Fisioter Bras 2021;22(4):573-83

doi: 10.33233/fb.v22i4.4845

ARTIGO ORIGINAL

Análise de parâmetros de programa de treinamento e lesões em corredores amadores

Analysis of training program parameters and injuries of amateur runners

 

Michell Victor Quádrio Raposo*, Carlos Henrique de Oliveira Reis*, Welmo Alcantara Barbosa*, Carine Danielle Ferreira Costa Leite*, Eduardo José Cunha Barbosa**, Roberta Luksevicius Rica***, João Gustavo Alegretti**, Natália Mariana Silva Luna****, Aylton Figueira Junior**, Natalia Madalena Rinaldi*, Angelica Castilho Alonso**, Danilo Sales Bocalini*

 

*Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, **Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, ***Faculdade Estácio de Sá, Vitória, ES, ****Universidade Ibirapuera, São Paulo, SP

 

Recebido em 13 de julho de 2021; Aceito em 23 de agosto de 2021.

Correspondência: Michell V. Q. Raposo, Laboratório de Fisiologia e Bioquímica Experimental, Centro de Educação Física e Desporto, Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari, 514 Goiabeiras 29075-910 Vitória ES

 

Michell Victor Quádrio Raposo: michellr.sports@gmail.com

Carlos Henrique de Oliveira Reis: carloshenrique.or@gmail.com

Welmo Alcantara Barbosa: welmoalcantara@hotmail.com

Carine Danielle Ferreira Costa Leite: carinecleite@gmail.com

Eduardo José Cunha Barbosa: eduardojcbarbosa@gmail.com

Roberta Luksevicius Rica: robertarica@hotmail.com

João Gustavo Alegretti: gustavoallegretti@hotmail.com

Natália Mariana Silva Luna: nmsluna@gmail.com

Aylton Figueira Junior: dr.ayltonfigueira@bol.com.br

Natalia Madalena Rinaldi: natalia.rinaldi@ufes.br

Angelica Castilho Alonso: angelicacastilho@msn.com

Danilo Sales Bocalini: bocaliniht@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: A corrida de rua tem sido incentivada em função dos diferentes benefícios encontrados com a sua prática. Entretanto, ainda não está claro na literatura informações sobre programas de treinamento e lesões em praticantes entre homens e mulheres. Objetivo: Analisar e comparar os parâmetros dos programas de treinamento e a incidência de lesões entre praticantes de corrida. Métodos: O estudo transversal-retrospectivo avaliou corredores recreacionais da cidade de Vitória/ES. Os 56 voluntários (29 homens e 27 mulheres) responderam questões contendo características pessoais relacionadas a sua rotina e parâmetros de treinamento bem como lesões e ações preventivas. Resultados: Foi observado que 67,9% realizam algum tipo de treinamento preventivo para evitar lesões, 30,4% tiveram ao menos duas lesões nos últimos quatro anos, 26,8% tiveram lesões na região do joelho, 67,9% ficaram afastados pelo menos um mês por conta de lesões, 42,9% não têm queixa de dores atuais. Conclusão: Os resultados do estudo sugerem similaridade na prevalência de lesões entre corredores de ambos os sexos, bem como no programa de treinamento.

Palavras-chave: corrida; corredores; lesões; atividade física.

 

Abstract

Introduction: The running practice has been encouraged due to the several benefits. However, informations about injury prevention and training programs are still unclear between men and women. Objective: To compare the parameters of injury prevention actions and training program in men and women runners. Methods: This cross-sectional retrospective study evaluated recreational runners in the city of Vitória/ES. The 56 volunteers (29 men and 27 women) answered questions about personal characteristics related to their training routine and parameters such as: age, running time, training frequency, among others. Results: According to the data collected, we can observe that 67.9% perform some type of preventive training to avoid injuries, 30.4% had at least two injuries in the last four years, 26.8% had injuries in the knee region, 67.9% were absent for at least a month due to injuries, 42.9% do not complain of current pain. Conclusion: The results of the present study suggest a similarity in the prevalence of injuries among runners of both sexes, as well as in the training program.

Keywords: run; runners; injuries; physical activity.

 

Introdução

 

O ato de correr, entendido neste momento com atividade física, é uma atividade natural de baixo custo que ao longo da história se popularizou na sociedade contemporânea em função dos diferentes benefícios cardiometabólicos e psicológicos [1,2,3]. No Brasil, estima-se que existam aproximadamente 5 milhões de corredores amadores, com aumento anual constante, o que pode estar associado ao número de eventos de corrida e como desfecho a incidência de lesões em corredores [1] pela exposição às cargas de treinamento [4].

