Fisioter Bras 2022;23(2):288-304
ARTIGO ORIGINAL
O impacto do uso de
aplicativos na aderência e persistência ao tratamento de incontinência urinária
feminina: estudo longitudinal randomizado
Impact of app use on adherence and persistence to the treatment of
female urinary incontinence: randomized longitudinal study
Claudia Veloso Mueller*,
Maura Regina Seleme**, Gustavo Fernando Sutter Latorre***, Monique Schreiner****, Rogério de Fraga*
*Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, PR, **Faculdade Inspirar, Curitiba, PR, Abafi-Holland,
Maastricht, The Netherlands, ***Faculdade Inspirar,
Florianópolis, SC, ****Bióloga, Curitiba, PR
Recebido em 19 de julho de
2021; aceito em 3 de março de 2022.
Correspondência: Claudia Veloso Mueller, Rua Saldanha
da Gama 86/01A, 80060-170 Curitiba PR, E-mail: mueller.clauv@gmail.com
Claudia
Veloso Mueller: mueller.clauv@gmail.com
Maura
Regina Seleme: maura@abafi.com.be
Gustavo
Fernando Sutter Latorre:
gustavo@perineo.net
Monique Schreiner: nique.mo94@gmail.com
Rogério de
Fraga: rogeriodefraga@gmail.com
Resumo
Objetivo: Analisar a adesão de mulheres
incontinentes à fisioterapia pélvica auxiliada por smartphone (aplicativo), em
comparação a abordagens tradicionais. Métodos: Estudo longitudinal
randomizado controlado de 128 mulheres: G1 fisioterapia face a face auxiliada
por aplicativo; G2 fisioterapia face a face e folha de exercícios impressa; G3
aplicativo somente e G4 folha impressa somente. Realizadas 12 sessões de
fisioterapia face a face, em grupo, uma vez por semana, durante 3 meses. Resultados:
77 (60,2%) aderiram ao tratamento e 51 (39,8%) não. Os aderentes tinham em
média 48,3 anos, contra 44,5 das não aderentes (p = 0,015). Houve menor adesão
às metodologias síncronas: G1, 19 (50%), G2, 21 (28,8%), quando comparadas às
assíncronas: G3, 3 (13,6%), e no G4, 8 (32%) (p = 0,025). Fumantes (71,4%) e
usuárias de álcool (53,85%) não aderiram (p = 0,002 e p = 0,016
respectivamente). 50 mulheres apresentaram IU de esforço, 67 IU mista e 11 IU
de urgência, não correlacionada à adesão (p = 0,06). Nenhuma das mulheres não
aderentes possuiu renda superior a 6 salários-mínimos. Conclusão: A
adesão ao treinamento muscular do assoalho pélvico é maior quando a
fisioterapia é associada a um aplicativo móvel. O tabagismo, o consumo de
álcool e a categoria de renda impactam negativamente na adesão.
Palavras-chave: incontinência urinária; pelve;
cooperação e adesão ao tratamento; educação em saúde; tecnologia de baixo
custo.
Abstract
Aims: To analyze the adherence of incontinent women to
smartphone-assisted pelvic physical therapy compared to traditional approaches.
Methods: Longitudinal randomized controlled study of 128 women: G1
application-assisted face-to-face physical therapy; G2 face-to-face physical
therapy and printed exercise sheet; G3 application only and G4 printed sheet
only. There were 12 face-to-face group physical therapy sessions once a week
for 3 months. Results: 77 (60.2%) adhered to the treatment and 51
(39.8%) did not. Adherents had an average of 48.3 years, against 44.5 for
non-adherents (p = 0.015). There was less adherence to synchronous
methodologies: G1, 19 (50%), G2, 21 (28.8%), when compared to asynchronous: G3,
3 (13.6%), and in G4, 8 (32%) (p = 0.025). Smokers (71.4%) and alcohol users
(53.85%) did not adhere (p = 0.002 and p = 0.016 respectively). 50 women had
SUI, 67 MUI and 11 UUI, not correlated with adherence (p = 0.06). None of
non-adherent women had an income above 6 base salaries. Conclusion:
Adherence to pelvic floor muscle training is higher when physical therapy is
combined with a mobile app. Smoking, alcohol consumption and income category
negatively impact adherence.
Keywords: urinary incontinence; pelvic floor; treatment
adherence and compliance; health education; low-cost technology.
