Fisioter Bras 2021;2291):102-12

doi: 10.33233/fb.v22i1.4608

REVISÃO

Cinesioterapia aplicada ao paciente com amputação transtibial: uma revisão metodológica

Kinesiotherapy applied to the patient with transtibial amputation: a methodological review

 

Arielem Lopes Almeida*, Aline de Almeida Dantas*, Divina Gomes do Arte*, Raynara Kéllen Pinto Moreira*, Yandra Alves Prestes*, Hércules Lázaro Morais Campos, Ft., M.Sc.**

 

*Graduanda de Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto de Saúde e Biotecnologia – ISB, Coari, AM, Brasil, **Docente de Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Instituto de Saúde e Biotecnologia – ISB, Coari/AM, Brasil, Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo

 

Recebido em 5 de dezembro de 2020; aceito em 18 de janeiro de 2021.

Correspondência: Arielem Lopes Almeida, Universidade Federal do Amazonas, Beco dos Amorins, 137 Chagas Aguiar 69460-000 Coari AM

           

Arielem Lopes Almeida: arielemh3a121297@gmail.com

Aline de Almeida Dantas: mangakaalmeida@gmail.com

Divina Gomes Do Arte: divina.duarrte@gmail.com

Raynara Kéllen Pinto Moreira: raynara.moreira16@gmail.com

Yandra Alves Prestes: yprestess18@hotmail.com

Hércules Lázaro Morais Campos: herculeslmc@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Identificar e discutir achados da literatura referentes a ensaios clínicos que abordem a cinesioterapia para amputados transtibiais. Métodos: Fez-se uma revisão integrativa de literatura. As buscas se deram entre 18 e 30 de agosto de 2019 nas bases de dados PEDro, Pubmed e Scielo. Encontraram-se 145 artigos, após aplicar os critérios de inclusão restaram 8 para análise na escala metodológica PEDro. Resultados: Os ensaios clínicos prescreveram protocolos de exercícios terapêuticos baseados em fortalecimento muscular, treinamento de marcha e exercícios funcionais proprioceptivos. Conclusão: Exercícios de marcha com velocidades diferentes, fortalecimento muscular (do membro afetado e do intacto) e exercícios domiciliares são eficazes na recuperação funcional dos amputados.

Palavras-chave: amputados; exercício terapêutico; Fisioterapia.

 

Abstract

Objective: To identify and discuss findings from the literature regarding clinical trials addressing kinesiotherapy for transtibial amputees. Methods: An integrative literature review was performed. The searches took place on August 18-30, 2019 in the PEDro, Pubmed and Scielo databases. There were 145 articles, after applying the inclusion criteria, 8 were left for analysis on the PEDro methodological scale. Results: Clinical trials have prescribed therapeutic exercise protocols based on muscle strengthening, gait training, and proprioceptive functional exercise. Conclusion: Gait exercises at different speeds, muscle strengthening (affected limb and intact) and home exercises are effective in the functional recovery of amputees.

Keywords: amputees; exercise; Physiotherapy.

 

Introdução

 

A amputação transtibial consiste na perda parcial do segmento do corpo localizado entre a articulação do joelho e tornozelo, fazendo-se uma secção na perna no plano transversal, a qual compromete ossos como a tíbia e a fíbula, bem como músculos, tendões, vasos e nervos [1]. As origens mais comuns de amputação de membro inferior dizem respeito às causas vasculares periféricas, traumáticas, inflamatórias, tumorais e congênitas [1]. Cerca de 80% das amputações de membros inferiores é decorrente de doenças vasculares periféricas e/ou diabetes, e a segunda maior causa é o por trauma, correspondendo a 20% das amputações de membros inferiores, sendo que 3/4 dos acometidos são homens [2].

A incidência mundial de amputações varia de 2,8 a 43,9/105 habitantes por ano, sendo que no Brasil foi observada uma incidência de 13,9/105 habitantes por ano [3]. Calcula-se que 85% de todas as amputações de membros correspondam às amputações de membro inferior, no entanto ainda não existem dados que comprovem tal afirmação no país [2]. A prevalência média de cirurgias de amputação no Brasil para membros inferiores apresentou uma média de 12,35 procedimentos por 100 mil habitantes por ano no período de 2008 a 2015; e em 2011, quase 94% das amputações feitas pelo SUS foram de membro inferior [4].

