Fisioter Bras 2021;22(1);86-101

doi: 10.33233/fb.v22i1.4481

REVISÃO

Muito além do consultório: uma análise multifacetada da marcha em pacientes neurológicos

Beyond the office: a multifaceted gait analysis in neurological patients

 

Julio Guilherme Silva1, Jacqueline Stephanie Fernandes do Nascimento2, Nicolle dos Santos Moraes Nunes2, Marcos Antônio Alves Azizi3, Marco Orsini4

 

1Grupo de pesquisa em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Iguaçu (UNIG) Nova Iguaçu, RJ, Brasil, Prof. Adjunto da Faculdade de Fisioterapia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

2Graduanda de Medicina na Universidade Iguaçu (UNIG), Nova Iguaçu, RJ, Brasil

3Médico, Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Iguaçu (UNIG), Nova Iguaçu, RJ, Brasil

4Médico, Neurologista, Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Iguaçu (UNIG), Nova Iguaçu, RJ, Brasil, Instituto Caduceu, Escola de Pós-Graduação Médica Continuada, São Paulo, SP, Brasil, Programa de Doutorado em Neurologia e Neurociências, HUAP, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

 

Correspondência: Prof. Julio Guilherme Silva, UNIG Universidade Iguaçu, Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências da Saúde, Av. Abílio Távora, 2134 Nova Iguaçu Rio RJ

 

Julio Guilherme Silva: jglsilva@yahoo.com.br

Jacqueline Stephanie Fernandes do Nascimento: jac.fn@hotmail.com

Nicolle dos Santos Moraes Nunes: nicolle.nunes_@hotmail.com

Marcos Antônio Alves Azizi: marcoazizimed@gmail.com

Marco Orsini: orsinimarco@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: A marcha pode ser definida como um padrão cíclico, na postura bípede, que utiliza os membros inferiores para propulsão do corpo. No campo da Neurologia, a marcha no exame físico representa sinais na avaliação neurológica, que auxiliam no fechamento de diagnósticos. No ambiente clínico, em especial nos consultórios, o refinamento da avaliação da marcha fica restrita a experiência do clínico, pois o espaço muitas vezes é reduzido, o tempo inadequado para avaliação. Poucos relatos na literatura abordaram a referida questão. Objetivo: Discutir os principais pontos da análise de marcha de interesse dos neurologistas, no consultório. Metodologia: Nessa revisão narrativa, foram levantados 32 artigos e, aplicados os critérios de elegibilidade, foram selecionados 6 artigos. A avaliação da marcha no consultório deve respeitar critérios, pois pode acarretar vieses dos parâmetros da marcha e dificultar a análise global. Conclusão: Por isso, há necessidade de maiores discussões, no âmbito do consultório, para melhor avaliar os parâmetros da marcha.

Palavras-chave: análise da marcha; avaliação neurológica

 

Abstract

Introduction: Gait can be defined as a cicle pattern in biped posture that use to lower limb to body propulse. In Neurology, the physical exam of gait represents a neurological signal. This fact can help in the diagnosis conclusion. In a clinical setting and medical office, the critical evaluation is restricted to the physician´s expertise. The space of doctor´s room is often reduced and inappropriate time for evaluation. Objective: This study aimed to discuss the main points of gait analysis in neurological outpatients. Methods: In this narrative review, 32 articles were analyzed, and after included criteria, 6 articles were selected. In neurology medical office must respected criteria to no promote bias of gait parameter and complicate global assessment. Conclusion: Therefore, there is a need for further discussions, within the scope to better assess the gait parameters.

Keywords: gait analysis; neurology evaluation

 

Introdução

 

A marcha configura-se como uma das mais belas manifestações do movimento humano. De forma objetiva, podemos defini-la como um padrão cíclico, na postura bípede, que utiliza os membros inferiores para propulsão do corpo [1]. Já na antiguidade clássica, a deambulação é objeto de estudo. O filósofo Aristóteles fez uma descrição da marcha humana com um indivíduo andando com uma pena sobre a cabeça [2]. Desde então, as variáveis biológicas e físicas da marcha são investigadas e descritas na literatura. No escopo da biomecânica, a cadência do passo-passada, a velocidade, os ângulos articulares dos membros inferiores são harmonicamente combinados para o seu pleno desenvolvimento [3].

