Fisioter Bras. 2023;24(2):125-38

doi: 10.33233/fb.v24i2.4771

ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da acupuntura e fitoterapia chinesa na qualidade de vida e nos marcadores inflamatórios de pacientes asmáticos: estudo piloto

Effects of acupuncture and Chinese herbal medicine on quality of life and inflammatory markers in asthmatic patients: a pilot study

 

Carlos Eduardo Duarte Moraes1, Graziele Silveira Fardin1, Camila Zanini1, Igor Martins da Silva1, Luiza Melo Medina1, Gilson Pires Dornelles1, Joane Severo Ribeiro1, Reginaldo de Carvalho Silva Filho2, Alessandra Peres1

 

1Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

2Escola Brasileira de Medicina Chinesa, São Paulo, SP, Brasil

 

Recebido em: 2 de junho de 2021; Aceito em: 12 de dezembro de 2022.

Correspondência: Alessandra Peres, peres@ufcspa.edu.br

Como citar

Moraes CED, Fardin GS, Zanini C, Silva IM, Medina LM, Dornelles GP, Ribeiro JS, Silva Filho RC, Peres A.Efeitos da acupuntura e fitoterapia chinesa na qualidade de vida e nos marcadores inflamatórios de pacientes asmáticos: estudo piloto. Fisioter Bras. 2023;24(2):125-38. doi: 10.33233/fb.v24i2.4771

Resumo

Objetivo: Verificar os efeitos da acupuntura e fitoterapia chinesa na qualidade de vida e nos marcadores inflamatórios de pacientes asmáticos, registrando possíveis efeitos adversos durante o tratamento. Design: Aleatoriamente 30 indivíduos foram alocados em 3 grupos: controle, acupuntura e fitoterapia chinesa sham (Placebo) e acupuntura e fitoterapia chinesa intervenção. Métodos: Os indivíduos receberam 4 sessões de igual duração com avaliação pré e pós-tratamento da qualidade de vida e marcadores inflamatórios. O uso de medicamentos também foi registrado. Resultados: Encontrou-se diferença estatisticamente significativa no questionário de qualidade de vida, indicador de Vitalidade (RSVIT) apresentou um p < 0,005 e o indicador de Aspectos Sociais (RSAS) apresentou um p < 0,004, em comparação ao momento pré (p < 0,05) nos grupos controle, sham e intervenção; os Aspectos Emocionais (RSEM) com p < 0,003 e a Saúde Mental (RSSM) com p < 0,01 obtiveram diferença estatística apenas nos grupos Sham e Intervenção. Utilizou-se ANOVA de duas vias de medidas repetidas. Os demais não apresentaram diferenças e não houve efeitos adversos. Conclusão: A acupuntura e a fitoterapia chinesa são intervenções seguras, mas produziram efeito apenas na qualidade de vida ao longo de 4 semanas. São necessários mais estudos, verificando o efeito nos marcadores inflamatórios e na avaliação do tempo de intervenção.

Palavras-chave: acupuntura; asma; terapias complementares.

 

Abstract

Aim: To verify the effects of acupuncture and Chinese herbal medicine on the quality of life and inflammatory markers of asthmatic patients, recording possible adverse effects during treatment. Design: 30 individuals were randomly allocated in 3 groups: control, acupuncture and Chinese herbal medicine sham (Placebo) and Chinese acupuncture and herbal medicine intervention. Methods: The individuals received 04 sessions of equal duration with pre- and post-treatment assessment of quality of life and inflammatory markers. Medication use was also recorded. Results: A statistically significant difference was found in the quality of life questionnaire, the Vitality indicator (RSVIT) showed a p < 0.005 and the Social Aspects indicator (RSAS) showed a p < 0.004, compared to the pre-moment (p < 0.05 ) in the control, sham and intervention groups; Emotional Aspects (RSEM) with p < 0.003 and Mental Health (RSSM) with p < 0.01 obtained statistical difference only in the Sham and Intervention groups. Two-way ANOVA of repeated measures was used. The others showed no differences and there were no adverse effects. Conclusion: Chinese acupuncture and herbal medicine are safe interventions, but they only have an effect on quality of life over 4 weeks. Further studies are needed on verifying the effect on inflammatory markers and the evaluation of the intervention time.

Keywords: acupuncture; asthma; complementary therapies.

