Fisioter Bras 2021;22(2):180-95

doi: 10.33233/fb.v22i2.4750

ARTIGO ORIGINAL

Análise cinemática da marcha com medidas normalizadas e não-normalizadas em indivíduos hígidos: um estudo experimental

Kinematic gait analysis with normalized and non-normalized measurements in healthy individuals: an experimental study

 

André Custódio da Silva1, Juliana Silva de Almeida2, Tiago Bastos Taboada2, Sérgio Medeiros Pinto³, Sergio Chermont4, Igor Mauricio Antunes Carvalho5, Marco Orsini6, Júlio Guilherme Silva7, Luiz Alberto Batista8

 

1Professor do Curso de Fisioterapia, Universidade Veiga de Almeida; Professor Lab. de Biomecânica e comportamento motor (LABICOM) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Grupo de Estudo Fisioterapia e Insuficiência Cardíaca (GEFIC), Universidade Federal Fluminense

2Curso de Fisioterapia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

3Professor Lab. de Biomecânica e comportamento motor (LABICOM), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor do Curso de Educação Física, Universidade Estácio de Sá

4Grupo de Estudo de Fisioterapia em Insuficiência Cardíaca (GEFIC), Universidade Federal Fluminense

5Mestrando em Ciências da Reabilitação, Centro Universitário Augusto Motta

6Professor da Escola de Medicina da Universidade Nova Iguaçu, Discente do Instituto Caduceu/Psiquiatria, Curitiba

7Professor Adjunto do Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor do Grupo de Pesquisa em Saúde Universidade Nova Iguaçu

8Professor Titular do Instituto de Educação Física e do Desporto, Universidade Estadual do Rio de Janeiro

 

Recebido 14 de dezembro de 2020; aceito 15 de março de 2021

Correspondência: André Custódio da Silva, Estrada São Gonçalo, 42 casa 11 Taquara 22725-240 Rio de Janeiro RJ

 

André Custódio da Silva: acustodiodasilva@yahoo.com.br 

Juliana Silva de Almeida: jsa.juliana98@gmail.com 

Tiago Bastos Taboada: tiago.taboada@gmail.com 

Sérgio Medeiros Pinto: smpinto10@yahoo.com.br 

Sérgio Chermont: schermont@yahoo.com.br 

Igor Mauricio Antunes Carvalho: icarvalho@gmail.com 

Marco Orsini: orsinimarco@hotmail.com 

Júlio Guilherme Silva: jglsilva@yahoo.com.br 

Luiz Alberto Batista: bmc_ef@yahoo.com.br 

 

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar as possíveis relações entre a variável antropométrica comprimento dos membros inferiores e de passada na marcha, com valores naturais e normalizados, em velocidade auto-selecionada e acrescida de 50%, em indivíduos adultos jovens. Foram avaliados 32 sujeitos hígidos adultos entre 18-25 anos. Os deslocamentos corporais nas duas velocidades foram registrados através da técnica de cineantropometria, utilizando o software Skillspector® para quantificar o comprimento da passada entre as médias dos dados normalizadas e não-normalizadas, do segmento direito e do segmento esquerdo. A comparação entre os valores médios das passadas normalizadas e não-normalizadas, nas diferentes velocidades, foi realizada por meio do teste t student (p < 0,05), assim como o grau de associação entre o comprimento da passada e o comprimento do membro inferior, realizada pelo teste de correlação de Pearson (p < 0,05). Sendo assim, nosso estudo constatou uma correlação positiva entre as variáveis estudadas, nas duas velocidades e, uma diferença entre a passada com dados normalizados e não normalizados, em ambas as velocidades.

Palavras-chave: marcha; análise da marcha; análise espaço-temporal; antropometria; cineantropometria.

 

Abstract

The aim of this study was to analyze the possible relationships between the anthropometric variable length of the lower limbs and gait stride, with natural and normalized values, at self-selected speed and increased by 50%, in young adult individuals. 32 healthy adult subjects aged 18-25 years were evaluated. Body movements at both speeds were recorded using the kinanthropometry technique, using the Skillspector® software to quantify the stride length between the normalized and non-normalized data averages for the right and left segments. The comparison between the mean values of normalized and non-normalized strides, at different speeds, was performed using the Student t test (p < 0.05), as well as the degree of association between stride length and lower limb length, performed by the Pearson correlation test (p < 0.05). Thus, our study found a positive correlation between the variables studied, at both speeds, and a difference between the stride with normalized and non-normalized data, at both speeds.

