REVISÃO
A
utilização do insuflador-exsuflador mecânico como técnica de higiene brônquica
em pacientes críticos
The use of mechanical insufflation-exsufflation
as bronchial hygiene technique in critical patients
William Maia Coutinho*,
Alexandre Simões Dias, Ft., D.Sc.**, Luiz Alberto
Forgiarini Junior, Ft., D.Sc.***
*Acadêmico
de fisioterapia do Centro Universitário Metodista (IPA),
**Docente do Programa
de Pós-Graduação em Ciências do Movimento
Humano e Ciências Pneumológicas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, ***Docente
do
Programa de Pós-Graduação em
Reabilitação e Inclusão e Programa de
Pós-graduação em Biociências e
Reabilitação, Centro Universitário Metodista
–
IPA, Porto Alegre/RS
Recebido em 18 de
março de 2015; aceito em 22 de fevereiro de 2016.
Endereço
de correspondência:
Luiz Alberto Forgiarini Junior, Rua Coronel Joaquim Pedro Salgado, 80 Rio
Branco 90420-060 Porto Alegre RS, E-mail: forgiarini.luiz@gmail.com
Resumo
Introdução: O desenvolvimento
de equipamentos com o objetivo de auxiliar a manutenção da higiene das vias
aéreas de doentes hospitalizados proporcionou uma alternativa terapêutica para
doentes com tosse ineficaz, seja pela utilização de via aérea artificial ou por
incapacidade. O insuflador-exsuflador mecânico objetiva auxiliar na higiene das
vias aéreas em pacientes com tosse inefetiva. Este equipamento pode ser
benéfico em pacientes intubados, traquestomizados ou incapazes de realizar
tosse efetiva. Objetivo: Descrever, através
de uma revisão da literatura, os benefícios da utilização de
insuflador-exsuflador mecânico em pacientes críticos, seja através da
utilização de suporte ventilatório ou não, assim como os principais desfechos
clínicos encontrados nesta população. Material
e métodos: Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados Lilacs, Medline,
Pubmed. Resultados: Foram identificados 23 artigos abordando a utilização do
insuflador-exsuflador mecânico e a sua eficácia na higiene brônquica. Conclusão: Diversos estudos abordaram
que este equipamento aprimora a higiene brônquica de pacientes com e sem
suporte ventilatório invasivo, demonstrando ser uma estratégia segura e viável.
Palavras-chave: ventilação
artificial, tosse, secreção, depuração mucociliar, pico de fluxo expiratório.
Abstract
Introduction: The development of devices aiming at assisting airway clearance in
hospitalized patients provided a therapeutic alternative for patients with
ineffective cough by the use of artificial airway or disability. The mechanical
insufflation-exsufflation is designed to assist
airway clearance in patients with ineffective cough. The device may benefit
intubated patients, tracheostomized or those who are
unable to perform effective cough. Objective:
To describe, through a literature review, the benefits of using mechanical
insufflation-exsufflation in critically ill patients,
either using ventilation support or not, as well as the main clinical outcomes
found in this population. Method: The
research was conducted in Lilacs, Medline, Pubmed
databases. Results: We identified 23 articles covering the use of mechanical
blower-exsufflator and its effectiveness in bronchial
hygiene. Conclusion: Many studies
reported that this device improves bronchial hygiene of patients with and
without invasive ventilation support, proving to be safe and viable.
Key-words: respiration
artificial, cough, secretion, mucociliary clearance,
peak expiratory flow rate.
A tosse é um
mecanismo importante para remover o excesso de secreções ou corpos estranhos
das vias aéreas, principalmente em indivíduos com doença intrínseca na via
aérea, como más formações congênitas e neoplasias, ou músculos respiratórios
enfraquecidos. Isso é comum em pacientes com doenças neuromusculares devido a
desordens musculares secundárias, associadas ou não a deformidades da caixa
torácica [1-3]. Quando o mecanismo da tosse está comprometido, alternativas
terapêuticas que auxiliem ou substituam este mecanismo devem ser avaliadas e
utilizadas nesta população [4].