 

Introdução

 

De acordo com Borish [1], a asma, em sua definição fenotípica, é uma doença pulmonar obstrutiva com reversibilidade completa após a adição de broncodilatadores ou corticosteróides na configuração da hiper-reatividade brônquica concomitante. Já a sua definição patológica compreende como uma doença de eosinofilia brônquica caracterizada por uma alta resposta às citocinas como a interleucina 4 (IL-4), interleucina 5 (IL-5) e interleucina 13 (IL-13). Estas citocinas são produzidas pelas células T auxiliares tipo 2 (Th2), sendo o padrão Th2 característico na hipersensibilidade desencadeada por alérgenos que envolvem as doenças respiratórias, dentre elas a asma.

A asma é considerada um problema de saúde mundial, compreendendo uma das doenças crônicas mais comuns. Ela afeta todas as faixas etárias abrangendo cerca de 300 milhões de pessoas. Estima-se que no Brasil existem aproximadamente 20 milhões de indivíduos asmáticos. Segundo o DATASUS, ocorrem, em média, 350.000 internações anualmente em decorrência da asma, sendo a terceira causa de hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde (SUS) - 2,3% do total [2].

As populações com maior prevalência de asma (> 20% em crianças) estão em países de língua inglesa e na América Latina [3]. A prevalência da asma infantil na América Latina varia muito (de 4% a 30%), mas está acima de 10% em praticamente todos os países [4]. Roncada et al. [5] indicam que no sul do Brasil 20% das crianças em idade escolar têm asma e muitas delas com a doença não controlada, levando a inatividade física, absenteísmo escolar e hospitalizações.

O tratamento clássico da asma consiste no uso de broncodilatadores e corticosteróides, porém estes medicamentos possuem vários efeitos colaterais como tremores, dores de cabeça, taquicardia, palpitações; irritação na boca e até mesmo hipocalemia. Intervenções não medicamentosas que possam auxiliar no tratamento e prevenção da asma são de grande valia para melhorar a qualidade de vida destes pacientes. Dentre estas alternativas surgem as Práticas Integrativas Complementares como a acupuntura e fitoterapia chinesa.

Na 162ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde em 2006 foi aprovada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PICs) no SUS [6], ratificada pela Portaria nº 971, de 03/05/2006, do Ministério da Saúde, e publicada no Diário Oficial da União em 04/05/2006. Esta Portaria é responsável pela regulamentação da implantação da acupuntura em todo o território nacional e cria as condições necessárias para que profissionais universitários que atuam na área de saúde sejam os responsáveis pela implantação da acupuntura no Sistema Único de Saúde. Dadas estas condições, faz-se necessário um maior número de pesquisas nesta área, bem como maior capacitação destes profissionais.

Na década de 1970 começaram os estudos científicos sobre a acupuntura. A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou em 1979 um documento chamado Acupuncture: Review and analysis of reports on controlled clinical trials [7] que lista 41 doenças que apresentaram bons resultados com o tratamento de acupuntura (moxabustão, sangria, tuiná, etc.). A OMS relatou efeito antiasmático em 93% dos casos e maior ventilação pulmonar em 60% dos casos. Jiang et al. [8], em sua meta-análise reuniram os dados de nove estudos e demonstraram que tratamentos convencionais mais acupuntura foram capazes de melhorar significativamente a resposta dos sintomas de asma (OR = 7,87, IC 95% = [4,13, 14,99], p < 0,00001) e reduzir os níveis plasmáticos de IL-6 (MD = -11,42; IC95% = [-15,28, -7,56], p < 0,00001), em comparação com os tratamentos convencionais isolados. Entretanto, parâmetros de ventilação incluindo VEF1 (MD = 0,22, IC95% = [-0,11, 0,56], p = 0,19) e VEF1 / CVF (MD = 8,62, IC95% = [-0,35, 17,59], p = 0,06) não apresentaram melhorias com tratamentos convencionais associados à acupuntura.

Diante dos dados controversos, torna-se importante mais estudos com rigor metodológico que avaliem o efeito da acupuntura e fitoterapia chinesa nos marcadores inflamatórios e na qualidade de vida de pacientes asmáticos. Portanto, o objetivo deste estudo é verificar os efeitos da acupuntura e da fitoterapia chinesa nos marcadores inflamatórios, na qualidade de vida e função pulmonar de pacientes asmáticos.

