Fisioter Bras 2021;22(5):773-88

Doi: 10.33233/fb.v22i5.4773

REVISÃO

O uso da estimulação transcraniana por corrente contínua em crianças com paralisia cerebral: uma revisão sistemática

The use of transcranial direct current stimulation in children with cerebral palsy: a systematic review

 

Messias da Silva Paixão, Ft.*, Teresa Cristina Gioia Schimidt, D.Sc.**, Renata Calhes Franco de Moura, D.Sc.***

 

*Fisioterapeuta pelo Centro Universitário das Américas (FAM-SP), **Enfermeira, Pós-Doutorado em Enfermagem Médico-Cirúrgica pela Universidade de São Paulo (USP), Docente no Curso de Medicina no Centro Universitário das Américas (FAM-SP) e Enfermeira na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, junto ao Gabinete de Secretário e Assessorias, ***Fisioterapeuta, Especialização em Neuropediatria, Docente nos Cursos de Fisioterapia e Medicina no Centro Universitário das Américas (FAM-SP)

 

Recebido em 8 de junho de 2021; aceito em 16 de agosto de 2021.

Correspondência: Teresa Cristina Gioia Schimidt, Avenida Dr Eneas de Carvalho Aguiar 188, Cerqueira Cesar, 05403-000 São Paulo SP

 

Messias da Silva Paixão: messias.2710@gmail.com

Teresa Cristina Gioia Schimidt: teresa.schimidt@gmail.com  

Renata Calhes Franco de Moura: franco.renata@terra.com.br

 

Resumo

Introdução: Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) é um recurso terapêutico não invasivo ao paciente, de baixo custo, baseado na alteração da excitabilidade do córtex motor. Técnica capaz de influenciar no mecanismo autônomo do SNC, aumentando a eficiência sináptica e favorecendo o aprendizado motor. Objetivo: Sistematizar evidências científicas sobre a ETCC como recurso terapêutico no processo de reabilitação de crianças com paralisia cerebral. Métodos: Revisão sistematizada seguindo recomendações do PRISMA e a busca estratégica PICO diante da indicação da ETCC, como recurso terapêutico no processo de reabilitação de crianças com paralisia cerebral. Incluídos ensaios clínicos controlados e randomizados, publicados nos últimos 10 anos, disponíveis em cinco relevantes bases de dados em saúde nos idiomas inglês, espanhol e português. Resultados: Foram encontrados 604 estudos, dos quais, após aplicação dos critérios de elegibilidade, quatro deles foram selecionados. Os resultados de tais estudos se mostraram benéficos no tratamento de crianças com paralisia cerebral, incluindo aquelas com mais de 70% de presença de espasticidade. Conclusão: ETCC constitui recurso promissor no tratamento da criança com paralisia cerebral, aceito pelas crianças visto ser indolor e apresentar reações leves como vermelhidão e formigamento no local da aplicação. Os efeitos favoráveis destacados foram: melhora no desempenho funcional e da marcha.

Palavras-chave: estimulação transcraniana por corrente contínua; terapia de estimulação elétrica; córtex motor; paralisia cerebral; reabilitação.

 

Abstract

Introduction: Transcranial direct current stimulation (ETCC) is a low-cost, non-invasive therapeutic resource for patients, based on altering the excitability of the motor cortex. Technique capable of influencing the autonomous mechanism of the CNS, increasing synaptic efficiency, and favoring motor learning. Objective: To systematize scientific evidence about ETCC as a therapeutic resource in the rehabilitation process of children with cerebral palsy. Methods: Systematic review following recommendations by PRISMA and the strategic search PICO before the indication of ETCC, as a therapeutic resource in the rehabilitation process of children with cerebral palsy. Included controlled and randomized clinical trials, published in the last 10 years, available in five relevant health databases in English, Spanish and Portuguese. Results: 604 studies were found, from which, after applying the eligibility criteria, four of them were selected. The results of such studies have proved positive results in the treatment of children with cerebral palsy, including those with more than 70% presence of spasticity. Conclusion: ETCC is a promising resource in the treatment of children with cerebral palsy, accepted by children as it is painless and presents mild reactions such as redness and tingling at the application site. The favorable effects highlighted were improvement in functional and gait performance.

