Fisioter Bras 2022;23910;128-51

doi: doi.org/10.33233/fb.v23i1.4916

REVISÃO

O impacto da COVID-19 na população idosa com doença pulmonar crônica não transmissível

The impact of COVID-19 on the elderly population with non-communicable chronic lung disease

 

Carlos Eduardo Porto da Silva, Ft. M.Sc.*, Cícera Patrícia Daniel Montenegro, Ft. M.Sc.*, Fabiana Cristina Taubert de Freitas-Swerts, Ft., D.Sc.**, Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi, D.Sc.***, Maria Adelaide Silva Paredes Moreira, Ft., D.Sc.****

 

*Universidade Federal da Paraíba, **Professora na Universidade Paulista (UNIP), Ribeirão Preto, SP, ***Professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ****Professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba

 

Recebido em 10 de setembro de 2021; Aceito em 1 de dezembro de 2021.

Correspondência: Maria Adelaide Silva Paredes Moreira, Universidade Federal da Paraíba, Cidade Universitária, Conjunto Castelo Branco, 58010-100, João Pessoa PB, E-mail: jpadelaide@hotmail.com

 

Carlos Eduardo Porto da Silva: carlospmpgufpb@gmail.com  

Cícera Patrícia Daniel Montenegro: pmontenegro9@gmail.com  

Fabiana Cristina Taubert de Freitas-Swerts: fabi.taubert@hotmail.com

Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi: avrmlccr@eerp.usp.br

Maria Adelaide Silva Paredes Moreira: jpadelaide@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: Envelhecer resulta em transformações biológicas que afetam os indivíduos de maneira heterogênea. A maioria dos sistemas orgânicos experimenta redução em suas funções motoras e cognitivas, interferindo na capacidade de adaptação frente a agentes estressores. Na pneumonia pelo SARS-CoV2, evidenciaram-se implicações da função pulmonar em idosos com doenças pulmonares crônicas. Objetivo: Investigar as evidências científicas sobre implicações clínicas da COVID-19 em indivíduos idosos com doença pulmonar crônica não transmissível. Métodos: revisão integrativa realizada em novembro de 2020 nas bases de dados CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), Embase, Scopus, Medline/Pubmed (via National Library of Medicine) e Web of Science, utilizando-se os descritores “COVID-19”, “SARS-CoV2 infection”, “aged”, “chronic pulmonar obstructive disease”, “non-communicable diseases” e operadores booleanos AND e OR. Foram incluídos textos científicos originais, a exemplo de artigos disponibilizados na íntegra, sobre a COVID-19 em idosos com Doenças Respiratórias Crônicas Não Transmissíveis. Resultados: Idosos com comorbidades estão propensos a complicações durante a infecção por COVID-19, com altas taxas de mortalidade e alterações tomográficas atípicas. Conclusão: A forma grave da COVID-19 e a elevada mortalidade em idosos podem ser atribuídas à alta comorbidade, prevalência de demência e síndromes geriátricas.

Palavras-chave: COVID-19; infecção por SARS-CoV2; idoso; doença pulmonar obstrutiva crônica; doenças não transmissíveis.

 

Abstract

Introduction: Aging results in biological transformations that affect individuals in a heterogeneous way. Most organic systems experience a reduction in their motor and cognitive functions, interfering with their ability to adapt to stressors. In SARS-CoV2 pneumonia, implications for lung function were evidenced in elderly people with chronic lung diseases. Objective: To investigate the scientific evidence on clinical implications of COVID-19 in elderly individuals with chronic non-communicable lung disease. Methods: Integrative review carried out in November 2020 in the Cinahl (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), Embase, Scopus, Medline/Pubmed (via National Library of Medicine) and Web of Science databases, using the descriptors “COVID-19”, “SARS-CoV2 infection”, “aged”, “chronic pulmonary obstructive disease”, “non-communicable diseases” and Boolean operators AND and OR. Original scientific texts were included, such as articles available in full, on COVID-19 in elderly people with Chronic Noncommunicable Respiratory Diseases. Results: Elderly people with comorbidities are prone to complications during COVID-19 infection, with high mortality rates and atypical tomographic alterations. Conclusion: The severe form of COVID-19 and the high mortality in the elderly can be attributed to high comorbidity, prevalence of dementia and geriatric syndromes.

