Fisioter Bras 2021;22(4);609-24

doi: 10.33233/fb.v22i4.4527

REVISÃO

Cinesioterapia aplicada à fadiga oncológica

Kinesiotherapy applied to oncological fatigue

 

Raynara Kéllen Pinto Moreira*, Barbara Kelly de Souza Barreto*, Lucicleia Nascimento Santos*, Yandra Alves Prestes*, Maria Gabriela de Andrade Lucena, Ft.**, Hércules Lázaro Morais Campos, Ft., M.Sc.***

 

*Graduanda de Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB), Coari, AM, **Fisioterapeuta do Hospital Paulistano A. C. Camargo, Pós-Graduada em Fisioterapia Oncológica e Hospitalar pelo Hospital A. C. Camargo de São Paulo, Título de Especialista em Oncologia pela ABFO/COFFITO e Mestranda em Ciência Cirúrgica pelo Departamento de Cirurgia Vascular pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ***Doutorando em Saúde Coletiva, Docente de Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB), Coari, AM

 

Recebido em 22 de dezembro de 2020; Aceito em 13 de agosto de 2021.

Correspondência: Raynara Kéllen Pinto Moreira, Beco dos Amorins, 137, Chagas Aguiar, 69460-000 Coari AM, E-mail: raynara.moreira16@gmail.com

 

Raynara Kéllen Pinto Moreira: raynara.moreira16@gmail.com

Barbara Kelly de Souza Barreto: barbara.sbarreto@hotmail.com

Lucicleia Nascimento Santos: nascimento.santos.lucicleia@gmail.com

Yandra Alves Prestes: yprestess18@hotmail.com

Maria Gabriela de Andrade Lucena: gabrielalucena19@yahoo.com.br

Hércules Lázaro Morais Campos: herculeslmc@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Buscou-se na literatura estudos que façam uso da cinesioterapia para tratar, atenuar e melhorar a fadiga em pacientes oncológicos além de identificar qual melhor intervenção para prática clínica com esse grupo de pacientes. Métodos: Realizou-se uma revisão integrativa da literatura acompanhada com avaliação de qualidade metodológica. Iniciaram-se as buscas no período de 7 de maio de 2020 a 15 de setembro de 2020, nas bases de dados PEDro, Pubmed e Scielo. Foram encontrados 146 artigos, porém apenas 12 foram selecionados e analisados de acordo com os critérios de inclusão e a qualidade metodológica da escala PEDro. Resultados: Os estudos encontrados apresentam diversas condutas fisioterapêuticas para a fadiga em pacientes com idade entre 18 e 94 anos de curto a longo prazo, sendo no mínimo 3 meses e no máximo 2 anos de intervenção em níveis ambulatoriais e domiciliares, com protocolos de exercícios terapêuticos aeróbicos, ativos, resistidos e funcionais que proporcionaram resultados positivos aos pacientes com fadiga oncológica. Conclusão: O uso da fisioterapia com exercícios cinesioterapêuticos é essencial para reabilitação desses pacientes, fazendo-se necessário mais pesquisas com ensaios clínicos incluindo a aplicação da fisioterapia com exercícios cinesioterapêuticos.

Palavras-chave: oncologia; fisioterapia; fadiga.

 

Abstract

Objective: We sought in the literature studies that use kinesiotherapy to treat, mitigate and improve fatigue in cancer patients, in addition to identifying which is the best intervention for clinical practice with this group of patients. Methods: An integrative literature review was carried out, accompanied by methodological quality assessment. Searches started in the period from May 7, 2020 to September 15, 2020, in the PEDro, Pubmed and Scielo databases. 146 articles were found, however, only 12 were selected and analyzed according to the inclusion criteria and methodological quality of the PEDro scale. Results: The studies found several physiotherapeutic approaches to fatigue in patients aged 18 to 94 years in the short to long term, with a minimum of 3 months and a maximum of 2 years of intervention at outpatient and home levels, with protocols for aerobic therapeutic exercises, active, resisted and functional that provided positive results to patients with cancer fatigue. Conclusion: The use of physical therapy with kinesiotherapeutic exercises is essential for the rehabilitation of these patients, making necessary further research with clinical trials.

Keywords: oncology; physical therapy; fatigue.

 

Introdução

 

A fadiga relacionada ao câncer (FRC) consiste em uma sensação de cansaço extremo [1], sendo classificada pelo Consenso Brasileiro de Fadiga em dimensões físicas, cognitivas e afetivas. Na dimensão física ocorre uma redução de energia, na cognitiva há diminuição da atenção, da concentração e da memória e na afetiva apresenta uma baixa motivação ou desinteresse [1,2,3,4]. Além disso, ela pode ser classificada em primária e secundária. A fadiga primária é consequência da própria doença, a secundária é resultante de síndromes concomitantes, comorbidades [2,5,6].