Keywords: transcranial direct current stimulation; electric stimulation therapy; motor cortex, cerebral palsy; rehabilitation.

 

Introdução

 

Em 1843, William Little descreve pela primeira vez sobre paralisia cerebral (PC), ao desenvolver estudo com 47 crianças com histórico adverso ao nascimento, definido como patologias ligadas às diferentes causas de rigidez muscular [1].

Sigmund Freud propôs em 1893 três principais momentos do desenvolvimento infantil que poderiam desencadear uma provável etiologia de PC: pré-natal, perinatal e causas pós-natal, afirmando ser difícil identificar se problemas advindos da doença resultavam de trauma ao nascer ou se haviam outros fatores contributivos gerados em partos difíceis [1].

PC ou encefalopatia crônica infantil não progressiva (ECNP) define-se como um conjunto de distúrbios neurológicos permanentes que afetam crianças no tempo de desenvolvimento cerebral, isto é, do período intrauterino até os primeiros anos de vida. Essas alterações podem trazer em si um conjunto de desordens posturais e de movimento do qual acabam levando à limitação funcional. São atribuídas aos distúrbios não progressivos ocorridos no cérebro em desenvolvimento, impedindo a criança de atingir as funções motoras grossas essenciais [2]. Tanto sintomas como a gravidade da doença podem ser variáveis, e se diferem conforme a ocasião da lesão e da maturação cerebral da criança.  A etiologia da PC é multifatorial e pode ser encontrada nos primórdios da vida humana, assumindo causas: congênitas, genéticas, inflamatórias, infecciosas, traumáticas e metabólicas [1,3]

No Brasil, os estudos são inconclusivos no que se refere à incidência e prevalência do déficit neurológico, dificultando, assim, identificar o perfil epidemiológico desta patologia. Estima-se uma prevalência mundial em torno de 1,5 a 5,9/1.000 nascidos vivos, sendo a incidência de PC nos países em desenvolvimento de 7/1.000 nascidos vivos, contudo, há estudos que consideram que tais números possam alcançar maiores valores devido à qualidade dos cuidados durante o período gestacional [4,5].

Há várias causas que podem justificar a etiologia da PC, suas lesões envolvem todo o sistema sensório motor, prejudicando a integração multissensorial resultando em distúrbios motores [6]. As lesões se diferem de acordo com o grau de maturação do cérebro quando ele é lesionado, por exemplo: as lesões ocorridas antes das 20ª semanas de gestação, geralmente determina aparecimento de anomalias do tipo ulegiria, esquizencefalia e polimicrogiria; as que ocorrem na 26ª e 30ª semanas resultam em lesões na substância branca periventricular, também conhecida como leucomalácia periventricular; já as lesões no terceiro trimestre de gestação ou no recém-nascimento, tendem a lesionar o córtex e núcleos da base [3]. A PC quanto à topografia é classificada em: tetraplegia, hemiplegia e diplegia; quanto às alterações clínicas do tônus muscular em: espástica ou piramidal, coreoatetósica ou extrapiramidal, atáxica e mista e quanto à etiologia e o momento da lesão em: pré-natal, perinatal e pós-natal [7].

O distúrbio neurológico não se limita apenas em perdas iniciais, mas também em consequentes mudanças na rede neural, onde o corpo do indivíduo tende a se adaptar. Em suma maioria, tais mudanças são adaptações que impulsionam a incapacidade funcional. Um indivíduo com paralisia cerebral apresenta seu desenvolvimento motor comprometido pela restrição à experimentação de padrões do movimento funcional normal. Os sinais de imaturidade do Sistema Nervoso dificultam um melhor controle motor e levando, muitas vezes, às limitações fisiológicas. Uma lesão cerebral torna o Sistema Nervoso Central (SNC) atípico devido a sua disfunção e desorganização em toda rede neural, tornando assim uma maior dificuldade na conexão sináptica [8].

