Fisioter Bras 2021;22(5):681-96
ARTIGO
ORIGINAL
Influência
do protagonismo do paciente no tratamento fisioterapêutico da dor crônica na
coluna vertebral
Influence of patient protagonism in the physical therapy treatment of chronic
pain in the spine
Bruna
Maria Melz*, Lydia Koetz
Jaeger, D.Sc.**, Magali Teresinha Quevedo Grave, D.Sc.**
*Acadêmica
de Fisioterapia, Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES), Lajeado, RS,
**Professora Adjunta, UNIVATES, Lajeado, RS
Recebido
em 20 de maio de 2021; Aceito em 1 de outubro de 2021.
Correspondência: Magali Teresinha Quevedo Grave, Rua 13
de Maio, 230, 95880-000 Estrela RS
Bruna Melz: bruna.melz@universo.univates.br
Lydia Koetz Jaeger:
lkoetz@univates.br
Magali Teresinha Quevedo Grave: mgrave@univates.br
Resumo
Este
estudo buscou descrever o perfil sociodemográfico de pacientes de fisioterapia
com dor crônica (DC) na coluna vertebral (CV) e a relação psicossocial com o
protagonismo após a realização de exercícios físicos. Estudo
exploratório-descritivo, de intervenção, com análise quantitativa dos dados,
realizado na Clínica Escola de Fisioterapia (CEF) da Universidade do Vale do
Taquari - Univates, Lajeado, RS. A coleta de dados se
deu por questionário de identificação e os protocolos Start Back Screening Tool (SBST), Fear Avoidance
Belief Questionnaire
(FABQ), Questionário de Qualidade de Vida SF-36 e Índice Oswestry
de Incapacidade (IOI). Participaram nove pacientes com DC na CV, sendo alocados
em grupos: intervenção, participou de um grupo de promoção à saúde durante
quatro semanas, duas vezes na semana, para a realização de exercícios na CEF;
controle, recebeu cartilha com os mesmos exercícios para serem realizados no
domicílio pelo mesmo período. Ambos os grupos apresentaram melhora no SF-36,
SBST e IOI. No FABQ, apresentaram melhora no item atividade física e piora no
trabalho. Conclui-se que o programa de exercícios utilizado em pacientes que
apresentam DC na CV é positivo na melhora do prognóstico e qualidade de vida;
redução de incapacidades e crenças. Ainda, exercícios domiciliares incentivam o
protagonismo dos pacientes.
Palavras-chave: dor crônica; Fisioterapia; coluna
vertebral.
Abstract
This study aimed to describe the sociodemographic
profile of physical therapy patients with spine chronic pain (CP) and the
psychosocial relation after physical exercise. Exploratory-descriptive and
interventional study, with quantitative analysis of data, performed at the Clínica Escola de Fisioterapia
(CEF) of the University of Vale do Taquari - Univates, Lajeado, RS, Brazil.
Data was carried out by means of a questionnaire and the protocols Start Back
Screening Tool (SBST), Fear Avoidance Belief Questionnaire (FABQ), SF-36
Quality of Life Questionnaire and Oswestry Disability
Index (ODI). Nine patients with spine CP participated, being allocated in
groups: intervention, participated in a health promotion group for four weeks,
twice a week, to perform exercises in the CEF; control, received a booklet with
the same exercises to be performed at home for the same period. Both groups
showed improvement in SF-36, SBST and ODI. In FABQ, they showed improvement in
the physical activity item and worsening at work. We concluded that the
exercise program used in patients with CP in spine is positive in improving the
prognosis and quality of life, reduction of disabilities and beliefs. Even
more, home exercises encourage the protagonism of
patients.
Keywords: chronic pain; physical therapy;
spine.
A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável
sentida pelo corpo em resposta a um estímulo nocivo ou semelhante a um estímulo
nocivo; quando este sofrimento perdura por longos períodos, a dor se torna
crônica. Essa dor pode existir mesmo sem a presença de uma lesão orgânica e
apresentar quadros de agudização, pois ela sofre influências de vários fatores
como o fisiológico, o sensitivo, o afetivo, o cognitivo, o comportamental e o
sociocultural/etnocultural [1,2,3].
