Fisioter Bras 2021;22(6):850-58

doi: 10.33233/fb.v22i6.4907

ARTIGO ORIGINAL

Caracterização do perfil epidemiológico de pacientes com esclerose múltipla internados em hospitais públicos do Pará entre janeiro de 2008 e dezembro de 2018

Epidemiological profile of patients with multiple sclerosis hospitalized in public hospitals in Pará from January 2008 to December 2018

 

Cristina Maria da Silva, Ft.*, Camilo Carvalho Gomes, Ft.**, Samara Ferreira Santis, Ft.***, William Rafael Almeida Moraes, Ft.M.Sc.****

 

*Fisioterapeuta no Hospital e Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, **Fisioterapeuta na Benemerita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará Hospital D Luiz I, ***Fisioterapeuta no Hospital Público Estadual Galileu, ****Fisioterapeuta da Marinha do Brasil

 

Recebido em 1 de setembro de 2021; aceito em 9 de dezembro de 2021.

Correspondência: Cristina Maria da Silva, Trav. sn um, 158 D, Conj. Cidade Nova I, 67130-630 Ananindeua PA

 

Cristina Maria da Silva: cristinna.ms@gmail.com, 

Camilo Carvalho Gomes:camilocarvalho1209@hotmail.com 

Samara Ferreira Santis: samara_santis@hotmail.com 

William Rafael Almeida Moraes: willmoraes@outlook.com 

 

Resumo

Introdução: A esclerose múltipla é uma doença inflamatória, desmielinizante, progressiva e sem cura, que afeta o sistema nervoso central e gera déficits físicos e cognitivos. É geralmente na fase grave da doença que o indivíduo procura atendimento médico devido à gravidade dos sintomas. Objetivo: Caracterizar o perfil epidemiológico de pacientes com esclerose múltipla internados em hospitais públicos do Pará entre 2008-2018. Métodos: Trata-se de um estudo realizado através de informações secundárias armazenadas na plataforma online SIS/DATASUS. Resultados: O número de internações por esclerose múltipla nos hospitais públicos do Pará foi de 96 casos. As regiões com mais internações foram as localidades fora da área metropolitana (73,96%), identificou-se maior prevalência no sexo feminino (55,21%), na faixa etária de 30 a 39 anos (32,29%), na raça parda (48,96%), a maioria das internações foram de urgência (95,83%), o tempo médio de internação foi de 10,5 dias e a taxa de mortalidade foi de 2,08%. Conclusão: Este estudo apresenta limitações por se tratar de dados secundários e pelo número limitado de estudos epidemiológicos para discussão, porém é um estudo pioneiro na área que abre um leque de possibilidades e norteia novas pesquisas.

Palavras-chave: sistema nervoso central; esclerose múltipla; hospitalização.

 

Abstract

Introduction: Multiple sclerosis is an inflammatory, demyelinating, progressive and incurable disease that affects the central nervous system and generates physical and cognitive deficits. It is usually in the severe phase of the disease that the individual seeks medical assistance due to the severity of the symptoms. Objective: To characterize the epidemiological profile of patients with multiple sclerosis admitted to public hospitals in Pará from 2008 to 2018. Methods: This study was carried out using secondary information stored in the online platform SIS/DATASUS. Results: The number of admissions for multiple sclerosis in public hospitals in Pará was 96 cases, the regions with the most admissions were the locations outside the metropolitan area (73.96%), with higher prevalence in females (55.21% ), in the age group from 30 to 39 years old (32.29%), in the brown race (48.96%). Most admissions were urgent (95,83%), the average period of stay was 10,5 days and the mortality rate was 2.08%. Conclusion: This study has limitations because it is secondary data and because of the limited number of epidemiological studies for discussion.

Keywords: central nervous system; multiple sclerosis; hospitalization.

 

Introdução

 

A esclerose múltipla (EM) se caracteriza como uma doença inflamatória, desmielinizante, neurodegenerativa, crônica, progressiva e sem cura, que afeta o sistema nervoso central ocasionando perda da bainha de mielina, causando uma ampla gama de incapacidades funcionais imprevisíveis que estão associadas a região afetada [1,2].

As lesões referentes ao sistema nervoso central são mais evidentes na substância branca, as áreas focais de desmielinização e inflamação são facilmente evidenciadas, ocasionando alterações importantes nas células da glia e consequentes prejuízos neurológicos. Entretanto, sabe-se que a substância cinzenta também está envolvida na fisiopatologia da EM, portanto tanto o córtex quanto o subcórtex podem ser afetados durante o curso dessa doença [3].

As lesões provocadas pela desmielinização geram déficits físicos, cognitivos e neurológicos, resultando em dificuldade para a realização das atividades da vida diária, sendo uma das causas mais comuns de incapacidades crônicas em adultos [4]. Na EM a sintomatologia está relacionada à área acometida, os sintomas mais frequentes são fadiga, dor, alterações da motricidade, da sensibilidade, disgrafia, ataxia, paresia e parestesia de membros, diplopia e tremores [5].