É imprescindível a atuação da fisioterapia na reabilitação de pacientes amputados, em que se utilizam diversas técnicas [5]. A cinesioterapia, constituída de exercícios terapêuticos, trabalha através de movimentos do corpo para proporcionar a redução da sintomatologia, melhora e manutenção da funcionalidade do paciente amputado, visando assim reestabelecer a independência e a realização de suas atividades de vida diária (AVDs). Os exercícios fisioterapêuticos têm resultado positivo em prol da redução dos comprometimentos e limitações dos diversos aspectos da amputação, visando à melhora do condicionamento físico e manutenção da postura ortostática e dinâmica do paciente [6]. A cinesioterapia como uma técnica reabilitadora que consiste na aplicação de diversos exercícios terapêuticos como meio de intervenção, levando em consideração a aplicação de exercícios que melhorem as condições físico-funcionais e cardiorrespiratórias dos pacientes, bem como o desempenho muscular, força, resistência e consumo de O2, estabelecendo resistência à fadiga, melhora do equilíbrio, agilidade na deambulação [6].

Há poucos ensaios clínicos e estudos de qualidade metodológica que abordem sobre a efetividade da cinesioterapia em pacientes com amputações transtibiais, dificultando assim o direcionamento das condutas da prática clínica do fisioterapeuta com estes pacientes, por isso, identificou-se e discutiu-se os achados da literatura referentes a ensaios clínicos que apresentem a aplicação da cinesioterapia em amputados transtibiais, apontando as melhores tomadas de decisão cinesioterapêuticas para esses pacientes.

 

Métodos

 

Estratégia de pesquisa e seleção dos estudos

 

Trata-se de uma revisão metodológica baseada na escala PEDro. Iniciaram-se as buscas no período de 18 setembro a 30 de agosto de 2019 nas bases de dados: Physiotherapy Evidence Database (PEDro), National Library of Medicine (PubMed) e na Scientific Eletronic Library Online (Scielo). Utilizaram-se os termos de busca com as palavras-chave de acordo com os registros nos Descritores de Ciências da Saúde (DECS), nos idiomas inglês e espanhol: “Physiotherapy/ Fisioterapia”, “Amputation transtibial/ Amputación transtibial” e Exercise terapeutic/Ejercicios terapéuticos

Foram selecionados apenas estudos que estivessem de acordo com os critérios de inclusão, como artigos publicados a partir de 2009, ensaios clínicos e com paciente que tenham realizado amputação transtibial e realizado como tratamento a fisioterapia com protocolos de exercícios terapêuticos. Os estudos duplicados nas bases de dados foram desconsiderados.

 

Análise metodológica dos estudos

 

Alguns estudos [7-12] que cumpriram os critérios de inclusão e não constavam nota de qualidade metodológica, foram avaliados de forma independente usando a escala de qualidade metodológica PEDro. Esta escala foi desenvolvida pela Phisyotherapy Evidence Database constituindo uma pontuação de 10 pontos: 1. Os critérios de elegibilidade foram especificados, 2. Os sujeitos foram aleatoriamente distribuídos por grupos (1 ponto), 3. A alocação dos sujeitos foi secreta (1 ponto), 4. Inicialmente, os grupos eram semelhantes no que diz respeito aos indicadores de prognósticos mais importantes (1 ponto), 5. Todos os sujeitos participaram de forma cega no estudo (1 ponto), 6. Todos os terapeutas que administraram a terapia fizeram-no de forma cega (1 ponto), 7. Todos os avaliadores que mediram pelo menos um resultado-chave fizeram-no de forma cega (1 ponto), 8. Mensurações de pelo menos um resultado-chave foram obtidas em mais de 85% dos sujeitos inicialmente distribuídos pelos grupos (1 ponto), 9. Todos os sujeitos a partir dos quais se apresentaram mensurações de resultados receberam o tratamento ou a condição de controle conforme a alocação ou, quando não foi esse o caso, fez-se a análise dos dados para pelo menos um dos resultados-chave por “intenção de tratamento” (1 ponto), 10. Os resultados das comparações estatísticas intergrupos foram descritos para pelo menos um resultado-chave (1 ponto), 11. O estudo apresenta tantas medidas de precisão como medidas de variabilidade para pelo menos um resultado-chave (1 ponto), que correspondem a 11 critérios. Os detalhes metodológicos do estudo estão descritos no fluxograma abaixo (figura 1).