Keywords: gait; gait analysis; spatio-temporal analysis; anthropometry; kinanthropometry.

 

Introdução

 

As alterações da marcha são comuns em uma variedade de condições clínicas, como lesão cerebral adquirida, encefalopatia crônica não progressiva, substituição articular e osteoartrite. Evidências sugerem que a velocidade da marcha pode ser uma importante medida preditiva do resultado funcional [1]. Além disso, a discrepância no comprimento das pernas é um fator significativo que influencia várias condições patológicas e fisiológicas, além de ocasionar resultados funcionais prejudicados [2]. A velocidade da marcha também afeta uma série de resultados cinemáticos e cinéticos da articulação dos membros inferiores, como ângulos articulares. No entanto, pouco se sabe sobre como a velocidade angular da articulação muda ao caminhar em várias velocidades [1]. A maioria das formas de distúrbio de marcha está associada a uma redução da velocidade desta. Durante o processo de envelhecimento, por exemplo, a velocidade lenta da marcha está associada à mortalidade, hospitalização, fragilidade e risco de queda. Portanto, as medidas de velocidade da marcha podem ser usadas para descrever a saúde física de uma pessoa, coorte ou para fornecer uma descrição geral do desempenho físico, especialmente em pessoas idosas. Ademais, a velocidade lenta da marcha está associada ao declínio cognitivo com avaliações de tarefas duplas, aumentando o poder discriminativo por maiores desafios [3].

A marcha é frequentemente usada como forma de quantificar a função física, a qualidade de vida e o estado de saúde, uma vez que a caminhada é uma das atividades físicas mais regularmente realizadas na vida diária. Muito frequentemente, parâmetros espaço-temporais de adultos saudáveis são usados como valores de controle para determinar se uma determinada população de pacientes diverge da norma, por exemplo, ao investigar a influência de deficiências neurológicas, cardiovasculares ou musculoesqueléticas na marcha. Por outro lado, parâmetros espaço-temporais de adultos saudáveis têm sido utilizados para investigar a influência da idade no modo de caminhar [4,5]. Já ao avaliar os parâmetros temporais da marcha em populações patológicas, todo o ciclo da marcha é importante, porque a afeta em todos os seus aspectos. No entanto, esses parâmetros ainda não foram completamente explorados e testados, especialmente no que diz respeito ao comportamento de gênero e membro. Além disso, a patologia e a incapacidade não afetam apenas os parâmetros médios da marcha, mas também a variabilidade passo a passo dos parâmetros espaço-temporais desta. Tradicionalmente, verificou-se que a variabilidade da marcha, uma característica quantificável da caminhada, está alterada em condições clinicamente relevantes, como queda, fragilidade e doença neurodegenerativa (por exemplo, doença de Parkinson e Alzheimer). Medidas de variabilidade da marcha, parecem prever efetivamente quedas em idosos caidores idiopáticos e em outras populações que compartilham um risco aumentado de queda [6].

A capacidade da marcha pode ser influenciada por diversos aspectos antropométricos. Dessa forma, indivíduos de diferentes países ou etnias tendem a ter diferenças nesses aspectos ao serem comparados. Portanto, a avaliação dos parâmetros da marcha baseado em dados normativos de somente uma coorte, de uma determinada região, com diferentes medidas antropométricas se torna um impeditivo. Para atenuar tal característica, é possível desassociar as medidas antropométricas dos dados através da normalização, eliminando assim qualquer influência das diferenças antropométricas entre os pacientes. Através da normalização, os parâmetros da marcha e as medidas de mobilidade podem ser correlacionados a partir de medidas antropométricas e velocidades de caminhada auto-selecionadas. A normalização, que é o método estabelecido para reduzir a dispersão nos dados da marcha devido à variação nas propriedades físicas entre sujeitos, é mais comumente realizada usando equações adimensionais. Ao se empregar modelos de regressão linear para fins de normalização, os parâmetros normalizados da marcha e medidas de mobilidade indicam uma redução na dispersão dos dados e remoção de correlações significativas com as medidas antropométricas [7,8].