Keywords: COVID-19; infection by SARS-CoV2; aged; chronic pulmonary obstructive disease; non-communicable diseases.

 

Introdução

 

Grupos de casos de pneumonia ocorridos na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, levaram à eventual identificação de coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 ou Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2). Por meio de uma investigação epidemiológica, o governo chinês restringiu a origem do vírus para o mercado de frutos do mar de Huanan em Wuhan, na China [1].

O agente etiológico foi identificado como um novo β-coronavírus, um vírus envelopado de Ácido Ribonucleico (RNA), nomeado SARS-CoV-2, e a doença como Doença por Coronavírus 2019 ou Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). O principal meio de transmissão dá-se por gotículas expelidas do trato respiratório superior e contato direto com pessoas infectadas, no entanto, a presença do vírus em amostras de soro e fezes possibilita outras vias de transmissão. O vírus pode ficar incubado até 14 dias, sendo contagioso também nesse período [2].

O Ministério da Saúde brasileiro notificou, entre 26 de fevereiro de 2020 a 1º de maio de 2021, que foram confirmados 14.725.975 casos e mais de 406 mil óbitos por COVID-19 no Brasil. O maior registro diário de novos casos, mais de 100 mil casos, ocorreu no dia 25 de março de 2021. Em 8 de abril de 2021, foi atingido o maior número de novos óbitos com 4.249 mortes. A incidência era de 6.319,3 casos e a taxa de mortalidade de 164,2 óbitos por 100 mil habitantes [3].

A taxa de mortalidade geral durante a fase inicial da pandemia na China e na Itália foi de cerca de 2,3%, significativamente maior em idosos, especialmente naqueles com 65 anos ou mais. Um relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos mostrou que 80% das mortes associadas à COVID-19 ocorreram entre adultos com idade superior a 65 anos, o que é semelhante ao relatado inicialmente na China em relação à alta taxa de mortalidade em pacientes idosos [4].

Em um estudo conduzido por Wu et al. [5], identificaram-se fatores de risco letais em pacientes idosos com COVID-19, mostrando que a idade e as comorbidades pré-existentes, incluindo hipertensão ou diabetes, estavam independentemente associadas ao desenvolvimento da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), ou Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), e ao óbito.

Os idosos apresentam maior probabilidade de sofrer complicações, incluindo o surto de uma “tempestade de citocinas”, relacionado à SDRA, em que há disfunção de múltiplos órgãos e, eventualmente, até a morte. O sistema imunológico em envelhecimento é menos capaz de eliminar o vírus. As glândulas do timo, o baço e os gânglios linfáticos sofrem degeneração que leva a um déficit de reconhecimento e eliminação de vírus e células cancerosas e a um declínio geral na resposta imunológica das células normais [6].

Em estudo realizado com pacientes pós-COVID-19, revelou-se que o comprometimento da capacidade de difusão é a anormalidade mais comum da função pulmonar, seguido por defeitos ventilatórios restritivos, ambos associados à gravidade da doença. Testes de função pulmonar devem ser considerados no acompanhamento clínico de rotina para alguns sobreviventes recuperados, especialmente em casos graves. A reabilitação pulmonar subsequente pode ser considerada uma estratégia adjuvante [7].

Os sintomas de apresentação mais comuns em idosos e na população em geral são febre, tosse, dispneia e mialgia ou fadiga. Em um estudo com pacientes gravemente enfermos e média de idade de 70 anos, evidenciaram-se que os sintomas mais comuns eram a falta de ar, febre e tosse e que até 86% dos idosos apresentavam comorbidades, sendo as mais significativas: doença renal crônica, insuficiência cardíaca congestiva, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e diabetes [8].

