EDITORIAL
Um novo paradigma
para a saúde neurológica e mental na fisioterapia
Miriam
Ribeiro Calheiros de Sá*, Victor Hugo Bastos**, Silmar
Teixeira***, Marco Orsini****
*Professora-pesquisadora
do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ), **Professor Adjunto II curso de
Fisioterapia UFPI/CMRV, Laboratório de Mapeamento Cerebral e Funcionalidade (LAMCEF),
***Professor Adjunto II curso de Fisioterapia UFPI/CMRV, Laboratório de
Mapeamento e Plasticidade Cerebral (LAMPLACE), ****Programa de Mestrado em Urgência e Emergência Medica, Universidade
Severino Sombra, Vassouras/RJ e Ciências da Reabilitação, UNISUAM/RJ
Endereço
para correspondência: Miriam Ribeiro Calheiros de Sá, Rua
Marechal Raul de Albuquerque 273/705, 243700-25 Niterói RJ, E-mail: mcalheiros@iff.fiocruz.br
Com
base na Carta de
Ottawa, a promoção da saúde é entendida de
uma forma ampla, envolvendo a
discussão sobre qualidade de vida e abrangendo o
princípio da autonomia dos
indivíduos e da comunidade. Nesse sentido, a
promoção da saúde relaciona-se
fortemente com os múltiplos aspectos dos modos de vida, propondo
que se busquem
formas de permitir aos cidadãos vidas produtivas. Não se
pode, assim, focalizar
apenas âmbito da atenção primária,
esquecendo-se que, dentro de uma perspectiva
de atenção à saúde integral, os
níveis secundários e terciários também
podem
ser cenários da promoção da saúde [1-3].
Nesse paradigma, destacam-se cinco
campos de ação: implementação
de políticas públicas de
saúde, criação de ambientes favoráveis
à saúde, reforço da ação
comunitária,
desenvolvimentos de habilidades pessoais e reorientação
dos sistemas de saúde
[4]. A partir dessa definição, o conceito de
promoção de saúde vem sendo elaborado
em diferentes conjunturas e formações sociais.
Com
relação à
discussão da promoção da saúde no
nível
terciário/recuperação/reabilitação
neurológica e mental, destaca-se uma demanda por abordagens
integrativas que
busquem fazer do espaço terciário de
atenção à saúde um ambiente que possa tanto
prevenir futuras comorbidades associadas como também promover
a saúde em geral traduzida em ações paralelas ao processo de reabilitação ou
após o mesmo. Dean [5] e Goodgold [6] consideram que
pelo fato dos processos reabilitativos, na maioria das vezes, serem prolongados e exigirem considerável disponibilidade de tempo
para sua execução, a promoção da saúde poderia ser uma relevante ferramenta
para o início de um programa de educação para saúde, visando o bem-estar futuro
dos indivíduos.
Um
dos principais pilares
da promoção da saúde é a
participação integral da população em todas
as fases
do planejamento, desenvolvimento e implementação de programas,
sendo um dos eixos básicos o fortalecimento da ideia de autonomia dos sujeitos
e dos grupos sociais. Reconhece-se essa dificuldade da participação popular na
questão da gestão pública e/ou privada quanto à saúde, que é um tema que em
algum momento deve vir à tona nas discussões públicas, pois são os reais
usuários do sistema de saúde que se beneficiarão dessas discussões. Dessa
maneira, a participação ativa, tanto da família como do usuário, favorece o empowerment,
cujas estratégias buscam trabalhar com
informação, emoção/motivação,
desenvolvimento de destrezas e ação social [7,8].
Nessa perspectiva, os usuários podem receber
orientações a partir de processos
educativos, que busquem modificações de estilo de vida,
orientações essas que
poderiam ocorrer ao longo de intervenções de
cinético-funcionais neurológicas e
mentais. No momento das reavaliações, poderiam participar
das discussões
relativas às suas metas funcionais a curto, médio e longo
prazo, inclusive de
seu processo de alta (total, parcial ou novo encaminhamento para outros
profissionais), assim como da discussão acerca do uso de
dispositivos adaptados
e de tecnologia [9,10]. Vale ressaltar, que ao longo de qualquer
processo
decisório, as condições socioeconômicas e
culturais devem ser abordadas. Os indivíduos com doenças neurológicas/mentais
e suas famílias estariam aptos a compreender e executar cuidados básicos
voltados para um novo estilo de vida após o término do tratamento multiprofissional
adequado, sendo a partir de então acompanhados pelos profissionais da atenção
básica referenciada a sua residência. A equipe de reabilitação trabalharia como
um “apoio matricial”. O apoio matricial implica
sempre na construção de um projeto terapêutico integrado; no entanto, demanda
sempre uma articulação entre equipe de referência e apoiadores, sendo a equipe de referência àquela que
manterá uma relação longitudinal no tempo com esse conjunto de usuários [11].
