Fisioter Bras 2022;23(3):342-56

doi: 10.33233/fb.v23i3.4567

ARTIGO ORIGINAL

A percepção do usuário obeso no contexto hospitalar: ambiência e acessibilidade

Perception of the obese user in the hospital context: environment and accessibility 

 

Luana Pereira Paz, M.Sc.*, Rubia Bayerl**, Auristela Duarte Lima Moser***, Arlete Ana Motter****

 

*Docente no Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná - Setor Litoral, **Acadêmica de fisioterapia na Universidade Federal do Paraná, ***Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Programa de Pós-Graduação em Tecnologia em Saúde (PPGTS), Curitiba, PR, ****Docente do Departamento de Prevenção e Reabilitação em Fisioterapia e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná

 

Recebido em 22 de janeiro de 2021; Aceito em 12 de maio de 2022.

Correspondência: Arlete Ana Motter, Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Biológicas da UFPR, Curso de Fisioterapia, Avenida Coronel Francisco H. dos Santos, 100, Centro Politécnico, Jardim das Américas 81531-980 Curitiba PR

 

Luana Pereira Paz: luanapereirapaz@gmail.com 

Rubia Bayerl: rubiabayerlufpr@gmail.com 

Auristela Duarte Lima Moser: auristela.lima@pucpr.br 

Arlete Ana Motter: arlete.motter@gmail.com

Resumo

Objetivou-se analisar a acessibilidade dos usuários adultos obesos aos serviços de saúde prestados no ambiente hospitalar. Trata-se de um estudo com coleta de dados quantitativa, por meio da antropometria do mobiliário disposto nas unidades de internação adulto de um hospital público e sua correlação com a Normativa Brasileira 9050/2015. A análise qualitativa ocorreu por meio de entrevista semiestruturada com 10 usuários, que realizavam acompanhamento no ambulatório da obesidade. As coletas ocorreram de junho a novembro de 2018. A antropometria foi realizada em 11 setores de internação adulto, mensurando as cadeiras de rodas e poltronas. Apenas a Unidade de Clínica Cirúrgica apresentou conformidade com as medidas recomendadas pela legislação para usuários obesos. Após a análise do discurso, os dados qualitativos foram categorizados em acessibilidade, antropometria do mobiliário, ergonomia e discriminação. Foram relatadas dificuldades devido às barreiras arquitetônicas e desconforto acústico. A maioria apresentou satisfação em relação ao acolhimento dos funcionários. Conclui-se, portanto, que a acessibilidade depende da antropometria do mobiliário e da estrutura hospitalar, sendo um elo fundamental entre as expectativas do usuário e a efetividade das ações desenvolvidas no ambiente construído e contemplando assim os critérios da ambiência nos serviços de saúde, segurança e acolhimento aos usuários obesos.

Palavras-chave: ergonomia; obesidade; acesso aos serviços de saúde.

 

Abstract

This study aimed to analyze the accessibility of obese adult users to health services provided in the hospital environment. This is a study, with quantitative data collection, through the anthropometry of the furniture arranged in the adult hospitalization units of a public hospital and its correlation with The Brazilian Normative 9050/2015. The qualitative analysis occurred through a semi-structured interview with 10 users, who performed follow-up in the obesity outpatient clinic. The collections took place from June to November 2018. Anthropometry was performed in 11 sectors of adult hospitalization, measuring wheelchairs and armchairs. Only the Surgical Clinic Unit presented compliance with the measures recommended by the Brazilian legislation for obese users. After discourse analysis, qualitative data were categorized into accessibility, furniture anthropometry, ergonomics and discrimination. Difficulties due to architectural barriers and acoustic discomfort have been reported. The majority were pleased with the reception of the employees. It is concluded, therefore, that accessibility depends on the anthropometry of furniture and hospital structure, being a fundamental link between the user's expectations and the effectiveness of the actions developed in the built environment and considering the criteria of ambience in health, safety and reception services for obese users.

Keywords: ergonomics; obesity; health services accessibility.

 

Introdução

 

A obesidade é um problema de saúde pública, por se tratar de uma doença epidêmica [1,2], sendo definida por índice de massa corporal ≥ 30 kg/m2 [3]. Com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, as prevalências de obesidade foram de 16,8% para homens e 24,4% para mulheres adultos na população brasileira [3]. A PNS de 2019 não apresenta dados referentes a prevalência de obesidade, mas demonstra que a proporção de indivíduos de 18 anos ou mais que referiram diagnóstico de hipertensão arterial no Brasil foi de 23,9% em 2019 (em 2013, 21,4%), o que corresponde a 38,1 milhões de pessoas [3,5].

