Fisioter Bras 2021;22940:536-49

doi: 10.33233/fb.v22i4.4513

ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para reintubação na unidade de terapia intensiva de um hospital de trauma

Risk factors for reintubation in the intensive care unit of a trauma hospital

 

Polliana Oliveira Melo, Ft.*, Julia Alencar Renault, M. Sc.**, Priscilla Cristina Ribeiro Soares, Ft.**

 

*Fisioterapeuta residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde área de concentração urgência e emergência do Hospital João XXIII da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), **Fisioterapeuta da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital João XXIII da FHEMIG

 

Recebido em 10 de dezembro de 2020; Aceito em 5 de agosto de 2021.

Correspondência: Polliana Oliveira Melo, Rua Pedro da Silva Fortes, 94/304 Horto 32604-130 Betim MG 

 

Polliana Oliveira Melo: polliana_oliveiramelo@yahoo.com.br

Julia Alencar Renault: julinharenault@hotmail.com

Priscilla Cristina Ribeiro Soares: priscillacrs@hotmail.com

 

Resumo

A ventilação mecânica (VM) é um recurso frequentemente utilizado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No entanto, a necessidade de reintubação após a retirada do suporte ventilatório está associada a desfechos desfavoráveis. Os objetivos deste estudo foram identificar possíveis fatores de risco e desfecho clínico de pacientes reintubados na UTI de um hospital referência em trauma. Foi realizado um estudo de coorte prospectivo no período de 4 meses com pacientes adultos internados na UTI e que permaneceram em VM por pelo menos 24 horas. A amostra foi composta por 100 pacientes divididos em grupo de pacientes não reintubados e pacientes que cursaram com necessidade de retornar à VM. Foram reintubados 27 pacientes, 18 deles reintubados em até 48 horas após extubação. A idade, diabetes, obesidade, tempo de VM até a extubação e frequência respiratória (FR) foram variáveis que apresentaram diferença estatisticamente significativa entre grupos (p < 0,05), porém não puderam ser apontadas como fatores de risco independentes de retorno à ventilação. A reintubação foi associada à necessidade de traqueostomias (TQT) (p < 0,001), maior tempo de permanência em VM (p < 0,001), internação prolongada na UTI (p < 0,001) e mortalidade (p < 0,005). Idade, presença de diabetes, obesidade, maior tempo de VM e FR pré-extubação mais elevada foram as variáveis relacionadas à reintubação. Este evento foi diretamente associado a piores desfechos como necessidade de TQT, maior dependência de VM, internação prolongada na UTI e mortalidade.

Palavras-chave: extubação; fatores de risco; ferimentos e lesões.

 

Abstract

Mechanical ventilation (MV) is a resource frequently used in the Intensive Care Unit (ICU). However, the need for reintubation after the withdrawal of ventilatory support is associated with unfavorable outcomes. The objectives of this study were to identify possible risk factors and clinical outcome of patients reintubated in the ICU of a trauma referral hospital. A prospective cohort study was performed in a period of 4 months with adult patients admitted to the ICU and who remained on MV for at least 24 hours. The sample consisted of 100 patients divided into a group of non-reintubated patients and patients who attended with the need to return to MV. 27 patients were reintubated, 18 of them reintubated within 48 hours after extubation. Age, diabetes, obesity, time from MV to extubation and respiratory rate (RR) were variables that showed a statistically significant difference between groups (p < 0.05) but could not be identified as independent risk factors for return to ventilation. Reintubation was associated with the need for tracheostomies (TQT) (p < 0.001), longer length of stay on MV (p < 0.001), prolonged ICU stay (p < 0.001) and mortality (p < 0.005). Age, presence of diabetes, obesity, longer MV and higher pre-extubation RF were the variables related to reintubation. This event was directly associated with worse outcomes such as need for TQT, greater dependence on MV, prolonged ICU stay and mortality.

Keywords: airway extubation; risk factors; wounds and injuries.

