Fisioter
Bras 2021;2293):365-384
ARTIGO
ORIGINAL
Percepção
de discentes do curso de Fisioterapia sobre as normas de biossegurança no
ambiente hospitalar
Students’ perception of Physical
therapy course on biosafety standards in hospital environment
Mariana
Machado dos Santos*, Joice Sousa Santos*, Ohanna Cruz
Pereira*, Alena Ribeiro Alves Peixoto Medrado**
*Graduanda
do curso de Fisioterapia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade
Federal da Bahia, **Professora Associada do Departamento de Biointeração
do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia
Recebido
em 29 de março de 2021; aceito em 18 de junho de 2021.
Correspondência: Alena
Ribeiro Alves Peixoto Medrado, Avenida Reitor Miguel Calmon s/no., Vale do
Canela, 40000-000 Salvador BA, E-mail: armedrado@ufba.br
Mariana Machado dos Santos: marianamachado1305@gmail.com
Joice Sousa Santos: joice.sousa@ufba.br
Ohanna Cruz Pereira:
ohanna.cruz@ufba.br
Alena Ribeiro Alves Peixoto
Medrado: armedrado@ufba.br
Resumo
Introdução: As normas de biossegurança consistem
em um conjunto de políticas, regras e procedimentos necessários aos
profissionais que interagem com agentes microbiológicos. Apesar de essencial,
essa ainda é uma temática pouco abordada durante a graduação em fisioterapia,
na qual observa-se uma maior valorização das disciplinas de caráter
técnico-profissionalizante. Objetivo: Avaliar o conhecimento de
estudantes de Fisioterapia sobre as normas de biossegurança no ambiente
hospitalar e propor alternativas para a ampliação da discussão acerca desta
temática durante o período de graduação destes discentes. Métodos: Foi
realizado um estudo quali-quantitativo do tipo
descritivo exploratório de caráter transversal através da aplicação de um
questionário a respeito do tema abordado. A amostra foi definida por
conveniência, totalizando 105 discentes. Resultados: 96% dos estudantes
declararam que é necessário adotar as medidas de precaução padrão
independentemente do diagnóstico do paciente e 98% afirmaram que se deve
implantar a normatização dos conceitos de biossegurança. Conclusão: Com
base no estudo, conclui-se que a capacitação continuada é condição
indispensável para a segurança dos trabalhadores em qualquer que seja a área de
atuação.
Palavras-chave: contenção de riscos biológicos;
Fisioterapia; equipamentos de proteção.
Abstract
Introduction: Biosafety
standards consist of a set of policies, rules, and procedures necessary for
professionals who interact with microbiological agents. Although essential,
this is still a topic that is rarely addressed during the graduation course in
Physical therapy, in which there is a greater appreciation of disciplines of
technical-professional character. Objective: To assess the knowledge of
Physical therapy students on biosafety standards in hospital environment and
propose alternatives to expand the discussion on this topic during the
graduation period of these students. Methods: A qualitative quantitative
study, descriptive and exploratory type, of transversal approach, was carried
out through the application of a questionnaire. The sample was defined by
convenience, totalizing 105 students. Results: 96% of the students
declared that is necessary to adopt the standard precautionary measures
independent of the diagnosis and 98% stated that the standardization of the
concepts of biosafety should be implemented. Conclusion: Based on the
study, we concluded that continued training is an indispensable condition for
the safety of workers in any area of activity.
Keywords: containment of biohazards;
Physical Therapy Specialty; protective devices.
As normas de biossegurança são definidas como um conjunto
de políticas, regras e procedimentos universais necessários para promoção da
segurança e proteção dos profissionais que interagem com agentes biológicos,
microbiológicos, químicos, físicos e outros [1,2]. Elas têm como finalidade
prevenir, minimizar ou eliminar os riscos inerentes às atividades de pesquisa,
produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços [3,4]. No
ambiente hospitalar, as práticas de biossegurança são dependentes do
conhecimento e conscientização do profissional em relação à sua importância em
evitar contaminação cruzada, além de outros processos. Por isso, os cursos de
saúde de instituições de ensino superior são responsáveis em instruir os
discentes em relação ao conhecimento teórico e à aplicabilidade prática [5].