A
incontinência urinária (IU) é uma disfunção prevalente que pode acometer de 13
a 70% dos indivíduos em diferentes populações, independente do sexo e faixa
etária, trazendo impacto negativo à qualidade de vida [1,2,3].
Classicamente
a IU é classificada em: Incontinência Urinária de Esforço (IUE) que está
relacionada à perda involuntária de urina sob qualquer situação de esforço,
como tosse, espirros e atividades físicas; Incontinência Urinária de Urgência
(IUU) caracterizada pela presença de desejo inadiável de urinar em um curto
espaço de tempo, associado a polaciúria, noctúria e
escape miccional involuntário; e por fim, a Incontinência Urinária Mista (IUM),
a qual possui sintomatologia que mescla os dois tipos de IU descritos
anteriormente [1].
Dentre as causas de incontinência urinária,
é observada a presença de falência na atuação das diferentes estruturas que
compõem o assoalho pélvico, destacando-se a porção muscular [4]. Uma vez que as
repercussões podem ser minimizadas com tratamentos conservadores e não
conservadores, a fisioterapia, com ênfase em uroginecologia,
tem promovido evidências como assistência de nível 1 e Grau A de evidência e
recomendação [5,6,7]. Sendo assim, acredita-se que os exercícios de treinamento
dos músculos do assoalho pélvico (TMAP), baseado na aprendizagem motora, sejam
padrão ouro para o controle da micção.
A
aplicabilidade do TMAP na cura ou no manejo dos sintomas dos diferentes tipos
de incontinência urinária possui desfechos diferentes, sendo mais significativo
na IUE, ou seja, quando comparado à nenhuma assistência ou placebo possui até
seis vezes mais chances de evolução do quadro, e numa perspectiva global,
quando aplicado em qualquer tipo de IU possui a probabilidade de até 2 vezes
mais chances quando comparado à ausência de assistência [8].
Todavia,
há dois pontos que fragilizam a assistência fisioterapêutica nas disfunções
descritas anteriormente: a aderência e a falta de acessibilidade para todas as
pessoas, especialmente em países como o Brasil [9,10].
A
aderência pode ser definida como a extensão pela qual o indivíduo segue as
orientações ou sugestões do profissional responsável, para o sucesso do
tratamento no curto e/ou longo prazo [11]. Ademais, ainda possui aplicabilidade
de definição em tratamentos crônicos, ou como o grau em que o comportamento de
uma pessoa, seja pela ingestão de medicamento, mudança de estilo de vida,
corresponde e concorda com o que foi prescrito [12]. Atualmente, diferentes
tipos de instrumentos no cotidiano clínico já estão disponíveis, capazes de
apontar se determinada ferramenta interfere ou não na aderência de determinada
terapia [11,12].
Em 2015,
a Assembleia Geral da ONU preconizou nos seus objetivos a cobertura à saúde, em
âmbito universal, com a premissa de garantir qualidade de vida a todos os
indivíduos das diferentes faixas etárias. O que fomentou a evolução de
pesquisas e práticas realizadas desde o início do século XXI, e a implementação
da tecnologia aplicada na assistência de saúde. Deste modo, proporcionando a
comunicação em diferentes extremos e oportunizando atendimento de populações
mais restritas nos diferentes aspectos sociodemográficos [13].
Também
com a premissa de atuar no engajamento das pacientes, surgiram as ferramentas
em Telessaúde. Definida como a prática realizada por
um dispositivo móvel entre o profissional de saúde e o cliente/paciente/usuário
quando se encontram distantes, como instrumento facilitador. Sua taxonomia
possui dois tipos de estratégias: assíncrona, a qual destaca-se na interação
planejada, gravada e enviada posteriormente ao destinatário, e a síncrona, que
se destaca pela assistência em tempo real, podendo ser via vídeo ou ligação
[13,14]. Todavia, os resultados ainda são discutíveis [15], destacando-se ainda
o fato de que os indivíduos mais jovens, do sexo feminino e com crença de baixa
eficácia da terapia apresentaram menor aderência
Caracterizada
pela alta qualidade, esta prática tem como objetivo facilitar o acesso de
cuidados e a educação em saúde. Em tempo, proporciona autoconsciência, aumento
da adesão aos fármacos e promove autocontrole aos usuários/pacientes/clientes
de suas condições crônicas. Por fim, na perspectiva econômica possui
viabilidade com baixo custo, além de diminuir taxas de readmissões e do tempo
de espera [16]. Neste contexto foi observado escassez na literatura de estudos
que avaliem a aderência nas assistências síncronas e assíncronas na área da
saúde, sendo assim o objetivo do presente estudo foi analisar se o uso de
dispositivo móvel interfere na aderência de mulheres incontinentes. Apesar da
crescente quantidade de aplicativos e outras formas de auxílio remoto voltados
ao treinamento dos músculos do assoalho no combate à IU, a literatura
científica ainda carece de estudos que demonstrem que, de fato, o uso destes
aplicativos realmente é eficiente no incremento da aderência clínica
Objetivo
O
objetivo do presente estudo foi analisar a adesão de mulheres incontinentes à
fisioterapia pélvica auxiliada por smartphone (aplicativo), em comparação a
abordagens tradicionais.