Em muitos casos, os pacientes permanecem acamados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por longos períodos em posição prona, o que pode causar disfagia pós-UTI, fraqueza muscular, miopatia e neuropatia devido à fase aguda da COVID-19, bem como redução da mobilidade articular, dor no pescoço e ombros, dificuldade em ficar de pé, déficit de equilíbrio e marcha, resultando em limitações nas atividades de vida diária [9].

A pneumonia por COVID-19 pode causar alterações significativas na função pulmonar com um padrão principalmente restritivo, persistindo por até seis semanas após a recuperação. No entanto, dadas às implicações espirométricas em termos de qualidade de vida e independência dos pacientes em geral, será necessário evitar que o “tsunami” de pacientes pós-COVID-19 sobrecarregue os sistemas de saúde após a pandemia [10,11].

O comprometimento multissistêmico relacionado à COVID-19 e as disfunções dela decorrentes demandam uma abordagem multiprofissional desses pacientes. Há uma necessidade urgente de se compreenderem as alterações na função pulmonar dos indivíduos idosos, visto que apresentam a maior taxa de mortalidade relacionada a essa doença. Diante dessa problemática, o objetivo no presente estudo é o de investigar, levando-se em consideração as evidências científicas, as implicações da COVID-19 em indivíduos idosos.

A fim de se alcançar esse objetivo, explanam-se, a seguir, os aspectos metodológicos utilizados nesta pesquisa, para então se apresentarem os resultados, a discussão dos resultados e, por fim, as conclusões.

 

Métodos

 

O presente estudo é uma revisão de literatura do tipo integrativa, realizada no mês de novembro de 2020. Inicialmente, foi elaborada a pergunta norteadora seguida pela busca e coleta nas bases de dados. Após essas etapas, foi realizada uma análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos achados e apresentação da revisão [12]. Com este estudo, pretende-se contribuir para a disseminação do conhecimento sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus em idosos. O estudo foi direcionado pela seguinte pergunta norteadora: Qual é o impacto da COVID-19 em idosos com doença respiratória crônica?

Este estudo foi realizado por meio das seguintes bases de dados: Cinahl (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), Embase, Scopus, Medline/Pubmed (via National Library of Medicine) e Web of Science, utilizando-se os seguintes descritores e seus cruzamentos, indexados no vocabulário estruturado e multilíngue Descritores em Ciência da Saúde (DeCS): “Covid-19", “Sars-Cov-2 infection”, “aged”, “chronic pulmonar obstructive diseases” e “non-communicable diseases” com os operadores booleanos AND e OR. A pesquisa foi realizada com descritores na língua inglesa por contemplar maior parte de estudos na área das ciências da saúde.

Os estudos selecionados contemplaram os seguintes critérios de inclusão: a) artigos originais disponíveis para consulta na íntegra; b) textos científicos originais sobre a COVID-19, enfocando indivíduos idosos com doenças respiratórias crônicas não transmissíveis (DCNT); c) descritores previamente definidos no contexto da pesquisa.

Foram excluídos os estudos que abordassem doenças transmissíveis e/ou envolvessem crianças; que não estivessem disponíveis na íntegra em português ou em inglês; e que fossem artigos de revisão, dissertações e/ou teses, cartas editoriais e anais de congressos ou de outros eventos científicos.

A amostra final foi analisada e descrita, contendo os nomes dos autores, título do artigo, ano de publicação, objetivo do estudo, método empregado para o alcance dos objetivos, principais resultados e conclusões.

Para facilitar o entendimento, o desenvolvimento deste estudo, apesar de ser uma revisão integrativa, ancorou-se, ao máximo, no guia de Rede Equator, especificamente no checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), que é uma lista de verificação de 27 itens que abordam a introdução, métodos, resultados e seções de discussão de um relatório de revisão sistemática [13].