Em especial, na Fisioterapia, trata-se de uma temática
pouco abordada durante a graduação, pois observa-se uma maior valorização das
disciplinas de caráter técnico-profissionalizante. Contudo, os conhecimentos
acerca das boas práticas de biossegurança são continuamente exigidos durante
toda a vida profissional, visto que a atuação na área hospitalar e em outros
ambientes laborais está diretamente relacionada à maior exposição a agentes
desencadeadores de doenças [6]. Ademais, de acordo com Tomaz e Oliveira [7], o
fisioterapeuta possui como principal instrumento de trabalho o seu próprio
corpo, o que culmina no aumento do número de riscos aos quais este profissional
está submetido. Além disso, em decorrência da grande variedade de pacientes
atendidos por este profissional, os quais possuem diferentes patologias,
torna-se imprescindível a implementação de normas e procedimentos que visem
controlar infecções, a fim de preparar o fisioterapeuta para esse ambiente e
proteger a saúde dos pacientes e dos trabalhadores.
Dentre as várias Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho, destaca-se a NR-32, que
define requisitos e diretrizes básicas de medidas de segurança e proteção à
saúde dos que trabalham em todos os setores dos hospitais. Para proteção dos
trabalhadores, a NR-32, que trata da segurança dos serviços de saúde, descreve
precauções universais como: lavagem de mãos, uso de equipamentos de proteção
individual (EPI), cuidado com equipamentos utilizados durante a assistência,
controle de ambiente em relação à limpeza e manejo de objetos contaminados,
descarte adequado de materiais, além da atualização frequente da vacinação
[7,8].
A Comissão de Biossegurança em Saúde do Ministério da Saúde
(CBS) afirma que o profissional de saúde é responsável pelo cumprimento das
normas, necessitando da conscientização e treinamento de todos os envolvidos,
direta ou indiretamente. Contudo, observa-se que a adesão às normas de
biossegurança tem sido descrita como insatisfatórias, visto que alguns estudos
apontam o baixo cuidado para com a prevenção à contaminação devido à falta de
conhecimento, treinamento ou experiência dos trabalhadores. Portanto, a
biossegurança ainda encontra resistência a ser estudada, entendida e
principalmente praticada pelos profissionais de saúde no âmbito hospitalar [9].
Assim, este estudo teve por objetivo avaliar o conhecimento
de estudantes de Fisioterapia sobre as normas de biossegurança no ambiente
hospitalar e propor alternativas para a ampliação da discussão acerca desta
temática durante o período da graduação destes discentes.
Material
e métodos
Estratégia
de coleta de dados
Tratou-se de um estudo quali-quantitativo
do tipo descritivo exploratório de caráter transversal que consistiu na
obtenção de dados através de questionário físico e online sobre as normas de
biossegurança, na população de discentes de fisioterapia da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), Salvador/BA.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia e aprovado
em obediência à Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde/MS, que
regulamenta a pesquisa e testes envolvendo seres humanos, através do número de
protocolo 3.307.477.
A estratégia consistiu na elaboração de questionário
adaptado com perguntas de caráter objetivo que foi aplicado por um
entrevistador calibrado. Houve aplicação do questionário também através de
plataforma digital.
População
e amostra
A população do estudo foi composta por uma amostra de
conveniência que abrangeu 105 graduandos do curso de Fisioterapia da UFBA.
Foram selecionados discentes do primeiro, sexto e décimo semestres que
quisessem participar do estudo e informassem este consentimento através de
assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os critérios de inclusão aplicaram-se a estudantes do curso
de Fisioterapia da UFBA, regularmente matriculados no curso, maiores de 18
anos. Discentes com matrículas trancadas e transferidos de outras Instituições
de Ensino Superior não foram incluídos no estudo.