Na prática clínica, a inspeção visual é sempre necessária para obter uma primeira impressão do desempenho de uma pessoa e é a base para análises adicionais. A análise quantitativa da marcha pode ajudar a identificar qualquer patologia, fornece informações sobre a progressão da doença e medir a eficácia das intervenções. Para trazer a análise da marcha para os ambientes clínicos e usá-la em pesquisas clínicas que fornecem dados válidos e confiáveis, as condições organizacionais devem ser apropriadas. Isto posto, é necessário que sejam desenvolvidos protocolos que permitam associar às alterações cinemáticas às variáveis antropométricas de forma a evidenciar possíveis alterações de forma precoce, a ponto de conseguir intervir antes que haja progressão da disfunção causal de tais alterações [3].

A quantificação das características biomecânicas da marcha de uma pessoa é uma importante ferramenta clínica para avaliar padrões normais e patológicos de locomoção e tem sido usada no processo de decisão para prescrever tratamento e para avaliar os resultados da intervenção. Por exemplo, a velocidade de caminhada e não a idade tem sido considerada o principal determinante das alterações cinemáticas e cinéticas [9]. Segundo o princípio fundamental da cinemática inversa, a partir da captura dinâmica do movimento, é possível calcular o erro de rastreamento cada vez que uma posição do marcador é alterada [10]. Assim, o status de comportamento de variáveis antropométricas com espaço-temporais pode ser estimado com base no estudo dos dados espaços-temporais. Dessa forma, o resultado de uma simples, porém cuidadosa, mensuração do comprimento do membro inferior pode fornecer informações substanciais para o estabelecimento de diagnósticos funcionais sobre a marcha humana, assim como no delineamento de prognósticos futuros.

Nossa hipótese é que estabelecidas a associação entre o comprimento dos membros inferiores e a amplitude média da passada, com seu valor natural e com seu valor normalizado, na marcha em indivíduos adultos saudáveis, a variação do comprimento da passada se modifica de com a alteração do valor da velocidade de deslocamento do indivíduo. À vista disso, o presente estudo tem por objetivo identificar o grau de associação estatística entre a variável antropométrica comprimento dos membros inferiores e a variável espaço temporal comprimento da passada na marcha, nas condições de passada normalizada e não-normalizada, em velocidade auto-selecionada e velocidade auto-selecionada acrescida de 50% desse valor.

 

Metodos

 

Amostra

 

Esse estudo transversal foi realizado na Clínica Escola de Fisioterapia do Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Teresópolis/RJ. Para a coleta da amostra, foi realizado um questionário cujas perguntas se referiam aos critérios de elegibilidade que consistiam em indivíduos adultos, ambos os sexos, marcha independente, sem necessidade de dispositivos auxiliadores, e aptos a responder aos comandos durante a análise da marcha. Os critérios de exclusão foram pessoas com algum comprometimento neurológico, principalmente distúrbios motores relacionados ao sistema nervoso central, e cirurgias ortopédicas num período menor que 1 ano. Foram selecionados 32 participantes. Não estavam aptos a continuar àqueles com diferença entre membros inferiores maior que 2 cm e com quadro álgico no momento de realização do teste. Não houve perda amostral, continuando os 32 indivíduos. Todos foram informados sobre os procedimentos adotados neste estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido em consonância com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do UNIFESO – CEPq, obtendo o número 390-09. 

 

Procedimento experimental

 

As variáveis utilizadas foram o comprimento do membro inferior (CMI), comprimento da passada em velocidade auto-selecionada (CPAS) e em velocidade auto-selecionada normalizada (CPASN), comprimento da passada com velocidade acrescida de 50% (CPVA) e com velocidade acrescida de 50% normalizada (CPVAN), em marcha nas condições de velocidades auto-selecionada (VAS) e com acréscimo de 50% da mesma durante a realização da marcha (VDCA).

A primeira mensuração do CMI, medida real, foi feita para identificar as assimetrias acima de 2,0 cm [11] por meio de fita métrica, em decúbito dorsal, tendo como referência a espinha ilíaca ântero-superior e o maléolo medial da tíbia [12]. A segunda mensuração do CMI, entre o trocânter maior e o solo, foi da AT [13] realizada em apoio bipodálico, estabelecendo a passada normalizada (PN) [13]. Sendo assim, o comprimento da passada normalizada (CPN) foi obtido da seguinte forma: CPN = CP/AT, nas marchas realizadas em VAS e VDCA.