Tipo do estudo
Trata-se
de um estudo longitudinal randomizado, controlado, no qual foram recrutadas
mulheres na faixa etária entre 18 e 59 anos e diagnosticadas com incontinência
urinária de esforço (IUE), de urgência (IUU) e mista (IUM), entre janeiro de
2017 a abril de 2018, a partir das listas de espera dos ambulatórios de Uroginecologia do Hospital de Clínicas da Universidade
Federal do Paraná (CHC-UFPR). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Faculdade Inspirar, tendo sido registrado no
ClinicalTrials.gov (protocol ID #
66541417.5.0000.5221).
Os
critérios de exclusão do estudo foram: gestantes, puérperas de até seis meses
do pós-parto, mulheres com prolapso superior à grau III pelo Pelvic Organ Prolapse - Quantification
(POP-Q) (PERSU et al., 2011), infecção urinária do trato inferior, tumor
intrapélvico, quadro álgico em região em pelve que
impedisse a realização das terapias oferecidas ou que tivessem histórico de
cirurgia prévia em região de pelve no período inferior a seis meses, portadoras
de marcapasso ou dispositivo intrauterino (DIU) e ocorrência de duas faltas
consecutivas aos atendimentos de fisioterapia presencial.
Foram
contatadas via ligação telefônica 685 mulheres elegíveis para a participação do
estudo e convidadas para realizar a avaliação inicial e tratamento. Deste
número, 177 foram agendadas. Todavia apenas 128 compareceram. A randomização
foi realizada conforme quatro grupos, sendo o Grupo 1 (G1) fisioterapia
presencial e aplicativo de celular para aderência aos exercícios (N:38), Grupo
2 (G2) fisioterapia presencial e folha com orientação sobre os exercícios
impressa (N:43), Grupo 3 (G3) somente o aplicativo de celular (N: 22) e Grupo 4
(G4) somente a folha com orientação sobre os exercícios impressa (N:25). Todas
as participantes responderam uma ficha de avaliação sociodemográfica elaborada
pelos pesquisadores e logo após a randomização encaminhada para a outra equipe
para receber as orientações de sua metodologia respectiva. Os grupos G1 e G2
realizaram atendimentos de fisioterapia presencial, em grupo, uma vez por
semana, por 3 meses e reavaliadas posteriormente. A pesquisa teve duração de 3
meses. Das 128 voluntárias que compareceram na primeira avaliação, todas
entraram na análise estatística, e a aderência foi objeto do estudo.
Figura 1 – Fluxograma do estudo dos grupos
(G1), (G2), (G3) e (G4)
Variáveis do estudo
A
avaliação para caracterização da amostra consistiu nos seguintes critérios:
aspectos sociodemográficos: faixa etária, estado civil, etnia, escolaridade e
renda mensal, hábitos de vida: tabagismo, etilismo, sedentarismo, patologia:
IUE, IUU, IUM e infecção do trato urinário (ITU).
Para a
avaliação da aderência, após 3 meses todas as 128 voluntárias dos grupos G1,
G2, G3 e G4 foram contactadas.