As barreiras
enfrentadas pelos familiares diante do desafio de cuidar do paciente neurológico
ou com disfunção mental são expressivas sendo, portanto, fundamental a
necessidade da realização desse acompanhamento pós-alta como forma de continuidade
do cuidado integral. Tal estratégia busca minimizar o desconhecimento e a
insegurança da família na manipulação de equipamentos de tecnologia dura
(equipamentos de assistência e suporte) e as condutas a serem empregadas [9]. Há um risco considerável que comumente os
profissionais podem correr, mesmo que inconscientemente, é não tornar as
informações encontradas na literatura acessíveis a todas as camadas da
sociedade, independentemente do grau de instrução dos pacientes e seus
familiares. Esse é, também, um ponto de extrema importância para reflexão da
equipe, não permitir que a linguagem técnica, afeita aos profissionais da área,
possa deixar uma lacuna sobre os cuidados após a alta da reabilitação ou entre
as visitas de acompanhamento.
Assim é vital que os
profissionais de saúde envolvidos em reabilitação neurológica possam construir
referencias teóricos e epidemiológicos, que permitam utilizar a perspectiva da
promoção da saúde de maneira ampliada, para além da ausência de doença,
refletindo também sobre estratégias futuras que busquem minimizar dados e reduzir
a morbidade. Para efetivamente atender às necessidades de saúde hoje, os
profissionais necessitam ter um claro entendimento dos fatores que influenciam
a integração do modelo e promoção da saúde em suas práticas. Observa-se que a
produção do conhecimento sobre um assunto específico encontra-se avançada o
suficiente, pela ancoragem em pesquisa de campo. Dessa maneira, pode-se inferir
que o referido modelo teórico-metodológico passa a se constituir como
referencial que possibilite essas pesquisas de campo. Obviamente que já existem
limitações com profissionais fisioterapeutas que saem de suas universidades sem
entender o contexto biopsicossocial e ainda sai com uma formação puramente
tecnicista e biomédica; o que é lamentável em tempos de evolução da já clássica
Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e demais instrumentos que
são usados com frequência na Fisioterapia em particular (MIF, índice de Barthel, teste de Wolf, MEEM, ASIA, entre inúmeros outros).
A própria organização mundial de saúde já mudou sua visão quanto a esses
modelos há anos e ainda discutimos como há 20 anos atrás
às vezes.
Torna-se, pois, necessário que esses
profissionais apresentem competências clínicas e técnicas, mas também expertise em cuidados primários, com uma
visão transdisciplinar, voltada para reconhecer e atender as necessidades no
espaço de cuidado ampliado em saúde. Essa promoção da saúde engloba medidas de
aspecto educacional, motivacional, ambientais e políticos que capacitam os
indivíduos, organizações e comunidades, promovendo comportamentos saudáveis e
melhora da saúde [1].
Não é aceitável hordienamente uma formação alheia à organização da gestão
setorial e ao debate crítico sobre os sistemas de estruturação do cuidado, mostrando-se
absolutamente impermeável ao controle social sobre o setor e “surda” para/com
os pacientes. As instituições formadoras não devem perpetuar modelos
essencialmente conservadores, centrados somente em aparelhos e sistemas
orgânicos e tecnologias altamente especializadas, dependentes de procedimentos
e equipamentos de apoio diagnóstico e terapêutico.
A formação
profissional não pode tomar como referência apenas a busca eficiente de
evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e
profilaxia de agravos. A atualização técnico-científica é apenas um dos
aspectos da qualificação das práticas e não seu foco central. O conjunto de atores envolvidos se
constituirá como interlocutor permanente nos diálogos necessários à construção
das propostas e das correções de diretrizes para o modelo de cuidado.
Importante, portanto, recordar que todos nós fazemos parte desse time.
Em resumo, pacientes
com distúrbios neurológicos e ou mentais estão sujeitos a perdas funcionais,
cognitivas, sensoriais e neuromusculares além do comprometimento emocional. Por
isso, deve-se desenvolver um relacionamento terapêutico e de apoio. Faz-se
necessário, então, enfatizar as capacidades remanescentes, ajudar a desenvolvê-las
e a determinar novas metas e, acima de tudo, capacitar o indivíduo e sua
família a assumir o autocuidado. Esse é, ou deveria ser,
o nosso papel.