A obesidade pode ser considerada fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, aumento do risco cardiometabólico e doenças cardiovasculares [1,4,5,6]. Sendo associada à diminuição da expectativa de vida, aumento da morbidade e mortalidade e aumento dos custos de saúde [7].

De acordo com a Cartilha da Política Nacional de Humanização (PNH), o conceito de ambiência na saúde, refere-se ao tratamento dado ao espaço físico entendido como espaço social, profissional e de relações interpessoais que deve proporcionar atenção acolhedora, resolutiva e humana [8]. Cabe elucidar que o ambiente no qual o indivíduo está inserido emite estímulos que podem nos agradar ou desagradar, gerando sensação de desconforto se houver grande disparidade com os limites do nosso corpo [9]. 

Os estudos ergonômicos consideram as modificações constantes no perfil epidemiológico da população [10] e, por meio da antropometria do mobiliário e estrutura hospitalar, se concentra no estudo das diferenças entre grupos e a influência de certas variáveis como etnia, idade, alimentação e saúde [11]. 

Na avaliação da estrutura, os recursos existentes em um serviço são computados e comparados com outros serviços ou padrões, estabelecidos como desejáveis [12]. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) por meio da Normativa Brasileira (NBR) 9050:2015 estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quanto ao projeto, construção, instalação e adaptação do meio urbano e rural, e de edificações às condições de acessibilidade [13]. 

A evolução tecnológica caminha na direção de tornar a vida mais fácil, através de instrumentos que facilitam o desempenho em funções pretendidas [14]. A Tecnologia Assistiva objetiva proporcionar aos indivíduos a oportunidade de participar de suas funções de vida, aumentando o nível de função e independência [15]. Desenvolvendo potencial para auxiliar na inclusão social e na acessibilidade do usuário obeso. Acessibilidade é garantir a possibilidade do acesso, da aproximação, da socialização e da utilização de qualquer ambiente, decorrente da oferta que o ambiente dispõe [16]. É necessário entender os conceitos de acessibilidade e investigar como podem ser avaliados, de forma a contribuir para um planejamento integrado [17]. 

No paradigma inclusivo, cabe falar em espaços que possibilitem a equiparação de oportunidades, com construções que busquem agregar a maior gama antropométrica possível [18], promovendo um espaço construído, acessível a todos, capaz de oferecer oportunidades igualitárias aos seus usuários [19].

De acordo com Oliveira, os seres humanos têm aumentado de peso e dimensões corporais ao longo dos últimos séculos [20]. Dentre os conceitos que fundamentam a ergonomia, o desenho universal consiste no processo de projetar edificações e ambientes acessíveis para a maioria da população, independentemente de serem pessoas com deficiências ou não [21].

Usuários com obesidade podem apresentar a mobilidade reduzida, necessitando de um ambiente acessível e acolhedor. Paula e Carvalho [22] dizem que, “antes de caracterizar as pessoas com deficiência e a acessibilidade, é oportuno traçar um panorama histórico do problema”. Diante da escassez de pesquisas realizadas na área hospitalar e no contexto brasileiro, somada à complexidade e a constante evolução dessas edificações, torna-se necessário realizar estudos contínuos que tragam suporte a seu planejamento [23]. 

Nos últimos 40 anos, há uma mudança no papel do paciente no seu processo de saúde/doença, com atitudes mais ativas em seu tratamento [24]. Diante deste cenário exposto acima e com base nestes conceitos, o presente estudo visa analisar a acessibilidade dos usuários adultos obesos aos serviços de saúde prestados no ambiente hospitalar. 

 

Métodos

 

O presente estudo é exploratório, observacional e descritivo. Em adequação à natureza do objeto de estudo, optou-se por uma pesquisa com viés quali-quantitativo, desenvolvido nos setores de internação para usuários adultos em um hospital da rede pública do sul do Brasil, no período de junho a novembro de 2018. 