É geralmente na fase mais grave da doença que o indivíduo procura atendimento médico pela primeira vez e, devido à gravidade dos sintomas, os atendimentos costumam ser de caráter hospitalar com necessidade de internação de urgência e em mais de dois terços os pacientes apresentam um curso de doença com recidivas de sintomas potencialmente graves [6,7].

Ainda esta doença não tem uma etiologia bem definida, sendo classificada como uma doença multifatorial, contudo o fator genético está intimamente relacionado juntamente com a deficiência de vitamina D [8]. A prevalência da EM varia principalmente em relação a localização geográfica e a raça, sendo mais prevalente nas regiões frias com menor incidência solar, na população branca, na faixa dos 20-40 anos e é mais prevalente em mulheres do que em homens [9].

Existem poucos estudos epidemiológicos sobre as internações por EM, sendo assim o objetivo deste estudo é caracterizar o perfil epidemiológico de pacientes com esclerose múltipla internados em hospitais públicos do Pará entre 2008-2018.

 

Métodos

 

Esta pesquisa trata-se de um estudo observacional, descritivo, retrospectivo e quantitativo e foi realizada no período de março a agosto de 2021. Se propôs a caracterizar o perfil epidemiológico de pacientes com esclerose múltipla internados em hospitais públicos do Pará entre janeiro de 2008 a dezembro de 2018 através de informações secundárias armazenadas na plataforma online SIS/DATASUS (https://datasus.saude.gov.br/). Os dados foram coletados mediante o domínio “Informações de Saúde” “Epidemiológicas e morbidade” para identificar os registros acerca do número de internações, região de maior prevalência, gênero, idade, etnia, caráter do atendimento, tempo de internação e taxa de mortalidade. Após a coleta dos dados, as informações foram tabuladas e analisadas através de estatística descritiva e demonstradas através de tabelas.

 

Resultados

 

De acordo com os dados coletados no DATASUS do período de janeiro de 2008 a dezembro de 2018, o número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará foi de 96 casos, que representa um percentual de 0,0012%, pois nesse período, segundo os dados do último censo do IBGE de 2010, o Pará possuía aproximadamente 7.581. 051 milhões de habitantes.

Em relação à região com mais internações por EM nos hospitais públicos do Pará, observou-se maior número em localidades fora da região metropolitana (n = 71), que representa 73,96% dos casos (Tabela I).

 

Tabela I - Distribuição demográfica do número de pacientes internados por EM nos hospitais públicos do Pará durante o período de 2008 a 2018 (n = 96)

 

Fonte: Datasus

 

Na relação sexo por faixa etária identificou-se maior prevalência do sexo feminino nas internações por EM nos hospitais públicos do Pará (n = 53), representando 55,21% dos casos e a faixa etária com maior número de internações foi a de 30 a 39 anos (n = 31),que representa 32,29% dos casos totais, como se observa na tabela II.

 

Tabela II - Distribuição epidemiológica do número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará compreendida entre a faixa etária de maiores de 10 anos a menores de 70 anos, relacionando-se sexo feminino e masculino durante o período de 2008 a 2018 (n = 96)

 

Fonte: Datasus

 

Na distribuição por raça relacionando-se sexo feminino e masculino verificou-se maior prevalência da raça parda (n = 47), representando 48,96% dos casos, e do sexo feminino (n = 27), podendo-se dizer que as internações por EM nos hospitais públicos do Pará foi prevalente em mulheres pardas, como se observa na tabela III.

 

Tabela III - Distribuição por raça do número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará relacionando-se sexo feminino e masculino durante o período de 2008 a 2018 (n = 96)

 

Fonte: Datasus

 

Ao analisar-se o caráter dos atendimentos, eletivo ou de urgência, observa-se que as internações de urgência representam a maioria (n = 92), 95, 83%, demonstrado na tabela IV.

 

Tabela IV - Internações segundo caráter de atendimento do número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará durante o período de 2008 a 2018 (n = 96)

 

Fonte: Datasus

 

O tempo médio de internação em dias foi de 10,5 para todos os casos (n = 96), e as internações de urgência teve um tempo médio de 10,9 dias (n = 92), como foi demonstrado na tabela V.

 

Tabela V - Média de permanência segundo caráter de atendimento do número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará durante o período de 2008 a 2018 (n = 96)

 

Fonte: Datasus

 

Em relação a taxa de mortalidade, segundo o número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará, durante o período de 2008 a 2018, foi de 2,08% (n = 2).

