ARTIGO ORIGINAL
Confiabilidade da
análise de processo para o desempenho da tarefa de levantar-se do solo em
idosos
Intra e inter reliability of supine-to-stand task performance in older
adults
Frederico Santos de
Santana*, Solange de Oliveira Martins Borges**, Jesus Lucas Pereira Ribeiro**,
Camila de Santana Mota***, Anderson Henry Pereira Feitoza,
M.Sc.****, Maria Teresa Cattuzzo,
D.Sc.****, Marisete Peralta
Safons, D.Sc.****
*Doutorado em andamento - Centro Universitário Euro-Americano (UNIEURO), **Graduação em andamento - Centro Universitário Euro-Americano (UNIEURO), ***Mestrado em andamento - Universidade de Brasília (UnB), ****Universidade de Pernambuco (UPE), *****Universidade de Brasília (UnB)
Recebido em 16 de julho
de 2020; aceito em 6 de outubro de 2020.
Correspondência: Frederico Santos de
Santana, UnB Campus Universitário Darcy Ribeiro - Asa Norte 70910-900 Brasília
DF
Frederico Santos de
Santana: fredericosantosdesantana@gmail.com
Solange de Oliveira
Martins Borges: solmartins.05@gmail.com
Jesus Lucas Pereira
Ribeiro: jesuslucas123@hotmail.com
Camila de Santana Mota:
camilasantana.santos@gmail.com
Anderson Henry Pereira Feitoza: anderson_henry@outlook.com
Maria Teresa Cattuzzo: mtcattuzzo@hotmail.com
Marisete Peralta Safons: mari7@unb.br
Resumo
A tarefa de levantar-se
do solo a partir do decúbito dorsal (STS) tem apresentado recursos avaliativos
complementares, em termos de julgamento do desempenho motor, físico e funcional
em idosos por meio de medidas quantitativas e qualitativas. Especificamente, em
medidas de processo (qualitativas) há sete protocolos que categorizam o
desempenho do STS em idosos. Objetivo: Determinar o nível de
confiabilidade intra e entre avaliadores da análise
de processo do STS em idosos, segundo protocolo adaptado de Manini
et al. Métodos: 25 idosos (12 mulheres) realizaram a tarefa de
levantar-se do solo a partir do decúbito dorsal sem auxílio. Dois codificadores
de vídeo, estudantes de graduação no nível superior de educação - tempo de
experiência > 2 anos em Educação Física e ± 6 meses de uso do protocolo
classificaram o desempenho dos idosos de acordo com o protocolo. A
confiabilidade intra-avaliador e entre avaliadores
foi considerada moderada (K = 0,533; p = 0,001; K = 0,466; p = 0,001) e
substancial para a medida intra-avaliador 2 (K =
0,736; p = 0,001). O nível de confiabilidade intra e entre-avaliadores do STS segundo o protocolo adaptado de Manini foi considerado moderado para sujeitos idosos.
Palavras-chave: idoso, habilidade
motora, avaliação geriátrica, confiabilidade.
Abstract
The
Supine-To-Stand task (STS) has presented complementary assessment resources, in
terms of motor, physical and functional assessment in the elderly through
quantitative and qualitative measures. Specifically, in process measures (qualitative)
seven protocols categorize the performance of STS in the elderly. Objective: To
determine the level of reliability within and between evaluators of the STS
process analysis in the elderly, according to a protocol adapted from Manini et
al. Methods: 25 elderly (12 female) performed the task of rising
from the ground from the supine position without assistance. Two video
encoders, graduate students at the higher education level - time of experience >2
years in Physical Education and ± 6 months in use of the protocol classified
the performance of the elderly according to this protocol. Intra-rater and
between rater reliability was considered moderate (K =
0.533; p = 0.001; K = 0.466; p = 0.001) and substantial for intra-rater 2 (K =
0.736; p = 0.001). The level of intra- and inter-rater reliability of the STS
according to the adapted protocol of Manini was considered moderate for elderly
subjects.
Keywords: aged, motor skill, geriatric assessment, reliability.
Até 2025, o Brasil será
o sexto país a ter idosos com 60 anos ou mais em todo o mundo, podendo chegar a
15,5 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde [1]. Durante o
envelhecimento, ocorrem perdas gradativas nos componentes motores, processo
denominado retrogênese [2,3]. A tarefa de se levantar
do solo a partir da posição de decúbito dorsal, em inglês, Supine-To-Stand (STS), tem se mostrado um marcador da competência
motora válido, prático, útil e viável por ser uma das tarefas básicas e
fundamentais da vida diária e seu desempenho associado aos maiores níveis de
independência [4].