 

Introdução

 

A ventilação mecânica (VM) tem sido apontada como um dos avanços mais importantes do século XX nos cuidados de pacientes críticos [1]. Apesar dos benefícios associados aos avanços tecnológicos na área, a conduta da equipe deve ocorrer no sentido de avaliar sistematicamente a retirada precoce do suporte ventilatório [2,3], uma vez que o tempo prolongado de VM está associado ao risco aumentado de pneumonia associada à ventilação (PAV), lesão pulmonar e complicações associadas à imobilidade [4,5].

A transição da ventilação artificial para ventilação espontânea nos pacientes que permanecem em VM por tempo superior a 24 horas é denominado desmame ventilatório [6,7] e seu sucesso está vinculado à resolução da fase aguda da doença que motivou a necessidade de VM, reflexo de tosse preservado, presença de drive respiratório e necessidade mínima de sedação e vasopressores [1,6,8]. No decorrer desse processo, a redução gradual da assistência ventilatória acompanha a melhora da condição clínica do paciente até que este esteja apto a realizar o Teste de Respiração Espontânea (TRE) [2,5]. Durante o teste, se mantida a autonomia ventilatória e a estabilidade hemodinâmica, os pacientes são elegíveis para extubação [6,7]. No entanto, a avaliação do paciente deve ser criteriosa, uma vez que extubações malsucedidas, frequentemente, estão associadas ao aumento da mortalidade, maior dependência de suporte ventilatório, internação prolongada e elevação dos custos hospitalares [9,10,11,12]. Alguns fatores de risco para falha de extubação já são descritos na literatura, entre eles o tempo prolongado de VM, a idade avançada e a força muscular reduzida [2,13,14]. No entanto, estudos com pacientes de trauma são escassos e nesta população a extubação torna-se ainda mais complexa em virtude da presença de múltiplas lesões estruturais que podem alterar tanto cognição quanto mecânica respiratória, função pulmonar e mobilidade [11,15]. Conhecer os fatores de risco para extubações malsucedidas pode melhorar o processo de retirada da VM, contribuir positivamente no prognóstico dos pacientes e possivelmente reduzir a sobrecarga dos custos com as consequências de uma reintubação. Os objetivos deste estudo foram identificar os fatores de risco para reintubação e os desfechos clínicos dos pacientes reintubados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de trauma de alta complexidade.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo observacional de coorte prospectivo realizado na UTI do Hospital João XXIII, um hospital de nível terciário, referência em trauma. A coleta de dados foi realizada após a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). O Termo de Consentimento Livre Esclarecido foi dispensado.

Foram incluídos, no estudo, todos os pacientes maiores de 18 anos internados na UTI, submetidos a VM via tubo orotraqueal (TOT) por período mínimo de 24 horas e que passaram por uma extubação planejada após um TRE bem-sucedido entre 5 de julho a 4 de novembro de 2019. Foram excluídos os pacientes com relatos de extubação acidental ou autoextubação.

Os dados coletados foram extraídos dos prontuários eletrônicos e formulários de registros diários da equipe de fisioterapia e enfermagem. A ocorrência de falha de extubação foi definida como necessidade de retornar a Ventilação Mecânica Invasiva (VMI) em até 48 horas após a retirada programada do TOT. Ocorrência de reintubação após 48 horas da extubação foi definida como falha tardia de extubação.

Durante o estudo, a gestão do processo de extubação permaneceu inalterada e foi realizada de acordo com a rotina já estabelecida pelo hospital. A decisão sobre o momento da extubação e o TRE utilizado foi tomada pela equipe responsável pelo paciente e vinculada à melhora clínica e à resolução da doença que inicialmente motivou a necessidade da VM.

Os dados coletados foram dispostos em tabelas, inseridos em banco de dados e submetidos à análise descritiva de medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis quantitativas contínuas, contagens e proporções para as variáveis qualitativas. Na análise bivariada, cada uma das variáveis preditoras foi cruzada com o desfecho reintubação, as variáveis qualitativas foram comparadas usando o teste qui-quadrado e as variáveis quantitativas contínuas submetidas a comparações de médias ou medianas. Posteriormente, uma análise multivariada foi aplicada a todas as variáveis pré-extubação que atingiram um α < 0,20 nas análises bivariadas. Tais variáveis foram incluídas como preditoras em um modelo de regressão logística binária múltipla, em que a variável resposta foi a reintubação.