A amostra da análise quantitativa deste estudo foi composta pelas Unidades de Internação do hospital, que atendem pacientes adultos e idosos: Infectologia Adulto, Neurologia, Ortopedia/traumatologia, Cirurgia do Aparelho Digestivo, Cirurgia Torácica e Cardiologia Clínica, Cirurgia Geral, Neurocirurgia, Transplante Hepático, Urologia, Quimioterapia de Alto Risco, Clínica Médica, Unidade Coronariana e Nefrologia. Contou também com as Unidades de Urgência e Emergência: Centro de Terapia Intensiva CTI, Centro de Terapia Intensiva Cirúrgica e Centro de Terapia Semi Intensiva Adulto. O hospital dispõe de 400 leitos ativos para internamentos. Foram excluídos deste estudo os setores destinados ao atendimento pediátrico, neonatal e maternidade. A amostra da análise qualitativa foi composta por usuários obesos que participam do ambulatório da obesidade, o qual ocorre semanalmente e oferece acompanhamento psicológico, nutricional e médico para os usuários nos períodos pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica, quando a mesma é indicada.

As pesquisas quantitativas e qualitativas se complementam, mas são de natureza diversa. Uma trata da magnitude dos fenômenos, e a outra, de sua intensidade. Quantidade e qualidade se sintetizam no objeto [25]. 

Diante disso, a coleta de dados foi dividida em análise quantitativa, por meio da antropometria do mobiliário e estrutura e análise qualitativa, por meio da entrevista semiestruturada com os usuários. 

A antropometria foi realizada pela pesquisadora, por meio da aferição de medidas com uso de fita métrica, avaliando a profundidade, a largura e a altura dos assentos. Incluindo as cadeiras de banho, cadeiras de rodas e as poltronas utilizadas para sedestação dos usuários. Além disso, a antropometria do mobiliário contemplou as medidas de largura e de altura das macas usadas para transporte intrahospitalar. Com relação a estrutura, observou-se as dimensões das portas de acesso aos leitos e as portas de acesso ao banheiro. Por meio das visitas técnicas, de caráter observatório aos setores, a pesquisadora entrava em contato com a enfermeira da unidade, que informava quais eram os locais possíveis de avaliação e os recursos (mobiliário) disponível no setor. 

Na avaliação da estrutura, os recursos existentes no hospital da rede pública, foram computados no Programa Microsoft Excel e comparados com os valores sugeridos pela Norma Brasileira 9050/2015. 

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) por meio da Normativa Brasileira (NBR) 9050:2015 estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quanto ao projeto, construção, instalação e adaptação do meio urbano e rural, e de edificações às condições de acessibilidade [13]. Neste estudo, enfocamos nos aspectos dispostos com relação a pessoas obesas.

A pesquisa qualitativa tem como objetivo adquirir informações mais aprofundadas sobre as atitudes das pessoas com sobrepeso e a obesidade [26]. Todas as entrevistas foram conduzidas pelo primeiro autor, através de entrevistas semiestruturadas aplicados aos usuários obesos na sala de espera, para o ambulatório de cirurgia bariátrica. Englobando pacientes em período pré-operatório ou pós-operatório que realizavam acompanhamento neste serviço. 

Um roteiro com perguntas abertas foi usado para direcionar as entrevistas.

O contato com os usuários/informantes foi realizado pessoalmente, na sala de espera do ambulatório da obesidade, quando a pesquisadora explicou o objetivo da pesquisa. Em seguida, foi feito o convite para responder ao questionário, após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O período de coleta de dados se deu entre os meses de fevereiro e março de 2018. Com base nas respostas dos usuários, foram criadas quatro categorias: acessibilidade, antropometria do mobiliário, ergonomia e discriminação. Não houve teste piloto com o questionário semiestruturado. A duração das entrevistas foi em média 20 minutos. As entrevistas não foram gravadas, os usuários foram questionados verbalmente, e o pesquisador anotou as respostas. Depois de anotadas, lia ao usuário para saber se havia concordância com os dados transcritos.

A amostra de entrevistados foi composta por 10 usuários, todos mulheres, que frequentam o ambulatório da obesidade. O critério de inclusão foi estar participando do ambulatório da obesidade, e estar no período pré ou pós-operatório de cirurgia bariátrica. O critério de exclusão foi não ser usuário do ambiente hospitalar em análise, não aceitar participar da pesquisa, e faixa etária inferior a 18 anos.