 

Métodos

 

Sujeitos

 

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP-UFCSPA 3.201.525). De maio de 2019 a novembro de 2019, 30 pacientes adultos com asma crônica foram recrutados através de redes sociais na cidade de Porto Alegre e região metropolitana (Brasil). Os indivíduos em potencial foram contatados por telefone e e-mail. Os critérios de inclusão, além de idade igual ou maior de 18 anos, era o diagnóstico de asma leve a moderada e nunca ter feito acupuntura previamente. Indivíduos com menos de 18 anos de idade, que tenham recebido tratamentos com acupuntura, estivessem envolvidos em outro estudo de pesquisa, grávidas ou tomando antidepressivos foram excluídos do estudo. Também não foram incluídos indivíduos com asma grave ou condições psiquiátricas graves que interferissem em sua capacidade de participar do estudo e período de acompanhamento.

 

Protocolos do estudo

 

Os indivíduos que cumpriram os critérios de inclusão foram divididos aleatoriamente em um dos três grupos a seguir: 1) controle, 2) Acupuntura Sham e Fitoterapia Chinesa Placebo, 3) Intervenção com acupuntura e fitoterápico Bu Fei Tang. Os sujeitos nos grupos (2) e (3) receberam 04 sessões da modalidade designada por um período de quatro semanas. A randomização foi realizada por meio de um programa gerador de números aleatórios. O cegamento com a acupuntura foi possível, pois ambos os grupos estavam com vendas nas aplicações das agulhas. No grupo 2 foi utilizado o mesmo protocolo de pontos, mas sem a inserção da agulha. O efeito sham foi gerado por uma leve percussão com a parte traseira das agulhas nos mesmos pontos do protocolo do grupo intervenção.

As agulhas de acupuntura utilizadas na pesquisa são feitas de aço inoxidável, de calibre de 0,25 mm e comprimento de 4 cm, descartáveis, marca Dong Bang, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A fórmula magistral utilizada foi a BU FEI TANG. A fórmula foi adquirida da empresa “Fitofórmula”, seguindo as normas de segurança e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O fitoterápico foi ministrado por um período de 30 dias, dois comprimidos ao dia, a contar da primeira sessão de acupuntura. O grupo Sham utilizou um placebo fornecido por uma farmácia de manipulação e com formato idêntico ao grupo intervenção.

Os questionários e dados foram preenchidos no local em que o tratamento ocorreu e foram apresentados e devolvidos em envelopes marcados apenas pelo número do sujeito. A tabulação de dados ocorreu por outro pesquisador que não estava familiarizado com os assuntos ou suas atribuições.

 

Grupo Controle (Grupo 1)

 

Os indivíduos incluídos no grupo controle foram instruídos a manter seus regimes normais de tratamento de asma durante o período de estudo (04 semanas). Durante o período ativo do estudo, eles monitoraram seus sintomas, assim como os sujeitos nos outros dois grupos (Sham e Intervenção com Acupuntura e Fitoterapia Chinesa). Por razões motivacionais e éticas, todos os indivíduos randomizados para o grupo controle receberam 04 sessões de acupuntura e o fitoterápico quando completaram o estudo.

 

Grupo Sham (Grupo 2)

 

Um grupo de controle adicional foi considerado. Os pacientes de acupuntura foram vendados e ocorreu aplicação de uma leve pressão com a parte traseira da agulha, simulando a entrada da ponta, mas sem penetração. Foram utilizados os mesmos pontos do grupo intervenção e tempo de permanência na maca. O fitoterápico em cápsulas foi realizado com placebo de farinha.

 

Grupo Intervenção com Acupuntura e Fitoterapia Chinesa (Grupo 3)

 

Os indivíduos do grupo de acupuntura receberam 04 sessões de acupuntura durante quatro semanas. Todas as sessões seguiram o protocolo de onze pontos estabelecidos pela literatura existente [9]. Este procedimento permitiu uma abordagem padronizada, diferente da acupuntura que é normalmente administrada em um ambiente clínico, os pontos são selecionados com base no diagnóstico dos praticantes. As sessões duraram aproximadamente 45 minutos com agulhas inseridas e estimuladas manualmente. Os pacientes então descansaram em silêncio em uma sala escura por 20 minutos, momento em que as agulhas foram removidas. Nenhuma estimulação adicional foi administrada. O protocolo de pontos de acupuntura é: B13 (Feishu), B43 (Gaohuangshu), IG4 (Hegu), E36 (Zusanli), E40 (Fenglong), VC4 (Guanyuan), VC17 (Danzhong), VC22 (Tiantu), P5 (Chize) e P7 (Lieque). A fórmula do fitoterápico chinês utilizado, chamada de Bu Fei Tang, tem os seguintes compostos: Ren Shen (Rx.Ginseng), Huang Qi (Rx. Astragali), Shu Di Huang (Rx. Rehmanniae Preparata), Wu Wei Zi (Fr. Schisandrae), Zi Wan (Rx. Asteris) e Sang Bai Pi (Cx. Mori).