 

Resultados

 

Durante o período do estudo, 312 pacientes estiveram internados na UTI e fizeram uso de VMI (Figura 1). Foram excluídos 212 pacientes: pacientes admitidos traqueostomizados (n = 18), pacientes que foram a óbito antes de serem extubados (n = 63), autoextubação e extubação acidental (n = 11), pacientes vítimas de queimaduras e transferidos para UTI especializada ainda intubados (n = 12), transferência hospitalar ainda intubados (n = 2) e pacientes traqueostomizados sem pelo menos uma tentativa de extubação (n = 37), extubação com menos de 24 horas de VM (n = 30) e pacientes com ausência de registros que permitisse concluir a permanência de pelo menos 24 horas em VM (n = 3). Portanto, a amostra foi composta por 100 pacientes que preencheram os critérios de inclusão, dos quais 73 não foram reintubados e 27 precisaram retornar para VM - 18 apresentaram falha de extubação e 9 foram reintubados após 48 horas da remoção do TOT, sendo 2 destes reintubados eletivamente por motivações cirúrgicas.

 

 

Figura 1 - Seleção dos pacientes

 

A amostra foi predominantemente do sexo masculino (67%), média de idade 49,29 ± 18,43 anos e escore médio do APACHE II igual a 14 ± 6,21. O diagnóstico prevalente foi politrauma (38%), seguido de trauma cranioencefálico (28%). Os motivos para intubação foram predominantemente associados à deterioração neurológica (44%), à necessidade cirúrgica (27%) e a causas respiratórias (17%). A média de tempo em VM até a primeira extubação foi 4,91 ± 2,75 dias e o tempo médio de internação na UTI de 12,54 ± 8,27 dias.

Na comparação entre grupos de pacientes não reintubados e reintubados, a idade, diabetes, obesidade, o tempo de VM até a extubação e frequência respiratória (FR) foram as variáveis que apresentaram diferença estatisticamente significativa (Tabela I).

 

Tabela I - Comparação das variáveis pré-extubação em relação aos indivíduos não reintubados e reintubados

 

APACHE II = Acute Physiology and Chronic Health Evaluation; DP = desvio padrão; PSV = ventilação por pressão de suporte; VM = ventilação mecânica; PCR = proteína C reativa; PaO2 = pressão arterial parcial de oxigênio; PaCO2 = pressão arterial parcial de dióxido de carbono; HCO3 = bicarbonato arterial; FR = frequência respiratória; PAM = pressão arterial média; ¹Teste de Qui-Quadrado; ²Teste exato de Fisher, 3Teste de Mann-Whitney, 4Teste t. *Significância estatística preconizada de p < 0,05

 

      Após procedimento de extubação, as variáveis e os desfechos avaliados que apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos foram evolução para TQT, tempo total de permanência em VM, tempo total de internação na UTI, internação prolongada na UTI e mortalidade (Tabela II).

 

Tabela II - Comparação das variáveis pós-extubação em relação aos indivíduos não reintubados e reintubados

 

 VNI = ventilação não invasiva; DP = desvio padrão; VM = ventilação mecânica; UTI = Unidade de Terapia Intensiva; 1Teste de Qui-Quadrado; 2Teste exato de Fisher; 3Teste de Mann-Whitney. *Significância estatística preconizada de p < 0,05

 

Ao comparar os grupos, o tempo médio de VM até a primeira extubação apresentou diferença estatisticamente significativa; 4,44 ± 2,76 dias no grupo de pacientes não reintubados vs 6,27 ± 2,76 dias no grupo de pacientes reintubados (p = 0,016) (Tabela I). Dos 18 pacientes que apresentaram falha de extubação, 13 retornaram a VM nas primeiras 24 horas após a retirada do suporte ventilatório. As causas que mais motivaram o retorno à VM, independentemente do tempo, foram neurológicas (37,04%) e respiratórias (33,33%), seguidas das causas relacionadas às vias aéreas superiores (18,52%), cirúrgicas (7,41%) e instabilidade hemodinâmica (3,7%). Não foi apontada correlação direta estatisticamente significativa entre o motivo inicial da intubação e as causas para reintubação (p = 0,134). A necessidade de retorno à VM no grupo de pacientes reintubados resultou em média 9,03 ± 6,84 dias a mais de suporte ventilatório após a reintubação. Na comparação, o tempo total em VM do grupo não reintubado e reintubado foi 4,44 ± 2,76 vs 15,54 ± 6,34 dias, diferença de 11 dias a mais de VM (p < 0,001) (Tabela II).