A existência da dor crônica (DC) está ligada às chamadas
bandeiras amarelas, que são utilizadas para indicar aqueles pacientes que
apresentam atitudes e crenças negativas em relação à sua dor. Esse
comportamento pode estar relacionado a fatores psicossociais como o trabalho, a
família, as emoções, comorbidades e qualquer outro aspecto da vida do paciente
que interfira diretamente ou indiretamente na dor. Questões como atitude de
evitação, de medo, de catastrofização e a associação
de depressão e ansiedade são consideradas como barreiras para o tratamento da
DC e levam a um aumento dos riscos de geração de incapacidade para o trabalho e
para atividades de vida diária [4,5,6].
As diretrizes atuais para o tratamento fisioterapêutico da
DC na coluna trazem o exercício como primeira opção, seguido pelo exercício
combinado com a educação do paciente. O exercício físico age reduzindo os
níveis de dor, pois atua nos sistemas moduladores de hormônios endógenos que,
consequentemente, produzem uma sensação de analgesia. Ainda não existe um
consenso sobre qual o tipo de exercício é mais indicado para o tratamento da
DC, entretanto, tem sido estudado, em diferentes grupos, diversas
possibilidades, chegando-se a conclusão que o
exercício, independentemente do tipo, pode ser positivo para o tratamento da DC
[6,7].
Algumas características psicodinâmicas são comumente encontradas
em pacientes com DC e estão relacionadas com a baixa adesão ao tratamento e
baixos índices de melhora do quadro álgico. Entre elas estão a dependência,
questões psicológicas associadas, a sensibilidade a frustrações, a incapacidade
de lidar com essas frustrações e a passividade frente ao tratamento proposto
[1]. Nesta pesquisa aborda-se, principalmente, os reflexos da passividade do
paciente frente a sintomatologia de DC, pois, se ela é indício de mau
prognóstico, se torna fundamental o estudo do protagonismo do paciente em
relação ao seu tratamento para que, assim, seja possível tratar adequadamente
essa população e reduzir os índices de DC na coluna.
Desta forma, o objetivo do presente estudo é descrever o
perfil sociodemográfico de pacientes de fisioterapia com DC na coluna vertebral
e a relação psicossocial com o protagonismo destes pacientes no tratamento
fisioterapêutico após a realização de exercícios físicos. Buscou-se verificar
se há diferenças entre os grupos controle e intervenção no que tange aos
resultados relacionados aos medos e crenças em relação à dor, ao trabalho e às
atividades físicas, bem como, as incapacidades e qualidade de vida,
relacionando com o protagonismo dos pacientes no seu cuidado.
Esta pesquisa caracteriza-se como exploratória-descritiva,
de intervenção, com análise quantitativa dos dados. Foi realizada na Clínica
Escola de Fisioterapia (CEF) da Universidade do Vale do Taquari - Univates, em Lajeado, RS. A coleta de dados deu-se por meio
de questionários validados, grupo de promoção à saúde e orientações para serem
realizadas no domicílio.
Para participar do estudo foram convidados, via ligação
telefônica, pacientes que estavam sendo acompanhados pela CEF ou que estavam na
lista de espera aguardando atendimento fisioterapêutico; pacientes de ambos os
sexos, com idades entre 30 e 70 anos e que apresentassem dor crônica (DC) em
alguma região da coluna. Foi montada uma lista dos nomes dos convidados pela
equipe da CEF, primeiro os que já estavam sendo acompanhados e por último os da
lista de espera, de forma aleatória. Da amostra total de 14 pacientes
convidados, nove concluíram a participação na pesquisa, visto que três
pacientes foram retirados por não comparecerem ao encontro de avaliação, um por
não concordar em assinar o TCLE e um por faltar a dois encontros do grupo de
promoção à saúde. A partir da lista fornecida pela CEF os pacientes foram
divididos em dois grupos; a primeira metade formou o grupo intervenção (GI) e a
segunda metade o grupo controle (GC), formados por quatro e cinco pacientes,
respectivamente.