De acordo com Minayo [25], o pesquisador qualitativo preocupa-se menos com a generalização e as generalidades, e mais com o aprofundamento, a abrangência e a diversidade no processo de compreensão do grupo entrevistado, colocando a luz das teorias que fundamentam suas indagações. 

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com parecer número 2.186.424. Não há conflitos de interesse. Todos os participantes foram voluntários e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados e discussão

 

Apresentaremos os resultados didaticamente em: análise quantitativa e antropometria do ambiente hospitalar relacionado com a NBR 9050/2015 e posteriormente a análise qualitativa dos discursos por meio de entrevistas semiestruturadas.

 

Análise quantitativa e antropometria do ambiente hospitalar relacionado com a NBR 9050/2015

 

A Norma Brasileira 9050/2015 dispõe que para os assentos para pessoas obesas (P.O.) devem ter as dimensões seguintes [13]:

 

1) Profundidade do assento mínima de 0,47 m e máxima de 0,51 m, medida entre sua parte frontal e o ponto mais frontal do encosto tomado no eixo de simetria;

2) Largura do assento mínima de 0,75 m, medida entre as bordas laterais no terço mais próximo do encosto. É admissível que o assento para pessoa obesa tenha a largura resultante de dois assentos comuns, desde que seja superior a esta medida de 0,75 m;

3) Altura do assento mínima de 0,41 m e máxima de 0,45 m, medida na sua parte mais alta e frontal;

A antropometria foi realizada em 11 setores de internação adulto, com relação as cadeiras de rodas disponíveis (Tabela I). Apenas na Unidade de Clínica Cirúrgica havia cadeira de rodas e poltronas, com as medidas recomendadas pela NBR 9050/2015, para pacientes obesos. Este fato justifica-se pelo hospital, objeto deste estudo, conter dois leitos licenciados para realização de cirurgia bariátrica, as quais realizam o pré e pós-operatório neste setor. No entanto, os demais setores não possuem cadeiras de rodas adequadas para pacientes obesos, conforme pode-se observar na Tabela I. 

 

Tabela I - Antropometria das cadeiras de rodas medidas em metros 

 

O hospital analisado no presente estudo foi construído e inaugurado em meados de 1960, o que nos remete a reflexão sobre a mudança do perfil epidemiológico, bem como da legislação vigente. 

De acordo com a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, entende-se por pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso [27].

Frequentemente o indivíduo obeso enfrenta dificuldades na acessibilidade e usabilidade de produtos e equipamentos desenvolvidos para a considerada faixa média da população [28]. Fato este que corrobora as condições encontradas neste estudo. Considerando que o ambiente hospitalar pode tornar-se a residência temporária dos seus principais usuários, pacientes e profissionais de saúde [29], é primordial que o mesmo esteja adaptado e adequado aos seus usuários, em diferentes setores de internação.

À medida que a obesidade se tornou epidêmica, a antropometria dos usuários obesos difere da “média” populacional. Visto a relevância da ambiência da saúde, destaca-se agora a necessidade de humanizar o ambiente hospitalar e melhorar a assistência à saúde das pessoas com mobilidade reduzida, enfocando a acessibilidade no cotidiano do obeso no contexto hospitalar.

Além disso, cadeiras de rodas e poltronas adequadas colaboram com a prestação da assistência à saúde com qualidade, a qual denota segurança para o paciente, preservando-o de incidentes que possam causar danos no atendimento em saúde [30].

Em seu estudo, Souza et al. [30], sobre o quesito segurança do paciente, verificaram o entendimento dos trabalhadores que exercem a função de maqueiros intrahospitalares, constatou-se que 70% informaram que segurança do paciente significava ter equipamentos, como macas e cadeiras de rodas, em conformidade com as normas de segurança e em boas condições; 

Outro aspecto da acessibilidade analisado, foram as portas dos quartos, de acordo com a ABNT 2015: todas as portas existentes na rota acessível, destinadas à circulação de pessoas que utilizem cadeiras de rodas, devem possuir vão livre de no mínimo 1,00 m, incluindo as portas dos sanitários [13].

Foram analisados 7 setores de internação, dos quais 3 possuíam as medidas em conformidade com a normativa: a unidade de clínica cirurgia, apenas em 2 leitos licenciados para a cirurgia bariátrica, as demais portas de acesso aos leitos hospitalares possuem medidas inferiores; e as unidades que prestam atendimentos de urgências e emergências: os centros de terapia intensiva adulto e o de terapia semi-intensiva adulto. Conforme pode-se observar na Tabela II.