 

 

Figura 1 - Fluxograma de seleção e análise dos estudos

 

Resultados

 

Quadro I - Protocolos dos exercícios terapêuticos para pacientes com amputação transtibiais (ver anexo em PDF)

 

A média de idade dos pacientes encontrados foi de aproximadamente 16 anos. Em geral, 87,5% dos estudos não relataram as causas das amputações transtibiais dos participantes, somente um estudo mencionou a origem da amputação por trauma. A abordagem fisioterapêutica utilizou de tratamentos de curto a longo prazo, sendo no mínimo 6 e no máximo 12 semanas de intervenção, tanto em nível ambulatorial quanto domiciliar. Todos estes estudos apresentaram protocolos de exercícios terapêuticos dos tipos aeróbicos, resistidos, posturais, proprioceptivos e funcionais que proporcionaram resultados positivos imediatos aos pacientes amputados. Os demais achados estão dispostos abaixo na tabela I:

 

Discussão

 

A reabilitação de amputação transtibial vem se difundindo gradativamente na literatura, voltada aos exercícios terapêuticos, sendo os mais comuns: exercícios de marcha, exercícios de fortalecimento muscular e exercícios de propriocepção. A avaliação da marcha em amputados transtibiais utiliza testes aeróbicos de caminhada moderada, intensa a vigorosa com duração de 30 minutos, utilizados tanto para avaliar quanto para a reabilitação do paciente, proporcionando melhora considerável na marcha destes pacientes [12].

Estudo avaliou a velocidade da marcha em pacientes com amputações transtibiais que utilizassem próteses e a interferência da frequência cardíaca, pressão arterial, consumo de oxigênio e gasto de energia [11]. Os protetizados fizeram caminhada durante 10 minutos, com variação de 3 tipos de velocidades, a primeira sendo agradável ao paciente (sobre o tapete rolante), a segunda sendo determinada em 20% abaixo e a terceira 20% acima da velocidade confortável. Com isso, concluiu-se que os pacientes que passaram por amputação transtibial possuíam maior gasto energético e elevação da resposta cardiovascular durante a marcha, e quando as velocidades eram elevadas, estes tornavam-se mais econômicos, reduzindo o custo de energia total [11]. Porém, este estudo não apresentou nenhum outro tipo de aplicação da cinesioterapia nestes pacientes, sendo este um fator limitante para a elegibilidade e relevância dos resultados do estudo.

Em um outro estudo, foram realizadas técnicas de facilitação neuromuscular proprioceptiva (PNF) comparada à formação protética tradicional (TPT) para observação da melhora da função em pacientes com amputados transtibiais [13]. Neste estudo, observou-se que os dois grupos controles que realizaram exercícios terapêuticos por 2 semanas, durante 30 minutos, apresentaram melhora significativa na largura do passo, com um percentual de 24% (FNP) e 14% (TPT). No entanto foi perceptível um melhor resultado no grupo da FNP, pois além do aumento da largura do passo, também mostrou maior eficácia em relação ao comprimento do passo, sendo FNP com 19,7% e TPT com 7,3%. Com isso, pode-se concluir que a partir da utilização da facilitação neuromuscular proprioceptiva mostrou maiores benefícios à marcha em pacientes amputados transtibiais.

O treino de marcha em pacientes amputados transtibiais tem se mostrado eficiente e com bons resultados para a reabilitação funcional desses indivíduos, visto que é um exercício que requer uma demanda maior de oxigênio e gasto energético para realizá-la. Porém, quando comparamos com os resultados do estudo de Garcia e al. [11] os deles foram mais eficientes, pois, no protocolo utilizado, realizou-se a progressão do exercício em três velocidades para o treino de marcha, sendo uma 20% inferior e uma 20% superior à marcha original, o que corrobora os estudos de Schafer et al. [14] e Pastre et al. [15]; os quais evidenciaram que o treino de marcha contribui significativamente para a reabilitação funcional de pacientes que passaram por amputação transtibial. Desta forma, faz-se necessária a ativação correta da musculatura de membros inferiores, de maneira a reeducar gradualmente a musculatura em cada tempo da marcha.

