Fisioter Bras 2021;22(3):469-85

doi: 10.33233/fb.v22i3.4708

REVISÃO

Alterações neuromusculares em pacientes com COVID-19

Neuromuscular changes in patients with COVID-19

 

Evelyne Pires de Holanda*, Thays Barreto Januário Chaves de Figueirêdo*, Nataly Belfort Ferreira Alves*, Eulaine Souza de Aragão*, Diana Babini Lapa de Albuquerque Britto**

 

*Graduanda em Fisioterapia pela Faculdade de Comunicação Tecnologia e Turismo de Olinda (FACOTTUR), Olinda/PE, **Fonoaudióloga, professora substituta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora do curso de Fisioterapia pela Faculdade de Comunicação Tecnologia e Turismo de Olinda (FACOTTUR), Olinda/PE

 

Recebido em: 2 de abril de 2021; Aceito em: 23 de junho de 2021.

 

Correspondência: Diana Babini Lapa de Albuquerque Britto, Rua Franklin Távora, 650/801 Campo Grande 52040-050 Recife PE, E-mail: diana.babini@gmail.com

 

Diana Babini Lapa de Albuquerque Britto: diana.babini@gmail.com

Evelyne Pires de Holanda: evelynehollanda87@gmail.com

Thays Barreto Januário Chaves de Figueirêdo: thaysbaaarreto@gmail.com

Nataly Belfort Ferreira Alves: nataly.belfort@hotmail.com

Eulaine Souza de Aragão: souzaeulaine@gmail.com

 

Resumo

Introdução: Em dezembro de 2019, surgiu na China um novo coronavírus chamado SARS-CoV-2. A doença nomeada de COVID-19 rapidamente tornou-se uma pandemia. Sabe-se que, a longo prazo, os pacientes no período mais agudo da doença podem apresentar síndromes que desencadeiem fadiga, dor e dispneia. Objetivo: O trabalho objetivou realizar uma revisão integrativa acerca das alterações neuromusculares em pacientes com COVID-19. Métodos: O estudo aconteceu em novembro e dezembro de 2020, sem limitação de ano e idioma. Foram utilizadas as bases de dados: PubMed, Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciência da Saúde (Lilacs) e Google Acadêmico. Resultados: Foram identificados 19.316 estudos, sendo 15 selecionados após a leitura de títulos e resumos. Após remoção das duplicatas, 13 artigos foram lidos na íntegra. Por fim, 7 artigos foram selecionados após a exclusão dos que não atendiam aos critérios de elegibilidade. Os participantes dos estudos tinham faixa etária entre 42 e 90 anos, todos com COVID-19 e patologias neuromusculares associadas: disfunção neuromuscular, mialgia, síndrome de Guillain-Barré, miopatia e fraqueza muscular geral. O maior índice álgico referido foi no sistema musculoesquelético (membro superior, inferior e região lombar). Conclusão: A COVID-19 pode levar a complicações neuromusculares.

Palavras-chave: COVID-19; SARS-CoV-2; doenças neuromusculares.

 

Abstract 

Introduction: In December 2019, a new coronavírus called SARS-CoV-2 appeared in China. The disease named COVID-19 quickly became a pandemic. It is known that, in the long term, patients in the most acute period of the disease, may present syndromes that cause fatigue, pain and dyspnea. Objective: The study aimed to carry out an integrative review about neuromuscular changes in patients with COVID-19. Methods: The study took place in October and November 2020, without limitation of year and language. The following databases were used: PubMed, Scientific Electronic Library online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciência da Saúde (Lilacs), and Google Scholar. Results: 19,316 studies were identified, 15 of which were selected after reading titles and abstracts. After removing duplicates, 13 articles were read in full. Finally, 7 articles were selected after excluding those that did not meet the eligibility criteria. Study participants were between 42 and 90 years old, all with COVID-19 and associated neuromuscular pathologies: neuromuscular dysfunction, myalgia, Guillain-Barré syndrome, myopathy and general muscle weakness. The highest pain index reported was in the musculoskeletal system (upper, lower limb and lumbar region). Conclusion: COVID-19 can lead to neuromuscular complications.

Keywords: COVID-19; SARS-CoV-2; neuromuscular diseases.

 

Introdução

 

Em decorrência de diversas ocorrências de pneumonia em dezembro de 2019 na China, especificamente na cidade de Wuhan, pesquisadores chineses identificaram o novo coronavirus SARS-CoV-2 [1]. A nova doença se alastrou pelo mundo em proporções aceleradas [2]. A doença pandêmica é atualmente conhecida como COVID-19, apresentando como agente patogênico o SARS-CoV-2 [3].