Como forma de manter o distanciamento social e evitar
aglomerações em decorrência da pandemia da COVID-19, para os encontros nos
quais foram realizadas a avaliação e reavaliação, os pacientes, tanto do GC
quanto do GI, foram divididos em duplas ou trios, em horários diferentes, no
mesmo dia. No primeiro encontro, denominado de avaliação, foi lido o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e respondidas todas as dúvidas em
relação à pesquisa. Mediante concordância e assinatura do TCLE deu-se sequência
às atividades propostas. Os pacientes responderam os seguintes documentos: um
questionário formulado pela pesquisadora que continha questões de identificação
e caracterização do usuário, abrangendo dados de identificação, escolaridade,
características da dor, exercícios físicos, trabalho e comorbidades; o Fear Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ-Brasil), que tem por objetivo
validar os medos e as crenças de pacientes que sofrem de dor na coluna em
relação ao trabalho e às atividades físicas [8]; o Start Back Screening Tool - Brasil (SBST-Brasil), que leva em
consideração fatores psicossociais para triar os pacientes com lombalgia em
relação ao risco destes terem um prognóstico ruim para o tratamento
fisioterapêutico da disfunção [9]; o Índice Oswestry
2.0 de Incapacidade, que avalia distúrbios da coluna vertebral, observando
características como a incapacidade, a gravidade do caso e as possíveis causas
da dor [10]; e o Questionário de Qualidade de Vida - SF-36, que tem por
objetivo avaliar a qualidade de vida dos pacientes [11]. As questões elencadas
nos questionários foram lidas para o paciente, juntamente com as alternativas
de resposta e, em casos de dúvidas ou falta de compreensão da questão por parte
dos pacientes, repetia-se a questão, explicando-a com palavras mais simples.
Após o preenchimento dos questionários, os pacientes do GI
receberam um cartão contendo a data e horário dos próximos encontros e foram
liberados. Os pacientes do GC, antes de serem liberados, receberam uma cartilha
contendo os exercícios, com imagens e explicação em texto, que deveriam ser
realizados em casa, duas vezes por semana, durante quatro semanas. Os
exercícios contidos na cartilha foram demonstrados aos pacientes do GC. Os
exercícios elencados tinham como objetivo a estabilização da coluna vertebral,
trabalhando o fortalecimento da musculatura abdominal, paravertebral
e de quadril. Além disso, o protocolo era finalizado com exercícios de
alongamento para as mesmas musculaturas.
Durante o período que o GC permaneceu realizando os
exercícios em casa, o GI comparecia presencialmente na CEF em horário
pré-determinado, duas vezes por semana para participar do grupo de promoção à
saúde. Neste grupo eram realizados os mesmos exercícios dispostos na cartilha
entregue aos pacientes do GC, sob supervisão da pesquisadora. No total, foram
realizados oito encontros do grupo de promoção à saúde.
Após as quatro semanas, foi realizado o encontro de
reavaliação dos pacientes, usando a mesma dinâmica do encontro de avaliação: os
pacientes, tanto do GC quanto do GI, foram divididos em duplas ou trios, em
horários diferentes, no mesmo dia. A reavaliação foi feita da mesma forma que a
avaliação, na qual os pacientes responderam novamente todos os questionários,
com exceção apenas do questionário de identificação e caracterização.
O material coletado foi armazenado em um banco de dados no
sistema de planilha do Google Drive; os nomes foram substituídos pela letra P,
seguida de um número, não sendo possível a identificação dos pacientes.
Seguiram-se todos os preceitos éticos, conforme Resolução 466/2012, bem como,
todos os protocolos para prevenção da contaminação e disseminação da COVID-19. O
projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Univates,
mediante protocolo número CAAE 40056520.7.0000.5310.
A tabela I mostra os resultados da caracterização
sociodemográfica dos pacientes e características da dor, apresentando questões
como idade, sexo, escolaridade ocupação, local e tempo de existência da dor,
exercícios físicos e comorbidades, além do código do paciente e grupo à qual
pertence.