Pacientes ventilados
mecanicamente apresentam déficit na desobstrução das vias aéreas devido à
presença da via aérea artificial. O tubo endotraqueal evita o fechamento da
glote, sendo este essencial para a eficácia do mecanismo de tosse, que protege
o trato respiratório contra possíveis infecções [1,5]. O cuidado com esse tipo
de paciente inclui a sucção aplicada através do tubo endotraqueal, que mantém a
higiene de apenas uma pequena porção da via aérea. Esse procedimento é pouco
eficaz e deixa o paciente dependente da higiene através dos batimentos
mucociliares ao invés do mecanismo da tosse [6,7].
Pneumonia associada à
ventilação mecânica é extremamente comum em unidades de terapia intensiva
(UTI), ocorrendo em mais de 27% dos pacientes [8], e também ao aumento do tempo
de ventilação mecânica e consequentemente, aumento do tempo de internação. Em
pacientes com fraqueza muscular decorrentes de doenças neuromusculares, são
comuns internações hospitalares causadas por infecção do trato respiratório.
Esse tipo de paciente pode ter a tosse debilitada e o pico de fluxo de tosse
(PCF) reduzido [7].
Durante as duas
últimas décadas, as técnicas de higiene brônquica têm despertado maior
interesse no âmbito científico [9]. Entretanto, há uma carência de estudos que
evidenciam a superioridade de alguns métodos em relação a outros quando se
trata de higiene brônquica [10]. Novas tecnologias e técnicas avançadas têm
sido desenvolvidas para uma remoção mais efetiva de secreções em pacientes com
distúrbios respiratórios, dentre elas o equipamento de insuflação-exsuflação
mecânica (IE-M). Este equipamento é descrito como uma técnica eficiente para a
remoção de secreções em pacientes com fraqueza muscular crônica, como
portadores de doenças neuromusculares [11-13]. Trata-se da aplicação de pressão
positiva seguida de pressão negativa na via aérea, cujo principal objetivo é
aumentar o fluxo expiratório para deslocar a secreção em direção à glote,
facilitando a sua remoção [1,5,10-16].
O IE-M associado à
ventilação mecânica não invasiva (VNI) vem oferecendo assistência na higiene
brônquica durante as sessões de fisioterapia [13,14,17],
sendo utilizado em pacientes de diferentes faixas etárias. Este equipamento
pode ser aplicado de maneira não invasiva através de uma máscara facial, por
exemplo, a qual não irá gerar a tosse e sim auxiliar este mecanismo. Desta
forma será necessária a participação ativa do paciente que, embora
enfraquecido, deverá realizar a manobra de tosse para o fechamento da glote;
nesse caso o aparelho amplificará a tosse. Já quando conectado em uma interface
invasiva, a participação do paciente não é necessária e, nesse caso, o
equipamento irá simular a tosse, inclusive em pacientes inconscientes e sedados
[9].
Sendo assim, o
objetivo da presente revisão de literatura foi descrever os benefícios da
utilização do IE-M em pacientes críticos, bem como os principais desfechos
clínicos evidenciados nesta população.
Foi realizada uma revisão
da literatura nas bases de dados Lilacs, Medline, Pubmed. O período considerado
compreendeu desde o ano de 1993 até 2013. Usaram-se termos como: respiration artificial, cough, secretion,
mucociliary clearance, peak expiratory flow rate. Os estudos selecionados
abordavam o tema insuflação-exsuflação mecânica e sua efetividade na higiene
brônquica.
Resultados
Foram identificados
28 artigos na revisão realizada. Após a análise destes, constatou-se que 17
estudos abordavam o tema Insuflação-Exsuflação Mecânica como técnica de higiene
brônquica. Estes foram, então, selecionados e estão apresentados no Quadro 1. O tamanho amostral variou entre 11 e 105 sujeitos, de
ambos os gêneros, com me?dia de idade variando entre
21 e 64 anos, submetidos a? utilização do
insuflador-exsuflador mecânico para higiene brônquica.
Quadro
1 – Estudos clínicos analisando a utilização do
insuflador-exsuflador mecânico (ver anexo em PDF)
Em pacientes
ventilados mecanicamente, a retenção de secreção, juntamente com alterações
como hipoxemia, acidose respiratória e baixo trabalho respiratório, contribui
consideravelmente para a falha na extubação, além de dificultar a evolução para
o desmame [26]. Insucesso na extubação aumenta a mortalidade em pacientes nas UTI
e prolonga o tempo em ventilação mecânica e o tempo de internação.
