RELATO DE CASO

Efeitos do Método Pilates na fibromialgia

Effects of the Pilates Method in fibromyalgia

 

Alethéa Cury, Ft.*, Wouber Hérickson de Brito Vieira, Ft.**

 

*Pós-graduada em Especialização em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva – Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNIRN), **Professor Adjunto do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

 

Recebido em 2 de fevereiro de 2015; aceito em 12 de dezembro de 2015.

Endereço para correspondência: Wouber Herickson de Brito Vieira, Av. Senador Salgado Filho, 300, Campus Universitário Lagoa Nova 59072-970 Natal RN, E-mail: hericksonfisio@yahoo.com.br

 

Resumo

O relato de caso avaliou os efeitos do Método Pilates (MP) sobre o nível de dor, esforço, qualidade de vida e flexibilidade em uma paciente (63 anos), com diagnóstico de Fibromialgia de acordo com os critérios do Colégio Americano de Reumatologia. A paciente realizou exercícios no solo e nos aparelhos, durante 4 semanas, em um estúdio especializado para a prática deste método sob a orientação de uma fisioterapeuta certificada no MP. Nos momentos pré e pós-tratamento foi submetida aos seguintes protocolos de avaliação: ficha de avaliação fisioterapêutica para registro de dados pessoais, número de pontos dolorosos e índice miálgico; dolorimetria por meio da Escala Visual Analógica (EVA) e Algômetro de Fisher; questionário de impacto da Fibromialgia (FIQ), e nível de flexibilidade (Flexiteste adaptado). A intensidade e a progressão do treinamento tiveram como parâmetros: a percepção subjetiva de esforço (PSE) e a pressão arterial (PA). Os resultados apontaram melhora em todas as variáveis analisadas, com exceção da PA que permaneceu inalterada. Conclui-se que o MP é um tratamento alternativo para minimizar os efeitos deletérios da doença, porém são necessárias mais estudos para o melhor entendimento dos efeitos observados.

Palavras-chave: fibromialgia, exercício, qualidade de vida, fisioterapia.

 

Abstract

This case report evaluates the effects of the Pilates Method (MP) on the level of pain, fatigue, quality of life and flexibility in one patient (63 years old), diagnosed with fibromyalgia according to the criteria of the American College of Rheumatology. The patient performed exercises on the floor (Mat Pilates) and apparatus, during 4 weeks, under the control of a physical therapist certified in MP. At the beginning and end of treatment, the patient was submitted to the following evaluation protocols: physical therapy evaluation form, number of tender points and myalgic index; dolorimetry by Visual Analogue Scale (VAS) and Fisher algometer; Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), and level of flexibility (Flexitest adapted). The intensity and progression of training were assessed by the subjective perception of exertion (RPE) and blood pressure (BP). The results indicated an improvement in all variables except for BP remained unchanged. We conclude that the MP is an alternative treatment to minimize the deleterious effects of the disease but further research is needed to assess the effects observed.

Key-words: fibromyalgia, exercise, quality of life, physical therapy.

 

Introdução

 

A Fibromialgia (FM) é uma síndrome musculoesquelética não-inflamatória caracterizada por dor crônica e difusa, sensação de fadiga, sono não reparador, rigidez muscular matinal e alterações de humor, afetando principalmente a qualidade de vida desses indivíduos. A sua etiopatogenia permanece desconhecida e o acometimento ocorre principalmente no gênero feminino entre 35 e 50 anos. A sintomatologia é diversa e os exames laboratoriais geralmente apresentam-se normais. Isso contribui para um retardo no diagnóstico e, consequentemente, para uma maior associação aos fatores de natureza psicogênica ou psicossomática [1].

O diagnóstico é essencialmente clínico conforme proposto pelo Colégio Americano de Reumatologia e se dá pelos seguintes critérios: Primeiro, presença de dor musculoesquelética crônica e difusa e, segundo, baixo limiar de dor em 11 dos 18 pontos anatômicos específicos chamados tender points [2].

O tratamento tem como objetivo principal o controle da dor e a melhora na qualidade de vida [3]. Os programas de treinamento resistido e aeróbio em intensidade moderada desde que executados adequadamente, sem a exacerbação dos sintomas são estratégias de intervenção recomendadas [4]. Entretanto, apesar de não existir consenso na literatura sobre o melhor método e protocolo de exercícios para pacientes com fibromialgia, os exercícios de condicionamento físico supervisionados mostram-se os mais eficazes [5].