O tratamento do paciente com PC requer acompanhamento multidisciplinar [9], tendo a fisioterapia um papel fundamental em todo o processo de reabilitação que envolve ações diante da função de facilitação do desenvolvimento motor, aprimoramento das habilidades existentes, desenvolver funções e independência ao indivíduo e a otimização da capacidade motora para a melhora da mobilidade funcional [10]. Não há apenas uma linha de tratamento, cada pessoa possui suas peculiaridades e especificidades demandando avaliação e proposta de tratamento integralizado e humanístico. No tratamento fisioterapêutico, as propostas de intervenções devem minimizar as alterações neurológica e biomecânica do paciente, estando coerente com o quadro clínico e as necessidades individuais. Dentre as propostas terapêuticas, há a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC), estimulação magnética transcraniana, conceito neuroevolutivo Bobath, locomat, pilates, terapia de restrição de movimentos induzida dentre outras [11].

Com os grandes avanços nas últimas décadas, os tratamentos neurológicos vêm se aprimorando cada vez mais, com isso novas técnicas têm sido procuradas, a fim de otimizar a função cortical lesionada. Dentre as técnicas, temos de maneira emergente, as possibilidades de neuromodulação cortical, que se destaca por ser uma técnica não invasiva. Consiste em um amplo conhecimento que visa a restauração do equilíbrio neuronal e a redução dos sintomas provocados por doenças com alterações neurológicas. São técnicas capazes de melhorar o padrão adaptativo das atividades, suprimir padrões de atividades mal adaptadas e restaurar o equilíbrio em redes neurais desequilibradas; destacando-se a ETCC [10] aplicada para modificar o estado funcional do cérebro humano, induzindo, assim, alterações na excitabilidade do córtex motor [6].

A ETCC é um recurso terapêutico não invasivo e indolor para o paciente, que se compõe por equipamentos de baixo custo e simples manuseio quando o indivíduo é habilitado para essa prática. É uma técnica que causa alteração na excitabilidade do córtex motor quando aplicada a uma corrente de baixa intensidade, que induz a um efeito mais duradouro, isso ocorre por meio de uma modulação do potencial de ação de repouso da membrana neural. Nela são utilizados dois eletrodos (cátodo e ânodo) que geram fluxo de corrente elétrica que, por sua vez, percorre de um polo positivo/ânodo para o polo negativo/cátodo, penetrando no crânio e modulando o córtex motor [12].

Essas correntes elétricas são capazes de influenciar no mecanismo autônomo do SNC, aumentando a eficiência sináptica e consequentemente melhorando o aprendizado motor. São posicionadas estrategicamente de acordo com a área cortical que se quer modular, essas mudanças vão depender da polaridade da corrente elétrica e do tempo que a estimulação é usada, podendo assim aumentar a excitabilidade (anódina) ou diminui-la (catódica) [13].

Muitos são os efeitos proveniente da corrente contínua ao indivíduo como: aprimoramento da marcha, melhora do equilíbrio, da função dos membros (superiores e inferiores), do aprendizado motor e diminuição da fadiga muscular [14]. Entretanto, o resultado depende do tempo da aplicação no córtex, intensidade e área a ser atingida. Os efeitos positivos a curto prazo da ETCC, mesmo aplicada por período curto puderam ser verificados em pesquisa realizada com uma única sessão, obtendo movimento dos membros superiores em crianças com PC [15], sendo positivos e mais prolongados naqueles aplicados em maior tempo [16].  

A necessidade de pesquisas sobre a importância de novas técnicas e sobre o seu uso na área clínica constitui uma necessidade. Este estudo tem como objetivo sistematizar evidências científicas sobre indicações e efeitos da estimulação transcraniana por corrente contínua como recurso terapêutico no processo de reabilitação de crianças com paralisia cerebral. Espera-se que investigando os benefícios, indicações e contraindicações desta técnica, em curto e longo prazo se possa contribuir para um melhor conhecimento dentro da prática clínica.

 

Métodos

 

Trata-se de uma revisão sistematizada da literatura segundo as recomendações do PRISMA e busca elaborada através da estratégia PICO, sobre a intervenção da ETCC e seu impacto terapêutico na reabilitação de crianças com paralisia cerebral. Foi realizada uma busca a partir de ensaios clínicos controlados e randomizados, publicado nos últimos 10 anos, sendo incluídos trabalhos registrados nas bases de dados (Scielo, Pubmed, Lilacs, Pedro e Google Acadêmico), nos idiomas inglês, espanhol e português. A estratégia de busca utilizada obedeceu a escolha do vocabulário técnico científico proveniente dos termos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde).