Intervenções
Realizadas
as avaliações iniciais, as voluntárias foram randomizadas e direcionadas aos
seus grupos: G1 (Fisioterapia + aplicativo): foram realizados 12 atendimentos
de fisioterapia presencial, em grupo, uma vez por semana, por 3 meses e
instalado o aplicativo em seus telefones. O grupo G2 (Fisioterapia + folha com
orientação sobre os exercícios impressa): foram realizados 12 atendimentos de
fisioterapia presencial, em grupo, uma vez por semana, por 3 meses e entregue
uma folha para incentivar a aderência aos exercícios domiciliares, sendo esta
folha a versão escrita dos conselhos de higiene de vida e exercícios contidos
no aplicativo. O Grupo G3 recebeu o aplicativo (versão online da folha)
instalado em seus celulares, o qual possui exercícios dinâmicos com som e
imagens que mostram quantas vezes realizar cada exercício, o nível de força e
quantos segundos contrair e relaxar o assoalho pélvico. O aplicativo iPelvis TM contém programas progressivos de exercícios para
treinamento dos músculos do assoalho pélvico, baseados em protocolos
previamente validados para tratamento da IU [6], respeitando a fisiologia do
exercício local e os princípios de aprendizagem motora crescente [17]. Feedback
visual e sonoro é fornecido à paciente, guiando o momento exato de realizar as
contrações, quanto tempo manter cada contração e os respectivos tempos de
relaxamento, organizados em fases progressivas vai desenrolando conforme a
paciente avança nos protocolos.
Com 6
fases de duração de 15 dias cada uma, totalizando 3 meses. O grupo G4 recebeu
uma folha com orientação sobre os exercícios impressa, composta de explicações
e gráficos sendo a versão escrita do aplicativo.
Análise das variáveis
Estatística
descritiva foi utilizada para descrever as características sociodemográficas e
ginecológicas da amostra. A descrição dos dados coletados foi feita através de
medidas resumo, frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas e
média e desvio padrão para variáveis quantitativas.
Para as
variáveis quantitativas entre dois grupos, foi utilizado o teste T de Student. Entre mais de dois grupos, foi utilizado o teste F
de Snedecor. Quando comparado com variáveis
qualitativas entre dois ou mais grupos, foi utilizado o teste exato de Fisher.
Todas as análises foram conduzidas utilizando o software R de computação
estatística, considerando sempre o nível de significância de 5%.
Das 38
voluntárias do G1, 19 aderiram e 19 não aderiram: 12 voluntárias nem começaram
os atendimentos, 5 voluntárias tiveram 2 faltas consecutivas e 2 voluntárias
desistiram por motivo de trabalho. Das 43 voluntárias do G2, 22 aderiram e 21
não aderiram: 16 voluntárias nem começaram os atendimentos, 3 voluntárias
desistiram por motivo de trabalho, 01 voluntária desistiu por motivo de viagem,
e 1 voluntária desistiu por motivo de distância, alegando o local da pesquisa
ser longínquo. Das 22 voluntárias do G3, 19 aderiram e 3 não aderiram por
problemas no aplicativo. Das 25 voluntárias do G4, 17 aderiram e 8 não
aderiram: 1 voluntária relatou desmotivação, 2 voluntárias perderam a folha, 01
voluntária não entendeu os exercícios da folha e 6 voluntárias não quiseram
relatar o motivo de não aderirem ao tratamento proposto.
Neste
estudo 349 mulheres foram selecionadas para elegibilidade do estudo, todavia
apenas 128 aceitaram participar e foram alocadas aleatoriamente em 4 grupos.
Em
relação a comparação geral dos grupos, foi encontrada diferença significativa
entre a média de idade das pacientes em relação a aderência ao tratamento, e as
pacientes que não aderiram tiveram em média 3,8 anos a menos em comparação a
aquelas que aderiram ao tratamento.
Entre as
proporções de pacientes que tiveram adesão nos diferentes grupos, também foi
encontrada diferença significativa, no grupo G1 50% das voluntárias não
finalizaram o tratamento, em relação ao grupo G3 essa proporção foi somente
13,6%.
Na renda
salarial das pacientes que tiveram adesão ou não ao tratamento, foi
identificada diferença significativa; as voluntárias que não possuíam renda
acima de 6 salários-mínimos não tiveram adesão.
Foi
detectada diferença significativa também entre as voluntárias tabagistas e
etilistas que aderiram e não aderiram, sendo 71,4% das tabagistas e 53,8% das
etilistas que não concluíram o tratamento.
Tabela I – Descrição das variáveis coletadas
No grupo
das voluntárias que realizaram fisioterapia presencial e uso do aplicativo
móvel (G1), na análise sobre a adesão das pacientes foi encontrada diferença
significativa somente em relação ao tabagismo, pois todas as voluntárias
tabagistas deste grupo não concluíram o tratamento proposto.
