REVISÃO
Recursos
não farmacológicos: atuação da fisioterapia no trabalho de parto, uma revisão sistemática
Non pharmacological resources: physical therapy practice in labor, a
systematic review
Priscylla Helouyse
Melo Angelo, Ft.*, Karla Cristine Lopes Ribeiro, Ft.**, Luana Guedes Lins,
Ft.**, Alane Macatrão Pires de Holanda Araújo Rosendo***, Vanessa Patrícia
Soares de Sousa, Ft.****, Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral Micussi, D.Sc.*****
*Mestranda
em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Departamento de Fisioterapia, Natal/RN, **Graduada pelo curso de Fisioterapia
da Faculdade Estácio, Natal/RN, ***Especialista em Dermato-Funcional pela
Universidade potiguar (UnP), ****Doutoranda em
Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Departamento de Fisioterapia, Natal/RN, *****Professora do Departamento de
Fisioterapia e do programa de Pós-graduação em Fisioterapia, UFRN, Natal/RN
Recebido 19 de
fevereiro de 2015; aceito em 13 de agosto de 2015.
Endereço
para correspondência:
Priscylla Helouyse Melo Angelo, Av. Senador Salgado Filho, 3000, Campus
Universitário, Lagoa Nova, 59078-970 Natal RN, E-mail: priscylla_helo@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: O trabalho de parto
consiste em um evento único e complexo que envolve vários fatores
biopsicossociais. A dor experimentada na parturição é uma resposta fisiológica
e complexa aos estímulos sensoriais. Objetivo:
Realizar revisão sistemática sobre os efeitos dos recursos fisioterapêuticos
aplicados para o alívio da dor durante o trabalho de parto. Material e métodos: Foi realizada uma
revisão sistemática, buscando artigos nas bases de dados Scielo, Medline,
Bireme e Lilacs, com estudos publicados até 2014. Utilizaram-se os Descritores
em Ciências da Saúde (DeCS) ou sinônimos em português e inglês. Resultados: Foram encontrados 49 artigos
e selecionados 13 para análise. A mediana do nível de evidência PEDro foi 8. Foi encontrada uma variedade de intervenções:
massoterapia, TENS, exercícios na bola, banho de
imersão, exercícios respiratórios, acupuntura, deambulação, mobilidade e banho
de chuveiro. Conclusão: Os estudos
sugerem que as técnicas fisioterapêuticas investigadas, em sua maioria,
contribuíram de forma benéfica para alívio da dor das parturientes. No entanto,
alguns achados demonstraram resultados inconclusivos acerca da eficácia das
técnicas.
Palavras-chave: analgesia, salas de
parto, gestantes, massagem.
Abstract
Introduction: Labor consists of a unique and complex event that involves multiple
biopsychosocial factors. The pain experienced during labor is a complex and
physiological response to sensory stimuli. Objective:
To realize a systematic review about the effects of physical therapy resources
applied for pain relief during labor. Methods:
It was performed a systematic review searching articles in the Scielo, Medline, Bireme and Lilacs databases, published
until 2014. Results: Forty-nine
studies were found and thirteen were selected for analysis. The median PEDro score of evidence was 8. A variety of interventions
were found: massage therapy, TENS, ball exercises, immersion bath, breathing
exercises, acupuncture, ambulation, mobility and shower. Conclusion: Studies
suggest that physical therapy techniques researched contributed beneficially to
relieve pain of women in labor. However, some findings showed inconclusive
results about the effectiveness of the techniques.
Key-words: analgesia,
delivery rooms, pregnant women, massage.
A primeira fase do
trabalho de parto é marcada por contrações uterinas que permitem a dilatação
progressiva do colo, necessária para a passagem do feto. É um momento de
estresse emocional para a mulher tanto por se aproximar do nascimento do seu
filho como também pela dor vivenciada. A segunda fase do trabalho de parto
compreende o período expulsivo, que também pode ser um momento de estresse e
ansiedade para a parturiente [1].
Durante a primeira
fase do trabalho de parto, a dor é atribuída à distensão mecânica do segmento
inferior do útero com uma contribuição de dilatação da cérvix e da própria
contração muscular. Na segunda fase do trabalho de parto, a dor continua sendo
resultado da distensão do segmento inferior do útero e da cérvix, no entanto há
um incremento da dor pelo aumento da pressão no interior da pelve, sendo
geralmente descrita como aguda e localizada no períneo, ânus e reto, podendo
também ser sentida nas coxas e pernas [2].
A experiência da
mulher em relação à dor do parto é influenciada por muitos aspectos, dentre
eles o ambiente do parto, as suas experiências passadas de dor e fatores
psicossociais [3]. A dor experimentada no trabalho de parto é uma resposta
complexa, subjetiva e multidimensional aos estímulos sensoriais gerados neste
momento e não está associada a um processo patológico [4].
