RELATO
DE CASO
Efeitos
da participação em programa de atividade física para pessoas com a doença de
Alzheimer
Effects of physical activity program for people with
Alzheimer's disease
Ana Maria Santiago*,
Edilma de Souza*, Aline Maldonado*, Maraisa Rodrigues**, José Alexandre
Curiacos de Almeida Leme***
*Discente
do Curso de Educação Física, Unisalesiano-Lins/SP, **Docente do Curso de
Fisioterapia, Unisalesiano-Lins/SP, ***Docente do Curso de Fisioterapia,
Unisalesiano-Lins/SP, Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Motricidade, Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus Rio Claro/SP
Recebido em 19 de
fevereiro de 2015; aceito em 20 de fevereiro de 2016.
Endereço
de correspondência:
José Alexandre Curiacos de Almeida Leme, Centro Universitário Unisalesiano, Rua
Dom Bosco, 265, Lins SP, E-mail: zecuriacos@terra.com.br
Resumo
O envelhecimento
populacional tem causado aumento da prevalência de doenças senis como a Doença
de Alzheimer (DA). As atividades físicas podem amenizar o processo degenerativo
da DA. O presente estudo foi desenhado para investigar os efeitos da atividade
física em pessoas com DA no formato de estudo de caso. Para isso, participaram
deste estudo dois sujeitos do projeto de extensão Programa de atividade física
para pessoas com DA (Unisalesiano-Lins) que consiste em atividades físicas,
realizadas durante 1 hora, 3 vezes/semana. No
exercício agudo foi investigada a frequência cardíaca e pressão arterial antes,
durante e após a sessão. Previamente a entrada destes participantes no projeto
e após 4 meses de participação foram realizadas as
seguintes avaliações: massa corporal, estatura, minimental, flexibilidade e a
escala de equilíbrio funcional (Berg). Com os atendimentos demonstrou-se
aumento de 36% na frequência cardíaca e 15,2% na pressão arterial. Foram
encontradas alterações que apontam para possível melhoria nas funções
cognitivas (6,25%) e equilíbrio (3,1%). Com relação à flexibilidade, os
pacientes apresentaram resultados opostos de aumento (37,1%) e diminuição
(-3,6%). Pode ser concluído que a participação no programa apresentou
resultados satisfatórios de melhora ou manutenção das funções em aspectos
cognitivos e físicos.
Palavras-chave: doença de
Alzheimer, exercício físico, qualidade de vida.
Abstract
With the population ageing, the prevalence of diseases related to age,
like Alzheimer's disease (AD), are increasing. The
physical activity can decrease the degenerative process of AD. The present study
case was designed to investigate the effects of physical activity on patients
with AD. Two subjects participated in a physical activity program for people
with AD (Unisalesiano-Lins) consisting of physical
activity during 1 hour, 3 times/week. Heart rate and blood pressure were
measured before, during and after acute exercises. Prior to the beginning of
this program and after 4 months of participation, the following evaluations
were performed: weight, height, mini mental test, flexibility and Berg balance
scale. During the sessions, we observed heart rate (36%) and blood pressure
(15.2%) increase. It was found possible improvements in cognitive functions
(6.25%) and balance (3.1%). As regard to
Key-words: Alzheimer
disease, physical exercise, quality of life.
O envelhecimento
humano promove mudanças no organismo que podem resultar em alterações
funcionais. Dentre estas alterações, podem ser observadas modificações
morfológicas e moleculares no sistema nervoso central que culminam em prejuízos
cognitivos principalmente à memória e aprendizagem [1].
Este quadro de
envelhecimentopode afetar genes relacionados a doenças neurológicas em sentido
pró-doença, contribuindo para o desenvolvimento das demências senis, um
conjunto de transtornos neurológicos caracterizados por perda da função
cognitiva [2].
A demência senil com
maior prevalência é a Doença de Alzheimer (DA). Esta doença foi apresentada
para a comunidade científica pelo médico alemão Aloiz Alzheimer em 1906,
através do caso da Sra. August como uma doença peculiar do córtex cerebral [3].
Desde então, a DA é classificada como uma doença neurodegenerativa progressiva
que causa a morte de neurônios, principal e primeiramente na área do hipocampo,
nas regiões parietoccipitais e frontais, caracterizada por perda gradual das
funções cognitivas e distúrbios do comportamento [4]. Estudos moleculares têm
observado que a fisiopatologia da DA tem início em dois fatores: a formação
aumentada das proteínas beta amilóides que se unirão para formar as placas
senis e a hiperfosforilação das proteínas Tau que após enovelamento levam a
formação dos emaranhados neurofibrilares insolúveis. O acúmulo destas
substâncias levará a um quadro que promove o estresse oxidativo e leva à
inflamação local gerando degeneração e morte neuronal [5].