 

Medidas primárias de resultados

 

Todas as medidas de resultado foram obtidas em dois momentos: 1) pré-tratamento: antes da primeira sessão do tratamento, 2) após tratamento: após a conclusão dos tratamentos. Os sujeitos completaram as seguintes medidas de autorrelato em cada um dos dois momentos: Questionário de Qualidade de Vida SF-36 e um formulário de medicação no qual eles relataram o nome, a dose e a frequência de uso de qualquer medicamento para asma usado no último ano. 

 

Monitoramento diário e semanal de sintomas

 

Os indivíduos também foram solicitados a preencher um formulário diário em que registravam seus sintomas respiratórios (distúrbios do sono, aperto no peito ao acordar, chiado no peito e falta de ar e tosse). Antes de cada tratamento, os voluntários relataram se ocorreram problemas médicos desde a última visita, alterações nos sintomas e quaisquer problemas ou sintomas relacionados ao tratamento.

 

Análise estatística

 

As análises estatísticas foram conduzidas no programa estatístico SPSS 22.0 (SPSS Inc., EUA). A normalidade dos dados foi verificada através do teste de Shapiro-Wilk, e os dados foram apresentados em média +- desvio padrão. A caracterização da amostra foi comparada entre grupos através de uma análise de variância (ANOVA) de uma via seguido de um pós-teste de Bonferroni. A fim de verificar se houve diferença significativa na variação das medidas pré- e pós teste, foi realizado o teste de Kruskall-Wallis seguido de pós-teste de Dunn ou uma ANOVA de duas vias de medidas repetidas seguido de um pós-teste de Bonferroni para comparações múltiplas. Um nível de significância de p < 0,05 foi adotado para todas as análises.

 

Resultados

 

Dados demográficos

 

O presente estudo contou com o recrutamento de 54 indivíduos, totalizando 30 indivíduos no final do estudo que completaram o tratamento. A idade média dos indivíduos foi de 34 anos (± 11,86), sem diferenças significativas na idade entre os grupos (tabela I). Os dados são apresentados em mediana com intervalo inter-quartil. O 25º percentil tinha 25 anos e o 75º percentil tinha 42 anos. As idades dos sujeitos variaram entre 18 e 58 anos. Do total dos 30 indivíduos 80% foram mulheres (N = 24) e 20% homens (N = 6). A partir destes 30 indivíduos, foram alocados de forma aleatória nos seguintes grupos: Grupo Intervenção com 30% dos indivíduos do sexo masculino (n = 3) e 70% dos indivíduos do sexo feminino (n = 7), Grupo Sham com 10% dos indivíduos do sexo masculino (n = 1) e 90% dos indivíduos do sexo feminino (n = 9) e Grupo Controle com 20% dos indivíduos do sexo masculino (n = 2) e 80% dos indivíduos do sexo feminino (n = 8). Sexo e idade não foram associados a diferenças de resultados neste estudo.

Para a caracterização da amostra, foram colhidos dados de tendência central (média ± desvio padrão), conforme apresentado na Tabela I.

 

Tabela I - Caracterização dos sujeitos de pesquisa

 

Idade (anos); altura (metros); massa (quilograma); DP (Desvio-Padrão)

 

Marcadores inflamatórios

 

Conforme os resultados apresentados nas tabelas II e III, não foi possível verificar diferença significativa na comparação entre grupos através de ANOVA de duas vias de medidas repetidas (p < 0.05) na avaliação dos marcadores inflamatórios.

Dados apresentados em média ± desvio padrão. Comparação entre grupos através de ANOVA de duas vias de medidas repetidas.

