constipação; os distúrbios alimentares; a atividade sexual e a contracepção oral combinada. Esses fatores podem causar incontinência em algum momento da vida, sendo contínua ou reversível [4,5].

Embora a IU seja subdiagnosticada, seja porque a maioria das mulheres não relata a perda de urina por vergonha ou por considerá-la um processo natural, uma revisão sistemática verificou a prevalência de 1% a 42,2% para mulheres na literatura geral. Entre o público feminino com queixa de IU, a prevalência de incontinência urinária variou de 12,5% a 79% para a de esforço; 15,6% a 41,6% para a de urgência e de 8,3% a 50% para a incontinência mista [3]. Durante a gravidez, a incidência e prevalência da IU variam de 14,1% a 75%, sendo a idade materna apontada como fator de aumento da IU [6,7]. Um estudo de coorte encontrou uma redução estatisticamente significativa na força da musculatura pélvica de mulheres que tiveram parto normal ou parto vaginal instrumental (p <0,001) e houve menos força desta musculatura nas mulheres com IU em comparação às continentes [8].

A diminuição da força muscular pélvica é um fator negativo para a gravidez e o parto. Neste contexto, promover o fortalecimento perineal facilita a prevenção e redução da IU. Estudos confirmam que mulheres que realizam exercícios perineais rotineiramente apresentam menor queixa de IU durante a gestação, promovendo a prevenção e o tratamento desta afecção. Os exercícios físicos generalizados não previnem a IU, sendo necessária a ênfase nos exercícios perineais [9]. Os profissionais de saúde devem estar preparados para acolher mulheres com IU, apresentando habilidade técnica e amplo conhecimento científico, além de conduta humanizada. Igualmente se faz necessária a abordagem multidisciplinar porque as disfunções do assoalho pélvico se caracterizam por serem multifatoriais, resultando em impacto negativo na qualidade de vida e prejuízos sociais e familiares. O conhecimento e a superação das barreiras relacionadas às crenças, assim como os esforços clínicos para tornar a identificação de IU um aspecto padrão na avaliação da saúde da mulher, são itens essenciais a serem enfocados na formação em saúde [10]. Neste sentido, este estudo teve como objetivo avaliar a força da musculatura pélvica em mulheres com queixa de disfunção pélvica.

 

Material e métodos

 

O presente estudo apresenta caráter transversal analítico e foi realizado em um hospital regional do Nordeste do Brasil. A população do estudo foi composta por mulheres com queixa de distúrbios da musculatura do assoalho pélvico. A amostra foi composta por mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, queixar-se de disfunção da musculatura do assoalho pélvico, ser atendida no ambulatório de ginecologia do hospital e apresentar encaminhamento médico para avaliação fisioterapêutica. Para o cálculo amostral foi utilizada a fórmula para determinar com base na estimativa da proporção da população para a população finita, expressa como: n = (N ∙ p ∙ (1-p) ∙ Z²) / (p ∙ (1-p) ∙ Z2 + (N-1) ∙ E²).

Para o tamanho da população (N) foi considerado como a quantidade média anual de atendimentos (400); para a proporção populacional de ocorrência do evento (p), foi utilizado 25%, sendo referido o percentual médio de mulheres acometidas pelo problema [11,12,13]; e o intervalo de confiança foi de 95% com curva normal do ponto crítico (Z) de 1,96 e erro máximo de estimativa (E) 5%. Assim, a amostra mínima exigida para o estudo consistiu em 167 mulheres. A amostragem foi não probabilística, por tipo de conveniência, na qual foram incluídas mulheres com queixa de disfunção pélvica atendidas no serviço de ginecologia da instituição e consultas com fisioterapeuta até que completassem o número mínimo da amostra.

O estudo atendeu às normas nacionais e internacionais para pesquisa em humanos, incluindo a Declaração de Helsinque e a Resolução CNS nº 466/12. Foi autorizada pela coordenação da clínica ginecológica e aprovada pelo comitê de ética e pesquisa do hospital sob o parecer nº 1.304.909. Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido em duas vias. Após a explicação dos objetivos e dos procedimentos desta investigação, os instrumentos de coleta de dados foram aplicados presencialmente, em ambiente privativo, que garantisse conforto, privacidade de segurança da confidencialidade dos dados coletados. A coleta de dados ocorreu no turno da manhã e os procedimentos de avaliação foram realizados por um único examinador.