O ato de levantar-se do
solo representa uma habilidade motora que emerge no início da infância e cessa
com a morte. Nesse sentido, alguns estudos apontam que o desempenho e o padrão
motor em realizar esta ação motora divergem em crianças, jovens adolescentes,
adultos e idosos [5]. Nessa perspectiva, as razões para estudar a capacidade do
idoso em levantar-se do solo são especialmente importantes na avaliação
geriátrica, visto que preservar essa habilidade é fundamental para a manutenção
da capacidade funcional do idoso. O desempenho do STS foi investigado em
crianças, adolescentes e idosos e mostrou-se capaz de mapear a competência
motora durante todo o ciclo da vida [4-7].
Quando comparado com
outras tarefas básicas da vida diária, o STS demonstrou maior gasto energético
para sujeitos idosos [8]. Do ponto de vista desenvolvimentista, a avaliação da
competência motora pode ser feita por meio das medidas de processo (qualitativo,
identificação de categorias de movimento descritas em listas de checagem) e
medidas de produto (determinação do tempo necessário para realização da tarefa
motora) [9]. No entanto, alguns estudos que investigaram o desempenho de
produto e processo no STS apresentaram restrições de ordem metodológica como a
clara e precisa descrição do momento em que o movimento termina e a variedade
de métodos de testagem do STS relacionadas ao número de tentativas, o número e
posicionamento das câmeras de filmagem e a possibilidade de uso de auxílio
externo.
Frente ao contexto
apresentado, recomenda-se a clara definição um protocolo para testagem do
desempenho no STS, assim como, de um protocolo para avaliação deste desempenho.
Além disso, no intuito de preservar um bom nível de validade interna do estudo,
alguns critérios precisam apresentar bom desempenho, dentre os quais se destaca
a confiabilidade intra e entre avaliadores. A
confiabilidade mostra a consistência atingida por um instrumento ou por um
examinador, seguindo as mesmas condições de avaliação. A confiabilidade intra-avaliador é definida como a veracidade dos parâmetros
de avaliação realizados nas mesmas condições de trabalho e em momentos
distintos, assim como, a confiabilidade entre avaliadores se associa a
consistência das avaliações dos parâmetros realizados por dois ou mais
avaliadores [10].
Dentre os protocolos
existentes para análise de processo do STS em idosos, o estudo de Manini et al. [11], destaca-se por apresentar uma
das menores quantidades de categorias de análise, visto que a proposição deste
estudo foi desenvolver uma escala objetiva de modificação no padrão motor de
tarefas da vida diária que possa ser usada para estimar a capacidade física em
uma etapa anterior à incapacidade [11]. A análise dos vídeos foi realizada por
profissionais com larga experiência clínica (5-15 anos) na avaliação de
capacidade funcional em idosos, porém os níveis de confiabilidade não foram
determinados exclusivamente para o STS. Neste sentido, além da viabilidade
operacional, o uso do protocolo de forma adaptada e avaliada por profissionais
com menor experiência implica em maior validade externa, justificando ainda
mais a sua recomendação. A partir daí, desenvolveu-se a hipótese de que o nível
de confiabilidade intra e entre avaliadores da
análise de processo do STS em idosos será pelo menos moderado, segundo o
protocolo adaptado de Manini et al. [11].
Determinou-se o nível de confiabilidade intra e entre
avaliadores da análise de processo do STS em idosos, segundo protocolo adaptado
de Manini et al. [11].
Tipo do estudo e
aspectos éticos
Trata-se de um estudo
quantitativo, descritivo e metodológico [12] da confiabilidade da tarefa
levantar-se do solo a partir do decúbito dorsal, como marcador da competência
motora. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro
Universitário Euro-Americano (protocolo nº 3.055.980) e todos os voluntários
assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Descrição da amostra
A amostra foi constituída por sujeitos
saudáveis (>60 anos; n = 25; 12 mulheres), voluntários,
alfabetizados e sem impedimentos físicos, clínicos ou mentais para a execução
da tarefa de levantar-se do solo a partir da posição de decúbito dorsal, sem
assistência. Os codificadores das filmagens do STS foram estudantes de
graduação no nível superior de educação - tempo de experiência > 2 anos em
Educação Física e ± 6 meses com o protocolo de Manini
et al. [11] adaptado.