Protocolo
do estudo
A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de
questionários presenciais e do envio de formulários online através da
plataforma Google Forms, tendo sido aplicado um
roteiro semiestruturado adaptado com perguntas de caráter objetivo e subjetivo
já validado por Moreira [10]. Esse instrumento de coleta de dados foi baseado
no questionário aplicado por Campos [11], tomando como base ainda o Manual de
Legislação de Segurança e Medicina no Trabalho [12].
Os discentes que atenderam aos critérios de inclusão
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e preencheram o
instrumento de pesquisa sem interferências externas e em horário disponível para
cada participante.
Análise
dos resultados e estatística
Os dados coletados foram organizados em gráficos e tabelas,
apresentando frequência absoluta e relativa em planilhas no Word/ Excel 2010.
Foi utilizado o software R (versão 4.0.3), no qual foi realizada uma análise
descritiva (frequência absoluta/relativa, média e desvio padrão) com a
finalidade de identificar as características gerais e específicas da amostra
estudada. Para identificar a existência de associações entre as variáveis de
interesse foi utilizado o teste ANOVA, o teste Qui-Quadrado
ou o teste Exato de Fisher. A margem de erro utilizada foi de 5% e os
intervalos foram obtidos com 95,0% de confiança.
Do total de 105 alunos do curso de Fisioterapia
entrevistados, 75,2% (n = 79) eram do sexo feminino e 24,8% (n = 26) do sexo
masculino. A média de idade dos participantes foi de 22,6 anos. O quantitativo
de discentes que participou do estudo por semestre correspondeu a 41% (n = 43)
no primeiro semestre, sendo 35 discentes do sexo feminino e 8 do sexo
masculino, 26,7% (n = 28) no sexto, sendo 19 discentes do sexo feminino e 9 do
masculino e 32,4% (n = 34) no décimo, sendo 25 discentes do sexo feminino e 9
do sexo masculino (Figura 1).
Fonte: Autoria própria
Figura
1 - Distribuição de
discentes de acordo com o sexo e o semestre. Instituto de Ciências da Saúde,
Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA, 2020
A tabela I ilustra a frequência absoluta e relativa de
discentes que identificaram as variáveis descritas no questionário como EPIs.
Observou-se que os EPIs mais citados em todos os semestres corresponderam a
luvas (99%, n = 104), jaleco (93,3%, n = 98) e óculos (94,3%, n = 99). O uso de
touca (73,3%, n = 77) e máscara (78,1%, n = 82) também foi indicado, embora com
menores percentuais. Não foram observadas diferenças estatisticamente
significativas entre os semestres (p > 0,05).
Tabela
I - Frequência
absoluta e relativa de discentes que identificaram as variáveis descritas no
questionário como EPIs. Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da
Bahia, Salvador/BA, 2020
Fonte: Autoria própria
Na tabela II, observou-se que a maior parte dos discentes
de todos os períodos indicaram que os EPIs deveriam ser sempre usados (p >
0,05).
Tabela
II - Frequência
absoluta e relativa de discentes em relação à frequência de uso dos EPIs.
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA,
2020
Fonte: Autoria própria
Quando foi solicitado aos discentes que identificassem os EPCs, constatou-se que os mais citados foram extintor de incêndio (92,4%; n = 94) e chuveiro (81,9%; n =
86). Outros EPCs citados em menor percentual
incluíram balde de lixo (68,6%, n = 72), purificador de ar (63,8%, n = 67) e
caixa para descarte de perfurocortantes (61,9%, n = 65). Houve diferença
estatisticamente significativa em relação à identificação da caixa de perfurocortantes
com EPC entre os discentes do primeiro semestre em relação aos demais períodos
avaliados (p = 0,03); (Tabela III).