O tempo de permanência na UTI no grupo reintubação foi 20,85 ± 8,28 dias, mais que o dobro do tempo de internação comparado com pacientes não reintubados 9,47 ± 8,33 (p < 0,001) (Tabela II). O risco relativo avaliado dos pacientes reintubados evoluírem com uma internação prolongada foi 4,5 vezes maior em relação aos pacientes que não foram reintubados (RR = 4,5 [IC 95% 2,57-7,91]).

A mortalidade na amostra foi de 4% e todos os pacientes que evoluíram para óbito pertenciam ao grupo de reintubados. Metade dos óbitos ocorreu em pacientes que evoluíram com falha tardia de extubação.

Para a análise de regressão logística multivariada foi considerado intervalo de confiança de 95% (p < 0,05). No entanto, nenhuma das variáveis submetidas ao modelo apresentaram os níveis de significância preconizados.

 

Discussão

 

O Hospital João XXIII, embora seja uma instituição de referência em trauma no estado, é um hospital geral de pronto atendimento da rede pública de saúde, portanto a amostra, apesar de ser composta predominantemente por pacientes de trauma (84%), incluiu também pacientes clínicos.

A taxa de falha de extubação dentro de 48 horas e o total de reintubações independentemente do tempo foram respectivamente de 18 e 27%. Ainda não há consenso em relação a uma taxa percentual de tolerância para falha de extubação [16,17]. Os percentuais de insucesso reportados podem variar entre 5,7 e 44% dependendo da definição utilizada e da população estudada [1,17]. Artime et al. [7] propuseram uma taxa aceitável para falha entre 5 a 15%. O argumento que respalda o índice proposto é que uma taxa muito baixa de reintubação pode refletir uma exposição desnecessariamente prolongada à ventilação a fim de evitar os efeitos adversos de uma possível falha, e taxas muito elevadas podem retratar extubações excessivamente precoces e manejo inadequado [7]. Consideradas as diferenças entre os perfis de UTIs, seja clínico, traumático ou cirúrgico, metas distintas talvez possam ser levadas em consideração. Na população de trauma, por exemplo, os danos frequentes como deterioração neurológica, contusão pulmonar e múltiplas fraturas podem dificultar do processo de extubação, condições que possivelmente justificam taxas de insucesso superiores se comparada à UTI clínica.

Estudos relacionados à assistência ventilatória na população de trauma ainda são escassos. Em função dos diferentes níveis de complexidade destes pacientes e a falta de consenso em relação ao critério tempo para definição de falha de extubação torna-se difícil estabelecer comparações entre os resultados obtidos em pesquisas. Na literatura o conceito de falha abrange a reintubação em intervalos que variam entre 24 horas e até 7 dias após a extubação planejada [16,19,20,21]. Dos estudos encontrados, apenas um foi conduzido em um centro de atenção ao trauma de alta complexidade, portanto o único com perfil populacional comparável ao da presente amostra. A taxa de falha de extubação em 72 horas, no referido estudo, foi de 7,4% [11], muito inferior se comparada com as da presente pesquisa, 18% em 48 horas. No estudo citado, todo o processo de retirada da VM esteve vinculado a um protocolo, fator que pode ter contribuído de forma relevante para um percentual inferior de falha de extubação. Com objetivo de padronizar uma janela de tempo para notificação de retorno a ventilação invasiva como sendo um evento de reintubação um estudo americano avaliou 98.367 extubações. Os resultados sugeriram um limite de 96 horas, sendo este intervalo capaz de incluir 90% de todos os eventos ocorridos na UTI [22].