A população participante do estudo foi composta por 66% de
homens e 33% de mulheres, o GC foi composto apenas por homens e o GI teve 75%
de mulheres. A média de idade geral foi de 55 anos, o GI teve uma média de
idade de 56,8 anos e o GC de 54 anos. Em relação à presença de comorbidades, do
total de pacientes, 88% apresentavam pelo menos uma comorbidade; desses, 44%
apresentavam duas ou mais comorbidades. No GI todos apresentavam pelo menos uma
comorbidade e metade apresentava duas ou mais, enquanto no GC 80% apresentava
uma comorbidade e, desses, 40% apresentavam duas ou mais comorbidades.
No tocante a exercícios físicos, 66% de todos os pacientes
disseram realizar algum tipo de exercício físico pelo menos uma vez na semana;
desses, 44% realizavam exercício físico duas vezes ou mais por semana. No GC,
70% relataram praticar exercícios físicos uma vez na semana; desses, 60%
praticavam pelo menos duas vezes por semana. Enquanto isso, no GI, 50%
praticavam exercício físico uma vez por semana e, desses, 25% praticavam pelo
menos três vezes na semana.
Todos os pacientes estudados relataram dor na região lombar
da coluna vertebral, além disso, um paciente do GC (11%) também relatou
associação com dor na região cervical e um paciente do GI (11%) associação com
dor na região torácica. A maior parte dos pacientes (55%) têm relatos de dor na
coluna há mais de cinco anos e cerca de 44% relataram o início dos sintomas em
até dois anos.
Quanto à ocupação atual, 55% dos pacientes eram
aposentados, 22% trabalhadores ativos e 22% estavam afastados do trabalho pela
previdência social. No GI metade dos pacientes eram aposentados e a outra
metade afastada pela previdência social, enquanto no GC 60% eram aposentados e
40% trabalhadores ativos.
No que diz respeito à escolaridade, considerando GC e GI,
33% dos pacientes tinham ensino fundamental incompleto, 22% ensino fundamental
completo, 33% ensino médio completo e 11% ensino médio incompleto. No GI a
maior parte (75%) relatou possuir ensino fundamental incompleto e o restante
(um participante) ensino médio completo. No GC 40% apresentava ensino fundamental
completo, 40% ensino médio completo e 20% ensino médio incompleto.
Tabela
I - Caracterização
sociodemográfica dos pacientes e características da dor
GI = grupo intervenção; GC = grupo controle; Cod = código; F = feminino; M = masculino; Esc. = escolaridade;
FC = ensino fundamental completo; FI = ensino fundamental incompleto; MC =
ensino médio completo; MI = ensino médio incompleto; Ocup.
= ocupação; Afast. = Afastado; Apos
= Aposentado; Trab ativo = Trabalhador ativo; C =
cervical; T = torácica; L = lombar; Cmb =
comorbidades (se refere ao número de comorbidades que apresenta); Exercício
Físico se refere a quantidade de vezes que pratica na semana
A seguir, na tabela II, estão apresentadas as pontuações de
avaliação e reavaliação do documento Fear Avoidance Beliefs Questionnaire
(FABQ-Brasil) em relação às atividades físicas e ao trabalho.
Tabela
II - Resultados do
Fear Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ-Brasil)
A tabela III traz os resultados do documento Start Back Screening Tool - BRASIL (SBST-Brasil) das datas de
avaliação e reavaliação separadas pela pontuação total e pela subescala
psicossocial.
Tabela
III - Resultados do
Start Back Screening Tool - BRASIL (SBST-Brasil)
Na tabela IV podem ser vistas as pontuações de avaliação e
reavaliação no documento Questionário de Qualidade de Vida SF-36, apresentadas
nos itens capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, estado geral de
saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental.
Tabela
IV - Resultados do
Questionário de Qualidade de Vida SF-36
CF = capacidade funcional; LAF = limitação por aspectos
físicos; EGS = estado geral de saúde; VIT = vitalidade; AS = aspectos sociais;
AE = aspectos emocionais; SM = saúde mental
A tabela V demonstra o percentual apresentado por cada
paciente na avaliação e reavaliação e o nível de incapacidade dos mesmos a
partir do documento Índice Oswestry 2.0 de
Incapacidade.