Esses aspectos podem ser definidos pelas inúmeras manifestações que somadas permitem a locomoção bípede. A avaliação da marcha é um ponto de interseção comum para diversas epistemes da saúde, em especial, os fisioterapeutas, os neurologistas e os ortopedistas. Isto tanto para a marcha fisiológico com as disfunções provocadas por as mais variadas patologias [4]. No ambiente laboratorial, o instrumental está cada vez mais apurado e acurado para analisar as variáveis cinéticas como: a força muscular, as forças de reação do solo; e as cinemáticas: passo-passada, os ângulos articulares [3,5]. Já no ambiente clínico, em especial nos consultórios, o refinamento da avaliação da marcha fica restrita a experiência do clínico, pois o espaço muitas vezes é reduzido, o tempo inadequado para avaliação, dentre outras. Esses vieses podem negligenciar determinados aspectos importantes para uma análise multifacetada dos distúrbios da marcha.

As marchas neurológicas formam um capítulo a parte no processo de compreensão dos distúrbios da marcha [6]. Componentes psicoemocionais, medo de quedas, baixa independência funcional são fatores agregados aos fatores mecânicos da marcha [6]. Em função disso, os clínicos precisam atentar para esses aspectos. Entretanto, a análise da marcha em ambiente ambulatorial necessita de uma atenção especial. São os espaços físicos adequados para uma observação mais minuciosa. Especialmente para uma classificação no exame físico do tipo de marcha, os principais fatores causais para posteriormente traçar as estratégias de reabilitação.

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi discutir os principais pontos da análise de marcha de interesse dos neurologistas, sob o ponto de vista ambulatorial e de instrumental.

 

Metodologia

 

Nessa revisão narrativa, foram levantados os artigos que discutem o ambiente ideal para o exame físico da marcha, em Neurologia. Especialmente, os componentes que facilitam e dificultam a interpretação da avaliação da marcha neurológica. Os artigos selecionados foram dos últimos 10 anos. As bases de dados consultadas foram Pubmed, Scielo e Cochrane Database com os unitermos: marcha neurológica, avaliação da marcha, instrumentação. A estratégia de busca obedeceu a seguinte ordem: gait analysis AND assessment AND instrumental. Esta revisão foi realizada de acordo com o critério PRISMA - Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses [7].

 

Resultados

 

 

Figura 1Resultados da seleção em base de dados

 

Discussão

 

A marcha humana fisiológica é descrita por fases, subfases e com diversos fenômenos de movimentos articulares do membro inferior para possibilitar a propulsão humana [8]. No âmbito da neurologia, o exame físico da marcha é peça fundamental para o diagnóstico de diversas enfermidades do sistema nervoso. Entretanto, o ambiente clínico, em especial, o consultório não permite um campo ideal para um exame completo da marcha. Nas últimas três décadas, os estudos de marcha têm concentrado discussões acerca no instrumental e as novas técnicas de registro da marcha [9,10]. Instrumentos como o eletromiografia, acelerômetros, câmaras de alta velocidade, sensores, regem as pesquisas [9]. No consultório, muitas vezes não há equipamentos disponíveis, e muitas vezes de alto custo [11].

Outra questão na avaliação da marcha no consultório, é o espaço reduzido que comprometem análises mais acuradas de parâmetros como passo-passada, cadência e outras variáveis para caracterização das marchas patológicas. Benedetti et al. [8] através do consenso italiano, para avaliar a marcha o clínico deve: conhecer biomecânica e a neurofisiologia do movimento humano; discriminar as vantagens e desvantagens das diferentes técnicas de registro dos dados. Todas as recomendações são para ambiente laboratorial e não discutem sobre a avaliação no consultório.