A prevalência da DA
está aumentando proporcionalmente à expectativa de vida e às mudanças no estilo
de vida contemporâneo. Assim, atualmente, cerca de 35,6 milhões de pessoas no
mundo sofram com essa doença [6].
A atividade física é
apresentada como uma proposta terapêutica interessante [7,8]. Estudos em
modelos animais têm demonstrado diversos benefícios da atividade física para o
quadro da DA como melhora na resposta no labirinto aquático de Morris, aumento do
fator neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF) e de fator de crescimento
semelhante à insulina (IGF), melhora no metabolismo da glicose, redução nas placas senis e emaranhados neurofibrilares [9-11].
A transição do
conhecimento gerado em modelos animais para os seres humanos deve ser muito
cuidadosa e baseada em evidências. Para contribuir nesse processo, o presente
estudo foi desenhado para investigar os efeitos de um programa de atividade
física para pessoas com DA no formato de estudo de caso.
O presente estudo é
uma pesquisa experimental no formato de relato de caso de dois participantes do
projeto de extensão “Programa de atividade física para pessoas com DA”,
realizado na Faculdade de Educação Física do Unisalesiano, Lins/SP.
Aspectos
éticos
O presente estudo foi
submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Unisalesiano
(Protocolo 36296314.8.0000.5379) e os responsáveis pelos participantes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes apresentaram
atestado de aptidão para prática de atividades físicas emitido por
cardiologista.
Características
dos sujeitos
Participaram do
estudo dois indivíduos com doença de Alzheimer grau leve sendo um participante
do gênero feminino e outro masculino, ambos moradores da cidade de Lins/SP. O
diagnóstico foi realizado por médico neurologista e tiveram recomendação médica
para participarem do programa. Desta forma, os sujeitos participaram de 4
meses de atividade no programa de atividade física. As
características dos sujeitos estão apresentadas na tabela
I.
Tabela
I – Características dos participantes.
Programa
de atividade física
A coleta foi
realizada no projeto de extensão, um programa de atendimento interdisciplinar
para pessoas com Alzheimer realizado pelas Faculdades de Educação Física,
Fisioterapia e Psicologia do Centro Universitário Unisalesiano. Por ser um
projeto piloto, foram aceitos por indicação médica após o diagnóstico, um
participante do gênero masculino e um participante do gênero feminino, com o
objetivo de investigar se o projeto estava coerente com as necessidades dos
participantes.
Este programa de
atendimento foi projetado, elaborado e desenvolvido seguindo o modelo do PROCDA
(UNESP - Rio Claro) [12,13], com algumas adaptações necessárias frente às
limitações encontradas. Consiste de atividades físicas
realizadas três vezes por semana, uma hora por dia no período da manhã (8-9
horas). As coletas foram realizadas previa e posteriormente ao período de 4 meses.
As atividades físicas
direcionadas aos pacientes com DA foram compostas de atividades aeróbias
(leves), resistidas e de flexibilidade como proposto para idosos pelo American College of Sports Medicine
[12].
Para estimar a
intensidade do exercício físico realizado em uma sessão, foram aferidas a
pressão arterial e a frequência cardíaca no início, após 25 minutos e ao final
de uma sessão. Para isso, os participantes permaneceram em repouso durante 15
minutos para a avaliação inicial. Foram utilizados esfigmomanômetro aneróide
(Premium®) e frequencimetro digital (Polar® A1).
Foram realizadas
tarefas duplas, solicitando ao indivíduo que realizasse mais de uma tarefa
simultaneamente. Tal combinação parece trazer bons resultados para pacientes
com demências [15].
Avaliações
As avaliações foram realizadas no
início do período experimental e após este período e foram repetidas ao final
de 4 meses.
Anamnese
As questões foram
respondidas pelos participantes e/ou pelo cuidador (familiar ou profissional
que acompanhou o participante). Tal avaliação consistiu das seguintes
informações:
1. Identificação do
participante: Informações pessoais como nome, idade, gênero, tempo de
diagnóstico de DA, fumante, ingestão de bebida e se
praticava algum tipo de atividade física.
2. Condições clínicas
gerais do participante: Foram anotadas as seguintes condições: se havia
realizado procedimento cirúrgico, se tinha outras patologias associadas e nomes
dos medicamentos em uso.