Tabela
V - Resultados do
Índice Oswestry 2.0 de Incapacidade
No que se refere ao sexo dos pacientes da presente
pesquisa, os percentuais de participação vão de encontro a literatura, a qual
relata que a maior incidência de DC está no sexo feminino [12,13,14,15], ao contrário
do que demostrou nosso estudo, no qual é possível observar que a maior parte
dos pacientes são homens.
Em relação à idade dos pacientes que apresentam a DC,
estudos apontam que esta é a disfunção que mais causa incapacidade na população
em idade produtiva e em idosos, tendo seu pico de incidência entre os 40 e 80
anos de idade [16,17]. Da mesma forma, é sabido que questões como idade mais
elevada aumentam linearmente a probabilidade de desenvolver DC [6]. Essas
informações corroboram o que foi observado neste estudo, visto que a variação
entre as idades dos pacientes foi de 40 a 70 anos.
No que tange a presença de comorbidades entre os pacientes
com DC, pesquisas mostram que a incidência da DC aumenta quando se trata de pacientes
com comorbidades como artrite, depressão e cardiopatias [19]. Além disso,
questões como a hipertensão, diabetes, sobrepeso e a obesidade também são
fatores que aumentam a incidência de DC [6,15,18]. Estas informações ratificam
nossos achados, como pode ser visto nos pacientes desta pesquisa, na qual a
maioria (88%) apresenta pelo menos uma comorbidade associada à DC.
Estudos realizados por Santos et al. [12] e Zanuto et al. [15] apontam que ser fisicamente ativo
reduz a probabilidade de desenvolvimento de DC, assim como a prática de
exercícios físicos pode reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares,
reduzir a incidência de hipertensão e de diabetes tipo 2; apresenta benefícios
também na saúde mental dos indivíduos, como diminuição dos sintomas de
ansiedade e depressão [20]. Estas informações podem ser observadas, em parte,
nos resultados de nossa pesquisa, uma vez que todos os pacientes apresentavam
DC e apenas três relataram praticar exercícios físicos pelo menos três vezes na
semana. Segundo Camargo e Añez [20], as diretrizes da
Organização Mundial da Saúde (OMS) trazem que para que o paciente seja
considerado fisicamente ativo, é necessário a prática de, no mínimo, 150
minutos de atividade física de moderada intensidade por semana; ou pelo menos
75 minutos de atividade física de vigorosa intensidade na semana. Além disso, é
recomendado pelo menos duas práticas na semana de exercícios de reforço
muscular. Salienta-se que nossa pesquisa se baseou em relatos dos
pacientes no que se refere a esta questão.
Segundo a literatura consultada, a região da coluna
vertebral com maior prevalência de DC é a região lombar, seguida pela região
torácica [13,15]. Esta informação explica o que pode ser observado nos
resultados obtidos em nossa pesquisa, visto que todos os pacientes apresentaram
dor na região lombar; destes, dois apresentaram associação de dor com outras
regiões, um também relatava dor na região torácica e outro na região cervical.
Os dados em relação ao tempo de dor apresentados na
literatura se relacionam com o que foi observado em nossa pesquisa, já que a
maior parte dos pacientes estudados já convive com a DC há pelo menos cinco
anos [19].
A literatura traz que a dor nas costas é, ainda, uma das
principais causas de aposentadoria por invalidez previdenciária ou por acidente
no Brasil [21,22], o que pode ser observado em nossos resultados, dois
pacientes encontravam-se afastados por invalidez previdenciária. Além disso, a
maioria dos pacientes que participaram desta pesquisa são aposentados, mesmo
apresentando idades muito similares aos pacientes que se consideravam
trabalhadores ativos.
O nível de escolaridade é outro fator que parece estar
diretamente ligado com o processo de cronificação da dor, já que pacientes sem
o ensino fundamental completo são os que apresentam as maiores prevalências,
seguindo com menores valores, conforme o aumento da instrução [14,18]. Estes
dados podem ser facilmente observados nos resultados obtidos em nossa pesquisa,
uma vez que a maior parte dos pacientes relatou possuir somente o ensino
fundamental, cerca de 33% o possuíam de forma incompleta e cerca de 22% de
forma completa; seguido por ensino médio completo e incompleto; nenhum dos
pacientes relatou ensino superior.