Doenças
neuromusculares crônicas e progressivas podem resultar em diferentes níveis de
insuficiência ventilatória, atelectasia e insuficiência da tosse. Essas
sequelas respiratórias podem predispor esse tipo de paciente a complicações
associadas a infecções do trato respiratório [27].
Segundo Homnick [5],
a tosse é o principal componente da limpeza das vias aéreas. De acordo com
Porot e Guérin [25], a eficácia da tosse está relacionada ao pico de fluxo da
mesma. O aumento da eficácia da tosse com a utilização de equipamentos
mecânicos é a principal meta terapêutica adotada em várias condições clínicas
onde este mecanismo encontra-se debilitado, como em doentes neuromusculares
crônicos ou doentes críticos com polineuropatia [25]. A otimização
do pico de fluxo expiratório (PEF) que pode ser proporcionada por estes
aparelhos geralmente é o motivo para a sua utilização nos tratamentos
[5,11-14].
Na França, o
insuflador-exsuflador mecânico é o equipamento de referência para o
aprimoramento da tosse [25]. Algumas complicações como distensão abdominal,
agravamento do refluxo gastroesofágico, hemoptise, desconforto torácico e
abdominal, efeitos cardiovasculares agudos e pneumotórax podem surgir com a
utilização do IE-M, bem como qualquer equipamento de pressão positiva. Contudo,
raramente são encontrados na literatura [5].
Sancho [19] comparou
os efeitos da utilização do IE-M com os da aspiração traqueal em 6 pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica ventilados
mecanicamente através de traqueostomia. O IE-M foi utilizado com pressões
ajustadas em +40/-40 cm H2O. O referido autor analisou a saturação
de oxigênio, o pico de pressão inspiratório, a pressão média da via aérea, o
trabalho ventilatório realizado pelo ventilador e o volume de secreção
coletada, não encontrando diferenças significativas em nenhuma das variáveis. A
não observância de valores significativos neste estudo pode estar relacionada
ao tamanho reduzido da amostra.
Gonçalves et al. [24] utilizaram o IE-M em 75
pacientes recém extubados e com diagnósticos de doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC), insuficiência cardíaca congestiva, pós-operatório (PO) de
cirurgia torácica, trauma torácico e sepse. O objetivo foi avaliar a eficácia
deste equipamento na prevenção da re-intubação desses pacientes, sendo o mesmo
ajustado com pressões de +40/-40 cm H2O. O resultado obtido pelo
autor foi significativamente positivo, com uma taxa de re-intubação de 17% no
grupo estudo em relação ao grupo controle, com taxa de 48%.
Chatwin e Simonds
[13] compararam sessões de fisioterapia com e sem a adição do IE-M, o qual foi
ajustado com pressões de +20/-20 cm H2O, em 8pacientes
com doença neuromuscular, cujos diagnósticos variavam
entre distrofia
muscular de Duchene e atrofia muscular espinhal tipo II; os mesmos
recebiam
suporte ventilatório não invasivo. Os autores analisaram
a saturação de
oxigênio, o dióxido de carbono transcutâneo e a
satisfação dos pacientes,
através da escala visual analógica (EVA). Os resultados
obtidos através da EVA
evidenciaram que a sensação de presença de
secreção diminuiu após a realização
dos dois procedimentos e que o escore de fadiga após o
tratamento foi maior
quando utilizado o IE-M. Evidenciaram, ainda, que o tempo de tratamento
foi
menor, no grupo que utilizou o equipamento.
Sancho et al. [23] observaram em seu estudo que o
IE-M, o qual foi ajustado com pressões de +40/-40 cm H2O, não gerou
maior PCF quando comparado com a tosse manualmente assistida em pacientes com Esclerose
Lateral Amiotrófica e pequeno dano na função pulmonar (PCF> 4 L/s).