Determinação
do Índice de Massa Corporal (IMC)
O índice de massa
corporal é utilizado para avaliação da massa corporal, podendo ser o indivíduo
classificado como abaixo do peso, normal, sobrepeso ou obesidade dos indivíduos
[16]. O registro da massa corporal (balança digital Tanita®, modelo TBF-305) e estatura
(estadiômetro, Sanny® modelo analógico) foram realizados antes e após o período
experimental.
Exame
do Estado Mental Minimental (MEEM)
Segundo Folstein et al. [17], este instrumento é composto
por cinco categoriais: orientação temporal espacial, registro de três palavras,
atenção e cálculo, lembrança, linguagem. O Total do MEEM varia de 0 a 30
pontos, quanto menor o total maior o déficit cognitivo, quanto maior o total
menor o déficit cognitivo.
Teste
de sentar e alcançar de Wells
Para o avaliação da
flexibilidade foi utilizado o teste de sentar e alcançar (banco de Wells)
Escala
de Equilíbrio Funcional de Berg (EEFB)
Desenvolvido por Berg
[18], esta escala é composta por 14 itens envolvendo tarefas funcionais
específicas em diferentes situações e bases de apoio. Cada tarefa é subdividida
e pontuada de acordo com o grau de dificuldade. O escore total varia entre 0 e 56 pontos, quanto menor a pontuação maior risco de
quedas.
Resultados
do exercício agudo
Figura
1 - Pressão arterial e frequencia cardíaca dos
pacientes 1 e 2 coletadas no início, meio (25 minutos)
e final de uma sessão realizada na décima semana do período experimental.
Uma das dificuldades
para prescrever a atividade física às pessoas com a DA foi identificar a
intensidade do exercício realizado. No presente estudo, com relação à
frequência cardíaca, ao ser realizado o delta entre a coleta inicial (em
repouso) e ao final dos 50 minutos de sessão, foi encontrado um aumento na
frequência cardíaca do paciente 1 (40 bpm - 60%) e
paciente 2 (14 bpm - 12%). A pressão arterial apresentada na figura 2 também
teve aumento de 15,2% após a sessão para ambos.
Figura
2 - Pressão arterial e frequência cardíaca dos
pacientes 1 e 2 coletadas no início, meio (25 minutos)
e final de uma sessão realizada na décima semana do período experimental.
Resultados
do exercício crônico
As avaliações Berg
Balance e sentar e alcançar estãoapresentadas na figura 2 e envolveram coletas
realizadas antes e após 4 meses de treinamento. O
teste Berg Balance, muito utilizado para avaliação de alguns fatores,
particularmente o equilíbrio, conforme pode ser notado na figura, apresentou
suave aumento de 4,1% nos resultados do participante 1
e 2,2% no valores da participante 2. Com relação ao teste de sentar e alcançar,
utilizado para avaliar a flexibilidade, foi encontrado aumento nos valores de
37,1% no participante 1 e redução de 3,6% no paciente
2.
Figura
3 - Resultados das avaliações Berg Balance
(equilíbrio) e Sentar e alcançar (flexibilidade) dos pacientes 1 e 2 nas coletas antes (Pré) e após (Pós) o período
experimental.
O teste cognitivo
minimental revelou um sutil aumento em ambos os pacientes de 0,5 ponto para o
sujeito do gênero masculino e 0,5 ponto para a participante 2
(8,5%).
Figura 4 - Resultados do questionário Mini Mental
aplicado aos pacientes 1 e 2 nas coletas antes (1) e
após (2) o período experimental.
No início do programa
foram coletadas a massa e estatura corporais para o cálculo do IMC (índice de
massa corpórea) dos participantes (tabela I). O resultado do participante 1 foi de 24,1 kg/m2 peso ideal de acordo com a tabela de
IMC, o mesmo foi feito com o participante 2, o IMC foi de 20 kg/m2. No final do
período experimental o IMC do participante 1 se manteve enquanto os valores do
participante 2 reduziram para 19,1 kg/m2.
A prática de
atividade física orientada é recomendada para promover a saúde da população
[8,9]. Todavia, alguns quadros patológicos necessitam de estudos que possam
comprovar a eficiência e aprimorar as características para elaboração deste
programa. Com esse intuito, o presente estudo foi elaborado visando avaliar os
efeitos de um programa de atividade física em dois sujeitos de gêneros
diferentes.