Quando se discute a respeito de DC, torna-se indispensável
o tema da incapacidade funcional originada a partir da mesma, visto que a DC
tem grande impacto funcional na vida dos pacientes, influenciando tanto nos
afazeres pessoais quanto no trabalho. Cerca de 16% dos pacientes que manifestam
dor na coluna acredita possuir limitações intensas ou muito intensas nas suas
atividades de vida diária (AVD). No Brasil, um sexto dos pacientes que relatam
alguma condição de DC na região da coluna dizem sentir limitações funcionais no
seu dia a dia [14,18]. Neste sentido, uma das ferramentas que pode ser
utilizada para avaliar o nível de incapacidade dos pacientes é o Índice Oswestry de Incapacidade (IOI).
Donzeli et al. [23] compararam, em seu
estudo, a relação entre a incapacidade e a qualidade de vida de mulheres com
diagnóstico de dor lombar, comparando com um outro grupo de mulheres que não
apresentava dor na região. Foi um estudo transversal que utilizou a ferramenta
IOI para avaliar os níveis de incapacidade e obteve como maior parte dos resultados
o nível de incapacidade moderada das participantes. Além disso, pode ser
observado no respectivo estudo que as mulheres que apresentavam dor tinham
pontuações maiores e, consequentemente, níveis de incapacidade maiores. Parte
das informações corroboram o que foi obtido como resultado em nosso estudo, a
maioria dos pacientes obteve pontuação condizente com nível moderado de
incapacidade.
Os efeitos dos exercícios físicos na redução destes níveis
de incapacidade são abundantes na literatura. Ho-Hee Son
[24] buscou, em seu estudo, comparar os efeitos de exercícios de estabilização
da coluna com e sem a associação do controle respiratório no equilíbrio e na
pontuação do IOI em pessoas que apresentavam dor lombar. Foi possível concluir
que ambas as formas de exercícios foram capazes de reduzir os níveis de
incapacidade dos participantes, com resultados melhores em quem realizou os
exercícios com associação da respiração. Independentemente da associação da
respiração ou não, o mesmo resultado pode ser visto em nosso estudo a partir da
realização de exercícios de estabilização da coluna vertebral, no qual cerca de
55% dos pacientes obtiveram redução nas pontuações do IOT, não necessariamente
sendo suficiente para trocar de nível na classificação do protocolo.
Ainda em relação aos exercícios físicos e à incapacidade, Valenza et al. [25] buscaram verificar, entre outras
variáveis, os efeitos de um programa de exercícios de Pilates na incapacidade
de indivíduos com dor lombar crônica. Utilizaram, para isso, dois grupos: um
realizou os exercícios durante oito semanas e o outro recebeu informações em
panfletos. Constataram, a partir das pontuações no IOI, que o programa de
exercícios foi eficaz na redução da incapacidade dos indivíduos, ratificando
nossos resultados, visto que a maior parte dos pacientes obteve redução nas
pontuações do IOI após realizar o protocolo de exercícios, constituído em
grande parte, por exercícios tradicionalmente utilizados no método Pilates.
No mesmo sentido, Kong, Jang e
Park [26] objetivaram analisar os efeitos de três formas diferentes do
exercício de ponte nas pontuações do IOI, entre outras informações, em
indivíduos que apresentavam dor lombar crônica. O primeiro grupo realizou o
exercício tradicional, em decúbito dorsal com elevação do quadril; o segundo
grupo realizou da mesma forma, com o acréscimo de uma bola sob os pés; e o
terceiro realizou o exercício em decúbito ventral, mantendo o apoio em
antebraços e ponta dos pés, fazendo o exercício conhecido como prancha. Os
autores concluíram que as pontuações no IOI dos três grupos reduziram
significativamente, após oito semanas, com maior intensidade no terceiro grupo.