 

Critérios de elegibilidade

 

O quadro 1 apresenta os quatro componentes da estratégia PICO desta revisão, demonstrando a construção da pergunta de pesquisa utilizando-se essa estratégia. Essa etapa do processo torna-se o componente fundamental na busca bibliográfica de evidências e construção da questão de pesquisa [17].   

 

Quadro 1 - Descrição da estratégia PICO


 

Fonte: elaborado pelos autores

 

Fontes de dados e estratégia de busca

 

A partir da pergunta formulada (PICO), iniciou-se a busca por evidências nas seguintes bases de dados: Scielo (Scientific Electronic Library Online - Biblioteca Eletrônica Científica Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Pubmed, PEDro (Physiotherapy Evidence Database - Base de Dados de Evidência em Fisioterapia) e Google Acadêmico.

A estratégia utilizando os descritores se compôs por busca baseada no uso da Estimulação Transcraniana por corrente contínua em crianças diagnosticadas com paralisia cerebral. Assim, todas as buscas contavam com os seguintes termos: transcranial direct current stimulation (TDCS), cerebral palsy, paralisia cerebral, ETCC, parálisis cerebral, estimulación trascranial de corriente directa, foi utilizado o operador booleano “AND”.

Os termos acima foram utilizados conforme o seu idioma (inglês, português, espanhol), utilizando-os em todas a bases de dados. Os filtros aplicados foram quanto ao ano de publicação e o tipo de estudo. Como dito, foram consideradas publicações de 2010 a 2020, ou seja, o número de registros identificados através da pesquisa bases de dados foi referente aos estudos controlados randomizados encontrados dentro desta data de publicação.

 

Critérios de inclusão e seleção dos estudos

 

Foram selecionados estudos do tipo ensaio clínico controlado, sendo eles em inglês, português e espanhol, que tiveram como forma de intervenção a estimulação transcraniana por corrente contínua em crianças com paralisia cerebral.

Os estudos passaram por uma análise e seleção que se basearam na leitura do título e resumo. Procurava-se encontrar a metodologia e a essência do trabalho, uma técnica chamada de “skimming”, por acaso ainda permanecesse dúvida quanto à seleção do artigo, realizava-se a técnica de leitura “Scanning” (escaneamento), que é uma leitura breve da obra completa, visando selecionar apenas os trabalhos que atendessem aos critérios de seleção. Feito isso, uma leitura dita como leitura de estudo ou informativa foi realizada nos estudos selecionados, a fim de correlacionar os dados coletados a partir das informações do autor com o problema em pauta e verificar a validade dessas informações, certificar-se do conteúdo do texto, constatando o que o autor afirma, os dados que apresenta e as informações que oferece [18].

 

Critérios de exclusão

 

Estudos de relato clínico, transversal/observacional, artigos pilotos, protocolos, estudos que apresentavam apenas crianças sem o diagnóstico de paralisia cerebral, revisões sistemáticas, estudos que não envolviam crianças com idade de até 18 anos, também foi excluído da pesquisa qualquer estudo que não atendesse aos critérios de inclusão, assim como o número de escala PEDro baixa.

 

Análise de qualidade dos estudos

 

Os artigos pré-selecionados passaram por uma avaliação quanto às suas qualidades metodológicas, bem como avaliação da descrição de estatística mínima para que seu resultado possa ser interpretado, baseada na escala PEDro (versão Português-Brasileiro). A escala PEDro é composta por 11 itens que perfazem um total de 10 pontos, quando todos os itens são atingidos [20]. Ao final de todos os critérios de elegibilidade e avaliação de qualidade usando a escala PEDro por 2 examinadores, foram contemplados 4 estudos que alcançaram um escore de qualidade de 5 pontos ou mais, sendo todos ensaios clínicos controlados randomizados.   