Tabela
III - Frequência
absoluta e relativa de discentes que identificaram as variáveis descritas no
questionário como EPCs. Instituto de Ciências da
Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA, 2020
*p
< 0,05. Fonte: Autoria própria
Ao se inquirir dos alunos acerca das medidas de precaução
padrão, observou-se que um percentual menor de alunos do primeiro semestre 76,7%,
n = 33) reconheceu a lavagem das mãos como medida de precaução quando
comparados ao discentes do sexto e décimo semestre, respectivamente (96,4%, n =
27; 94,1%, n = 32), com diferença estatisticamente significativa entre os
semestres (p < 0,05). Com relação ao uso de luvas, verificou-se que um
percentual menor de alunos do décimo semestre (38,2%, n = 28) identificou tal
variável como medida de precaução padrão, e esta diferença foi estatisticamente
significativa em relação às respostas obtidas dos alunos do primeiro e sexto
semestres, respectivamente (65,1%, n = 28; 46,4%, n = 13); (p < 0,001). Não
foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os semestres
no tocante ao uso de máscaras como medida de precaução padrão (p > 0,05)
(Tabela IV).
Tabela
IV - Frequência
relativa e absoluta de discentes de diferentes semestres que identificaram as
medidas de precaução padrão. Instituto de Ciências da Saúde, Universidade
Federal da Bahia, Salvador/BA, 2020
*p < 0,05; **p < 0,001. Fonte: Autoria própria
Em relação às normas de precaução obrigatórias, descritas
na tabela V, constatou-se que a maioria dos discentes identificou corretamente
a limpeza do tatame, macas e instrumentos com álcool a 70% (78,1%, n = 82), a
retirada do jaleco fora das dependências da clínica (71,4%, n = 75) e a lavagem
das mãos (89,5%, n = 94), não sendo observadas diferenças estatisticamente
significativas entre os semestres (p > 0,05). Entretanto, quando perguntados
se a manutenção preventiva de materiais e equipamentos consiste em uma norma de
precaução obrigatória, verificou-se diferença significativa entre o percentual
de respostas afirmativas dos discentes do décimo semestre (50%, n = 17) quando
comparado com os alunos do primeiro e sexto semestres, respectivamente (76,7%,
n = 33; 78,6% n = 22); (p < 0,05).
Tabela
V - Frequência
absoluta e relativa dos discentes que identificaram as normas de precaução
obrigatórias. Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia,
Salvador/BA, 2020
*p < 0,05. Fonte: Autoria própria.
A tabela VI descreve a frequência absoluta e relativa de
discentes com respeito às diferentes práticas de biossegurança, de acordo com o
semestre. De uma forma geral, considerando-se o total de respondentes,
constatou-se que um maior percentual de alunos respondeu ser necessário usar
luva em contato com sangue e fluidos corpóreos (98,1%, n = 103), adotar medidas
de precaução padrão independentemente do diagnóstico (96,2%, n = 101),
implantar a normatização dos conceitos de biossegurança (98,1%, n = 103),
restringir o uso de jaleco ao local de trabalho (78,1%, n = 82) e organizar
produtos químicos (87,6%, n = 92). Cerca de 50% dos discentes (n = 52)
afirmaram não ser necessário o descarte de agulhas em recipiente específico, sem
reencapá-las e não ser apropriado descartar sangue na pia (98,1%, n = 103). Não
foi observada diferença estatisticamente significativa entre o padrão de
respostas dos discentes, independente do semestre do qual faziam parte (p >
0,05).
Tabela
VI - Frequência
absoluta e relativa de discentes em relação às práticas de biossegurança.
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA,
2020
Fonte: Autoria própria.