Este estudo se torna significativo quando os exercícios dos grupos um e três
estavam incluídos no programa de exercícios aplicados nos pacientes no presente
estudo.
Atualmente, sabe-se que é possível avaliar os riscos de prognóstico
ruim da DC a partir de documentos como o Start Back Screening
Tool - Brasil (SBST-Brasil). Desta forma, Medeiros et al. avaliaram as
mudanças nos subgrupos de risco elencados pelo SBST ao longo de seis meses, com
aplicação do questionário nas primeiras cinco semanas, três e seis meses depois
do início do estudo, de pacientes que estavam em atendimento fisioterapêutico.
Foi possível observar que cerca de 60% dos pacientes trocaram de subgrupo de
risco após as intervenções de fisioterapia. O subgrupo em que mais foram
detectadas mudanças foi o de médio risco [27]. Igualmente, cerca de 66% dos
pacientes da nossa pesquisa melhoraram seus índices e trocaram de subgrupo de
risco, sendo a maioria deles, anteriormente, alocados no subgrupo de médio
risco.
Quando se trata de DC e do tratamento a partir dos fatores
biopsicossociais, deve-se levar em consideração as crenças e medos em relação à
evitação de atividades físicas e trabalho. Neste sentido, Kroska
[28] realizou uma meta-análise com o objetivo de compreender a relação entre
medo e evitação em relação à intensidade da dor. Os resultados demonstraram que
existe uma associação positiva entre a evitação ao movimento e ao trabalho e o
medo em relação à intensidade da dor, o que indica que aqueles pacientes que
apresentam maiores índices de medo e evitação apresentam também maiores níveis
de dor. Ainda, entendeu-se que se deve levar em consideração questões culturais
e utilizar questionários capazes de identificar os indícios de medo e evitação
em indivíduos que apresentam DC. Um dos documentos comumente utilizados em
estudos científicos com este objetivo é o Fear Avoidance
Belief Questionnaire -
Brasil (FABQ), aplicado em nosso estudo.
Panhale, Gurav e Nahar [29] utilizaram o FABQ com o objetivo de encontrar a
relação entre a presença de medos e crenças de evitação e limitações em
atividades de vida diária em pacientes que apresentavam DC. Descobriram, a
partir do estudo, que existe uma forte relação entre a presença de medos e
crenças de evitação com a presença de limitações funcionais neste perfil de
paciente. Em nosso estudo, os níveis de crenças e medos relacionados à evitação
às atividades físicas reduziu na maioria dos pacientes após a realização dos
exercícios propostos, piorando em apenas um caso. Isto pode ser explicado,
neste caso específico, pelo fato de a paciente ter tentado demonstrar uma
necessidade extrema de receber atendimento fisioterapêutico individual, questão
que não foi observada durante o grupo de promoção à saúde, visto que realizou
todas as atividades sem muita dificuldade. Em relação ao trabalho, a maioria
dos pacientes piorou suas pontuações no questionário, provavelmente sendo
explicado por questões legais a respeito de afastamentos e aposentadorias por
invalidez.
Além do desenvolvimento de incapacidades e piora dos níveis
de dor, pacientes com DC tendem a apresentar alterações no nível de qualidade
de vida. Neste sentido, Husky et al. buscaram em seu estudo avaliar, entre
outras variáveis, os índices de qualidade de vida de indivíduos com DC a partir
de um questionário muito utilizado para este fim: o SF-36. Foi possível
observar pontuações baixas em todos os escores do questionário, indicando que a
presença de DC na coluna vertebral interfere negativamente na qualidade de vida
dos sujeitos [30]. Da mesma forma, os resultados corroboram os encontrados em
nosso estudo, no qual grande parte dos pacientes obtiveram notas baixas em
vários quesitos do questionário.
No mesmo sentido, Craner, Sperry
e Evans [31] buscaram avaliar o papel da catastrofização
da dor nos resultados de um programa multidisciplinar de reabilitação da dor,
de forma intensiva, durante três semanas. Entre outras variáveis, utilizaram o
questionário SF-36 para avaliar os níveis de qualidade de vida dos participantes.