A realização de exercícios de maneira exaustiva, sem orientação/monitoramento ou mesmo a carga de treinamento inadequada, pode contribuir para aumento do número de lesões esportivas (LE) [5]. Ao avaliar 6.596 indivíduos, Macera [5] constatou uma frequência anual de lesões que varia entre 24 e 65%; 5,1% relataram algum tipo de lesão nos últimos 30 dias, com destaque a 46% dos homens e 15% das mulheres os quais referiram que as lesões estavam associadas a prática de exercícios ou esportes. A carência de levantamentos dos indicadores de lesões em corredores impede que intervenções sejam realizadas, em especial no controle e prevenção, o que poderia contribuir com o controle de treinamento nessa modalidade e auxiliar técnicos e praticantes a maior longevidade na prática da modalidade.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi analisar e comparar parâmetros dos programas de treinamento e prevalência de lesões de praticantes de corrida.

 

Métodos

 

Sujeitos

 

Após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de São Paulo (932/08) e assinatura do termo de consentimento e assentimento livre e esclarecido, 56 corredores de rua amadores de ambos os sexos (29 homens e 27 mulheres), todos da região metropolitana de Vitória/ES, com faixa etária variando entre 21 e 50 anos de idade participaram voluntariamente do estudo.

 

Procedimentos

 

Os indivíduos responderam espontaneamente questões que objetivaram caracterizar: sexo, massa corporal, estatura, faixa etária, tempo de prática de corrida rua, frequência semanal de treinos, distância média diária de treinos, volume diário de treinos em minutos, turno habitual de treinos, treino sob orientação profissional, periodização e monitoramento dos treinos, teste para obtenção de parâmetros de treinos, tipos de terreno de treino, tipo de pisada, técnica de contato com o solo, tipo de tênis utilizado e atividade paralela.

Quanto a prevenção, foram utilizadas questões que objetivou analisar o número e locais de lesões desde o início da prática da corrida, número e locais de lesões no último ano, percepção da causa da última lesão, necessidade de atendimento médico e medicamentos na última lesão, tempo de afastamento da corrida devido a última lesão, presença de dor após treinos atuais, presença de dor independente de treinar e se há alguma limitação para a prática de exercício físico.

 

Análise estatística

 

Os dados são apresentados considerando a frequência e prevalência. As diferenças entre os parâmetros entre homens e mulheres foram analisadas pelo teste qui quadrado com significância estatística estabelecida de p < 0,05 utilizando o software R.

 

Resultados

 

      Os indicadores demográficos e de treinamento dos corredores recreacionais de ambos os sexos, apresentados na tabela I, demonstraram que os indivíduos (41,1%) estão entre 41 e 50 anos, 71% treinam pelo menos 3 vezes na semana e 76% estão praticando corrida há pelo menos 3 anos. Em relação as distâncias diárias de treinamento, 57,1% percorrem entre 5 e 10 km. Já no que se refere ao período no qual esse treinamento ocorre, 58,9% dos praticantes preferem correr pela manhã. Não foi evidenciado associação significativa entre homens e mulheres considerando idade, tempo de corrida, frequências, distâncias e o período de treinamento.

 

Tabela I - Características de treinamento de corredores de ambos os sexos de Vitória/ES

 

F = frequência

 

Na tabela II são apresentados os parâmetros referentes a orientação profissional para organização do treinamento, avaliação da aptidão física, bem como o tipo de pisada dos sujeitos avaliados. Houve associação significativa a orientação à prática de exercícios. A análise de resíduos padronizados revelou que a maior parte dos homens participam de grupos de corrida (resíduo = 3,039). Análise de resíduos padronizados revelou que a maior parte das mulheres praticam exercícios sob a orientação por grupos de corrida (resíduo = 3,440) tendo sua periodização feita por estes grupos (resíduo = 2,501). Conforme demonstrado na tabela II, não foi evidenciada associação significativa entre os grupos considerando a existência e o tipo de monitoramento de treinamento, com a intensidade da corrida, com os tipos de terreno, da pisada, contato com o solo e o tipo de calçado.

 

Tabela II - Orientação profissional, avaliação de condicionamento e tipos de pisada de corredores de ambos os sexos de Vitória/ES

 

F = frequência

 

Os resultados apresentados na tabela III são referentes a parâmetros de envolvimento com ação preventiva, presença e local de lesões, busca por atendimento médico, uso de medicamentos, tempo de afastamento e dores atuais. Não foi encontrada associação significativa considerando envolvimento ações preventivas, lesões no último ano, local da lesão, busca por atendimento médico, uso de medicamentos, tempo de afastamento do treinamento decorrente da lesão e dores atuais, a prática de exercícios físicos e prevenção entre os homens e mulheres.