Mais recentemente, é sugerido o Método Pilates (MP), que consiste em exercícios realizados no solo (Mat Pilates), usando a resistência do próprio corpo do paciente, com ou sem acessórios, ou ainda nos aparelhos (Cadillac, Reformer, Chair), que possuem molas de diferentes coeficientes de deformação, através da resistência progressiva [6].

Portanto, o propósito do estudo foi analisar os efeitos do MP sobre o nível de dor, esforço, qualidade de vida e flexibilidade em uma paciente fibromiálgica.

 

Apresentação do caso

 

M.D.S., 63 anos, com diagnóstico clínico de fibromialgia, segundo os critérios do American College of Rheumatology [7]. Para ser inclusa no estudo, a voluntária, além de apresentar o diagnóstico clínico de fibromialgia, não poderia estar praticando alguma outra atividade física. A paciente seria excluída do estudo, caso apresentasse incapacidade de realizar os exercícios baseados no MP e assiduidade menor que 70% das sessões.

O estudo foi submetido ao Comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP-UFRN), com o parecer de aprovação (nº. 363/09). Em seguida, a voluntária assinou o Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), conforme resolução CNS 196/96. A paciente foi submetida a avaliações antes e após o tratamento. Inicialmente, foi aplicado o questionário de avaliação fisioterapêutico para colher os seguintes dados: anamnese, medida da pressão arterial, índice miálgico (IM) e número de pontos dolorosos (NPD). No exame físico, utilizou-se o Algômetro de pressão de Fischer e a Escala Visual Analógica (EVA) para registro do valor do limiar de dor da paciente. Em seguida, foi avaliado o índice de flexibilidade pelo Flexiteste e pela distância do 3º dedo-chão. Por fim, foi feita avaliação da capacidade funcional e qualidade de vida por meio da aplicação do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Todos esses procedimentos de avaliação foram realizados por uma fisioterapeuta com experiência na área.

O IM e o NPD foram registrados conforme recomendação de Araújo [8]. Para o primeiro, somam-se os valores encontrados nos 18 pontos dolorosos avaliados com algômetro de pressão de Fischer e divide-se o resultado por 18. Para o segundo, ao pressionar o algômetro contra os pontos dolorosos, é considerado ponto positivo quando o valor for menor que 4 kgf/cm2, inferindo que o limiar de dor é baixo.

A EVA consiste em uma régua dividida numa escala de 0 a 10, onde a numeração de 0 corresponde a dor de intensidade leve e aumenta gradativamente até 10, dor intensa. Esse instrumento permite o registro do limiar de dor do paciente em cada um dos pontos analisados.

O FIQ tem por objetivo avaliar a qualidade de vida especificamente em fibromiálgicos. Por ser um instrumento de fácil compreensão é bastante utilizado nos estudos, cuja validação já foi realizada para a versão brasileira [9]. Quanto maior o escore, maior é o impacto da fibromialgia na qualidade de vida.

O Flexiteste é um método que consiste na medida e avaliação da mobilidade passiva máxima de vinte movimentos articulares, conforme sugerido por Araújo [10]. O grau de flexibilidade é definido em uma escala que vai de zero (flexibilidade praticamente inexistente) a quatro (flexibilidade muito grande). O ponto máximo da amplitude de movimento é detectado pelos mapas de avaliação. Os valores do ponto máximo de cada movimento são somados e classificados pelo flexíndice.

A intensidade do esforço foi monitorada a cada exercício pela PA e pelo índice de percepção de esforço de Borg (PSE), já que esses recursos são constituídos de fatores como simplicidade, baixo custo operacional, pouco conhecimento específico, mínima instrução para a sua aplicação, e assim podendo evitar o risco aparente de lesão musculoesquelética presente em outras medidas [11].

As sessões foram realizadas em um estúdio de Pilates da cidade de Natal/RN. O tratamento teve duração de 4 semanas consecutivas, frequência de 2 vezes semanais, com duração de uma hora cada, assim divididos: 5 minutos de aquecimento, 25 minutos de Pilates no solo (Mat Pilates), 25 minutos de Pilates em aparelhos e 5 minutos de relaxamento. O volume do treinamento obedeceu à filosofia do MP, que rege apenas 1(uma) série de, no máximo, 10RM por exercício. Todas as intervenções foram realizadas pelo mesmo terapeuta.