Mundialmente a fadiga é um dos sintomas que mais afetam pacientes oncológicos, interferindo na sua qualidade de vida (QV) e Capacidade Funcional (CF) e é desencadeada por fatores pós-quimioterapia e radioterapia [7,8,9,10]. Sua incidência em estudos científicos varia entre 15-80% dos pacientes [11]. Estima-se que 50% a 90% dos pacientes com câncer apresentam fadiga [7,8,9,10], que essa sintomatologia pode persistir por meses e até anos após o tratamento quimioterápico ou radioterápico [8,9,10,11,12].

A cinesioterapia é o recurso que o fisioterapeuta usa para tratar diversas disfunções nos pacientes de modo geral, consiste em exercícios terapêuticos, que utilizam de movimentos do corpo como forma de intervenção para reduzir os sintomas, melhorar e manter a função e a retomada das atividades de vida diária [13].

Pretende-se, então, buscar na literatura estudos que façam uso da cinesioterapia para tratar, atenuar e melhorar a fadiga em pacientes oncológicos.

 

Métodos

 

Estratégia de pesquisa e seleção dos estudos

 

Realizou-se uma revisão integrativa da literatura acompanhada com avaliação de qualidade metodológica. Iniciaram-se as buscas no período de 07 de maio de 2020 até 15 de setembro de 2020. A pesquisa foi realizada nas bases de dados PEDro, Pubmed e Scielo. Utilizaram-se os termos de busca nos três idiomas, português e inglês: “oncological fatigue”, “physiotherapy + oncological fatigue”, “exercise + oncological fatigue”, “kinesiotherapy + oncological fatigue”, “treatment + oncological fatigue”, “kinesiotherapy + fatigue + cancer”. A identificação e seleção dos estudos foram de acordo com os títulos, palavras-chave e resumos dos estudos. Notou-se que muitos outros não se caracterizavam com os critérios de inclusão para avaliação, formalizando assim uma nova revisão de texto completa para a elegibilidade usando os critérios de inclusão/exclusão (fluxograma 1).

 

Avaliação metodológica dos estudos

 

Os estudos que cumpriram os critérios de inclusão e não constavam nota foram avaliados por mais de um examinador de forma independente quanto à qualidade metodológica da escala PEDro, a mais usada na área da reabilitação. Essa escala de qualidade metodológica foi desenvolvida pela Physiotherapy Evidence Database constituindo uma pontuação total de até 10 pontos, incluindo 11 critérios de avaliação. Sendo assim, nenhum estudo foi excluído pela baixa qualidade metodológica (escore PEDro menor que 5), correspondendo aos devidos critérios de inclusão para o referente estudo. Os detalhes metodológicos do estudo estão descritos no fluxograma abaixo:

 

 

Fluxograma 1 - Estratégia de seleção de estudos

 

Resultados

 

Com base nas análises das evidências científicas constatou-se que a média de idade dos pacientes encontrados variou de 18 a 94 anos. Em geral, os estudos apontam que a presença de fadiga relacionada ao câncer (FRC) com uma incidência 15-80% nos pacientes em tratamento oncológico [11], e uma prevalência de 50% a 90% nesse mesmo grupo [7,8].

A conduta fisioterapêutica para tratamento dessa fadiga está descrita na literatura de curto a longo prazo, sendo no mínimo 3 meses e no máximo 2 anos de intervenção em níveis ambulatoriais e domiciliares. Encontraram-se protocolos de exercícios terapêuticos aeróbicos, ativos, resistidos e funcionais que proporcionaram resultados positivos aos pacientes com fadiga oncológica. Outras informações estão abaixo no quadro 1.

 

Quadro 1 - Protocolos dos exercícios terapêuticos para pacientes com fadiga oncológica (ver PDF)

 

Discussão

 

Os estudos encontrados apresentam intervenções para fadiga relacionada ao câncer (FRC) que são constituídos por programas de fisioterapia, que inclui exercícios ativos, treino de força, exercícios aeróbicos, exercícios de resistência e exercícios com carga, que trazem resultados positivos de curto a longo prazo para esses pacientes [21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32].

Pyszora et al. [21] buscaram componentes para o programa de tratamento que consistiu em uma intervenção adaptada às condições dos pacientes participantes, tais como, exercícios ativos combinados com facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) e técnicas liberação miofascial com estimulação respiratória que proporcionam melhoras no bem-estar geral do paciente, pois tais técnicas não requerem grandes gastos de energia dos pacientes em relação aos métodos que os envolvem ativamente, sendo assim apresentam redução na fadiga, além de diminuir a sintomatologia coexistentes, como dor, sonolência, falta de apetite e depressão e melhoraram a força muscular dos pacientes e sua aptidão geral [21]. Baumann et al. [25] concluíram que um programa de exercícios adaptado as preferências, características e recursos físicos de cada indivíduo levou a diminuição dos efeitos colaterais do tratamento ao longo do tempo, do que apenas os cuidados habituais [25]. Sendo também justificado esse fator no estudo de Rogers et al. [31] que desenvolveram um programa que consiste em exercícios aeróbicos, de intensidade moderada e treinamento resistido, que no decorrer do treinamento os exercícios foram intensificando-se significativamente, mostrando que a intensidade dos exercícios adaptada ao estágio contribui para diminuir a percepção da fadiga, deixando o paciente mais disposto a executar as atividades e encarar o tratamento contra o câncer [31].