Na análise
do grupo das pacientes que realizaram fisioterapia presencial e receberam a
folha com orientações dos exercícios domiciliares (G2), foi identificada
diferença significativa entre as idades das pacientes que tiveram e não tiveram
adesão ao tratamento. As voluntárias que não tiveram adesão ao tratamento
tinham em média 4,8 anos a menos que aquelas que aderiram. Também foi observada
diferença significativa entre as voluntárias tabagistas e etilistas com a
aderência ao tratamento, sendo 85,7% das tabagistas e 80% das etilistas que não
finalizaram o tratamento.
Não foram
encontradas diferenças significativas entre a adesão e não adesão ao tratamento
no grupo das voluntárias que utilizaram apenas o aplicativo móvel (G3), podendo
ser devido à quantidade pequena de voluntárias deste grupo.
Em
relação às voluntárias alocadas ao grupo (G4), foi encontrada diferença
significativa entre as proporções de etilismo entre as voluntárias que aderiram
e não aderiram, 60% das etilistas não finalizaram o tratamento. Também foi
verificada diferença significativa entre etnia, das classificadas como
asiáticas 71,4% não finalizaram o tratamento, enquanto nas caucasóides
essa proporção foi de 16,7%.
De acordo
com a análise realizada na comparação entre os grupos, não foram encontradas
diferenças significativas.
Figura 2 – Fatores de desistência dos grupos
G1, G2, G3 e G4
O
presente estudo explorou a aderência das mulheres incontinentes usando quatro
modalidades para o tratamento da incontinência urinária. Foi observado que
quando comparada a presença das metodologias presenciais/Síncronas e (G1 e G2)
e não presenciais/assíncronas (G3, G4), a assíncrona proporcionou maior
aderência ao tratamento no grupo em que o aplicativo estava presente, o que
corrobora o estudo de Jiang et al. [18], que teve como objetivo avaliar
a eficácia da telerreabilitação para pacientes após
artroplastia total do joelho (ATJ) em comparação com a reabilitação presencial.
Revela que com a tecnologia, supervisão remota para telerreabilitação
em domicílio, existe uma expectativa para os profissionais de saúde e
pacientes, para alcançar resultados semelhantes comparados para a reabilitação
presencial. A telerreabilitação deve ser aplicada
para aprimorar o acesso dos serviços de reabilitação para as comunidades, além
disso também existe benefício em relação de tempo e custo de serviços.
Verificou-se
que as voluntárias tabagistas apresentaram pior aderência. Esta observação
corrobora o estudo de Bruna-Barranco et al. [19] que teve como objetivo
avaliar a prevalência de abandono do medicamento e identificar preditores de
baixa adesão ao medicamento em pacientes, revelando diferença significativa que
o tabagismo estava dentro dos preditores que levam a baixa adesão ao tratamento.
Acreditamos que a autoestima está intimamente ligada à falta de adesão a
diversos tratamentos, induzido inclusive a autossabotagem. Infelizmente há um
número reduzido de pesquisas envolvendo esta temática e suas consequências
socioeconômicas e de saúde associadas. Sendo assim, seria valioso explorar os
fatores psicológicos subjacentes a esse comportamento. Afirma-se que as crenças
positivas sobre o fumo influenciam a autoestima [20]. Os autores avaliaram 445
participantes que relataram ser fumantes fixos ou ocasionais e aplicaram uma
série de questionários avaliando suas crenças e comportamentos envolvendo o
fumo. Assim como em nosso estudo, observou-se que comportamento de fumar parece
ocorrer principalmente entre indivíduos com baixa autoestima, justificando,
assim, a baixa aderência em nosso estudo.
O
tabagismo é maior entre os indivíduos com menor situação socioeconômica na
maioria dos países desenvolvidos. Em relação ao tratamento da farmacoterapia
precoce os pacientes com baixa situação socioeconômica são mais predispostos a
interromper do que aqueles que aderem ao tratamento [21].
Isto é, indivíduos
com mais poder aquisitivo possuem mais chances de cessar o tabagismo,
já nos
que não possuem tanto poder aquisitivo, nota-se aumento do uso
do tabagismo,
isso pode ocorrer devido ao não acesso à
informação, à educação e à
saúde [22].