 

Tabela IIAntropometria das portas de acesso aos leitos hospitalares medidas em metros


 

 

Análise qualitativa dos discursos por meio das entrevistas semiestruturadas

 

No cenário qualitativo foram entrevistados 10 usuários que realizam acompanhamento no ambulatório da obesidade, composto ao acaso por apenas mulheres. O questionário continha quatro perguntas abertas, que foram transcritas em uma planilha e, posteriormente, as respostas foram categorizadas nas seguintes categorias: acessibilidade, antropometria do mobiliário, ergonomia e discriminação.

As seis dimensões da acessibilidade são: arquitetônica (barreiras físicas), comunicacional (comunicação entre pessoas), metodológica (métodos e técnicas de lazer, trabalho, educação etc.), instrumental (instrumentos, ferramentas, utensílios etc.), programática (políticas públicas, legislações, normas, entre outras) e atitudinal (preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações) [31].

Na análise do discurso na categoria acessibilidade relacionada a resposta da pergunta: Como você acha que é a acessibilidade neste hospital? Por quê? 

 

“U3: “O espaço é ruim, não tem cadeira para todos, tem dia que está cheio de obesos aqui, tem horário para chegar, mas não tem para sair. As pessoas ficam de pé.”

 

Correlacionando-se com barreiras arquitetônicas [31]

 

Outro achado nesta categoria, que superou o objetivo primário foi com relação ao conforto acústico do ambiente:

 

“U1: “Muito complicado devido às crianças que falam alto, aqui é pior que um galinheiro” 

 

O conforto acústico não depende unicamente dos níveis sonoros medidos, considerados objetivamente, mas também de variáveis subjetivas (relacionadas aos aspectos psicológicos e fisiológicos) e do contexto social e cultural em que ocorrem [32].

Tendo em vista a relevância do papel do hospital na prestação de serviços de média e alta complexidade, deve-se discutir como os usuários obesos possuem o seu acesso, permanência e qual a sua percepção com relação aos mobiliários disponíveis aos usuários obesos.

Pode-se definir percepção como sendo a tradução dos estímulos ambientais refletida em padrões de comportamento e com fatores selecionados por meio dos sentidos ativos de cada indivíduo [9]. Diante do exposto, na categoria antropometria do mobiliário, em resposta ao questionamento: Você acredita que o mobiliário do hospital é adequado para todos os pacientes?

 

U10: “Uma coisa que me deu medo, para quem é obeso, é a maca. Tive medo de cair, a maca era muito estreita”. Podendo interferir na segurança do paciente e em seu acolhimento. 

 

U3: “A parte de internamento é boa, cama nova, mas a minha estava estragada. A cadeira de rodas e de banho eram grandes adequadas e resistentes. Mas no ambulatório é precário. Não tinha pijama que coubesse no tamanho da paciente que estava internada comigo, ela precisou ficar com a roupa aberta e era evangélica”. Esta citação também supera a expectativa inicial do estudo, pois a usuária aponta a dificuldade encontrada com o vestuário disponível em tamanho padronizado, que nem sempre atende ao tamanho da população. 

Dentre os conceitos utilizados para a humanização em saúde, apontaremos a ambiência, que é a necessidade de estudar aspectos extrínsecos ao homem e compreender sua influência nas relações sociais, possibilita a caracterização e o reconhecimento de elementos que funcionam como fortes coadjuvantes ao bem-estar subjetivo dos sujeitos que participam de quaisquer espaços [9].

Silva [33] também analisou a ambiência, e apresentou grande insatisfação com a temperatura na enfermaria, o conforto, a qualidade e quantidade das roupas e o barulho, demonstrando que a estrutura das unidades não está adequada à humanização e qualidade da assistência. 

Diante do exposto apresentaremos a categoria: Ergonomia e Ambiência Hospitalar. Os usuários responderam ao seguinte questionamento: Que tipos de dificuldades você encontra dentro do ambiente hospitalar? 

Como a percepção do ambiente varia de acordo com os usuários, encontramos discursos favoráveis à ambiência e ergonomia dispostas neste hospital.