As frequências das marchas em VAS e VDCA foram calculadas das seguintes formas: A) VAS, calculada através do caminhar, de forma livre, até que os indivíduos realizassem 11 passos como o pé direito em função do tempo [13] (11 Passos/Dt); e B) VDCA, foi calculada pela VAS acrescida de 50%, da mesma. Tal acréscimo foi obtido por meio de um metrônomo digital da marca KORG, modelo MA-30.

A análise dos parâmetros cinemáticos da marcha foi realizada através da técnica de cineantropometria [14], pelo software Skillspector®, responsável por digitalizar os dados oriundos da filmagem a fim de quantificar o comprimento da passada (CP). A filmadora digital compacta da marca Sony®, modelo HDR-SR10 HD, ficou posicionada em um tripé a 1m do chão e com o eixo óptico perpendicular ao sujeito a uma distância de 1 m. 

Em uma sala de dimensões 14 m x 12 m, os participantes caminharam sobre uma pista de 10 m, em um piso horizontal de superfície regular, e as imagens foram capturadas no plano sagital nos dois sentidos, da direita para a esquerda e ao contrário. Os termos adotados para descrever os componentes temporais e espaciais da marcha estão de acordo com a proposta de Batista [15] e Vaughan [16], respectivamente.

O modelo para a cineantropometria foi formado pela união dos pontos anatômicos que auxiliam no posicionamento dos marcadores passivos esféricos: face lateral do pé direito e esquerdo - epífise do 5º metatarso e região lateral do calcâneo, e face medial do pé direito e esquerdo - epífise distal do 1º metatarso e região medial do calcâneo [14]. 

A verificação da distribuição dos dados foi feita pelo Ryan-Joiner Test, através do programa Statdisk® versão 11.1. Com base na regra do polegar [14], o tamanho da amostra foi definido com base nas informações obtidas em publicações prévias que veicularam estudos com métodos e propósitos semelhantes a esse, como de Young [18] e Talis [19]. O teste de correlação linear de Pearson foi aplicado para determinar o grau de associação entre as variáveis. Ademais, para comparar as marchas em ambas as velocidades, VAS e VDCA, o teste t student foi escolhido e, a fim estabelecer uma apropriada magnitude de efeitos, foi adotado o nível de significância p < 0,05. 

 

Resultados

 

Para a caracterização da amostra, foram colhidos dados de tendência central (média ± desvio padrão), conforme apresentado na Tabela I.

 

Tabela I - Características da amostra

 

Idade (anos); altura em centímetros (cm); comprimento do membro inferior direito e esquerdo (CMI D/E); comprimento da passada (CPAS) direita e esquerda (D/E) em velocidade auto-selecionada (VAS) e em velocidade de deslocamento auto selecionada acrescida de 50% (VDCA), em metros (m)

 

A partir das variáveis espaço temporais, utilizando-se o Teste T, foi realizado a comparação entre os valores de CP em VAS e VDCA observado na Figura 1 e diferenças absolutas (D) e significantes (valor p) na Tabela II.

 

 

Variáveis comparadas em A. CPAS(D) x CPVA(D); B. CPAS(E) x CPVA(E); C. CPASN(D) x CPVAN(D); D. CPASN(E) x CPVAN(E); E. CPAS(D) x CPASN(D); F. CPAS(E) x CPASN(E); G. CPVA(D) x CPVAN(D); H. CPVA(E) x CPVAN(E). Dados tratados pelo teste T, foi adotado o valor de significância p<0,005

Figura 1 - Comparação entre os comprimentos de passada em VAS e VDCA, não normalizados e normalizado

 

Tabela II - Comparação entre comprimentos da passada em VAS e VDCA

 

Dados relativos à diferença entre os valores dos CP com valores não normalizados e normalizados, em metros (m), tratados pelo teste T, foi adotado o nível de significância (p<0,005), para CPAS(D), CPAS(E), CPASN(D) e CPASN(E), das marchas em velocidade auto selecionada (VAS) e velocidade de deslocamento auto selecionada acrescida de 50% (VDCA)

 

Ao comparar a CPAS com CPASN em VAS, observou-se diferença significativa entre os valores, enquanto em VDCA não houve nenhuma significância, conforme a Tabela III.