Estudo
que fez a associação entre a prevalência do tabagismo e o perfil socioeconômico
de estudantes do ensino médio de uma cidade de Minas Gerais, Brasil, apontou que
70,69% dos estudantes que já fumaram pertenciam a um grupo familiar em que a
renda familiar era de 1 a 3 salários mínimos, já os alunos que possuíam renda
entre 7 e 9 salários apenas 5,17% tiveram contato com o tabaco, isso nos sugere
que indivíduos mais pobres fumam mais [23]. Além do poder aquisitivo, a baixa
escolaridade e déficit de autocuidado também possuem relação [24].
De acordo
com o Consenso de 2011 State-of-the-Science [11], a aderência aos tratamentos propostos
possui diferentes estratégias para o êxito destacando-se a abordagem
terapêutica provedora de mudança de comportamento a curto prazo para que se
obtenha a mesma conduta numa perspectiva de manutenção a longo prazo. Ainda, é
sugerido que três aspectos se façam determinantes para modificação do percurso
tais como: motivação, capacidade e oportunidade. Destaca-se que o profissional
que proporciona educação em saúde, treinamento de consciência corporal,
resolução de problemas autoaplicáveis, feedback, análises do desempenho, áudios
pré-gravados e estratégias conforme a individualidade de suas características
sociodemográficas possui resultados promissores durante esse processo
Ainda
dentro do contexto da adesão ao tratamento, este estudo identificou
significativa diferença entre as voluntárias da amostra, em relação à renda
salarial. O presente estudo evidenciou que houve menor adesão das pacientes de
classes sociais em que a renda mensal era inferior a 6 (seis) salários-mínimos.
O conceito aqui utilizado para classe social se apoia na visão governamental
das classes sociais, utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) no censo populacional, a cada 10 (dez) anos, que se baseia no
número de salários-mínimos recebidos. Trata-se de um critério de cálculo fácil
e objetivo, mas que leva somente em consideração o salário atual da pessoa,
ignorando eventuais conquistas e patrimônio. Mudanças repentinas de salário
para cima ou para baixo podem dar um viés ao resultado e torná-lo impróprio
para algumas finalidades.
Em uma
analogia entre Classe social X renda salarial, Carneiro descreve que a classe
social em um grupo de pessoas é percebida ou demonstrada por um status social
similar, que apesar de apresentar diversos aspectos, o aspecto econômico é,
destacadamente, o mais utilizado. Para o autor, é comum as pessoas confundirem
a classe social com renda salarial [25]. Em relação a esta questão, este estudo
mostrou que as pessoas das classes sociais mais baixas, não aderiram ao
tratamento. Também sobre esse tema, Pace et al. [26] evidenciaram que a
questão financeira pode ser uma das principais barreiras encontradas pelos
pacientes, durante o tratamento de doenças crônicas, já que com uma renda
melhor o paciente teria mais facilidade de fazer frente às despesas relacionadas
a ele, mesmo em se tratando de um tratamento gratuito, tais como transporte, e
disponibilidade entre outras coisas. Essa percepção é corroborada também por
Neri e Soares, que afirmam em seu estudo que ocorre uma “qualidade endógena”
entre saúde e renda mensal dos indivíduos. Para os autores, um rendimento
escasso leva a uma saúde mais comprometida, e a saúde precária leva a um
rendimento escasso. Indivíduos com mais necessidade de tratamento são os que
menos consomem recursos e técnicas para melhor manutenção da saúde [27]. Ainda
em concordância com esta questão, e com os achados deste trabalho, Tavares et
al. [28] lembram ainda que outros fatores podem estar relacionados com a não
adesão a um tratamento de saúde, dentre elas, os autores colocam que outros
aspectos se somam ao aspecto meramente financeiro, tais como, incapacidade do
paciente em efetivar uma relação adequada com o profissional da saúde,
percepção comprometida do tratamento em si, crenças religiosas, educação
repressora, crenças culturais, e crenças em mitos diversos, que perfazem o
cenário psicossocial de cada indivíduo. Para Machado [29], os fatores
socioeconômicos são os mais citados em publicações a respeito da não adesão de
pacientes com indicação a tratamentos, e coincidem com os achados do presente
estudo. O autor afirma ainda que quanto mais baixo for a classe social do
paciente, menor será sua capacidade de adesão a um tratamento proposto.