De acordo com Schmidt et al. [26], o início precoce do exercício pode prevenir o ciclo vicioso de força muscular prejudicada, baixa atividade física, fadiga e maior redução da atividade física, o que pode levar a problemas de saúde a longo prazo, mesmo após a conclusão bem-sucedida do tratamento do câncer. Concluíram que treinamento de resistência progressiva supervisionado, deve ser oferecido como parte integrante dos cuidados de suporte para pacientes com câncer em quimioterapia.

      Desta forma Husebø et al. [22] utilizaram-se de treinamento de força com faixas de resistência para braços e pernas e treinamento de força para a parte superior do corpo, em mulheres com fadiga relacionada ao câncer, durante todo período de quimioterapia adjuvante. Segundo Samuel et al. [23], os exercícios podem ser incorporados como parte da rotina do atendimento ao paciente durante o curso da CRT em pacientes com CCP [23].

Ammitzbøll et al. [30] aplicaram exercícios de resistência progressiva em pacientes após a cirurgia de câncer de mama com um grupo de sintomas, incluindo dor, insônia e fadiga, e a intervenção melhorou significativamente o estado de saúde e funcional. Desta forma, Grote et al. [27] abordaram exercícios de resistência, durante a radioterapia, defendem exercícios com carga, que mostra resultados ligeiramente melhores para a fadiga geral em pacientes com câncer de cabeça e pescoço [27].

Kampshoff et al. [32] concluíram em seu estudo que exercícios de intensidade alta e resistência apresentam melhora na fadiga geral em pacientes com câncer, com acompanhamento a longo prazo. De acordo com Taaffe et al. [24], os efeitos de longo prazo dos exercícios e o impacto potencial de diferentes modalidades de exercícios (resistência + carga de impacto, aeróbio + resistência, aeróbio apenas) sobre a fadiga em pacientes com câncer de próstata submetidos a ADT tiveram um efeito benéfico na fadiga e vitalidade, e para pacientes com os níveis mais altos de fadiga e vitalidade mais baixa melhoraram com exercícios.

Van Weert et al. [28] abordaram treinamento físico combinado com terapia cognitivo-comportamental e apenas treinamento físico. De modo geral, os exercícios de treino muscular de resistência progressiva apresentaram como resultado efeitos significativos e benéficos sobre a fadiga. Andhare et al. [29] sugerem que a combinação de treinamento aeróbico domiciliar e caminhada, que enfoca o efeito da caminhada aeróbica programada versus caminhada individual sobre a fadiga e a qualidade de vida no câncer de pacientes após 4 semanas de treinamento, apresentou efeito benéfico [29].

Portanto, é imprescindível o uso de exercícios terapêuticos para fadiga desencadeada por tratamento oncológico. Estudos mostram uma eficaz redução da fadiga, melhora da qualidade de vida e capacidade funcional [8,14,15], além disso, pode-se ressaltar que um dos fatores que alteram a qualidade de vida desses pacientes está associado a diminuição da massa muscular, devido à sarcopenia, o que afeta a sua qualidade de vida, uma vez que o paciente passa a ter uma fraqueza muscular e maior fadiga [18,19,20]. Desta forma, o exercício físico regularmente pode aumentar a capacidade funcional, reduzindo assim a energia necessária para suportar as atividades diárias, melhorando a qualidade de vida desse paciente [8,16,17]. Pode-se concluir que a intervenção aplicada a fadiga oncológica que Pyszora et al. [21] realizaram, tornou-se adaptável ao paciente, reduzindo fadiga e outras sintomatologias. Schmidt et al. [26] abordam o início precoce do exercício para prevenir o ciclo vicioso de força muscular.

 

Conclusão

 

Há uma lacuna quanto às publicações de ensaios clínicos da fisioterapia que utilizam a cinesioterapia aplicada a fadiga oncológica, tanto em níveis ambulatoriais quanto domiciliares.

Exercícios aeróbicos, ativos, resistidos e funcionais aplicados a pacientes com fadiga oncológica devem ser de curto a longo prazo, sendo no mínimo de 3 semanas a 2 anos, com 10 a 30 minutos, de 3 a 5 dias por semana, com repetições de 8 a 12 e series de 3, que proporcionam melhoras nos níveis de fadiga, além de reduzir sintomatologias coexistentes, melhorando qualidade de vida e capacidade funcional desses pacientes.

 

Referências

 

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