Para elaboração de
programa de atividades físicas é necessário determinar a intensidade, frequência,
duração, tipo e progressão adequados para obter os benefícios desejados. O
envelhecimento aumenta o risco para o desenvolvimento da DA, juntamente com o
risco aumentado para demais patologias como cardiovasculares, metabólicas,
pulmonares ou neoplasias [19]. Portanto, a prescrição de exercícios para esta
população deve ser muito cuidadosa, em intensidade que reduza os riscos.
No presente estudo, a
intensidade do exercício foi aferida pela frequência cardíaca, sendo
considerada predominantemente leve a moderada. Poucos estudos investigaram
especificamente a intensidade do exercício físico para pessoas com a DA. Em
revisão da literatura, Yu e Kolanowski [20] apresentaram que a intensidade do
exercício deve ser moderada, predominantemente em torno de 65% da frequência
cardíaca máxima. Além disso, a pressão arterial média teve aumento de 2 mmHg durante a prática. Esse aumento é esperado, porém, em
situações de comorbidades, este aumento da pressão arterial pode elevar o risco
cardiovascular sendo necessário diminuir a intensidade do exercício [21].
Nos resultados
relacionados aos aspectos físicos e motores, houve melhora sutil no teste de
flexibilidade de ambos os pacientes, conforme pode ser observado na figura 2.
Tal melhora é muito interessante ao idoso, pois o envelhecimento é promotor de
aumento da cartilagem e tecidos, tendência à perda da elasticidade e
determinadas patologias como a artrite que podem reduzir a amplitude articular
[22].
Relacionado ao teste
de equilíbrio (Berg Balance) houve sutil aumento no participante 1, demonstrando uma possível melhora no equilíbrio (figura
2). A incidência de queda pode ser correlacionada com a idade de forma que
idosos têm um risco grande de queda, evento que pode trazer complicações
graves, até mesmo serem fatais [23]. Kato-Narito et al. [24] apresentaram que a progressão da DA é associada a um
declínio no equilíbrio, porém não está associado ao maior número de quedas.
Desta forma, a manutenção da capacidade de equilíbrio é adequada para evitar demais
prejuízos.
O minimental, teste
cognitivo realizado no presente estudo, é um questionário utilizado para exames
de demências e prejuízos cognitivos apresentado por Folstein et al. em 1975 [17], utilizado nas práticas clínicas e em pesquisas
científicas.
No presente estudo,
os participantes do projeto tiveram ligeiro aumento no minimental conforme
apresentado na figura 3. Um interessante estudo realizado por Winchester et al. [25] demonstrou que, após um ano, a
média de um grupo controle de pessoas com DA diminui significativamente
(diferença de 3,4), enquanto pessoas com DA que realizaram atividade física
aeróbia apresentaram estabilização do resultado do minimental. Resultado
semelhante foi encontrado também por Hernandez et al. [26] que demonstraram que a participação em projeto de
atividade física estabilizou a perda cognitiva de idosos com DA.
Estudos em modelos
animais vêm apresentando resultados semelhantes em situações que oferecem aos
animais estímulos cognitivos e físicos. Animais mantidos em ambiente
enriquecido, no qual existem estímulos cognitivos, físicos e sociais
apresentaram melhor resposta em testes cognitivos que pode ser explicada por
maior neurogênese no giro denteado, aumento de fatores de crescimento como o
fator neurotrófico derivado do encéfalo e o fator de crescimento semelhante à
insulina, aumento de fluxo sanguíneo, melhora no metabolismo da glicose e ação
de neurotransmissores [27-31]. Em modelos animais da DA, a manutenção em
ambiente enriquecido retarda alguns processos amenizando os prejuízos
cognitivos [32]. Estes resultados em modelos animais contribuem na compreensão
dos mecanismos que podem explicar a manutenção ou melhoria da resposta
cognitiva em pessoas com a Doença de Alzheimer em programas de atividade
física.
O presente estudo
verificou os efeitos de um programa de atividade física em pessoas com Doença
de Alzheimer na forma de um relato de caso. Através dos resultados obtidos
conclui-se que o programa de intervenção com atividades físicas pode apresentar
resultados satisfatórios levando em consideração o fato dos participantes
adquirirem melhora ou manutenção das funções após o período experimental nos
aspectos cognitivos e físicos.
A limitação de ser um
relato de caso não permite extrapolar estes resultados a toda população com a
DA leve, mas permite encontrar indícios de benefício a serem comprovados por
futuros estudos, realizados com o número maior de participantes que poderão
contribuir para reforçar estes achados e esclarecer, ainda mais, como promover
um tratamento não farmacológico para pessoas com a DA.