Foi possível observar que níveis mais altos de catastrofização
estavam associados com sintomas depressivos, maior gravidade da dor e,
consequentemente, redução dos níveis de qualidade de vida de pessoas com DC.
Ainda, foi possível observar que um programa de reabilitação de apenas três
semanas foi suficiente para gerar reduções significativas nos níveis de catastrofização e consequente aumento nos níveis de
qualidade de vida. Estas informações corroboram o que pode ser observado em
neste estudo, uma vez que a maioria dos itens do protocolo SF-36 obtiveram
melhoras, após o programa de exercícios proposto, tendo alguns itens que não
sofreram mudanças e em menor quantidade os que reduziram seus escores.
Em relação às diferenças encontradas entre os resultados
que foram apresentados sobre o grupo controle (GC) e intervenção (GI), pode-se
observar que as diferenças não foram muito evidentes. No questionário SF-36, o
GC apresentou uma melhora nos índices de cerca de 58%, enquanto o GI uma melhora
de cerca de 47%. No SBST o GC apresentou uma melhora nos parâmetros das duas
subclassificações de 80%, enquanto o GI apresentou melhora de 50% na pontuação
total e 25% na subclassificação psicossocial. No FABQ, o GC apresentou 80% de
redução nas pontuações do item atividade física e 60% de piora dos índices de
trabalho, enquanto o GI apresentou 75% de redução nas pontuações do item
atividade física e 100% de piora dos índices de trabalho. Por fim, no IOI, o GI
apresentou redução dos níveis de incapacidade em 75% dos pacientes e o GC em
40% dos pacientes.
Desta forma, pode-se observar que quando se fala em
qualidade de vida, medos e crenças em relação às atividades físicas e o risco
de prognóstico ruim para a DC, atividades independentes em casa podem ser uma
boa opção de tratamento. Entretanto, quando se fala em incapacidade, atividades
orientadas e/ou em grupo podem ser mais aproveitadas pelo paciente. Cabe
ressaltar que o protagonismo dos pacientes teve fundamental importância na
melhora dos parâmetros analisados; apresentando-se provavelmente de forma mais
ativa naqueles que precisaram agir de forma independente, sendo realmente
protagonistas do seu cuidado no domicílio.
O presente estudo apresenta algumas limitações,
principalmente em relação a utilizar questionários autorrelatados nos quais o
paciente pôde responder o que entende por cabível, mas não necessariamente o
que representa a realidade. Além disso, por ter sido realizada com pacientes
que são acompanhados por uma Clínica Escola de Fisioterapia, os
mesmos tendem a ter a necessidade de responder negativamente
questionários do gênero para que sejam encaminhados para atendimentos
fisioterapêuticos individuais.
É
possível concluir com este estudo que um programa de
exercícios de quatro semanas, realizados duas vezes na semana,
focado na
estabilização e relaxamento da musculatura envolvida com
a coluna vertebral, em
pacientes que apresentam DC na região da coluna vertebral
é positivo na
diminuição de crenças e medos em
relação às atividades físicas, na
redução das
chances de prognóstico ruim em relação à
dor, na melhora dos índices de
qualidade de vida e na redução de incapacidades
relacionadas à dor.
É possível concluir, também, que um programa de exercícios
domiciliares com as devidas orientações tende a incentivar o protagonismo dos
pacientes em seu cuidado, tendo a capacidade de melhora mais acentuada das
mesmas variáveis anteriormente citadas. Desta forma, entende-se que o cuidado
de pacientes com DC na região da coluna vertebral pode ter continuidade, mesmo
em tempos de distanciamento social ocasionado pela pandemia da COVID-19, visto
que uma forma válida é a prática de atividades domiciliares, mediante
orientação.
Independentemente dos resultados, outros estudos devem ser
realizados com pacientes com DC na coluna vertebral, levando em consideração
fatores biopsicossociais e a importância do exercício físico como forma de
tratamento. Torna-se interessante também a continuidade das atividades por
maior período de tempo, pois, os principais benefícios
do exercício físico são mais alcançados e analisados após maior prática.