Para coleta de dados, um formulário contendo variáveis sociodemográficas (idade, etnia/raça, escolaridade e estado civil) e clínicas (gravidez, paridade, tipo de parto, episiotomia/laceração vaginal, doenças sexualmente transmissíveis, cirurgias ginecológicas, disfunção / incontinência sexual e urinária reclamações) foi utilizado. Adicionalmente, o instrumento International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) foi empregado para verificar a qualidade de vida relacionada à incontinência e a escala de Oxford modificada para classificar a força da musculatura do assoalho pélvico avaliada pela palpação digital vaginal. O ICIQ-SF é composto por quatro questões que avaliam a frequência, gravidade e impacto da IU, além de um conjunto de oito itens relacionados a queixas ou situações vivenciadas. A pontuação geral é obtida pela soma das pontuações das questões 3, 4 e 5. Quanto maior a pontuação, maior o impacto na qualidade de vida. Os participantes foram classificados da seguinte forma: sem impacto (0 ponto); impacto leve (1 a 3 pontos); impacto moderado (4 a 6 pontos); impacto severo (7 a 9 pontos); e impacto muito grave (acima de 10 pontos) [14].

A avaliação da força da musculatura do assoalho pélvico foi feita com base na escala de Oxford modificada e por meio da palpação digital da vagina. Tal avaliação considerou as seguintes etapas: uso de lubrificante específico na região vaginal para proceder o exame; introdução de duas falanges distais dos dedos indicador e médio do avaliador, usando luvas de procedimentos, no intróito vaginal da voluntária; solicitação à participante que efetuasse contração da musculatura perineal e manutenção da contração voluntária pelo maior tempo possível. A contração voluntária foi solicitada por três vezes, havendo intervalo de 15 segundos entre as mesmas e o examinador mantendo os dedos no canal vaginal durante todas as medições da força da musculatura do assoalho pélvico. O resultado da melhor contração era registrado e considerado para classificação segundo a escala de Oxford modificada [15].

Os dados do estudo foram analisados no software IBM SPSS, versão 21.0 e foram calculados os valores de média (± DP), valores mínimo e máximo para as variáveis quantitativas; e frequências para qualitativa. Para a análise inferencial, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson. Quando não atendidas as condições deste teste, as variáveis foram dicotomizadas para a realização do teste exato de Fisher. Para associações significativas foram calculados efeitos de medidas como o Odds Ratio (OR) e seu intervalo de confiança (IC). Para a dicotomia das variáveis quantitativas, foi considerado o valor da mediana da distribuição dos valores. Foram calculados os percentuais da tabela de contingência para o total da amostra. O nível de significância foi de 5%.

 

Resultados

 

As mulheres com queixas de disfunção pélvica foram caracterizadas quanto aos aspectos sociodemográficos, os quais estão descritos na Tabela I. A média ± DP de idade das mulheres com queixas de disfunção pélvica foi de 50,2 ± 14,1 anos, com idade mínima de 19,0 e máxima de 80,0 anos. A maioria das participantes declararam-se pardas (59,9%), com escolaridade até o ensino fundamental (35,9%) e casadas (71,9%).

 

Tabela I - Descrição sociodemográfica de mulheres com queixas de disfunção pélvica (n = 167). Teresina, PI, Brasil

 

M = Média; DP = desvio padrão

 

Os dados clínicos da amostra estudada encontram-se na tabela II. Entre as participantes, 62,9% com queixas de disfunção pélvica, estavam na menopausa; 2,4% apresentavam alguma doença sexualmente transmissível e 29,2% foram submetidas à histerectomia. O relato de gestação esteve presente em 91,0% das voluntárias e cuja média ± DP foi 3,7 ± 7,9, tendo o número máximo de seis gestações. O principal tipo de parto foi vaginal (79,0%) e a episiotomia foi realizada em 73,7% ou houve laceração. A queixa ou disfunção sexual foi relatada por 53,9% das participantes, distribuídas em: 6,6% anorgasmia, 28,7% diminuição da libido e 19,2% dispareunia. A IU por esforço esteve presente em 88,0% das voluntárias.