 

Resultados e discussão

 

A partir da pergunta formulada (PICO), dos descritores e do booleano escolhidos, foi realizada a busca por artigos nas bases de dados, que correspondessem as exigências do estudo. Um total de 604 estudos foram encontrados que, após obterem as exigências do critério de inclusão, análise do título, resumo, texto completo (skimming, Scanning) e o escore na escala de PEDro acima de 5 pontos, 4 estudos foram incluídos na presente revisão (Fluxograma 1).

 

 

Fonte: elaborado pelos autores.

Fluxograma 1- Processo de busca e seleção de artigos

 

 

A escala de PEDro constituiu uma ferramenta essencial neste estudo, através dela uma análise de qualidade dos estudos, identificando assim quais estavam aptos para serem selecionados nesta. Os estudos passaram pela avaliação da escala da seguinte maneira (Quadro 2).

 

Quadro 2 - Escores de qualidade metodológica dos artigos - escala PEDro (N = 10)

 

1 = alocação aleatória; 2 = alocação oculta; 3 = comparabilidade de base; 4 = participantes cegos; 5 = terapeutas cegos; 6 = avaliadores cegos, 7 = acompanhamento adequado; 8 = análise de intenção de tratar; 9 = comparações entre grupos; 10 = estimativas pontuais e variabilidade. – 1 = sim / 0 = não. Fonte: elaborado pelos autores

 

Os quatro artigos selecionados contaram com um total de 86 participantes diagnosticados com paralisia cerebral, mostrando-se o ETCC como benéficos no tratamento de crianças com paralisia cerebral e naqueles com mais de 70% de espasticidade, como se pode verificar no Gráfico 1. A população com idade entre 4 e 12 anos, e critérios de inclusão como: classificados nos níveis I, II e III do sistema de classificação da função motora grossa (GMFCS), ter marcha independente por pelo menos 12 meses e grau de cooperação e compreensão compatível com a execução de cada atividade.

 

 

Fonte: elaborado pelos autores

Gráfico 1População dos estudos

 

 

As principais hipóteses dos artigos analisados em nosso estudo, era que a ETCC, estimulando o córtex motor primário poderia potencializar o efeito do treinamento motor dentro da prática clínica. Desta forma, os estudos analisados possuíam como objetivos investigar o impacto desta técnica sobre a funcionalidade, melhorar o equilíbrio e desempenho motor. Um dos estudos revelou a importância de estratégias terapêuticas que visem proporcionar potencialização da independência funcional, mobilidade e desempenho motor nessas crianças. Sendo assim, a indicação da ETCC associada ao treino funcional pode apresentar um impacto positivo, visto que a estimulação modula a atividade cortical abrindo uma passagem para o aumento e prolongamento do ganho funcional promovido pela terapia física [9].

Em outro estudo verificou-se que mesmo em uma única sessão de ETCC associado ao treino motor com realidade virtual, o efeito foi favorável quanto à mobilidade e aumento da velocidade da marcha em crianças com PC [19].

Na estimulação transcraniana por corrente contínua, a montagem da estimulação gera um impacto na modulação da excitabilidade cortical, desta forma observa-se que os estudos aqui avaliados utilizaram um protocolo de montagem da ETCC de forma segura, com eletrodos de 5 cm umedecidos em solução salina e com o mesmo protocolo de intervenção. Associada à neuromodulação observou-se diferenças na condução da terapia motora funcional visto ter sido conduzida de acordo com o objetivo que cada estudo se propunha a potencializar e a quantidade de sessões dos protocolos utilizados variando entre uma única sessão e dez sessões. Todos os estudos utilizaram a mesma montagem e tempo no grupo placebo. No grupo placebo, o dispositivo foi ligado somente nos 30 primeiros segundos para dar uma sensação inicial da corrente, sendo esse um procedimento válido em estudos que inclui o uso da ETCC [21].