A partir dos resultados obtidos na amostra estudada,
pode-se notar o predomínio de estudantes do sexo feminino (75,2%) quando
comparado ao sexo masculino (24,8%). Em outro estudo que teve como objetivo
descrever o conhecimento do conceito de agentes biológicos e equipamentos de
proteção por profissionais de saúde em ambiente hospitalar, bem como a
utilização dos equipamentos de proteção individual e coletiva, verificou-se que
84,5% dos profissionais de saúde eram do sexo feminino, o que embasa os
resultados encontrados pelo presente estudo [13]. Esses achados corroboram os
dados apontados em uma pesquisa realizada em Bauru, São Paulo, a qual
demonstrou que as mulheres compõem majoritariamente as equipes de saúde [14].
Já a média de idade dos participantes está próxima da relatada no estudo realizado
por Moreira [10], o qual encontrou uma média de 24 anos e 2 meses entre
estudantes de Fisioterapia que participaram da pesquisa.
Em relação ao semestre, a maioria dos alunos que
responderam ao questionário era do primeiro semestre (41%), seguidos do sexto
(26,7%) e do décimo (32,4%). Essa diferença no quantitativo de alunos
entrevistados em cada semestre pode ser explicada, dentre outros fatores, pela
evasão de discentes ao longo dos semestres, característica de grande parte dos
cursos superiores no Brasil [15]. Além disso, houve dificuldade em contatar os
alunos do décimo semestre em decorrência das atividades de estágio realizadas
fora da universidade.
No que diz respeito ao ambiente hospitalar, deve-se
considerar os riscos aos quais os trabalhadores e pacientes estão sujeitos,
pois, conforme citado por Costa e Felli [16], o
hospital é um local onde há um alto risco de contaminação em decorrência do
grande número de pessoas enfermas e dos procedimentos realizados pelos
profissionais de saúde, os quais, muitas vezes, devem estabelecer uma relação
de contato direto com o paciente, como ocorre com os fisioterapeutas, o que
aumenta ainda mais os riscos. Dessa maneira, torna-se imprescindível que todos
os profissionais envolvidos no cuidado ao paciente sejam treinados e estejam
aptos a utilizar os equipamentos de proteção.
De acordo com a NR 32, os Equipamentos de Proteção
Individual (EPIs) são dispositivos utilizados pelos trabalhadores contra
possíveis riscos à sua saúde ou segurança durante o exercício de suas funções
laborais; já os Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs)
têm como finalidade proteger o ambiente e a integridade de profissionais e
pacientes, considerando-se o espaço hospitalar. Eles devem estar disponíveis
nos ambientes de trabalho em quantidade suficiente, de acordo com a atividade
desenvolvida no local. O profissional, por sua vez, deve saber utilizá-los de
forma adequada, o que sinaliza para a necessidade de um programa de capacitação
periódica em biossegurança durante e após a sua formação acadêmica [17].
Com base nos dados obtidos na amostra estudada e
apresentados na tabela I, pode-se constatar que a maioria dos estudantes
identificaram os EPIs de forma correta; a luva, por exemplo, foi identificada
por 99% deles. Esses resultados estão de acordo com Rocha et al. [9], que
também encontraram em seu estudo uma maior porcentagem de respostas para luvas.
Esses equipamentos atuam de forma a minimizar os riscos aos quais podem estar
expostos os profissionais de saúde no ambiente hospitalar, assim como os outros
EPIs. Vale salientar que a utilização das luvas não deve substituir a lavagem
das mãos, uma vez que elas podem ser danificadas durante a utilização, além de
possuírem microporos através dos quais pode ocorrer a
passagem de microrganismos [18,19]. Durante a utilização desse EPI, é
importante que o profissional de saúde remova acessórios como relógios,
pulseira e anéis; outra medida necessária para evitar a contaminação de
trabalhadores e pacientes diz respeito ao cuidado com as unhas, as quais devem
ser curtas, a fim de manter a integridade da luva e diminuir o risco de
lesionar o paciente [19].