 

Tabela II - Descrição clínica de mulheres com queixa de disfunção pélvica (n = 167). Teresina, PI, Brasil

 

M = Média; DP = desvio padrão; *N = 152

 

O nível de qualidade de vida relacionado à incontinência, segundo a classificação do ICIQ-SF, que varia de muito grave a nenhuma gravidade, apresentou pontuação média ± DP 11,2 ± 4,8 variando de 0,0 a 20,0 pontos. A maioria das mulheres foi classificada com impacto muito grave (76,6%) na qualidade de vida relacionada à incontinência. As participantes foram classificadas em 93,4% como incontinentes e 6,6% continentes. O gráfico 1 ilustra os demais resultados obtidos na avaliação da qualidade de vida relacionada à classificação do ICIQ-SF.

 


Gráfico 1 - Distribuição das mulheres com queixa de disfunção pélvica de acordo com a classificação do ICIQ-SF (n = 167)

 

Quanto à caracterização da perda urinária em mulheres com queixas de disfunção pélvica, 92,8% referiram perda urinária, sendo informada uma frequência semanal 22,7%, uma vez ao dia 28,7%, várias vezes ao dia 16,2%, várias vezes 17,4% e 7,8% o tempo todo. Apenas 7,2% das voluntárias não relataram perda de urina. Em relação à quantidade de urina perdida 40,7% das mulheres relataram pequenas perdas; 46,7% perdas moderadas e 7,8% grandes perdas. A classificação da força da musculatura do assoalho pélvico foi feita por meio da escala de Oxford modificada, cujos resultados são apresentados no gráfico 2.

Gráfico 2 - Distribuição de mulheres com queixa de disfunção pélvica de acordo com a classificação da escala de Oxford modificada (n = 167)

 

As associações investigadas entre a força muscular pélvica e as características sociodemográficas e clínicas de mulheres com queixas de disfunção pélvica estão apresentadas na Tabela III. Foi encontrada associação estatisticamente significativa entre a força muscular pélvica e a idade das mulheres (p = 0,025). Para essa associação, o valor do OR foi de 2,195 (IC95% 1,098 a 4,389), indicando que mulheres com idade acima de 51 anos tiveram 2,19 vezes mais chance de perda de força muscular pélvica, em comparação às mulheres mais jovens. Não foram encontradas associações entre a força da musculatura pélvica e cor/raça (p = 0,725), escolaridade (p = 0,493) e estado civil (p = 0,447).

 

Tabela III - Associação entre a força muscular pélvica e características sociodemográficas e clínicas de mulheres com queixa de disfunção pélvica (n = 167). Teresina, PI, Brasil

 

*Outras = branca, negra, amarela; p = significância do teste de associação; aqui-quadrado; bTeste de Fisher

 

Foram encontradas associações estatisticamente significativas entre a força muscular pélvica das mulheres e a menopausa (p = 0,039) e a histerectomia (p = 0,026). Em associação com a menopausa, o valor de OR foi de 2,174 (IC 95% = 1,03 a 4,59), indicando que as mulheres menopausadas apresentaram 2,17 vezes mais chance de perda de força muscular pélvica em relação às que não atingiram esse estágio, com percentuais de 36 (21,6%) e 12 (7,2%), respectivamente. Em associação à histerectomia, o valor de OR foi de 2,217 (IC95% = 1,09-4,51), indicando que mulheres com queixas de disfunção pélvica submetidas à histerectomia apresentaram 2,22 vezes mais chance de falta de força muscular pélvica, em comparação com aquelas que não realizaram esse procedimento. Não foi encontrada associação com doenças sexualmente transmissíveis (p = 0,580), gravidez (p = 0,371), via de parto (p = 0,593), episiotomia / laceração (p = 0,353), disfunção ou queixas sexuais (p = 0,325) para tanto anorgasmia (Fisher p = 0,731), como diminuição da libido (Pearson p = 0,763) e dispareunia (Pearson p = 0,603), incontinência urinária (p = 0,895) e qualidade de vida relacionada à incontinência (p = 0,731).

 

Discussão

 

Considerando que a IU é em geral subdiagnosticada e que os esforços no sentido de identificá-la precocemente por meio de exames de rotina serão úteis para propiciar tratamentos menos onerosos e com maiores chances de sucesso, este estudo buscou avaliar a força da musculatura pélvica em mulheres com queixas de disfunção pélvica. Os resultados obtidos puderam identificar uma prevalência considerável de contração de não sustentada ou alguma contração nas mulheres com queixas de disfunção pélvica (28,7%). Além disso, o impacto muito grave na qualidade de vida em razão da IU esteve presente em 76,6% dos casos. Igualmente foi percebido que a presença de força muscular pélvica teve relação significativa com a idade, a menopausa e a realização da histerectomia.