 

Tabela III - Lesões: prevenção, número, local, afastamento e dores atuais corredores de ambos os sexos de Vitória/ES

 

F = frequência

 

Discussão

 

A análise dos parâmetros de treinamento e prevalência de lesões de praticantes de corrida da região metropolitana de Vitória/ES demonstrou semelhança na maior parte das variáveis estudadas entre sexos. Contudo, é sugestivo que o grupo feminino receba orientação, faça mais controle da intensidade do treinamento e avaliação na prescrição do treinamento em relação aos homens, fato que pode se associar a um maior tempo de prática.

Kemler et al. [6] analisando a incidência de lesões de corredores recreacionais iniciantes e avançados observaram maior índice de lesões em praticantes iniciantes, 8,78 (8,59-8,96) vs. 4,24 (4,11-4,37) por 1000 horas de corrida. Cabe a observação que assim como nosso estudo, embora não significante estatisticamente, as mulheres tiveram destaque sendo 41,8% dos pesquisados. A região do joelho teve maior incidência (30,5%), relatada por corredores iniciantes e avançados [6] em comparação com nosso estudo que apresentou um total de 26,8% para a mesma região.

Outro ponto de observação entre os estudos foi o atendimento médico. No presente estudo, 51,8% dos praticantes receberam atendimento médico, enquanto no estudo de Kemler et al. [6] apenas 36,8% dos corredores apontaram ter recebido atendimento. Ainda que as metodologias aplicadas sejam diferentes, ao observar os números, fica claro que nos primeiros anos da prática da corrida, os corredores iniciantes e sem orientação especializada estão mais suscetíveis a lesões.

Os parâmetros de lesões nos praticantes que treinam com orientação profissional apresentaram menor prevalência comparados aos que treinam sem orientação. Nossos resultados corroboram Vitez et al. [7] que avaliaram corredores que possuíam ou não auxílio de profissionais na estruturação do treinamento, demonstrando que corredores sem orientação apresentaram maior probabilidade de lesão em 65%.

Como a maior prevalência das lesões foi na articulação do joelho (28%) em ambos os sexos, uma hipótese possível a se considerar é o impacto promovido pela corrida, em associação com a amplitude de passada, além de alterações da força de abdutores do quadril. Embora existam alguns estudos que investigaram lesões em corredores [7,8,9,10,11], juntos estes indicadores podem explicar esse achado, contudo mais estudos devem ser conduzidos visando analisar como estes parâmetros de fortalecimento da musculatura da articulação coxo-femural e do joelho podem melhorar a mecânica de corrida visando a prevenção de lesão.

Por outro lado, houve aumento na prevalência de lesões nos corredores com aumento das distâncias de treinamento, corroborando estudos anteriores [12,13] que definiram que o volume total de treinamento é um dos principais fatores extrínsecos associados às lesões por overuse. Os resultados deste estudo sugerem o aumento no número de lesões em distâncias percorridas acima de 32 km/dia de treinamento, o que corrobora outros estudos [14,15]. Com os achados é possível sugerir a existência de um limiar de corrida considerando o volume total semanal e a prevalência de lesões, contudo mais estudos devem ser conduzidos para confirmar essa hipótese.

O tempo de recuperação entre as sessões de treino também é considerado um parâmetro importante, visto que a recuperação curta pode estar associada a maior incidência de lesões bem como o monitoramento da carga de treinamento [16,17,18,19]. Martínez-Silvan et al. [18], avaliando indicadores de lesões em corredores adolescentes, observaram que o aumento semanal de mais de 20% no volume de treino acarretou aumento de lesões principalmente em membros. Em um estudo de revisão sistemática e meta-análise, Grandrou et al. [19] concluíram que o tempo de recuperação insuficiente entre os treinos pode causar fadiga acumulada reduzindo a capacidade de desempenho, e em casos extremos podendo evoluir para um overtraining, o que pode aumentar lesões. Portanto, as cargas de treinamento devem ser individualizadas, assim como o tempo de recuperação para um melhor equilíbrio e indução às adaptações esperadas.

Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo, como o tamanho amostral bem como a não realização de cálculos para melhor fundamentação dos nossos achados. Além disso, informações mais especificas sobre cargas de treinamento e uma melhor caracterização morfofuncional dos sujeitos. Portanto, generalizações dos nossos achados não são aconselhados.

 

Conclusão

 

Os resultados do presente estudo sugerem similaridade na prevalência de lesões entre corredores de ambos os sexos, bem como regime de treinamento, contudo, mais estudos devem ser conduzidos para confirmação desses dados e melhor compreensão de possíveis associações entre parâmetros de carga de treinamento e indicadores e frequência de lesões de corredores.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram não possuir conflito de interesse.

 

Referências

 

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