 

U6: “Durante o internamento foram muito cuidadosos, não tenho queixa, não. O espaço do banheiro era ótimo, grande e tinha até o ferro para segurar. Chega na casa da gente e aí até sente falta.”

 

E nesta mesma categoria encontramos discursos que novamente superaram as expectativas iniciais, enriquecendo a pesquisa e demonstrando a relevância de conhecer a percepção do usuário do ambiente, para poder melhor adequá-lo. 

 

U8: “Ainda não, fora ficar esperando. O local de espera podia ter mais ventilação e mais lugares para as pessoas sentarem.”

 

A ventilação foi um aspecto novo, as entrevistas ocorreram no corredor, onde há cadeiras em ambos os lados para os usuários, e existem várias salas ambulatoriais. De acordo com a disponibilidade dos profissionais, e segundo a ordem cronológica baseada no horário de chegada para o atendimento, os usuários são chamados para as consultas. Por isso, o tempo de espera é variável, bem como o número de pessoas também, o que pode tornar a ventilação do local um aspecto importante na ambiência hospitalar. 

E, por fim, a última categoria da análise qualitativa foi discriminação. E o questionamento foi: Você já sentiu alguma forma de discriminação durante os atendimentos e/ou internamento? Como foi? 

Já com relação a sentirem-se discriminados durante os atendimentos houveram discursos favoráveis ao acolhimento.

 

U6: “Não, sem nenhuma queixa. Não teve nenhuma discriminação nem nos grupos da psicologia. Nenhum tipo de problema.”

 

U10: “Pelos funcionários nunca, sempre fui bem atendida. Os médicos residentes sempre são atenciosos, chamam pelo nome, te acompanham até a sala. Nessa parte nenhuma queixa.”

Cumprindo o aspecto atitudinal da acessibilidade e em conformidade com o acolhimento. 

 

Houve uma usuária que se queixou de discriminação, em um internamento anterior neste hospital, no setor da maternidade o qual não fez parte deste estudo. 

A estratégia de saúde em todas as políticas visa envolver todos os domínios políticos na promoção da saúde. O ambiente construído representa um importante domínio político e seu impacto nas desigualdades em saúde é raramente avaliado [34,35].

Além disso, os hospitais públicos, com mais de três décadas de existência, possuem demandas crescentes de atendimento e faz com que o dimensionamento previsto para alguns ambientes se torne insuficiente com o passar do tempo, ainda que fosse adequado no momento de sua inauguração [23]. É primordial que o mesmo esteja adaptado e adequado aos seus usuários.

O estudo demonstra que o hospital em análise apresenta conformidade com a legislação vigente nos leitos destinados aos usuários obesos em pré e/ou pós-operatório de cirurgia bariátrica, apresentando as dimensões corretas nas portas de acesso aos quartos e também de mobiliário adequado. Diante disso, o hospital conta com uma cadeira de rodas e uma cadeira de banho nas normativas para pessoas obesas, e as mesmas podem ser “emprestadas” para outros setores quando solicitadas. Sendo assim, cumpre parcialmente a normativa, possuindo o material necessário, porém sendo insuficiente em números.

 

Conclusão

 

A análise qualitativa superou os objetivos, pois apresentou aspectos novos a serem analisados pelo usuário, principalmente com relação ao conforto acústico e em relação a necessidade de vestimentas em tamanhos maiores aos usuários obesos. E quando o setor não dispõe dessas “roupas” pode expor o paciente, o entrevistado mencionou até mesmo a correlação disso com a religião. Trazendo à luz a importância da participação popular para a organização dos serviços devido a suas crenças e peculiaridades, para proporcionar o acolhimento dos usuários obesos e transpor o cuidado da doença para promover saúde. Com isso, conclui-se que o desenvolvimento de produtos plenamente acessíveis a obesos não deve ser encarado como um estímulo à doença, mas uma garantia de melhor qualidade no serviço recebido.

Conclui-se ainda que a abordagem quanti-qualitativa contribui em melhorias na formulação de políticas públicas inclusivas de mobilidade intrahospitalar com vistas ao acolhimento integral e otimização da ambiência hospitalar.

 

Conflitos de interesses

Os autores declaram que não houve conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Motter AA, Paz LP; Coleta de dados: Paz LP; Análise e interpretação dos dados: Bayerl R, Paz LP; Redação do manuscrito: Bayerl R, Paz LP; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Motter AA, Moser ADLM

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