A associação significativa entre a força muscular pélvica e a idade das mulheres neste estudo identificou 2,19 vezes mais chance de perda de força muscular pélvica em mulheres com mais de 51 anos. A idade das mulheres acometidas pela IU é fator recorrente e discutido na literatura. Em geral, mulheres a partir dos 40 anos estão propicias a esta afecção; especialmente após climatério / menopausa. A menopausa é uma fase fisiológica vivida pela mulher, a partir dos 40 anos, e está intimamente relacionada à diminuição dos níveis dos hormônios estrogênio e progesterona. Esses hormônios têm grande influência nas etapas essenciais da vida da mulher, na relação direta com a maturação e manutenção dos órgãos sexuais [3,4].

Com a diminuição dos níveis de estrogênio e progesterona, ocorrem alterações fisiológicas com sintomas que variam em intensidade e que geram consequências que podem afetar o bem-estar geral da mulher. Dentre essas alterações, a IU é conhecida por ser prevalente, gerando um grande desconforto social, familiar e sexual. Isso pode ser explicado pelo fato de que a diminuição dos níveis hormonais influencia direta e negativamente em aspectos fundamentais para a manutenção da continência: mucosa da uretra, vasculatura, músculo e tecido conjuntivo ao redor da uretra [3,4].

A menopausa é um fator que pode diminuir o suporte anatômico ao redor da bexiga e da uretra, levando à hipermobilidade da uretra a ponto de, ao invés de ser comprimida em momentos de aumento da pressão intra-abdominal, a uretra desce sem compressão, resultando em menor pressão da uretra para a bexiga e consequente vazamento de urina [1]. Um estudo mostrou prevalência de 61% de mulheres menopausadas com queixas de disfunção pélvica que não procuram tratamento para IU. Estas mulheres não buscavam tratamento por não considerarem como motivo grave, acharem que era um evento normal do envelhecimento ou mesmo por nunca terem sido questionadas quanto à presença de IU [10].

Considerando aspectos da gestação e parto das mulheres com disfunção e queixas do assoalho pélvico que participaram deste estudo, predominou aquelas que tiveram gestações com parto vaginal e alto índice de episiotomia ou laceração. Em relação à modalidade do parto, é comum dizer que o parto normal confere maior risco de desenvolver IU de esforço quando comparado à cesárea, pois os traumas no assoalho pélvico decorrentes do parto normal representam risco para o desenvolvimento de IU [9,16]. Um estudo transversal com 150 mulheres atendidas em um centro urológico, constatou que, entre as mulheres com diagnóstico de IU, 28% tiveram parto cesáreo e 72% parto normal ou vaginal [17]. Estudo de coorte realizado com mulheres jovens saudáveis e nulíparas mostrou que durante a gestação houve aumento dos sintomas de IU, dor perineal, diminuição da atividade sexual e manutenção do suporte pélvico [18].

Um estudo cujo objetivo foi avaliar a força perineal até sete meses após o parto (vaginal ou cesáreo) constatou que mulheres que realizaram cesárea apresentaram força muscular do assoalho pélvico maior do que aquelas que realizaram parto vaginal [19]. Os autores que apontam o parto vaginal como preditor de IU não consideram ser possível afirmar que a cesariana tenha efeito preventivo à IU [20]. Além disso, presume-se que os partos vaginais com episiotomia resultem em menor força muscular do assoalho pélvico em razão do dano causado pelo trauma perineal pélvico. Assim, a episiotomia é considerada um fator de risco associado ao desenvolvimento de sintomas de IU no pós-parto. O procedimento é usado para amenizar os danos causados durante o parto, principalmente em primíparas. É um método clínico, com uma incisão na região perineal para expandir o trajeto do canal do parto e evitar rupturas na expulsão do feto [21].