Em seguida, os óculos de proteção foram apontados por 94,3%
dos estudantes. Esses equipamentos são indispensáveis no contexto abordado por
serem uma barreira de proteção da via ocular, a qual fica vulnerável aos
fluidos, secreções e aerossóis durante o atendimento por parte do profissional
de saúde [20]. O jaleco, por sua vez, foi identificado como EPI por 93,3% dos
discentes. Esse equipamento previne a contaminação das roupas de uso pessoal,
além de proteger a pele dos profissionais de saúde contra a exposição a sangue,
fluidos corpóreos e materiais contaminados [21].
Propés, toucas e máscaras foram os EPIs menos
identificados pelos estudantes. Esses dados diferem de outros estudos em
relação à máscara, que foi um dos EPIs mais apontados pelos entrevistados
[9,14]. Tais resultados chamam atenção, pois esse equipamento é imprescindível
na medida em que impede a dispersão de gotículas e aerossóis para o ambiente;
nesse contexto, a OMS aconselha os profissionais de saúde a utilizarem máscaras
N-95 [22,23]. Já os propés são utilizados como
barreiras contra microrganismos presentes no sapato, o que contribui para
evitar a propagação desses por diferentes ambientes. As toucas, por fim,
protegem os cabelos dos profissionais de aerossóis, fluidos e secreções, além
de constituírem uma barreira para a queda de fios em locais inadequados, como
em material estéril ou em ferimentos [19].
Ademais, extintor de incêndio, purificador de ar, chuveiro,
lava olhos, balde de lixo e caixa de perfurocortante foram identificados por
alguns discentes como sendo Equipamentos de Proteção Individual. Em estudo
realizado por Moreira [10], todos os alunos apontaram esses equipamentos como EPCs, o que difere do resultado encontrado no presente
artigo. Vale ressaltar que os percentuais encontrados não foram significativos
entre os semestres e que o conceito utilizado no presente estudo está de acordo
com o determinado por Moreira [10].
A tabela II apresenta a frequência de uso dos EPIs
considerada correta pelos discentes; 95,2% deles disseram que esses
equipamentos devem ser utilizados sempre, independente do diagnóstico do
paciente e 4,8% disseram que os EPIs devem ser utilizados apenas quando o
paciente é portador de alguma doença infectocontagiosa. Nenhum aluno marcou a
alternativa que dizia não ser necessário o uso desses equipamentos. Outras
pesquisas encontraram resultados diferentes. Moreira [10] constatou que 52% dos
alunos faziam uso dos EPIs sempre e independente do diagnóstico, enquanto 48%
utilizavam apenas quando o paciente era portador de alguma doença
infectocontagiosa. Já a pesquisa realizada por De Santana Rocha et al. [9]
mostrou que a maior parte dos participantes (80%) relataram fazer uso dos EPIs
sempre e independentemente do diagnóstico do paciente, 9% utilizavam apenas
quando o diagnóstico do paciente fosse de doença infecto contagiosa e 11% não
levavam em consideração o diagnóstico e utilizavam os EPIs que estivessem
disponíveis no momento. De acordo com Carvalho [24], o uso desses equipamentos
é indispensável qualquer que seja o diagnóstico do paciente ou do procedimento
que será realizado, pois eles evitam a contaminação entre profissionais de
saúde e pacientes.
Com os resultados deste estudo descritos na tabela III,
verificou-se que houve trocas na identificação de EPCs.
Uma quantidade significativa de discentes do primeiro semestre afirmou que
caixa de perfurocortante é considerada EPI, em comparação aos demais semestres.
O estudo de Lima et al. [13], o qual analisou o conhecimento de
profissionais de saúde sobre equipamentos de proteção, relatou que os
trabalhadores possuíam menos conhecimentos sobre o conceito de EPC, pois apenas
79,2% compreendiam seu significado, enquanto 95,4% declararam deter
conhecimentos sobre EPI. Além disso, na identificação de equipamentos de
proteção, houve mais equívocos no reconhecimento de EPCs
quando comparados aos EPIs. Os participantes da pesquisa de Lima et al. [13]
identificaram a caixa de perfuro cortante como o EPC mais utilizado, o que
diverge do presente estudo, no qual esse equipamento foi o menos citado pelos
discentes de Fisioterapia, além da metade dos estudantes afirmarem não haver
necessidade de descarte de agulhas em recipientes apropriados.