 

Tabela II - Marcadores Inflamatórios I

 

AOPP = Produto de Oxidação Proteica; TBARS = Ácido Tiobarbitúrico; NO = Óxido Nítrico; Tióis = Composto Sulfurado (p < 0,05)

 

Tabela III - Marcadores inflamatórios II

 

Dados apresentados em média ± desvio padrão. Comparação entre grupos através de ANOVA de duas vias de medidas repetidas (p < 0,05). IL6 = Interleucina 6, IL 10 = Interleucina 10, TNF-α = Fator de Necrose Tumoral Alfa

 

Qualidade de vida

 

Os resultados apresentados na tabela IV demonstram que houve diferença significativa na comparação entre grupos através de ANOVA de duas vias de medidas repetidas no questionário de qualidade de vida SF-36. O indicador de Vitalidade (RSVIT) apresentou um p de 0,005 e o indicador de Aspectos Sociais (RSAS) apresentou um p de 0,004, ambos tendo uma diferença estatística em comparação ao momento pré (p < 0,05) nos grupos controle, Sham e intervenção. Já os Aspectos Emocionais (RSEM) com p de 0,003 e a Saúde Mental (RSSM) com p de 0,01 obtiveram diferença estatística em comparação ao momento pré (p < 0,05) apenas nos grupos Sham e Intervenção.

 

Tabela IV - Resultados encontrados a partir do questionário SF36

 

Dados apresentados em média ± desvio padrão. Comparação entre grupos através de ANOVA de duas vias de medidas repetidas (p < 0,05). *Indica diferença estatística em comparação ao momento pré (p < 0,05). CF = Capacidade Funcional; AF = Aspectos Físicos; EM = Raw Scale Aspectos Emocionais; DOR = Dor, SM = Saúde Mental, VIT = Vitalidade, AS = Raw Scale Aspectos Sociais

 

Discussão

 

O presente estudo avaliou o uso de acupuntura e fitoterapia chinesa em 30 pacientes com asma durante uma intervenção de quatro semanas. Sexo e idade não interferiram nos resultados encontrados no presente estudo, sugerindo uma atribuição equilibrada aos grupos de tratamento e/ ou controle, uma vez que esses fatores são conhecidos por afetar a gravidade da asma em estudos epidemiológicos. Ao final de todas as sessões, nenhum dos participantes questionou qual tipo de tratamento estava recebendo.

McCarney et al. [10], ao fazer uma revisão sistemática de doze estudos que haviam recrutado um número amostral de 350 participantes, sugerem que os relatos dos estudos eram deficientes e a qualidade do estudo foi considerada inadequada para generalizar os achados. Houve variação no tipo de acupuntura e os pontos usados no braço Sham de alguns estudos utilizaram os pontos seguindo a forma de aplicação da medicina chinesa. Os autores concluíram que ainda não há evidências suficientes para fazer recomendações sobre o valor da acupuntura no tratamento da asma e que mais pesquisas precisam ser realizadas considerando as complexidades e os diferentes tipos de acupuntura. Tendo em vista estes achados, reproduzimos o protocolo de acupuntura indicado por Jirui e Wang [9] associado com o fitoterápico Bu Fei Tang, com o objetivo de tornar o tratamento mais próximo do que seria realizado dentro da Medicina Chinesa em consultórios. Foi seguido um protocolo sham com os mesmos pontos com o paciente cegado, mas sem penetração da agulha, apenas percussão da parte traseira para aumentar o rigor metodológico do estudo.

Os artigos publicados por Zhang Ying et al. [11] e Hong Ping Zhang et al. [12] utilizaram em seus estudos a fórmula chinesa de fitoterapia intitulada de Grânulo de PingchuanYiqi (PCYQ). Evidenciou-se por meio dos estudos de Zhang Ying et al. [11] que não houve diferença significativa entre os dois grupos tratados para asma no período de uma semana. Já de acordo com Hong Ping Zhang et al. [12], houve uma melhora significativa no pico de fluxo expiratório (PFE) matinal no 4º dia e no 7º dia, e o pico de fluxo expiratório (PFE) noturno no dia 4 e dia 7 em comparação com o grupo placebo. Neste estudo também houve melhora nos escores de sintomas clínicos e redução dos broncodilatadores de curta duração, além de reduzir estatisticamente os níveis das citocinas IL-5, IL-8, IL-1β e prostaglandina 2 (PGD2) no soro. Ambos os estudos não apresentam grupo controle sem intervenção (um grupo placebo e outro se utiliza outro fitoterápico), comprometendo assim a qualidade metodológica.