Descrição do protocolo
experimental
Os voluntários ao
chegarem ao local de coletas de dados ficaram aproximadamente cinco minutos em
repouso, assinaram o TCLE e responderam um questionário de dados demográficos
(nome, sexo, idade, data de nascimento e contatos), medicamentosos (uso
regular, quantidade e quais) e sobre a condição física geral (uso de
dispositivo locomotor, histórico de queda e fratura, medo de cair, percepção da
competência motora). Foram coletados dados hemodinâmicos - Pressão Arterial
(PA) e Frequência Cardíaca (FC), composição corporal - massa corporal e
estatura. Na sequência, realizou-se o STS, a dinamometria
de preensão manual (protocolo europeu), Time-to-Up-and-Go! (TUG) e o apoio unipodal [13].
Descrição do STS
O objetivo da tarefa
foi levantar-se o mais rápido possível da posição
decúbito dorsal tocar um alvo fixo na parede à altura dos olhos. Em uma sala
silenciosa com piso limpo e plano, com um espaço vazio de aproximadamente 8 m²
foi colocado um tapete de borracha (2 m de comprimento x 1 m de largura)
pregado com fita adesiva em suas extremidades a 30 cm da parede. A distância da
câmera preservou um quadro que captura a imagem do sujeito completamente e o
mais próximo possível. Na sequência, depois de orientado a assumir a posição de
decúbito dorsal, com os braços estendidos ao longo do tronco, o voluntário foi
instruído a levantar-se do solo o mais rápido possível, da forma que achasse
mais adequada e tocar a parede no ponto posicionado à altura dos olhos. Para o
comando, foi usada a seguinte frase em tom imperativo: “- Atenção: ao meu sinal
você deverá levantar-se o mais rápido possível e tocar o ponto que está à sua
frente, na parede, ok? Prepara. Já!”. Foram realizadas duas tentativas com
intervalo de 2 minutos entre elas (a tentativa mais veloz foi assumida para
análise de desempenho). A ação motora foi filmada para análise posterior. Foi
realizado um processo de cegamento entre os pesquisadores que realizaram os
testes, avaliadores dos vídeos e analisadores estatísticos. A análise foi
realizada no software KINOVEA 0.8.15, disponível gratuitamente na internet
(www.kinovea.com) [4].
Descrição das
categorias de análise do protocolo de Manini et
al. [11] adaptado:
0 - Levanta-se de forma
firme e controlada com ou sem rolamento para a posição pronada;
1 - Usa uma ou duas
mãos em cima da coxa ou levemente toca a solo;
2 - Bear
crawl - duas mãos e dois pés no solo, sem apoio dos joelhos,
eleva-se para a posição vertical;
3 - Usa uma ou duas
mãos apoiando com força no solo causando um deslocamento da massa corporal.
Análise estatística
Os dados descritivos
foram apresentados por meio da frequência absoluta e relativa (%) de dados
demográficos (sexo), média como amplitude interquartil de tendência central,
assim como, desvio padrão, como medidas de dispersão, respectivamente [12]. A
confiabilidade intra e entre-avaliadores
do desempenho de processo da tarefa de levantar-se do solo foi avaliado por
meio do Coeficiente Kappa (K), com nível de significância adotado p ≤
0,05 [11,14]. Por fim, a classificação do desempenho dos avaliadores de acordo
com os seguintes intervalos: 0 - 0,20 (concordância mínima); 0,21 – 0,40
(concordância razoável); 0,41 – 0,60 (concordância moderada); 0,61 – 0,80
(concordância substancial); > 0,81 (concordância perfeita) [15–17].
A amostra foi composta
por 25 sujeitos, 48% do sexo feminino. A maioria (78,2%) relatou ingerir
medicamentos de uso contínuo. Poucos indivíduos apresentaram medo de cair
elevado, (8,6%) sofreram quedas no último ano, e não houve nenhuma fratura,
como mostrado na Tabela I.
O IMC foi elevado em 42%
da amostra e o equilíbrio estático mostrou-se abaixo do normal para
aproximadamente metade dos sujeitos. Em contrapartida, a maioria dos idosos
apresentou a força muscular acima do esperado e 92% dos avaliados tiveram
excelentes resultados no TUG [13]. Finalmente, o desempenho no STS variou de
2,06 a 19,61s.