 

Tabela III - Comparação dos comprimentos da passada não normalizados e normalizados

 

Dados tratados pelo teste T, foi adotado o valor de significância p < 0,005

 

Para saber a correlação entre o comprimento do segmento inferior, tamanho de passadas auto-selecionadas e acrescida de 50% desta, assim como seus valores normalizados, utilizou-se a correlação de Pearson, que observou uma correlação forte a moderada, como apresentada na Figura 2, Tabela IV e V.

 

 

Dados tratados pelo teste T, foi adotado o valor de significância p < 0,005 e pelo coeficiente de correlação de Pearson (r = 1 Significa uma correlação perfeita positiva entre as duas variáveis; r = -1 Significa uma correlação negativa perfeita entre as duas variáveis; r = 0 Significa que as duas variáveis não dependem linearmente uma da outra)

Figura 2 - A-D. Correlação entre comprimento do membro inferior e comprimento da passada em VAS e VDCA. E-F. Correlação entre comprimento da passada auto-selecionada normalizado em VAS e comprimento da passada com velocidade acrescida em 50% em VDCA

 

Tabela IV - Correlação entre comprimento do membro inferior e comprimento da passada em VAS e VDCA

 

Dados tratados pelo teste T, foi adotado o valor de significância p < 0,005 e pelo coeficiente de correlação de Pearson (r = 1 Significa uma correlação perfeita positiva entre as duas variáveis; r = -1 Significa uma correlação negativa perfeita entre as duas variáveis; r = 0 Significa que as duas variáveis não dependem linearmente uma da outra)

 

Tabela V - Correlação entre comprimento da passada auto-selecionada normalizado em VAS e comprimento da passada normalizada em velocidade auto-selecionada com velocidade acrescida em 50% em VDCA

 

Dados tratados pelo teste T, foi adotado o valor de significância p < 0,005 e pelo coeficiente de correlação de Pearson (r = 1 Significa uma correlação perfeita positiva entre as duas variáveis; r = -1 Significa uma correlação negativa perfeita entre as duas variáveis; r = 0 Significa que as duas variáveis não dependem linearmente uma da outra).

 

Discussão

 

O objetivo deste estudo foi analisar as possíveis relações entre a variável CP e CMI, com valores naturais e valores normalizados, em diferentes velocidades, em indivíduos adultos jovens. Coletamos, em um primeiro momento, o CMI e, em posse do CMI, calculamos a medida do CP e do CP normalizada de cada indivíduo da nossa amostra. Em seguida, calculamos a VAS e a VDCA com auxílio de um metrônomo digital. Por fim, captamos através de videometria o CP. Nossa análise permitiu correlacionar parâmetros antropométricos e espaço temporais normalizados e não normalizados. Nesse sentido, utilizamos os parâmetros mais comumente considerados [13,20,21], com o diferencial de utilizarmos o CMI. 

Nossos resultados de valores médios para CPAS em VAS (Tabela I) estão de acordo com a literatura [7,22,23,24,25,26,27,28], apesar de haver certa dissonância com alguns estudos [29,30]. Ao aumentarmos a velocidade, percebemos que o CP também aumenta (Figura 1 A-B e Tabela II). O mesmo padrão é notado com esses dados normalizados (Figura 1 C-D). Desta forma, vimos que a velocidade da marcha está diretamente relacionada ao comprimento da passada. Essa relação também é percebida em outros trabalhos, nos quais se evidencia além de tal relação, outras como a entre a velocidade da marcha e a cadência e duração do passo, confirmando que ao aumentar a velocidade, temos um aumento do CP [9,24,25,31,32,33]. Em algumas patologias, podemos perceber essa relação, ao ponto que os indivíduos apresentam menor VAS e, com isso, CP reduzido [5,25,28,34,35]. No que diz respeito à diferença entre as idades da amostra, ainda é possível observar essas relações [4,8,9,33].

A normalização da marcha é comumente utilizada para reduzir a dispersão nos dados de análise desta, que são fortemente influenciados pelas diferenças antropométricas [7,35]. Além disso, já foi observada diferenças nos dados encontrados em estudos que tomam como parâmetro a normalização pela estatura, e normalização pela razão entre o CP e a AT. Isso é devido ao CMI aumentar proporcionalmente mais do que a relação da altura total do corpo humano [35]. Vemos em nossos resultados que o CMI tem correlação de moderada a forte com CP tanto em VAS quanto VDCA (figura 2 A-D e tabela IV). Dessa maneira, normalizar esses valores a partir do CMI pode trazer informações mais concretas e aumentar a acurácia dos dados ao comparar diferentes grupos. 