Wang et al. [13] e Li et al. [14] utilizaram o Ping Chuan Ke Li (PCKL) para o tratamento de asma de seus sujeitos. No trabalho de Li et al. [14], após quatro semanas de tratamento com fitoterápico para asma, os pacientes do grupo tratamento não apresentaram melhoras significativas na função pulmonar, bem como na qualidade de vida, comparado com o grupo controle. Os eventos adversos mais frequentes incluíram náusea, tosse e corrimento nasal. Já no estudo de Wang et al. [13] em um período de doze semanas o grupo tratamento revelou maior eficácia na função pulmonar, e qualidade de vida em relação ao grupo placebo. Além disso, não foram encontradas diferenças nos efeitos adversos entre os grupos. Nosso estudo corrobora os achados de Li et al. [14] ao não encontrar melhoras significativas nos testes de função pulmonar, entretanto obtivemos diferença na qualidade de vida, ao contrário deste estudo. Os pacientes do Grupo 2 (Sham) e Grupo 3 (Intervenção) espontaneamente reduziram seus medicamentos, atitude contrária ao que foi solicitado antes do nosso estudo. Estes pacientes relataram diminuição da necessidade do uso da medicação e uma melhor qualidade de vida e capacidade de respirar. Acreditamos que ao ampliar o tempo de intervenção para 12 semanas, poderíamos encontrar achados semelhantes a Wang et al. [13] quanto aos dados de função pulmonar e qualidade de vida, frisando a importância de estudos com diferentes tempos de intervenção para que se possa estabelecer protocolos mais eficientes de intervenção.

Os dados sugerem, por ter ocorrido diferença em ambos os grupos Sham e intervenção, que a acupuntura e a fitoterapia chinesa tiveram efeito placebo nos indicadores de qualidade de vida neste estudo.

Outros dois trabalhos apresentaram uma intervenção fitoterápica anti-asma (ASHMI) de três ervas: Ling-Zhi (Ganoderma lucidum), Ku-Shen (Radix Sophora flavescentis), e Gan-Cao (Radix Glycyrrhiza uralensis). Para Pieper et al. [15], a produção de citocinas, quimiocinas e fatores de crescimento não apresentaram alteração após uma semana de tratamento com ASHMI [15,16]. Assim como o nosso estudo, também não foram observadas alterações nas citocinas pró-inflamatórias, como fator de necrose tumoral alfa (TNFα) e IL-6 com o uso de AS\\HMI, sugerindo que esta abordagem não é capaz de modular resposta inflamatória no período utilizado. Já Wen et al. [16] constataram que a função pulmonar pós-tratamento melhorou significativamente em ambos os grupos (grupo ASHMI + Prednisona placebo e grupo Prednisona + ASHMI placebo) associado ao aumento dos resultados do VEF1 e pico de fluxo expiratório. A melhora foi maior no grupo que utilizou o corticosteróide prednisona. Escores de sintomas clínicos, uso de broncodilatadores β2 e níveis séricos de IgE foram reduzidos significativamente de forma semelhante em ambos os grupos. Os níveis de citocina anti-inflamatórias apresentaram redução em ambos os grupos tratados e foram menores no grupo tratado com prednisona. Os níveis séricos de IFNγ e cortisol foram significativamente menores no grupo prednisona, mas aumentaram no grupo ASHMI. Nenhum efeito colateral grave foi observado em nenhum dos grupos.

Cardoso et al. [6] demonstram que o total de óbitos e hospitalizações por asma diminuiu de 2008 para 2013, apesar dos altos números absolutos observados. Um total de 2.047 pessoas morreram de asma no Brasil em 2013, ou seja, aproximadamente 5 óbitos/dia e mais de 120.000 hospitalizações por ano. Em seis anos, houve uma redução de 10% e 36% do número absoluto de óbitos e hospitalizações por asma. No entanto, a taxa de mortalidade da asma em pacientes hospitalizados aumentou aproximadamente 25% durante o mesmo período. A média de tempo de hospitalização por asma manteve-se em torno de 3 dias. Ainda, no mesmo estudo, ao avaliar os estados que representam as regiões do Brasil na pesquisa, observa-se que os estados do Pará (região Norte) e Bahia (região Nordeste) apresentaram o maior número de hospitalizações por asma/100.000 habitantes. Os estados de São Paulo (região Sudeste), Goiás (região Centro-Oeste) e Rio Grande do Sul (região Sul) apresentaram números acima da média de óbitos por asma em pacientes hospitalizados. A mortalidade da asma no Brasil é muito alta quando levamos em consideração que é uma doença tratável. Apesar da diminuição das hospitalizações por asma nos últimos anos, os números absolutos ainda são notáveis e ocasionam altos custos diretos e indiretos à sociedade. Estes dados sugerem que a asma deve receber mais atenção do poder público no Brasil e em outros países da América Latina.