A dor do parto pode
ser intensificada pela ansiedade e se tornar uma experiência traumática. No
entanto, mesmo sendo evitável, ainda é frequentemente vivenciada pelas mulheres
no processo de parturição [5,6]. A presença do fisioterapeuta durante o
trabalho de parto pode contribuir para a redução das percepções dolorosas, do
medo e da ansiedade, além de poder proporcionar bem-estar físico à parturiente
[7]. No entanto, existe discordância em relação à efetividade de técnicas para
o alívio da dor do trabalho de parto [8].
Diante disso, este
trabalho tem como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura a
respeito dos efeitos dos recursos fisioterapêuticos aplicados para o alívio da
dor durante o trabalho de parto.
Foi realizada uma
revisão sistemática, sem metanálise. A busca bibliográfica foi conduzida nos
sites das bases de dados eletrônicas da saúde e bibliotecas virtuais: Scientific Electronic Library Online
(Scielo); National Library of Medicine
(Medline); Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme); Literatura Latino-americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), no período de agosto de 2012 a março
de 2014.
Para a busca dos
artigos foram Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) ou sinônimos em português
(Parturientes, Trabalho de Parto, Parturição, Fisioterapia e Analgesia) e seus
respectivos termos em inglês (Pregnant
Women; Labor; Parturition; Physical Therapy Specialty; Analgesia).
Utilizou-se o operador booleano AND para a combinação dos termos. Aplicaram-se
os seguintes critérios de inclusão: estudos publicados nos anos de 2000 a 2014;
nos idiomas português, inglês e espanhol; que apresentassem delineamento
metodológico de ensaio controlado aleatório ou quase-experimental.
Os critérios de exclusão: amostra não ser exclusivamente de parturientes; o
objetivo da intervenção não ser a dor durante o trabalho de parto; artigos com
aplicação de técnicas para gestantes com complicações obstétricas; ensaios
clínicos com nível de evidência PEDro abaixo de 5;
teses, monografias e dissertações.
A avaliação do nível
de evidência dos artigos selecionados foi realizada através da escala PEDro, a qual consiste em uma escala de 11 pontos, que tem o
objetivo de auxiliar na avaliação da qualidade metodológica dos ensaios
clínicos aleatórios. A sua pontuação final varia de 0 a 10 pontos [9].
A busca pelos artigos
foi realizada por dois revisores independentes, primeiramente pela leitura do
título e depois o resumo. Por último, foi realizada a leitura do artigo na
íntegra pelos dois revisores para a inclusão do artigo e classificação do nível
de evidência pela escala PEDro. Se houvesse
discordância, o artigo era avaliado por um terceiro revisor.
Na busca realizada
nas bases de dados foram selecionados 49 artigos, através da leitura do título
e resumo, dos quais 36 foram excluídos (duplicados, estudos observacionais, PEDRo abaixo de 5) e apenas13 alcançaram todos os critérios
de inclusão e exclusão. A mediana do nível de evidência da escala PEDro foi 8.
Houve uma grande
variabilidade em relação ao tipo de intervenções propostas nos estudos, sendo
identificados oito tipos de intervenções. De uma maneira geral, a maioria dos
estudos apontou que as técnicas proporcionaram um alívio na dor durante o
trabalho de parto, ao se comparar o nível de dor entre parturientes que
receberam a intervenção e o grupo controle, como também comparando o antes e o
depois da aplicação das técnicas. As características dos artigos selecionados
estão apresentadas na Tabela I.
Banho
de imersão
O estudo de Silva et al. [10] investigou os efeitos do banho
de imersão na dor. A intervenção consistiu em banho de imersão, realizado
durante a fase ativa do trabalho de parto. A temperatura da água era ajustada
para cada parturiente, mas a temperatura não excedia 38 graus Celsius. Os
escores do índice de dor no grupo experimental foi menor
do que no grupo controle, em uma escala comportamental (p < 0,001) e
numérica (p < 0,050). Os autores sugerem que o banho de imersão pode ser uma
alternativa para o alívio da dor durante o parto.
Mobilidade
Bio et al. [11] avaliaram a influência da
mobilidade da parturiente durante a fase ativa do trabalho de parto. Foram
dadas orientações de mobilidade corporal: posturas verticais, movimento
articular geral, mobilidade pélvica, relaxamento do períneo, coordenação do
diafragma e estímulo à propriocepção. No grupo experimental, nenhuma
parturiente fez uso de analgésicos durante a fase ativa, enquanto 62% do grupo
controle necessitaram de analgésico (p < 0,001). O estudo observou que as
posturas verticais e o movimento coordenado da pelve tiveram ação na analgesia
da dor. Os efeitos da deambulação foram observados por Frenea et al. [12]. Este estudo realizou
deambulação por pelo menos 15 minutos a cada hora ou 25% da duração do primeiro
estágio do trabalho de parto. Não encontraram diferença entre os grupos em
relação à dor, porém o uso de anestésico foi menor no grupo experimental
comparado ao grupo controle (p = 0,010). Os resultados apontam que a
deambulação durante o trabalho de parto pode ser vantajosa.