Neste estudo, assim como em outros realizados com população de trauma [1,12,15], a presença de comorbidades não foi frequente. Os baixos índices de doenças associadas podem estar relacionados a média de idade da amostra, 49,29 anos. As comorbidades cardiovasculares foram prevalentes (27%), seguida do diabetes (12%), obesidade (5%) e comorbidades respiratórias (4%). Quando comparados os grupos de pacientes não reintubados e reintubados, somente o diabetes (p = 0,003) e a obesidade (p = 0,018) apresentaram diferenças estatisticamente significativas, achados semelhantes foram apontados por Weinberg et al. [1]. A idade foi uma variável com diferença significativa entre os grupos, média de 46,62 ± 18,31 anos no grupo de pacientes não reintubados vs 56,61 ±18,53 anos no grupo de reintubados (p = 0,016). Estes resultados são corroborados por outras pesquisas [1,2,20,21,23,24] que também apontaram média de idade mais elevada para grupos de reintubação. A idade superior a 65 anos foi apontada como fator de risco independente em um deles, OR = 1,27 [IC = 95% 1,01-1,60 p = 0,041] [23].

A frequência respiratória (FR) durante o TRE é recorrentemente descrita como fator crucial para avaliar as condições da extubação. Entre os dados vitais, laboratoriais e gasométricos avaliados somente a FR apresentou diferença significativa entre grupos (p = 0,012), contudo sem poder estatístico para ser apontado como fator de risco independente para reintubação. Na presente amostra a média de FR no grupo que retornou para VM foi de 21,26 ± 4,35 irpm. Achados de uma pesquisa realizada em UTI cardiológica apontou a FR superior a 20 irpm como fator preditivo independente para falha de extubação, um OR = 1,43 [IC 95% 1,01 – 2,02] [23].

Analisadas as estratégias para TREs, Ventilação por Pressão de Suporte (PSV) ou tubo-T, nenhuma diferença estatisticamente significativa foi apontada em relação aos desfechos de reintubação e não reintubação. Embora a PSV tenha sido a técnica realizada em 94% dos pacientes extubados, na revisão sistemática recentemente publicada por Yuting et al. [25] os autores sugerem que tais estratégias são equivalentes, sendo ambas válidas para desmame ventilatório e sem superioridade de uma em relação à outra.

A fim de evitar a reintubação, o uso da VNI, após a retirada da VM, tem sido empregado de forma facilitadora e terapêutica [13]. A VNI foi utilizada em 22% dos pacientes extubados, no entanto 9 deles foram reintubados (40%), 4 deles ocorreram após 48 horas de extubação. O emprego da VNI, nesta amostra foi quase o dobro quando comparado a outros dois estudos realizados em UTIs predominantemente cirúrgicas, 7 e 12%. As taxas de reintubação nos pacientes que fizeram uso do suporte não invasivo nesses estudos foram inferiores, respectivamente de 22,5 e 29% [4,14]. Embora dentro das UTIs seja frequente o uso do suporte não invasivo, a aplicabilidade do recurso exige monitorização contínua e seleção cautelosa dos pacientes que podem se beneficiar da técnica. Postergar a intubação pelo uso da VNI pode estar relacionado a desfecho desfavorável como mortalidade [13].

A traqueostomia (TQT) nos pacientes dependentes de VM aumentou nos últimos anos [26]. As vantagens desta via aérea artificial (VAA) estão associadas a menor necessidade de sedação para conforto do paciente, desmame ventilatório mais precoce, redução das complicações associadas à intubação prolongada e facilitação da higiene brônquica [26]. A TQT foi necessária em 19 (70,37%) dos 27 pacientes reintubados. Embora seja apontada como estratégia facilitadora do desmame, nesta amostra 15,8% dos pacientes traqueostomizados foram transferidos para unidade de cuidados progressivos, para iniciarem ou darem sequência ao processo de desmame. A taxa de realização de traqueostomias surpreendentemente foi um desfecho pouco relatado nos estudos. Saiphoklang et al. [27] realizaram em uma UTI clínica um estudo em que a taxa de traqueostomia em pacientes reintubados foi de 12,72%. Os autores concluíram que o número de traqueostomia cresce concomitante a dificuldade para retirada da VM. Esse achado talvez possa explicar a frequência de traqueostomia na presente amostra, uma vez que a população de trauma é comumente acometida por circunstâncias que dificultam o processo desmame. Resultados do estudo de Mahmood et al. [15] com população de trauma, também apontou uma taxa de TQT mais elevada, 46%.