Nonnekes et al. [12], Baker et al. [5] colocam um espaço mínimo de 10m para acompanhar 10 ciclos da marcha. O olho humano é sensível para detectar no exame físico, porém faz-se necessário acompanhar problemas pregressos ou estratégias compensatórias. Devido a esse fato, devemos promover repetições durante a deambulação em 10m. Assim, no consultório o neurologista pode cometer vieses de interpretação. Principalmente, na descrição final da marcha, ou se tem padrões associados o que pode produzir um comportamento misto nos pontos espaço-temporais da marcha.

Assim, para otimizar a avaliação funcional da marcha neurológica, os outros componentes funcionais são potencializados quando temos uma avaliação multidisciplinar e, com uma área de 10m. Desordens como alterações posturais, incongruências articulares, abasia, entre outros, podem ser interpretadas nos laboratórios de marcha. Mesmo que os clínicos tenham bastante experiencia no exame físico da deambulação. Isto reforça a necessidade de um consenso que descreva as condições mínimas ideais para analisar a marcha no ambiente ambulatorial.

 

Conclusão

 

No exame físico da marcha neurológica, a observação dos ciclos, fases e subfase de forma contínua, fica restrita a de maiores inferências, no consultório. Por isso, há necessidade de maiores discussões, no âmbito do consultório, para melhor avaliar os parâmetros da marcha. Principalmente, na observação das possíveis modificações funcionais atreladas a marcha patológica.

 

Referencias

 

  1. Wren TAL, Gorton GE, Ounpuu S, Tucker CA. Efficacy of clinical gait analysis: A systematic review. Gait Posture 2011;34:149-53. https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2011.03.027 
  2. Tanaka MS, Luppi A, Morya E, Fávero FM, Fontes SV, Oliveira ASB. Main instruments for the gait analysis used in patients with muscular dystrophy of Duchenne. Rev Neurociênc 2007;15(2):153-9. https://doi.org/10.34024/rnc.2007.v15.8732 
  3. Silva TAM, Silva LP, Faccio PF, Silva KMC, Arruda ARV, Silva LN et al. Análise dos parâmetros espaço-temporais da marcha em indivíduos com disfunção neurológica tratados com prática mental: uma revisão sistemática. Acta Fisiatr 2018;25(2):86-93. https://doi.org/10.11606/issn.2317-0190.v25i2a162567 
  4. Baker R. Measuring walking: a handbook of clinical gait analysis. London: Mac Keith Press; 2013.
  5. Baker R, Esquenazi A, Benedetti MG, Desloovere K. Gait analysis: clinical facts. Eur J Phys Rehabil Med 2016;52(4):560-74.
  6. Baker JM. Gait disorders. Am J Med 2018; 131(6), 602-7. https://doi.org/10.1016/j.amjmed.2017.11.051 
  7. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG, The PRISMA Group. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. PLoS Med 2009;6(7):e1000097. https://doi.org/10.1371/journal.pmed1000097
  8. Benedetti MG, Beghi E, De Tanti A, Cappozzo A, Basaglia, N, Cutti AG, Ferrarin M. SIAMOC position paper on gait analysis in clinical practice: General requirements, methods, and appropriateness. Results of an Italian consensus conference. Gait & Posture 2017;58:252-60. https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2017.08.003 
  9. Taborri J, Palermo E, Rossi S, Cappa P. Gait partitioning methods: a systematic review. Sensors (Basel) 2016;16(1):66. https://doi.org/10.3390/s16010066
  10. Boutaayamou M, Schwartz C, Stamatakis J, Denoël V, Maquet D, Forthomme B, Croisier JL, Macq B, Verly JG, Garraux G, Brüls O. Development and validation of an accelerometer-based method for quantifying gait events. Med Eng Phys 2015;37(2):226-32. https://doi.org/10.1016/j.medengphy.2015.01.001 
  11. Wertman V, Gromova A, La Spada AR, Cortes CJ. Low-cost gait analysis for behavioral phenotyping of mouse models of neuromuscular disease. J Vis Exp 2019;(149). https://doi.org/10.3791/59878 
  12. Nonnekes J, Růžička E, Serranová T, Reich SG, Bloem BR, Hallett M. Functional gait disorders: A sign-based approach. Neurology 2020;94(24):183-9. https://doi.org/10.1038/nrneurol.2017.178