 

Discussão

 

O percentual de internações por EM nos hospitais públicos do Pará foi de 0,0012%. Apesar de não haver um estudo semelhante a este com dados da população paraense para comparar, este resultado corrobora alguns estudos [10] que demonstram que a prevalência e a incidência da EM variam muito, principalmente em relação a localização geográfica e a raça. Ela é mais prevalente em regiões frias, onde a incidência de sol é menor [11].

A região Sul do Brasil possui a maior taxa de prevalência entre os estudos brasileiros, o que pode ser explicado pelo maior número de pessoas com ascendência europeia residentes nessa região e maior latitude em relação as outras cidades estudadas, o que confere menos exposição a luz solar e maior deficiência de vitamina D, que são fatores que podem estar relacionados ao surgimento da EM [12].

Em relação à região do estado do Pará com mais internações por EM nos hospitais públicos, observou-se que a maioria dos casos ocorreram em localidades distantes da região metropolitana. Essa informação é diferente da encontrada em um outro estudo realizado em Manaus, que demonstrou que a maioria dos pacientes com EM residem em área urbana [13].

A caracterização da EM pelo sexo relacionando-se com as faixas etárias demonstrou um predomínio feminino sobre as hospitalizações por EM, na faixa de 30 a 39 anos, em concordância com a prevalência em mulheres na faixa dos 30 anos como descrito na literatura [1,9]. A idade de início é ampla, entre 20 e 40 anos fazendo da EM a causa mais comum de incapacidade neurológica em adultos jovens [14].

A raça parda foi prevalente nos resultados deste estudo (48,96%) muito diferente do que foi encontrado em outros estudos brasileiros que caracterizaram o perfil epidemiológico de pacientes com EM [1,9]. Esse achado pode ser explicado pelo fato de a maioria da população paraense se autoidentificar como pardos segundos dados do IBGE 2010.

A maioria dos atendimentos realizados identificados por este estudo foi em caráter de urgência e o tempo médio de internação foi de 10,9 dias. Marrie [15] em estudo realizado no Canadá demonstrou que os portadores de EM têm uma proporção maior de internação na UTI em detrimento de outros atendimentos. E em relação as complicações e a mortalidade durante a internação, os óbitos foram duas vezes maiores do que as complicações. Pessoas com menos de 40 anos têm chances menores de morrer devido a EM do que as pessoas com mais de 60 anos. A mortalidade é maior após um ano de internação e por complicações decorrentes de infecção.

A taxa de mortalidade pelo número total de internações por EM nos hospitais públicos do Pará foi de 2,08% (n = 2), segundo os dados notificados no SIS/DATASUS. Scalfari et al. [16], em sua revisão sistemática sobre mortalidade por EM, demonstraram que existem poucos estudos com esta temática, e nenhum estudo brasileiro foi incluso.

Um estudo [10] se propôs a realizar uma análise espaço-temporal da mortalidade por EM no Brasil no período de 2000 a 2012. Nos 4.016 óbitos ocorridos, observou-se um padrão de distribuição espacial se concentrando do Sul para o Norte do Brasil, sugerindo assim que a taxa de mortalidade por EM é menor na região Norte, o que corrobora o achado deste estudo.

Os portadores de EM têm um risco de morte por outras causas e complicações relativamente maior que o restante da população, subestimando-se a real taxa de mortalidade desta população, pois na declaração de óbito a ME nem sempre entra como causa da morte e sim as complicações [16]. A mortalidade por EM ocorre devido a fatores de agravamento da própria doença e que leva, na maioria das vezes, a aquisição de infecção pulmonar, no entanto o uso de drogas modificadoras da doença pode diminuir o risco de morte em aproximadamente metade dos casos, além de aumentar a sobrevida dos pacientes [17].

 

Conclusão

 

Os resultados obtidos demonstraram um percentual de 0,0012% nas internações por EM nos hospitais públicos do Pará no período de janeiro de 2008 a dezembro de 2018, a maioria ocorreu em localidades fora da região metropolitana paraense, o sexo predominante foi o feminino, na faixa etária de 30 a 39 anos, da raça parda, os atendimentos em sua maioria foram em caráter de urgência com média de dias de internação de 10,5 e taxa de mortalidade de 2,08%. Este estudo apresenta limitações por se tratar de dados secundários e pelo número limitado de estudos epidemiológicos para discussão e, dentre os existentes, há diversidades de tipo de estudos reduzindo ainda mais o número, porém é um estudo epidemiológico pioneiro na área que abre um leque de possibilidades e que norteia novas pesquisas.

 

Conflitos de interesse

Declaramos que não há conflito de interesse por parte dos autores.

 

Contribuição dos autores

Orientações e revisão do projeto: Moraes WRA; Coleta de dados: Silva CM; Redação: Silva CM, Santis FS, Gomes CC; Revisão: Moraes WRA, Silva CM, Santis FS, Gomes CC

 

Fonte de financiamento

O financiamento do projeto de pesquisa foi elaborado, desenvolvido e executado pelos autores com custeio próprio.

 

Referências

 

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