Entretanto, aumentou significativamente o PCF em pacientes com e sem disfunção
bulbar, exceto os com disfunção bulbar que possuíam PCF < 2,7 L/s,
provavelmente devido a um colapso dinâmico das vias aéreas superiores durante a
exsuflação. É possível que pacientes que possuam PCF muito baixos não se
beneficiem com este equipamento, pois, embora ele gere aumento nessa variável,
o fluxo gerado ainda poderá ser insuficiente para deslocar secreções antes do
colapso da via aérea. Em sua fase de exsuflação, o IE-M aplica somente pressão
negativa no interior da via aérea, o que pode facilitar o colapso precoce da
mesma, já que o ponto de igual pressão (PIP) se encontrará na região mais periférica
da via, e não na porção central, como quando se oferece pressão positiva
durante a fase expiratória através de outras técnicas.
Chatwin et al. [11] observaram, em seu estudo com
22 pacientes com doença neuromuscular (distrofia muscular de Duchenne, atrofia
muscular espinhal e poliomielite), que o valor do PCF de tosse foi maior com a
utilização do IE-M (+15/-15 cm H2O), quando comparado com o gerado em manobras
de tosse associadas à VNI e à assistência expiratória manual nas sessões de
fisioterapia. Da mesma forma, Bach [24], em um dos primeiros estudos sobre a
utilização do IE-M, aplicou esse equipamento em 21 pacientes que recebiam
suporte ventilatório não invasivo, cujos diagnósticos também variavam entre
poliomielite, distrofia muscular de Duchenne, lesão na medula espinhal e
miastenia grave. O autor comparou o PCF gerado pelo aparelho com o gerado pela
tosse manualmente assistida, e obteve valores significativamente superiores com
o IE-M.
Crew et al. [21], em seu estudo de coorte
retrospectivo com 40 pacientes tetraplégicos, não observaram diferença entre as
taxas de hospitalização desses pacientes antes e após a utilização do IE-M.
Guérin et al. [22] e Bourdin
et al. [23] observaram que, ao aplicar o IE-M
com pressões variando entre +30/-30 e +50/-50 cm H2O em simuladores pulmonares,
o pico de fluxo expiratório ficou prejudicado na presença de via aérea
artificial (tubo endotraqueal e cânula da traqueostomia).
Clinicamente, os
estudos demonstram que a utilização do IE-M é uma boa alternativa para o
aumento da eficácia da tosse através do aumento do fluxo expiratório e
consequente aprimoramento da higiene brônquica. Entretanto, cabe ressaltar que
a maneira mais direta de verificar a eficácia de uma técnica de higiene
brônquica é quantificar o volume de secreção removido pela mesma, o que não foi
observado na maioria dos estudos apresentados.
O nível de evidência
sobre a eficácia do IE-M é considerado baixo (nível C) para recomendar o seu
uso em pacientes com tosse ineficaz. Sobretudo, o alto custo deste equipamento
também priva muitos centros de reabilitação e hospitais de possuírem o mesmo
devido à limitação de recursos financeiros [28]. Entretanto, faz-se necessário
o desenvolvimento de novos estudos com diferentes protocolos e tamanhos de
amostra, para que seja possível evidenciar a superioridade do
insuflador-exsuflador mecânico sobre outras técnicas de higiene brônquica ou a
sua eficácia como técnica isolada.
A análise metodológica
realizada neste estudo demonstrou que vários trabalhos abordam o efeito do
insuflador-exsuflador mecânico no aprimoramento da higiene brônquica de
pacientes com doenças neuromusculares e fraqueza muscular respiratória, estando
os mesmos submetidos ou não à ventilação mecânica. O aumento do fluxo
expiratório gerado pela rápida negativação da pressão, durante a segunda fase
do ciclo deste aparelho, colabora efetivamente para a remoção de secreção. Este
equipamento demonstrou ser uma estratégia segura e viável quando utilizada na
prevenção de complicações pulmonares, tais como retenção de secreção e
pneumonia. O aparelho mostrou-se, ainda, eficiente no aprimoramento da mecânica
respiratória. Tendo em vista os perfis dos pacientes abordados nos estudos
relacionados nesta pesquisa, faz-se necessária a realização de outras pesquisas
utilizando o insuflador-exsuflador mecânico em pacientes submetidos à
ventilação mecânica.