No estudo investigativo do impacto da ETCC na melhora do equilíbrio e desempenho funcional, levantou-se como hipótese o efeito positivo da ETCC como um facilitador no processo de aprendizagem motora e na manutenção dos resultados após o treinamento de marcha em esteira [22]. Para a mensuração da melhora, esse estudo conduziu uma avaliação por meio de análise stabilométrica, escala de equilíbrio pediátrico e avaliação pediátrica do inventário de incapacidade, com resultados promissores quanto à melhora funcional da marcha em todos os parâmetros avaliados. Corroborando esse estudo, outros estudos realizados em 2014 [23] e 2015 [24] obtiveram resultados positivos utilizando a ETCC anódico sobre o córtex motor primário durante o exercício na esteira em crianças com PC. Os referidos estudos concluíram que a melhora de marcha, velocidade, desempenho funcional foram positivos e se mantiveram em até um mês após a intervenção. Acredita-se que a associação do treinamento de esteira e estimulação da ETCC anodal do córtex motor primário pode melhorar a qualidade funcional e equilíbrio estático da criança [22].

A realidade virtual como uma técnica promissora ao tratamento de paralisia cerebral (Gráfico 2) trabalha o aprendizado motor, feedback sensorial e motivação. Associada a essa técnica de realidade virtual com o ETCC poderia potencializar esses respectivos efeitos, melhorando, assim, a neuroplasticidade desses indivíduos, o equilíbrio estático e funcional. Para a avaliação desses efeitos se utiliza a avaliação stabiométrica para analisar a oscilação do centro de pressão, a Escala de Equilíbrio Pediátrico para determinar a capacidade do indivíduo em realizar atividades de forma independente [25].

O treinamento motor de membro superior envolvendo tarefa de alcance manual, levantando a hipótese de que o treinamento funcional do membro parético junto com a ETCC seria capaz de melhorar os movimentos nas variáveis. Para a consideração dessa hipótese foi feita uma análise de movimento dispondo do sistema SMART-D para analisar as variáveis do movimento, o teste de U de Mann-Whitney para comparar os resultados pré-intervenção e o teste de Wilcoxon utilizados na comparação dos resultados pré e pós-intervenção [15].

 

 

Fonte: elaborado pelos autores

Gráfico 2 - Intervenção associada nos estudos

 

 

Todos os autores estudados concluíram seus estudos afirmando que os efeitos adversos vindos da ETCC apresentados foram de três crianças das doze que relataram vermelhidão na região em que foi colocado o eletrodo anodal e quatro formigamentos na região estimulada (Gráfico 3).

 

Fonte: elaborado pelos autores

Gráfico 3Efeitos adversos encontrados nos estudos

 

 

A literatura traz a ETCC com resultados positivos dentro da prática clínica, contudo os efeitos da ETCC, assim como sua duração dependerá do tempo e da dosagem da corrente (varia de 1 a 2 mA). Vale ressaltar que em adultos com paralisia cerebral com espasticidade unilateral, associando a ETCC de 2 mA com a terapia robótica no membro superior melhora a função do membro superior nos adultos com PC [26,27].

Todos os artigos apresentaram efeitos positivos utilizando a estimulação elétrica, a ETCC ativa como um potencializador dos efeitos de treinamento motor, seja a curto ou longo prazo. Todos obtiveram resposta na melhora do equilíbrio, controle motor e desempenho funcional quando trabalhado associado ao exercício com o mesmo objetivo. O efeito favorável em uma única sessão, na qual os participantes do grupo experimental apresentaram diferenciação significativa nos movimentos dos membros superiores paréticos e não paréticos e no número de movimentos [22]. Concluíram que uma sessão de ETCC associada ao treino motor do membro superior é capaz de revelar melhoria [22,23,24,25] - (Gráfico 4).

 

Fonte: elaborado pelos autores

Gráfico 4Resultados dos estudos

 

Conclusão

 

A estimulação transcraniana por corrente contínua é um recurso promissor no tratamento da criança com paralisia cerebral, sendo um procedimento que envolve baixo custo, aceitabilidade da população pediátrica e favorável na melhoria do desempenho funcional, marcha e alcance manual. Os resultados apontaram tratar-se de tratamento indolor, porém houve relatos de queixas como vermelhidão e formigamento no local da aplicação. Observou-se que a estimulação neuromodulatória da ETCC já é observada em uma única sessão e que por sua vez a potencialização e manutenção dos seus objetivos alcançados são mantidos por um período maior quando o protocolo de treinamento é oferecido por completo.

 

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