O coronavírus (CoVs), de uma forma geral, pode infectar tanto animais como humanos, e as infecções podem afetar principalmente a três sistemas: respiratório, gastrointestinal e sistema nervoso central (SNC). Esses fatores contribuem para que o vírus consiga se tornar cada vez mais nocivo [4].

O coronavírus é um vírus de fácil transmissão e normalmente acomete de forma mais grave indivíduos que são portadores de debilidades crônicas. Pessoas com doenças de cunho pulmonar, renais crônicos, diabéticos, hipertensos, cardiopatas, usuários de corticoides ou drogas imunossupressoras, tabagistas e idosos, correspondem à parte da população com uma maior predisposição à pneumonia [5].

Os sintomas clássicos da infecção do SARSCoV-2 são: febre, tosse seca, dificuldade para respirar e dor na garganta, entre outras ocorrências clínicas [1]. Esses sintomas normalmente aparecem entre o 2º e o 14º dia de infecção [6].

Para a Organização Mundial de Saúde - OMS (2020), o período de incubação se refere ao tempo da infecção ao início dos sintomas. Diante disso, para quem tenha sentido os sintomas iniciais referentes ao SARS-CoV-2 são de 7 a 14 dias. Pessoas com sintomas leves, o recomendado é isolamento domiciliar, enquanto pessoas que sentirem dificuldades ao respirar, com problemas respiratórios, sendo recomendado procurar uma emergência mais próxima e iniciar diagnóstico e tratamento adequado [7].

As manifestações neurológicas já foram relacionadas a COVID-19. Decorrente dos primeiros sintomas iniciais, outras complicações vieram surgindo como doenças neuromusculares, em que acarretavam uma série de fatores em pessoas assintomáticas e sintomáticas sem saber que eram provenientes do SARS-CoV19. Uma das doenças neuromusculares é a cefaleia, associadas ao vírus e que acaba passando despercebida pela simples causa que é [8].

Por fim, as doenças neuromusculares como o próprio nome diz são aquelas que afetam o sistema nervoso e o muscular. Como o sistema respiratório normalmente é afetado num indivíduo acometido pela COVID-19 tanto o músculo diafragma como os intercostais também podem sofrer afecção, apresentando, assim, sequelas nos principais músculos envolvidos no mecanismo de expiração e inspiração [8].

      A longo prazo, os pacientes, no período mais agudo da doença, podem apresentar síndromes que desencadeiem disfunção muscular, fadiga, dor e dispneia. Diante disso, há risco de desenvolvimento de sequelas musculoesqueléticas, respectivas de inflamação e perda de massa muscular, adquirida pela imobilidade, que ocasiona incapacidade motora ainda não avaliável, com quanto, é preciso melhores planejamentos de intervenção e reabilitação para esses pacientes [9].

Assim sendo, é esperado que os pacientes acometidos pela COVID-19 possam vir a sofrer sequelas musculoesqueléticas em decorrência do processo inflamatório e perda de massa muscular causada pela imobilidade, que geram incapacidades motoras ainda não quantificáveis [9]. 

Para pacientes com sintomas mais leves, a OMS determina que o melhor tratamento para COVID-19, além de tratamento medicamentoso e higienização, ainda é o isolamento social, sendo esta uma maneira de diminuição e propagação do vírus e a superlotação nos hospitais. Por outro lado, essa determinação aumenta o índice de pessoas sedentárias, ou seja, o isolamento social contribui para sintomas musculoesqueléticos, como dor miofascial, artralgias, como principais sequelas ligadas às doenças autoimunes, como artrite reumatoide, espondilites e lúpus eritematoso sistêmico [10].

Diante do exposto, o estudo objetiva realizar uma revisão integrativa acerca das alterações neuromusculares em pacientes com COVID-19.

 

Métodos

 

Estratégia de estudo

 

A revisão foi direcionada pela seguinte pergunta norteadora: Quais as possíveis alterações neuromusculares existentes em indivíduos acometidos pela COVID-19?

A estratégia PICo foi utilizada e definida da seguinte forma: População (P) - indivíduos que foram acometidos pela COVID-19; Intervenção (I): avaliação funcional fisioterapêutica, bem como autorrelato de queixas musculares e/ou neuromusculares; Contexto (Co): alterações neuromusculares em decorrência da COVID-19.

Este estudo foi realizado por meio das principais bases de dados disponíveis nos meses de novembro e dezembro de 2020, especificamente: Pubmed, Scientific Eletronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Science Direct, e as primeiras 15 páginas do Google Acadêmico.