No que se refere ao reencape de agulhas, evidenciou-se o
pouco conhecimento dos discentes do curso de Fisioterapia em um procedimento de
elevado risco de contaminação, pois apenas 50% deles afirmaram ser necessário o
descarte de agulhas em ambiente específico e sem reencapar. Ferreira et al.
[25] destacam que uma das causas mais recorrentes de acidentes de trabalho
entre os profissionais que atuam no ambiente hospitalar é o descarte inadequado
de objetos perfurocortantes. O estudo de Keshan et
al. [26], o qual analisou o nível de conhecimento prévio e de conhecimento
posterior a um dia de treinamento na área de biossegurança e risco biológico
entre estudantes de ciências da vida, verificou que o nível de conhecimento
sobre o manuseio correto e descarte de agulhas subiu de 41,98% para 87,65% após
o programa. Assim, faz-se necessária a intensificação do conhecimento acerca da
identificação e utilização desses equipamentos para aumentar a proteção do
trabalhador e evitar a ocorrência de acidentes durante as práticas laborais.
Outro conceito importante abordado pelo presente estudo
consiste nas medidas de precaução padrão, as quais são definidas como um
conjunto de medidas que devem ser utilizadas em todos os pacientes no ambiente
hospitalar para a redução de riscos de contaminação aos profissionais de saúde,
equipamentos, familiares e aos demais pacientes. Tais medidas abarcam a
higienização das mãos, uso de EPIs e EPCs e cuidados
com manuseio e descarte de objetos, equipamentos e materiais biológicos [27].
No que diz respeito à essas medidas, conforme apresentado
pela tabela IV, os discentes não evidenciaram conhecimento aprofundado sobre o
assunto. Em relação à lavagem das mãos, houve dificuldade por parte dos
discentes do primeiro semestre em identificar tal prática como sendo uma medida
de precaução padrão. Já em relação ao uso de luvas, o décimo semestre
apresentou índice de respostas inferior quando comparado ao primeiro e ao sexto
semestre. Pode-se atribuir isso ao fato de que, na prática clínica do
profissional fisioterapeuta, as condutas de Terapias Manuais não preconizam o
uso desse equipamento, pois ele pode interferir na manipulação e na execução
das condutas; nesse caso, recomenda-se que as mãos sejam higienizadas antes e
depois do contato com o paciente. Quanto à máscara, a maioria dos discentes não
identificou o seu uso como uma medida de precaução padrão. Em relação à essas
medidas, um estudo realizado por Al-Abhar et al.
[28] apontou que menos da metade dos entrevistados possuíam bom conhecimento
acerca das normas. Esses resultados vão de encontro ao que foi apresentado em
estudo realizado por Moreira [10], o qual mostrou que todos os estudantes
identificaram corretamente tais práticas. Para Porto et al. [29],
a
exclusão das medidas de precaução padrão ou
a execução errônea acarreta o
aumento do risco de contaminação, vulnerabilidade,
adoecimento e acidentes de
trabalho. Eles apontam também que programas de treinamento,
atualização e
capacitação das condutas de precaução
padrão e promoção à saúde no local
de
trabalho têm apresentado bons resultados, já que reduziram
os índices de
exposição à materiais biológicos e
acidentes ocupacionais, tornando os níveis
de contágios mais controláveis, visto que acidentes por
exposição a materiais
biológicos têm capacidade relevante de
contaminação e são considerados
problemas de saúde pública, gerando consequências
quando a prevenção é ineficaz
[26,29]. Estudos realizados em outros países também apontaram para a
necessidade de programas e cursos voltados para a conscientização dos
profissionais em relação às práticas de biossegurança [30].