Para análise dos dados foi utilizado o Teste t Student para a comparação dos momentos pré e pós-intervenção. Os dados foram expressos por meio de média e desvio-padrão. Foi considerado um p < 0,05 como significância estatística.

 

Resultados

 

Os dados do estudo mostram que não houve diferenças significativas no NPD e IM após o tratamento (p > 0,05).

Em relação à dolorimetria e sintomatologia dolorosa houve uma redução significante nos valores da sintomatologia determinados pela EVA após o tratamento (p = 0,00016), conforme ilustrado na tabela I.

 

Tabela IÍndice miálgico e sintomatologia dolorosa.

 

 

Houve uma melhora significativa na flexibilidade (p = 0,0479) e qualidade de vida após o período de tratamento (p = 0,010), conforme ilustrado na tabela II.

 

Tabela IIQualidade de Vida e flexibilidade pré e pós-tratamento.

 

*não se aplica o teste T student

 

Na PSE, a média ficou em 5,5 e o número de exercícios realizados por sessão foi de 11.

 

Discussão

 

Os resultados do estudo mostram que os exercícios de Pilates promovem efeitos positivos na flexibilidade, dor, qualidade de vida e condicionamento físico. Esses achados concordam com os encontrados por Altan [12] que aplicou o método em um grupo de mulheres portadoras de fibromialgia e verificou redução do nível de dor e melhora da qualidade de vida após doze semanas de tratamento. Tanto as atividades aeróbias como os exercícios de resistência muscular localizada já demonstram efeitos benéficos na fibromialgia, no que se refere ao controle da dor e depressão, bem como melhora da qualidade de vida [13]. O efeito benéfico no bem-estar desses pacientes submetidos a esses tipos de exercício pode ser decorrente de suas influências nos mecanismos neuroendocrinológicos da doença, como, por exemplo, o aumento sérico da serotonina [14,15]. Por conseguinte, no MP, os exercícios trabalham o corpo de forma global, podendo abranger mais de um plano de movimento e, portanto, sendo movimentos mais funcionais [16].

Outro aspecto importante observado por Altan [12], é que os exercícios são realizados de forma gradativa e não geram demasiada fadiga. As aulas são dinâmicas e diferenciadas, sendo um fator positivo para aumentar a adesão ao tratamento, encorajando os pacientes a participar desses programas de exercícios e melhorando sua qualidade de vida. Tal inferência também foi observada neste estudo, no qual a qualidade de vida teve melhora significante ao final das sessões (p = 0,010). De acordo com Andruskiene [17], a dor e os distúrbios do sono interferem diretamente na qualidade de vida, assim, pressupõe que a melhora desses dois aspectos gera consequente melhora nos valores observados no FIQ e, assim, diminui o impacto da fibromialgia na vida desses pacientes.

Em relação ao nível de esforço da paciente, os exercícios foram caracterizados entre “leve” e “moderado”. Segundo Valim [5], a intensidade e duração dos programas de exercícios para o tratamento da fibromialgia são bastante variadas, não existindo, pois, um consenso, apesar de os exercícios de cargas leve-moderada serem os mais recomendados e aceitos. Nesse sentido, a percepção subjetiva de esforço pode assumir uma posição importante em diferentes programas de treinamento tal como utilizado no estudo envolvendo o MP, como parâmetro para a prescrição e monitorização da intensidade em exercícios [18].

O estudo de Matsutani, Assumpção e Marques [19], realizado em um grupo de 19 fibromiálgicas, demonstrou que os exercícios de alongamento foram mais eficazes que os exercícios aeróbicos na dor, número de tender points, sono e depressão da FM. No presente estudo, a flexibilidade também apresentou ótimos índices, com nível de significância 0,0479 (p < 0,05). Provavelmente esses ganhos ocorreram porque os exercícios de Pilates são realizados em posturas que favorecem o alongamento. Corroboram essa afirmação os estudos de Neil [20], que também confirmam esses efeitos, quando o MP foi aplicado em 47 adultos, durante 8 semanas, e foi observado ganho na flexibilidade global dos participantes, nos exercícios realizados no solo e nos aparelhos, procedimento semelhante ao presente estudo.