Exercícios
na bola
O trabalho de Gau et al. [13] realizou um programa de
exercícios na bola em diferentes posições. Foi requisitada a prática dos
exercícios em domicílio por pelo menos 20 minutos, três vezes por semana, por
um período de 6 a 8 semanas. Durante o trabalho de parto, a parturiente também
realizava exercícios com a bola. Houve diferenças significativas em relação à
dor entre os dois grupos, em 4 cm (p < 0,001) e 8
cm (p < 0,001) de dilatação cervical. O estudo de Leung et
al. [14] avaliou a eficácia de um programa de exercícios na bola no alívio da
dor. Realizaram os exercícios por 30 minutos, em grupo ou individualmente. A
dor diminuiu no grupo em fase latente, comparando-se o antes e o depois do
exercício (p < 0,001).
Estimulação
elétrica
No trabalho de Borup et al. [15], utilizando estimulação elétrica
nervosa transcutânea (TENS), foram colocados dois a quatro eletrodos na região
inferior das costas. A estimulação foi programada em modo contínuo,
inicialmente com uma largura de pulso de 60 microsegundos e 100 pulsos por
segundo, com intensidade ajustada pela parturiente ou parteira, de 20 a 45
minutos. Não houve diferença estatística em relação ao uso da técnica (p =
0,217), porém 34% das parturientes relataram algum alívio da dor. O trabalho de
Knobel et al. [16] teve o objetivo de avaliar a
eficácia da aplicação de dois tipos de eletrodos de superfície colocados na
região sacral: o modelo Silver Spike Point (SSP) e modelo placa. Verificou-se
uma diferença significativa no grupo de SSP em comparação com o grupo controle
aos 10 e 30 minutos da aplicação (p < 0,005 e p < 0,001, respectivamente)
e do grupo de eletrodos tipo “placa” em comparação ao controle aos 10 minutos
da aplicação (p < 0,040). O estudo de Orange et al. [17] investigou o efeito da estimulação elétrica transcutânea
para alívio da dor do trabalho de parto. O estímulo era gerado a uma frequência
de 90 Hz, duração de pulso de 90 ms e intensidade
ajustada a cada voluntária. Em relação à dor, não houve diferença significativa
entre os grupos (p = 0,860), durante todo o trabalho de parto, antes e depois
da instalação da analgesia combinada.
Acupuntura
Borup et al. [15] realizaram um estudo com três
grupos: intervenção com acupuntura, intervenção com TENS e grupo controle. Em
relação à acupuntura, 34 pontos específicos podiam ser usados. A duração de
aplicação da técnica podia variar de 30 minutos a duas horas. Não houve
diferença estatisticamente significativa em relação à dor(p
= 0,217), entretanto 59% das mulheres tiveram algum alívio da dor.
Massagem
No trabalho de Chang et al. [18] as parturientes recebiam
massagem direcional, razoavelmente firme e rítmica, com duração de 30 minutos,
compreendendo effleurage abdominal, pressão sacral e amassamento nos ombros e
nas costas. O grupo experimental apresentou escores mais baixos na escala de
manifestação de dor quando comparado ao controle nas três fases do trabalho de
parto: primeira e terceira fases (p = 0,000) e segunda fase (p = 0,002). Em
outro estudo [19], o grupo experimental recebeu massagem rítmica, ascendente,
com movimentos de amassar as mãos e deslizamento pela lateral do tronco, em
associação com pressão sacral, por 30 minutos. Na escala visual analógica de
intensidade de dor, o grupo experimental apresentou uma melhora na dor em uma
média de 17 mm (± 14), enquanto que o grupo controle apresentou uma intensidade
na dor de três milímetros (p < 0,050). Mortazavi et al. [20] realizaram massagem rítmica e firme nos ombros, costas,
deslizamento abdominal e pressão sacral, por 30 minutos, nas três fases do
trabalho de parto. O grupo de massagem apresentou menor estado de dor e de
ansiedade (p < 0,050).
Técnicas
de respiração
Almeida et al. [21] avaliaram os efeitos da
técnica de respiração e do relaxamento no alívio da dor e ansiedade em parturientes.
O protocolo proposto era diferente de acordo com as fases do trabalho de parto.