Não foram aplicadas restrições de idioma e data de publicação. Com o objetivo de alcançar uma maior quantidade de artigos, foram utilizadas duas chaves de buscas associadas aos conectores booleanos AND e OR, sendo elas: COVID-19 OR SARS-CoV-2 AND musculoskeletal diseases OR musculoskeletal disorders OR neuromuscular disorders OR neuromuscular disease. Todos os descritores utilizados nas chaves de buscas foram obtidos na base Medical Subject Headings (MeSH).

Critérios de seleção

Dois revisores independentes selecionaram os artigos inicialmente pela leitura do título e resumo e, finalmente pela leitura do artigo por completo, de acordo com critérios preestabelecidos de inclusão e exclusão. Discrepâncias em relação à seleção e extração de dados foram discutidas entre os revisores no fim de cada etapa, objetivando chegar a um consenso, e na ausência de concordância um terceiro avaliador foi consultado.

Foram incluídos estudos sem restrição quanto ao tipo de desenho, porém que apresentassem: 1) descrição de pacientes humanos jovens, adultos e idosos, com faixa etária a partir de 18 anos de idade, que foram infectados pelo SARS-CoV-2, 2) hipóteses ou evidências sobre a fisiopatologia do comprometimento neuromuscular associado a COVID-19. Os critérios de exclusão adotados foram: 1) revisão de literatura; 2) capítulos de livros; 3) estudos com animais.

 

Análise de dados

 

Os revisores de maneira independente extraíram os dados dos artigos selecionados em formato digital, sendo eles: o título do artigo, nomes dos autores, ano de publicação, país, tipo e objetivo do estudo, tamanho da amostra, faixa etária do grupo estudado, medicamentos utilizados, exames realizados, patologia neuromuscular associada a COVID-19, principais resultados e conclusões disponibilizadas pelos estudos e nível de evidência. Para classificar os artigos incluídos de acordo com o nível de evidência científica foi utilizada a nova pirâmide de medicina baseada em evidências [11].

Com o intuito de sintetizar a informação dos artigos, os dados extraídos dos estudos foram compilados de forma descritiva numa tabela previamente elaborada, o que facilitou a identificação e reformulação das categorizações temáticas.

 

Resultados

 

Foram identificados 19.316 estudos na busca inicial, sendo 15 selecionados após a leitura de títulos e resumos. Após remoção dos estudos duplicados, 13 artigos foram lidos na íntegra, conforme as etapas de seleção descritas (Figura 1). Por fim, 7 artigos foram selecionados após a exclusão dos que não atendiam aos critérios de elegibilidade pré-estabelecidos na metodologia. Os motivos de exclusão foram: artigos de revisão da literatura (5), população investigada fora da faixa etária definida pela atual revisão (1).

 

 

Figura 1 - Diagrama de fluxo da seleção dos artigos

 

Após a análise de todos os estudos incluídos na revisão integrativa, verificou-se ocorrência de quatro estudos experimentais, sendo um ensaio clínico randomizado (nível de evidência 2) [12], dois estudos observacionais (nível de evidência 4) [13,14], três estudos de casos e uma carta ao editor (nível de evidência 5) [15,16,17,18].

Os estudos incluídos foram produzidos no ano de 2020, nos continentes, Europeu [13,16,17], Americano [12,14] e Asiático [15,18].

Os participantes dos estudos tinham idades que variaram entre 42 e 90 anos. Em relação as patologias associadas a COVID-19, os estudos apresentaram as seguintes complicações: disfunção neuromuscular [13,18], miastenia gravis [14], mialgia e disfunção muscular [12], síndrome de Guillain-Barré [16], miopatia [17] e fraqueza muscular geral [15].

 

Quadro 1 - Descrição dos estudos incluídos na revisão integrativa da literatura (ver PDF anexo)

 

Em relação ao local do corpo que os pacientes referiam maior índice álgico, estavam referidos ao sistema musculoesquelético, mais especificamente os músculos do membro superior, membro inferior e região lombar da coluna vertebral [12,13,16,17]. Os exames mais realizados foram Tomografia Computadorizada [12,13], Radiografia [12,14] e Eletroneuromiografia [13,17].

Por fim, para tratamento da COVID-19 e patologias associadas, as medicações mais utilizadas foram: Hidroxicloroquina (HQ) [13,14,17], Azitromicina [14,17] e corticóides, como metilprednisolona e predsinona [12,13,14,17].

 

Quadro 2 - Características relacionadas à condição de uso dos medicamentos e principais conclusões (ver PDF anexo)

 

Discussão

 

Em todos os estudos incluídos nesta revisão, os pacientes apresentaram COVID-19 associados com alguma doença neuromuscular: Síndrome de Guillain-Barré [16], fraqueza muscular [15], doenças neuromusculares [12,13,18], miopatia e/ou neuropatia [17] e miastenia gravis [14].