No tocante à histerectomia, quase 30% das mulheres com queixas de disfunção pélvica e voluntárias da presente pesquisa foram submetidas ao procedimento. Houve maior probabilidade de falta de força muscular pélvica e da gravidade de suas consequências nas mulheres histerectomizadas. A indicação da histerectomia corresponde a diferentes riscos de disfunção, de forma que aquelas associadas ao câncer de colo uterino e prolapso têm maior incidência de disfunção miccional, enquanto aquelas realizadas por indicações benignas, como sangramento uterino anormal, apresentam frequências menores. Embora a precisão das pacientes que serão afetadas após a histerectomia seja difícil, é importante orientar às mulheres sobre a possibilidade de incontinência, bem como sobre as capacidades de manejo, caso ocorra [22]. Mulheres que realizaram histerectomia ainda são apontadas como de alto risco para perda de força da musculatura do assoalho pélvico [23].

A disfunção ou queixa sexual foi relatada por 53,9% das mulheres sendo identificadas como anorgasmia (6,6%), diminuição da libido (28,7%) e dispareunia (19,2%). Quase todas as mulheres foram avaliadas como incontinentes, e a maioria tinha IU de esforço (88,0%). Este estudo mostrou que a IU como queixa mais frequente no serviço de clínica ginecológica estudado. A IU representou um sério impacto na qualidade de vida, sendo alta frequência daquelas que relataram a perda de urina (92,8%), a maioria sendo mais uma vez ao dia em quantidades moderadas. O impacto dessa afecção foi expresso pela percepção do problema das mulheres, cujo escore é subjetivo. Os parâmetros clínicos relatados por elas podem ser considerados pontos cruciais tanto para avaliar o grau de impacto da IU quanto sua evolução em decorrência de intervenção precoce, simples, básica, de baixo custo, embora específica na atenção primária à saúde. Em pesquisa brasileira de prevalência de sintomas urinários, a IU foi descrita como a queixa mais comum (53,1%), mostrando-se significativa [24].

Há uma prevalência considerável de mulheres com queixas de disfunção pélvica que não apresentam contração sustentada ou qualquer contração. Uma pesquisa realizada na Bósnia realizou uma análise de regressão univariada que mostrou envelhecimento, esforço físico no trabalho, altura corporal, número de partos, atividades esportivas, cirurgias ginecológicas causadas por prolapso, outras cirurgias ginecológicas e outras doenças ginecológicas como parâmetros com correlação positiva com a força da musculatura pélvica. No modelo de regressão multivariada, incontinência e cirurgia de prolapso pélvico foram identificados como fatores de risco independentes. O conhecimento dos fatores de risco que causam danos à musculatura do assoalho pélvico constitui uma etapa para prevenir o comprometimento da musculatura do assoalho pélvico [23].

Para melhorar a atenção às mulheres com IU, incentiva-se o desenvolvimento de pesquisas direcionadas ao entendimento da etiologia subjacente ao problema, bem como biomarcadores que possam ajudar a predizer o sucesso do tratamento, avaliação de novos tratamentos e estudo aprofundado, com resultados focados no paciente. As estratégias de tratamento baseadas em evidências existentes têm mostrado resultados inconsistentes, às vezes são caras e acompanhadas de efeitos colaterais [25]. Estudar a perda da continência urinária e os fatores associados é relevante não só por se tratar de um grave problema de saúde pública, mas também pela magnitude do sofrimento que causa às pessoas acometidas nos níveis físico, psicológico e social.

 

Conclusão

 

Avaliar a força da musculatura pélvica em mulheres com queixa de disfunção pélvica pode auxiliar os profissionais de saúde no acolhimento das pacientes, na seleção da melhor estratégia terapêutica e na redução do impacto negativo na qualidade de vida causado pela IU. No presente estudo, a maioria das mulheres apresentou um impacto muito grave na qualidade de vida relacionado a essa incontinência. A escala de Oxford modificada é uma ferramenta útil para avaliar a força muscular pélvica e orientar o tratamento precocemente. A menopausa, a histerectomia e o envelhecimento estão intrinsecamente relacionados às queixas de perda urinária. Portanto, a mulher nessas situações requer uma abordagem terapêutica específica. Os fatores de risco responsáveis pelos problemas do assoalho pélvico podem ser considerados cruciais para avaliar o grau de impacto da IU e sua evolução em decorrência de intervenções precoces, simples e de baixo custo na atenção primária à saúde. As disfunções do assoalho pélvico afetam negativa e substancialmente essa qualidade de vida das mulheres.

 

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