No presente estudo o balanço hídrico foi mensurado de forma retroativa nas 24 horas que antecederam o momento extubação, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre grupos (p = 0,278). No entanto uma pesquisa recentemente publicada com um perfil amostral semelhante apontou resultados diferentes. Os autores encontraram uma associação significativa entre o balanço hídrico positivo 24 horas antes da extubação e o evento de falha com OR = 22,9 [IC 95% = 4,1 – 128,4] [11]. No estudo de Sará-Ochoa et al. [24] foi avaliado o acumulado do balanço hídrico durante todo o período de internação na UTI até a extubação. De acordo com esta pesquisa, o balanço hídrico positivo > 6022 ml foi uma variável com diferença estatisticamente significativa (p = 0,045) para o desfecho de falha de extubação em 48 horas. Entretanto, o balanço nas 24 horas pré-extubação, ainda que positivo, não alterou o desfecho das extubações [24]. Apesar da incerteza quanto à influência da sobrecarga hídrica no processo de retirada da VM, adotar condutas que evitem o balanço positivo, pré e pós-extubação, talvez favoreça a ventilação espontânea na ausência da pressão positiva.

A reintubação é um evento frequentemente associado à demanda por internações mais longas nas unidades de cuidados intensivos [16,23,27]. Corroborando esses dados, na presente amostra, o tempo de internação no grupo de pacientes reintubados também foi significativamente maior, 11 dias a mais se comparado com o grupo de pacientes não reintubados (p < 0,001). O risco relativo de o paciente reintubado evoluir com internação prolongada foi 4,5 vezes maior se comparado com paciente não reintubado. Apesar dos dados relevantes relacionados ao tempo de internação, nenhum dos estudos encontrados apontou uma definição do que poderia ser considerada internação prolongada. Para esta pesquisa foi considerada prolongada a internação na UTI com tempo superior a 14 dias. Estes achados são extremamente significativos uma vez que o período longo de internação denota exposição aumentada dos pacientes aos riscos inerentes do ambiente hospitalar e consequente aumento dos custos.

Nesta amostra 4 pacientes evoluíram para óbito. Todos apresentaram demanda por VMI e foram reintubados, dois destes apresentaram falha tardia de extubação. Estes óbitos correspondem a taxa de mortalidade de 4%, uma taxa relativamente inferior quando comparado com outros estudos na população de trauma, em que os índices de mortalidade geral estiveram entre 6,8% e até 19,73% [9,11,15].

A limitação desta pesquisa envolve o desenvolvimento em centro único o que inviabiliza a generalização dos achados. O número relativamente pequeno da amostra pode ter influenciado o poder estatístico dos resultados. A UTI onde o estudo foi conduzido tem muitos leitos e quantitativo elevado de profissionais, fatores que podem refletir maneiras distintas de gerir o processo de extubação, uma vez que não há diretrizes específicas para tal. Outra limitação, foi não incluir a monitorização de dados relevantes para processo de extubação como eficácia da tosse, responsividade a comandos e nível de sedação.

Acredita-se que a implantação de um protocolo de extubação com monitorização precisa e treinamento da equipe talvez possa contribuir para reduzir os índices de reintubação.

 

Conclusão

 

A reintubação foi um desfecho diretamente associado a maior exposição à VM, necessidade de TQT, maior tempo de internação, internação prolongada e associada também a mortalidade na UTI. A idade, presença de diabetes, obesidade, a FR e o tempo de VM na população de trauma foram fatores pré-extubação com diferença estatisticamente significativa para o evento de reintubação, embora não sendo fatores independentes para este desfecho. A análise de regressão logística múltipla não revelou fatores independentes associados à reintubação, talvez porque elas estivessem umas associadas às outras sem influência potencial se analisadas isoladamente. Talvez pesquisas futuras invistam na construção de modelos preditivos compostos que levem em conta aspectos amplos e combinados, respiratórios, neurológicos, musculares, metabólicos e hemodinâmicos considerando também escores específicos para cada perfil populacional. Ainda são necessários estudos robustos para investigar os fatores que podem influenciar os desfechos da extubação.

 

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