Dados resultantes indicam que, no período de pandemia, pacientes que possuem doença paralítica aguda, como exemplo a Síndrome de Guillain-Barré, alcançam uma aparição de polineuropatias definida por fraqueza motora ascendente aguda, ocorrendo num prazo de uma a quatro semanas, desequilíbrios sensoriais leves ou moderados, comprometimento de nervo craniano ocasional e dores musculares radial [16].

De alguma forma, sinais e sintomas de alterações musculares foram apresentados. Fraqueza muscular no corpo de uma forma geral [12-18], além de fraqueza na musculatura envolvida na respiração, como o caso do músculo diafragma [15].

Pacientes diagnosticados com sintomas neurológicos, devido ao SARS-CoV-2, apresentam de alguma forma problemas graves no sistema respiratório, devido a infecção no músculo diafragma. O diafragma é essencial para o mecanismo de respiração. No entanto, quando acometido pela infecção sua fragilidade muscular tende a aumentar e consequentemente sérios prejuízos chegam concomitantemente [13].

Outro aspecto a se destacar é que pacientes com infecção pela COVID-19 de grau moderado a grave normalmente necessitam de ventilação mecânica por um tempo prolongado e, com isso, podem apresentar sequelas musculoesqueléticas, neurológicas, ósseas e distúrbios articulares [13,18,19] tornando-os pacientes mais críticos e diminuindo, assim, sua qualidade de vida [12].

No que se refere a forma de diagnóstico da COVID-19 e outras doenças que venham associadas, os achados destacam a realização de exames laboratoriais [16,20,21], exames de diagnóstico por imagem, como ressonância magnética, tomografia computadorizada e radiografia [12,13,14,20] eletroneuromiografia [13], eletromiografia [17,21], eletroneurografia [13] e biopsia muscular [17].

Essa variabilidade de maneiras de diagnóstico está intrinsicamente relacionada a diagnósticos prematuros de doenças como encefalomielite ou miosite que pode surgir antes mesmo dos primeiros sintomas mais comuns da COVID-19 [16].

Ainda em relação ao diagnóstico, pacientes com síndrome respiratória aguda grave podem apresentar, através de uma biopsia muscular, fibras necróticas e regenerativas dispersas ou não de sinais inflamatórios, como também achados miopáticos inespecíficos, o que pode ofertar informações mais específicas [17].

As implicações respiratórias estão sendo responsáveis por uma quantidade considerável em relação a mortalidades dos pacientes portadores de doenças neuromusculares raras, dados resultantes mostram que existem possibilidades de riscos mais agravados causados pela COVID-19 nesse grupo de pacientes. Com isso, pacientes acometidos da doença do neurônio motor, esclerose lateral amiotrófica, atrofia muscular espinhal, distrofia muscular, miopatias metabólicas, fraqueza muscular ventilatória ou cardiomiopatia são mais vulneráveis, ou seja, ocorre o risco maior em contrair a COVID-19 grave [18].

No âmbito de pacientes já acometidos por doenças neurológicas, ao ser infectado pela COVID-19 podem ter um quadro de risco bem mais grave. É o caso de indivíduos com miastenia gravis e COVID-19 [14]. Em relação ao tratamento desses pacientes, a grande maioria foi medicado com azitromicina e HQ, porém o uso em excesso dessas medicações pode acarretar fatores graves aos portadores da doença [14].

Por fim, sintomas neurológicos vagamente definidos que afetam o controle motor e a função muscular, bem como mialgias extensas e disfunção muscular foram relatados em pacientes infectados por SARS-CoV-2 [12], mesmo após “curados” da COVID-19, em decorrência dos efeitos pós-inflamatórios da infecção viral. Por este motivo, há uma diminuição na qualidade de vida como também impactos ocupacionais e uma quantidade reduzida retorna ao trabalho logo de imediato.

Pacientes com acometimento neuromuscular, após infectados pela COVID-19 podem até apresentar uma melhora na força e preensão, flexão de ombro e força de extensão de quadril, mas necessitam seguir programas de exercícios aeróbios com aumento gradual de carga durante período de treinamento para que seja possível a obtenção de êxito, principalmente pacientes sequelados, fazendo uso de treinamento aeróbio e resistência para diminuição de fadiga e aumento de força muscular [12].

 

Conclusão

 

A COVID-19 pode levar a grandes complicações neuromusculares. O estudo sugere que se faz necessário continuidade de pesquisas nessa vertente, para que se possa ampliar o conhecimento dessa relação e trazer novas informações e meios de tratamento para essa relação de alterações neuromusculares em decorrência da COVID-19.

 

Referências

 

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