Nolan [10] e Schafer et al. [14] realizaram em seus estudos protocolos com exercícios resistidos para o fortalecimento muscular dos pacientes com amputação transtibial. No entanto, Schafer et al. [14] utilizaram exercícios de cadeia excêntrica, 2 vezes por semana durante 12 semanas, direcionando o fortalecimento do membro inferior, principalmente dos grupos musculares extensores do joelho, de modo que controlasse o movimento de flexão do joelho e o membro intacto exercesse força muscular no tornozelo, para que também houvesse o fortalecimento dos músculos flexores plantares e flexores do quadril. Já Nolan [10] realizou em seu estudo exercícios de cadeia concêntrica, cujo foco foi na musculatura da coxa do membro amputado, utilizando a força máxima de flexores e extensores durante toda a amplitude de movimento (ADM), realizou ainda exercícios para o fortalecimento do quadril, treino de marcha e monitorização do consumo de oxigênio. Portanto, em ambos os estudos houve aumento da força e resistência dos flexores e extensores dos membros inferiores, redução de quedas e redução da gravidade das lesões ocasionadas por elas, sendo assim também significativamente eficazes na redução do gasto de O2. Contudo, o diferencial do estudo de Nolan [10] foi pelo fato de ter utilizado a força máxima do paciente, em prol de monitorar o consumo de O2 e verificar o gasto de oxigênio durante a realização do exercício. Tendo em vista que esta poderia ser uma medida tomada por Lin et al. [12] já que em seu estudo havia identificado um gasto enorme de oxigênio em pacientes amputados transtibiais. Já Schafer et al. [14] obtiveram melhoras significativas em seu estudo, não só para o membro amputado, mas para todo o membro inferior, visto que os exercícios foram realizados em cadeia excêntrica, proporcionando o alongamento muscular enquanto sob tensão, facilitando assim o fortalecimento da musculatura do joelho e do tornozelo com maior estabilidade para os pacientes. Uma das características principais dos estudos supracitados foi a prescrição de exercícios domiciliares para os pacientes, visando a importância da continuidade do tratamento para que os objetivos terapêuticos fossem alcançados mediante a força de vontade e disciplina do paciente.

O estado da saúde mental e funcional durante o processo de reabilitação é de extrema importância para que se obtenham resultados efetivos, no tratamento proposto, no desequilíbrio quanto à funcionalidade na execução das atividades de vida diárias dos pacientes amputados [8]. No estudo de Talbot et al. [8] realizou-se tratamento domiciliar durante 12 semanas com treinamento de força para o fortalecimento muscular do quadríceps femoral utilizando a eletroestimulação com o método Neuromuscular Electrical Stimulation (NMES), com isso obteve resultado significativo no tratamento, devido à reavaliação e normalização dos escores no valor de (3,89) de melhora da saúde mental percebida, mostrando-se eficaz para reabilitação de amputados transtibiais, devido a associação dos exercícios de força muscular à eletroestimulação.

Os exercícios terapêuticos domiciliares de curto prazo utilizando telefonemas do fisioterapeuta por 30 minutos durante 12 semanas foram benéficos a mudança de comportamento e promoção à saúde, com a estimulação da prática de atividades físicas como a deambulação e autocuidado com a saúde após amputação transtibial [9]. O grupo de intervenção teve um aumento significativo no aumento de larguras de passos diários, diminuição do sedentarismo, melhora da função e da qualidade da marcha, além do aumento da sensibilidade. Isto se deve ao fato da inviabilidade desse tipo de intervenção de maneira isolada, visto que não há monitorização da realização dos exercícios propostos, ficando o resultado subjetivo, ou seja, é avaliado somente de maneira verbal.

Um dos estudos utilizou exercícios voltados à propriocepção e otimizou os resultados dos amputados. No estudo de Benrey et al. [7] realizaram-se diferentes tipos de exercícios proprioceptivos em amputados transtibiais com próteses e obteve resultados eficazes para ajudar na prescrição da prótese, êxito no tratamento de reabilitação e melhor inserção e inclusão desses indivíduos amputados transtibiais em seu âmbito social e atividades de vida diária.

 

Conclusão

 

Observou-se que existe uma enorme lacuna quanto às publicações de ensaios clínicos em Fisioterapia que abordem a aplicação da cinesioterapia em pacientes com amputação transtibial com abordagens do nível ambulatorial até o domiciliar.

Com base nos estudos supracitados, a fisioterapia com o treinamento de marcha realizado no período de 6 a 12 meses, 3 vezes por semana com 3 velocidades diferentes variando em 10 minutos, obteve resultados eficazes na reabilitação de pacientes amputados transtibiais, visto que constatou melhora funcional da marcha, bem como aumento na resistência cardiopulmonar, e redução da frequência cardíaca, pressão arterial e VO2.

Sugere-se a realização de exercícios de marcha associados a exercícios de fortalecimento e de propriocepção podendo ser realizados no membro afetado, 2 vezes por semana durante 12 semanas; proporcionando maior estabilidade para os pacientes, maior resistência, força muscular e capacidade proprioceptiva, que é essencial na execução do movimento. Não menos importante, vale ressaltar a importância da prescrição de cartilhas funcionais com exercícios domiciliares após o tratamento ambulatorial para que seja dada continuidade ao tratamento.

Fazem-se necessários bons ensaios clínicos incluindo a aplicação da cinesioterapia aos pacientes amputados transtibiais para melhorar a tomada de decisão do fisioterapeuta.

 

Referências

 

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