O CPASN tem correlação de moderada a forte ao CPVAN. Pinzone [37] ressalta que a normalização não dimensional reduz a dependência de variáveis em relação à idade, na medida em que as alterações dependem principalmente de aumentos do CMI e do peso e que o uso da normalização não dimensional ainda é importante para permitir a diferenciação dos efeitos diretos do crescimento (que devem ser removidos pela normalização) e de outros efeitos (que não serão afetados pela normalização). Wahid [35] diz que minimizar o efeito das diferenças entre sujeitos nas propriedades físicas e na velocidade de caminhada nos dados espaço-temporais da marcha pode reduzir a dispersão dos dados, levando a uma melhor precisão na classificação da marcha.

A velocidade da marcha está intimamente relacionada com a cadência e tamanho da passada, além de ter impacto em seus parâmetros espaço-temporais [7,31,33,35,38]. Velocidades auto-selecionadas têm um papel essencial na previsão dos parâmetros da marcha, pois um ritmo confortável depende da interpretação de cada um [7,33]. Ao comparar o CPASN em VAS e CPASN em VDCA (figura 2 E-F e tabela V), encontramos uma correlação de forte a moderada, expondo que, além de normalizar a marcha, fazê-la em velocidade auto-selecionada pode ter a influência ao usar variáveis antropométricas e espaço temporais. Através da normalização, os parâmetros da marcha e as medidas de mobilidade podem ser correlacionados a partir de medidas antropométricas e velocidades de caminhada auto-selecionadas [7].

Ao compararmos as variáveis CMI(D) e CMI(E) com CPAS(D) e CPAS(E) em VAS, observa-se que a correlação foi forte para o membro direito e moderado para o esquerdo (Tabela IV). Foi encontrado também uma relação moderada e forte, quando CPASN(D) em VAS foi comparado com CPAVN(D) em VDCA, e CPASN(E) em VAS com CPVAN(E) em VDCA, respectivamente (Tabela V). A diferença dessas correlações entre os membros foi semelhante no estudo de Sutherland [39] quando constatou também uma correlação em CMI e CP, como ainda para CMI e CPN. Ainda, Zijlstra [40] observaram a mesma correlação entre as variáveis e encontraram a mesma associação moderada, para CMI(E) e CP(E), assim como para CMI(E) e CPN(E). Isso levantou a hipótese da influência da dominância de MI nos dados de análise da marcha. 

As limitações do nosso estudo estão relacionadas, primeiramente, com a falta de um protocolo de lateralidade para análise da dominância entre os membros inferiores. Segundamente, a cadência é uma variável elementar ao considerar a velocidade da marcha e comprimento da passada e, por não ser ponderada, não sabemos sua relação com os parâmetros utilizados. Idade, peso e sexo são fatores influentes na análise cinemática da marcha, sendo necessária buscas mais específicas. A fim de explorar a aplicabilidade desses parâmetros na clínica e sua capacidade de discriminação entre marcha normal e anormal, estudos com indivíduos de marcha patológica são necessários para possíveis correlações entre os diferentes desvios de marchas. 

Medidas normalizadas permitem uma maior precisão nos resultados quando indivíduos com diferentes indicadores antropométricos são comparados, além de auxiliar na identificação de características patológicas da marcha em diferentes populações. Isto posto, a aplicabilidade desse método a partir das variáveis utilizadas nesse estudo pode contribuir para uma avaliação mais acurada, e, consequentemente, planos de tratamento mais assertivos. Ademais, é possível acompanhar a progressão da patologia a qual está se tratando e, também, a progressão das condutas escolhidas. 

 

Conclusão

 

Portanto, ao estabelecer associações entre o comprimento dos membros inferiores e a amplitude média da passada em velocidade auto-selecionada e acrescida, e normalizando a marcha a partir destes, observamos moderadas a fortes correlações, corroborando com nossa hipótese inicial que previa variação do comprimento da passada ao alterar a velocidade de deslocamento do indivíduo. 

 

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