Em relação às normas de precaução obrigatórias, de acordo
com a tabela V, a maioria dos alunos identificou corretamente a realização da
limpeza do tatame, macas e instrumentos com álcool a 70%, além da retirada de
jaleco fora das dependências clínicas e da lavagem das mãos. De acordo com
Pimentel et al. [31], a desinfecção com álcool a 70% deve ser feita
antes e após os trabalhos e sempre após algum respingo ou derramamento, através
de uma toalha descartável embebida no produto, a qual será utilizada na
superfície em sentido único, a fim de garantir a limpeza correta do material.
Já em relação à retirada do jaleco, alguns estudos mostram que esse equipamento
pode ser uma fonte de contaminação por bactérias potencialmente patogênicas,
principalmente quando utilizado fora das dependências hospitalares [32]. Quanto
à manutenção preventiva de materiais e equipamentos, o presente estudo
constatou que apenas metade dos discentes do décimo semestre a consideram como
uma norma obrigatória na Fisioterapia, sendo essa uma prática bem estabelecida
na literatura que pode evitar o risco físico do paciente, o que sinaliza para a
necessidade de maior abordagem desses conteúdos durante a graduação [19].
Segundo Mastroeni [33], o número
de acidentes envolvendo material biológico pode ser reduzido se as normas de
biossegurança forem implementadas no ambiente de trabalho. Acerca dessa
temática, Denlove et al. [34]
esclarecem sobre
a importância do descarte apropriado de fluidos corporais e
materiais
contaminados a fim de preservar a saúde dos trabalhadores; no
presente estudo,
o descarte de sangue na pia obteve baixo índice de
identificação pelos
discentes do curso de Fisioterapia da UFBA, já que a maioria
(98,1%) considera
essa prática como inapropriada, conforme o apresentado pela
tabela VI. Quanto à
restrição do jaleco à área hospitalar e
à organização dos produtos químicos,
uma parcela considerável dos discentes identificou corretamente,
de acordo com
as práticas estabelecidas para o profissional fisioterapeuta [19,32]. Pode-se
constatar também que a maioria dos estudantes identificou corretamente as práticas
de adotar medidas de precaução padrão independente do diagnóstico e implantar a
normatização dos conceitos de biossegurança. Esses resultados estão de acordo
com o encontrado por Moreira [10], no qual houve unanimidade de resposta para
esses itens.
Quanto às limitações deste estudo, destaca-se o fato de a
coleta dos dados ter sido realizada em uma única instituição, além da evasão de
muitos discentes do curso. Entretanto, essas limitações não comprometeram o
desenvolvimento da pesquisa, uma vez que houve representatividade de alunos em
todos os semestres avaliados.
Diante do exposto, um aspecto importante que auxilia a
prevenir o desenvolvimento de acidentes e o risco de contaminações nas áreas de
saúde diz respeito ao uso de normas e técnicas de biossegurança. Porém, tais
técnicas ainda são pouco discutidas pelos graduandos em Fisioterapia, o que foi
demonstrado pela dificuldade em identificar alguns equipamentos como sendo EPIs
ou EPCs.
Com base nos dados encontrados no estudo e relacionando-os
com outros trabalhos sobre o tema, a falta de concordância nos resultados
obtidos leva a crer que a capacitação continuada é uma necessidade para os
estudantes de saúde, em especial, os futuros fisioterapeutas. É de fundamental
importância que, durante e após o período de formação, o profissional da saúde
participe de programas de atualização e capacitação continuada em
biossegurança, proporcionando-lhes condições de trabalho seguras, oportunidade
para reflexão e discussões sobre o tema.
Recomenda-se que outros estudos acerca do conhecimento em
biossegurança e utilização dos equipamentos de proteção individual e coletiva
por profissionais de saúde sejam realizados, pois o ambiente hospitalar torna
esse grupo vulnerável. Isso contribuirá para ampliar a visibilidade sobre os
impactos da biossegurança e da implementação de medidas preventivas para a
promoção da saúde de todos os envolvidos em ambientes hospitalares.