A técnica de relaxamento consistia na liberação de toda a musculatura corporal
associada à respiração total, nos intervalos das contrações uterinas. Em seus
resultados, não houve diferenças significativas entre os grupos na fase latente
(p = 0,210), ativa (p = 0,110) e de transição (p = 0,490).
Técnicas
combinadas
Um estudo [22] teve o
objetivo de avaliar a efetividade de Estratégias Não Farmacológicas (ENF) no
alívio da dor das parturientes. Eram aplicadas estratégias em conjunto
(exercícios respiratórios, relaxamento muscular e massagem lombossacra) e
isoladas (deambulação e banho de chuveiro). Os resultados mostraram que quando
as três ENF (exercícios respiratórios, relaxamento muscular e massagem
lombossacra) foram aplicadas em conjunto houve diferença significativa no
alívio da dor nos três momentos de dilatação cervical (p < 0,050).
Tabela
I – Características dos artigos selecionados. (ver anexo em PDF)
A dor no parto é uma
experiência subjetiva e complexa e que varia de indivíduo para indivíduo [23].
Esta revisão mostra que os recursos não farmacológicos, disponíveis para
utilização dos fisioterapeutas, para alívio da dor da parturiente não tem sua
eficácia bem estabelecida, apesar da importância do tema.
Mello et al. [24] realizaram uma revisão
sistemática e considerou inconclusivos os efeitos da TENS no controle da dor do
parto quando comparado ao do grupo placebo, os autores ainda ressaltam a
existência de uma baixa qualidade metodológica na maioria dos estudos
incluídos. Fato semelhante ao encontrado na presente revisão, na qual os três
estudos que avaliaram os efeitos da TENS no alívio da dor da parturiente não
obtiveram resultados consistentes. Este recurso é amplamente utilizado no
alívio da dor em situações clínicas, em diferentes tipos de patologias, como um
estudo [25] sugeriu que a TENS é eficaz no alívio da dor em paciente com dor
lombar. Em um dos estudos incluídos nesta revisão [16], mais de 50% das
mulheres referiram incômodo com a utilização do tipo de eletrodo Silver Spike
Points e 25% com eletrodo do tipo placa. Por outro lado, 34% das parturientes
podem sentir algum alívio da dor [15].
É visto na literatura
que as estratégias não farmacológicas (ENF) combinadas como exercícios
respiratórios, relaxamento muscular e massagem lombossacra são efetivas no
alívio da dor, na fase ativa do trabalho de parto (p < 0,050) [22]. Em
contrapartida, outro estudo com o uso de intervenções de relaxamento e
exercícios respiratórios não reduziu a dor durante as fases do trabalho de
parto: fase ativa (p = 0.11); fase latente (p = 0,210); fase de transição (p =
0,490) [21]. O trabalho de Frenea et al. [12],
incluído nesta revisão, mostrou que a deambulação com analgesia epidural não
alterou a dor durante o trabalho de parto. A revisão sistemática de Souza et al. [26] sugere que o incentivo da
adoção de uma posição vertical e da deambulação durante a primeira fase do
trabalho de parto pode reduzir a sua duração.
Chang et al. [27]. Seus achados demonstraram que
a massoterapia foi eficaz na redução da dor nas três fases do trabalho de
parto: primeira fase e terceira fases (p = 0,000) e segunda fase (p = 0,002).
No entanto, outro estudo refere que a massagem pode não alterar as
características e localização da dor [19].
As abordagens não
farmacológicas para o alívio da dor durante o parto podem proporcionar
benefícios significativos para as parturientes e seus bebês [28]. Exercícios na
bola podem ser um recurso alternativo para diminuição
da dor nesse momento. O estudo de Gau et al. [13]
realizou um programa de exercícios na bola e encontrou diferenças
significativas em relação à dor, em quatro e oito centímetros (p < 0,001) de
dilatação cervical. Leung et al. [14] encontraram um grau de redução
de dor estatisticamente significante (p < 0,001), também com a realização de
um programa de exercícios na bola. O banho de imersão também foi um método
avaliado no trabalho de Silva et al. [10] e
mostrou ser uma opção para o alívio da dor (p < 0,050).
Algumas limitações
inerentes à metodologia podem ser identificadas neste estudo, como a restrição
nas bases de dados e na escolha dos idiomas.
Os estudos sugerem
que as técnicas fisioterapêuticas investigadas, em sua maioria, contribuíram de
forma benéfica para alívio da dor das parturientes como o banho de imersão,
exercícios na bola e de mobilidade e massagem. No entanto, alguns achados
demonstraram resultados inconclusivos acerca da eficácia de técnicas como a TENS, acupuntura, deambulação e exercícios para respiração.