Tabela I - Descrição da
amostra referente aos dados demográficos, estado geral de saúde e desempenho
físico e funcional.
a = média ±
desvio-padrão; b = mediana ± intervalo interquartílico; mmHg = milímetros de
mercúrio; bpm = batimentos por minuto; kg =
quilogramas; m = metros; kg/m2 = quilogramas por metro quadrado; s = segundos;
kgf = quilogramas-força.
A Tabela II mostra os
resultados do nível de confiabilidade intra e entre-avaliadores no STS, segundo o protocolo adaptado de Manini et al. [11]. A confiabilidade intra-avaliador 1 e entre avaliadores foi considerada
moderada e substancial para a medida intra avaliador
2.
Tabela II - Nível de
confiabilidade intra e entre-avaliadores
segundo protocolo de Manini et al. adaptado.
K = Coeficiente Kappa; p
= Nível de significância.
Determinou-se o nível
de confiabilidade intra e entre avaliadores da
análise de processo do STS em idosos, segundo o protocolo adaptado de Manini et al. [11]. Viu-se um moderado nível de
confiabilidade intra e entre avaliadores, coincidindo
com a hipótese levantada, na qual a confiabilidade seria pelo menos moderada. A
grande maioria das variáveis coletadas apresentou um bom nível de homogeneidade
da amostra. A diminuída experiência dos codificadores de vídeo reforça o
entendimento de que o protocolo apresentado é, não somente viável
operacionalmente, mas principalmente confiável, em termos de validade externa.
Mesmo assim, alguns fatores podem ter contribuído de forma significativa para
esses resultados dentre os quais se destaca o IMC, equilíbrio estático e medo
de cair.
A composição corporal
desfavorável determina importantes implicações funcionais na população idosa,
uma vez que pode exacerbar o declínio da capacidade física e funcional durante
o envelhecimento [4]. Em adição, Naugle et al. [14] mostraram que indivíduos sobrepesados e
obesos apresentaram uma frequência maior de estratégias compensatórias para a
realização do STS. Deve-se considerar que dois quintos da amostra
do presente estudo apresentou uma condição pelo menos de sobrepeso, em termos
de composição corporal e esta variabilidade de condições
pode interferir no grau de dificuldade de determinação das categorias de
desempenho do STS.
O ato de levantar-se do
solo envolve um mecanismo de mudanças de segmentos corporais, por intermédio do
controle do equilíbrio estático e dinâmico [4]. Os resultados apresentados
mostraram que a amostra do presente estudo apresentou uma importante
heterogeneidade no desempenho do equilíbrio estático. Além disso, o medo da
queda gera um menor nível de confiança e, consequentemente, aumenta a
probabilidade de apresentação de pior desempenho em tarefas básicas da vida
diária como o STS. Medo de cair, assim como, baixo desempenho para realização
de atividades da vida diária está fortemente relacionado com fatores adversos
que incluem qualidade de vida diminuída, redução da mobilidade, aumento da
fragilidade, depressão e institucionalização [15]. No presente estudo, o medo de cair mais
elevado foi mais frequentemente observado nas idosas. Especula-se que estes
fatores também podem influenciar o desempenho avaliativo dos codificadores.
Porém, mesmo
consideradas variáveis confundidoras potenciais para
determinação das categorias de desempenho por parte dos codificadores, os
resultados da confiabilidade mantiveram-se satisfatórios. Deve-se ainda
reforçar a análise do STS como teste de rastreio da competência funcional
motora, visto que se trata de uma tarefa motora e natural, isto é, já faz parte
do repertório motor humano, não precisa de aprendizagem e é relativamente
simples de execução e aplicação. Mais especificamente, o protocolo de Manini et al. adaptado se mostrou uma boa opção em
termos de avaliação por medidas de processo, em especial pela baixa quantidade
de categorias que distinguem o desempenho [11]. Por outro lado, limitações
devem ser consideradas como o número reduzido de câmeras (uma), posicionada no
plano sagital, assim como, o tempo de treinamento dos codificadores.
O nível de
confiabilidade intra e entre-avaliadores
do STS segundo o protocolo adaptado de Manini et
al. foi considerado moderado para sujeitos idosos.
Financiamento
Este trabalho não
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Conflito de interesse
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