Tabela II – Classes sociais Vs. salário-mínimo
Fonte:
sidra.ibge.gov.br/Tabela/439 Acesso: 30 de novembro de 2020 11:35 AM
Há
pacientes que vivem em áreas remotas e sua logística e tempo despendido para
irem ao local do atendimento gera custo, interrupção de suas atividades
laborais e pode estar associado ao abandono. Assim, nos grupos presenciais,
notou-se maior aderência no grupo com App associado, possivelmente porque
estimulava a paciente ao autocuidado, aumentando a compreensão e engajamento ao
próprio atendimento presencial. O mesmo efeito foi observado no Grupo que foi
manejado com aplicativo exclusivo, pois com a possibilidade de realizar seus
exercícios em casa, os custos com deslocamento e lucro cessante para esta
atividade foram mitigados. O Grupo manejado apenas com a Folha de exercícios
impressa talvez tenha tido a pior aderência por não haver interatividade com a
ferramenta.
Desta
forma, inferimos que a presença do App na terapêutica trouxe um fator
motivacional que impacta a aderência das pacientes. O uso de aplicativos pode
ajudar a desenvolver a consciência quanto ao autocuidado e modificar a percepção
de sua qualidade de vida.
A análise
da aderência mostrou que mulheres de baixa renda com incontinência urinária têm
menor aderência quando tratadas de modo síncrono comparadas àquelas tratadas de
modo assíncrono. Também, o grupo de pacientes assistidos por aplicativo móvel
apresentou maior aderência que o grupo assistido por uma folha com lembretes
dos protocolos a serem treinados. Os fatores que mais representaram quebra na
aderência aos exercícios do assoalho pélvico foram o tabagismo e o alcoolismo,
de modo que para estes grupos de risco novas estratégias devem ser propostas.
Além disso, mulheres de estratos sociais mais baixos e pior renda salarial são
grupos de risco para pior aderência.
Fatores
como logística, a respeito de moradias remotas ao ambulatório onde é prestada a
terapia, além da necessidade de abandono do posto de trabalho, especialmente
horário comercial para realizar a terapia, devem ser levados em conta quando em
futuros estudos sobre a aderência de terapia física, uma vez que estes fatores
podem ter impactado sobre o resultado final do tratamento. A possibilidade de
realizar os exercícios em casa e em horário que não prejudique as tarefas
laborais e/ou domésticas pode representar aumento na aderência, uma vez que
alguns pacientes podem não estar aderindo não por falta de interesse no
tratamento, mas por dificuldades logísticas e de agenda.
Entretanto
a tríade composta por tabagismo, etilismo e baixa renda é comumente associada,
de modo que a correlação de cada um destes itens de forma isolada deve ser
interpretada com cautela. Possivelmente não seja o tabagismo ou etilismo em si
os associados à baixa aderência clínica, mas o conjunto social composto por
baixa renda, tabagismo e etilismo os formadores de um complexo que representa
um grupo de risco para esta baixa aderência.
Em países
como o Brasil grande parte da população está à margem dos serviços da
fisioterapia para o assoalho pélvico, mas os quase 52 milhões de pessoas que
compõem a classe D formam um mercado importante, que representa novas chances
de negócios
Neste
aspecto, a integração da tecnologia da informação para facilitação do acesso da
população de baixa renda a estes serviços pode ser um horizonte a ser
explorado.
Agradecimentos
Gostariamos de agradecer a todas as
pessoas que tornaram esta pesquisa possível: Universidade Federal do Paraná,
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
coordenadores, colegas de trabalho e principalmente aos pacientes.
Vinculação
acadêmica
Este
artigo é parte da Tese “O impacto do uso de aplicativos na aderência e
persistência ao tratamento de incontinência urinária feminina: estudo
longitudinal randomizado” do programa de Pós-graduação em Clínica Cirúrgica da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), como requisito à obtenção do título de
Mestre.
Conflitos
de interesse
Não há
conflito de interesse.
Fonte
de financiamento
Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho do estudo: Mueller CV, Fraga R; Coleta de dados: Mueller CV, Seleme MR, Latorre GFS; Análise e
interpretação dos dados: Mueller CV, Fraga R, Schreiner
M, Elaboração e revisão crítica do manuscrito: Mueller CV, Fraga R, Schreiner M; Aprovação da versão final do manuscrito:
Mueller CV, Fraga R