 

Limitações do estudo

 

O estudo realizado apresentou limitações quanto à sua amostra. Para a viabilização do estudo, optou-se por um n amostral de 30 indivíduos. Os principais motivos foram o número de voluntários reduzidos que cumpriram os requisitos pré-fixados para a coleta de informação, bem como o número de voluntários que podem participar durante um determinado período. Por este motivo a duração da coleta de dados deveria ter um tempo ampliado, para que desta maneira o número de participantes fosse ampliado. A redução da amostra permite considerar os resultados encontrados apenas para a população em questão.

Estudos evidenciam que a presença de homens nos serviços de atenção primária à saúde é menor do que a das mulheres [17]. Este dado também é verdadeiro quando observamos a adesão de voluntários em projetos de pesquisa e extensão em universidades. Devido a isso, uma das limitações deste trabalho foi um número maior de indivíduos do sexo feminino do que participantes do sexo masculino.

Ao percutir os mesmos pontos de acupuntura com a parte traseira da agulha, ocorre um estímulo mais leve que pode ser considerado acupuntura não invasiva. Entretanto nenhum dos indivíduos na condição de Grupo Sham (2) apresentou percepção de tratamento com placebo e muitos dos participantes desejavam continuar suas sessões após o término do período de tratamento, dado este que fortifica a metodologia. São necessárias cada vez mais formas de realizar os cegamentos, para assim obter um maior rigor metodológico.

 

Conclusão

 

Este estudo envolvendo pacientes com asma leve/moderada demonstrou que o uso de Acupuntura e fitoterapia chinesa resultaram em diferenças significativas na qualidade de vida com o instrumento SF-36 através do indicador de Vitalidade (p = 0,005) e o indicador de Aspectos Sociais (p = 0,004), ambos tendo uma diferença estatística em comparação ao momento pré (p < 0,05) nos grupos controle, sham e intervenção. Já os Aspectos Emocionais (p = 0,003) e a Saúde Mental (p = 0,01) obtiveram diferença estatística em comparação ao momento pré (p < 0,05) apenas nos grupos Sham e Intervenção. Os dados sugerem, por ter ocorrido diferença significativa em ambos os grupos sham e intervenção, que a acupuntura e a fitoterapia chinesa tiveram efeito placebo nos indicadores de qualidade de vida neste estudo. Não houve alteração na avaliação dos marcadores inflamatórios.

A acupuntura e a fitoterapia chinesa são intervenções seguras, não havendo nenhum efeito colateral observado neste projeto, porém produziu um efeito pequeno em um tratamento de quatro semanas. Mais estudos são necessários, com um número amostral maior, diferentes protocolos de acupuntura e outros fitoterápicos para uma comprovação dos efeitos destas terapias nos marcadores inflamatórios e qualidade de vida de pacientes asmáticos.

Este estudo se torna inovador ao realizar avaliação da acupuntura e fitoterapia chinesa associadas, algo pouco debatido ainda na literatura. É de vital importância que cada vez mais os estudos de medicina chinesa tenham uma maior qualidade metodológica para que possamos elaborar melhores protocolos e recomendar estas práticas. Outro aspecto importante é ampliar as avaliações para outros marcadores imunológicos e bioquímicos, bem como instrumentos biofísicos, para que estudos futuros possam dimensionar ainda mais os efeitos da acupuntura e fitoterapia chinesa em seres humanos.

 

Conflito de interesses

Não há conflito de interesses e nenhum dos autores tem quaisquer relações financeiras ou pessoais que possam influenciar indevidamente ou viés sobre o conteúdo do artigo.

 

Fontes de financiamento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

 

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Moraes CED, Peres A; Coleta de dados: Fardin GS, Zanini C, Medeiros LM, Moraes CED; Análise e interpretação dos dados: Silva IM, Moraes CED; Análise estatística: Dornelles GP, Redação do manuscrito: Ribeiro JS, Moraes CED; Peres A; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva Filho RC.

 

Referências

 

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