 

Conclusão

 

Conclui-se que o tratamento da fibromialgia, por meio de exercícios do MP, é eficaz para minimizar os efeitos da dor, melhorar flexibilidade, qualidade de vida e condicionamento físico de pacientes fibromiálgicos. Sua metodologia pode favorecer a adesão de pacientes por se tratar de uma atividade de baixo impacto e que respeita os limites corporais dos praticantes, trabalhando de forma contínua sua consciência corporal, agindo de forma global no indivíduo.

Entretanto, o fato do estudo ser do tipo relato de caso, necessita que os efeitos do MP sejam observados em amostras maiores para comparação dessas variáveis, principalmente em relação à intensidade do treinamento, mensuração da sobrecarga e limite do nível de esforço desses pacientes.

 

Referências

 

  1. Cavalcante AB, Sauer JF, Chalot SD, Assumpção A, Lage LV, Matsutani LA et al. Prevalência da fibromialgia: uma revisão de literatura. Rev Bras Reumatol 2006;46(1):40-8.
  2. Sato E. Guia de medicina ambulatorial e hospitalar – Unifesp/Escola Paulista de Medicina. Reumatolgia. São Paulo: Manole; 2010.
  3. Marques AP, Ferreira EAG, Matsutani LA, Assumpção A, Capela CE, Pereira CAB et al. Efeito dos exercícios de alongamento na melhora da dor, flexibilidade e qualidade de vida em pacientes com fibromialgia. Fisioter Mov 2004;17(4):35-41.
  4. Andrade SC, Carvalho RFPP, Vilar MJ. Exercícios físicos para fibromialgia: alongamento muscular x condicionamento físico. Rev Bras Fisioter 2008;12(6):520-1.
  5. Valim V. Benefícios dos exercícios físicos na fibromialgia. Rev Bras Reumatol 2006;46(1)1:49-55.
  6. Camarão T. Pilates no Brasil: corpo e movimento. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004.
  7. Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL et al. The American College of Rheumatology. Criteria for the classification of fibromyalgia. Report of multicenter criteria committee. Rev Arthritis and Rheumatism 1990;33(2).
  8. Araújo RAT. Tratamento da dor na fibromialgia com acupuntura [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 2007.
  9. Marques AP, Santos AMB, Assumpção A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CAB et al. Validation of the Brazilian version of the fibromyalgia impact questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol 2006;46:24-31.
  10. Araújo CGS. Flexiteste: um método completo de avaliação da flexibilidade. São Paulo: Manole; 2005.
  11. Powers SK. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. São Paulo: Manole; 2009.
  12. Altan L, Korkmaz N, Bingol U, Gunay B. Effect of Pilates training on people with fibromyalgia syndrome: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil 2009;90(12):1938-8.
  13. Steffens RAK, Brandt R, Felipe JS, Andrade A. Exercícios físicos diminuem a dor, a depressão e melhoram a qualidade de vida de pessoas com fibromialgia. ConScientia e Saúde 2011;10(4):749-55.
  14. Cadenas-Sanchez C, Ruiz-Ruiz J. Efecto de un programa de actividad física en pacientes con fibromialgia: revision sistemática. Med Clin (Barc) 2013;2:548-53.
  15. Brazi1 AS, Paula AP, Diniz MFM, Almeida RN. Uso da terapia não farmacológica, medicina alternativa e complementar na fibromialgia. Artigo de Revisão. Rev Bras Reumatol 2011;51(3):269-82.
  16. Sacco ICN, Andrade MS, Souza PS, Nisiyama M, Cantuária AL, Maeda FYI, et al. Método Pilates em revista: aspectos biomecânicos de movimentos específicos para reestruturação postural – estudos de caso. Rev Bras Ciência Mov 2005;13(4):65-78.
  17. Andruskiene J, Varoneckas G, Martinkenas A, Grabauskas V. Factors associated with poor sleep and health-related quality of life. Medicina (Kaunas) 2008;44:240-6.
  18. Junior NKM. “Estado da arte” das escalas de percepção subjetiva de esforço. Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício 2013;7(39):293-308.
  19.  Matsutani LA, Assumpção A, Marques AP. Exercícios de alongamento muscular e aeróbico no tratamento da fibromialgia: estudo piloto. Fisioter Mov 2012;25(2):411-8.
  20. Neil A, Segal H, Jane B, Jeffrey R. The effects of Pilates training on flexibility and body composition: an observational study. Arch Phys Med Rehabil 85(12):1977-81.