Uma planilha no Microsoft® Office Excel 14.0 foi utilizada para auxiliar na análise dos dados. De acordo com os resultados, emergiram-se as seguintes categorias: a COVID-19 no contexto mundial; considerações sobre o envelhecimento; comorbidades; e apresentação clínica da COVID-19 em idosos.

 

Resultados

 

Na pesquisa inicial, identificaram-se 1.390 artigos nas cinco bases de dados consultadas (Cinahl: 50; Embase: 71; Scopus: 442; Medline/Pubmed: 659; e WOS: 168). Após a leitura dos títulos e dos resumos, foram excluídos 1.130 artigos, por não possuírem seus títulos ou resumos condizentes com o tema estudado; por estarem duplicados e/ou por cujos textos completos não estarem acessíveis. Os 260 artigos restantes foram triados de acordo com os critérios de exclusão. Após essa triagem, foram selecionados 68 artigos para avaliação de elegibilidade. Ao final, restaram 12 artigos (Ver Quadro 1), os quais serviram de base para a discussão sobre a temática (Ver Figura 1).


Quadro 1Artigos selecionados sobre as implicações da COVID-19 em indivíduos idosos 

(ver PDF anexo)


 

 

 

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa (2020)

Figura 1Fluxograma com percurso metodológico com critérios para inclusão e exclusão de artigos sobre as implicações da COVID-19 em indivíduos idosos, em João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2020

 

Discussão

 

A pandemia da COVID-19 tornou-se o principal problema de saúde em todo o mundo. As autoridades sanitárias mundiais estão fazendo um intenso esforço para minimizar os efeitos advindos dessa doença, que se apresenta mais grave em idosos e indivíduos com doenças crônicas, embora tenha sido identificada, recentemente, em crianças e adultos jovens, indicando que há muito a ser investigado sobre as caraterísticas de mutação do vírus SARS-CoV-2 [21].

Em relação ao curso grave da doença em idosos, nos estudos científicos, enfatiza-se que a razão para a alta mortalidade pode ser atribuída às comorbidades; alta prevalência de demência e síndromes geriátricas (especialmente entre institucionalizados); maior prevalência de fragilidade e vulnerabilidade a eventos adversos, incapacidade e dependência, atrelada à redução da reserva fisiológica, menor capacidade intrínseca e menor resiliência. Essa situação favorece maior frequência de manifestações graves, necessidade de admissão em UTI e letalidade em pacientes idosos [5,16,18,19,22,23].

Para uma melhor contextualização, os resultados dos estudos selecionados foram discutidos em forma de tópicos. Nesta revisão, após uma breve introdução sobre a incidência mundial e a relação entre envelhecimento e a COVID-19, destaca-se a seguir o risco de deterioração em diferentes órgãos de pacientes, considerando-se o envelhecimento como o principal fator. Discutem-se ainda as mudanças estruturais e/ou fisiológicas no sistema imunológico e nos órgãos associadas às principais Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT).

 

A COVID-19 no contexto mundial

 

Surgiram evidências mostrando que os idosos e aqueles com condições crônicas de saúde pré-existentes podem estar em maior risco de desenvolverem consequências graves para a saúde devido à COVID-19. Na Europa, isso é de particular relevância com o envelhecimento das populações que vivem com doenças não transmissíveis, multimorbidade e fragilidade. Os países com as maiores proporções de residentes idosos foram Itália, Grécia, Alemanha, Portugal e Finlândia. Quando às avaliações das taxas em nível populacional para condições de saúde vulneráveis de COVID-19 foram feitas, as taxas mais altas foram observadas na Bulgária, República Tcheca, Croácia, Hungria, Bósnia e Herzegovina [21].

Particularmente nos meses iniciais da pandemia na Europa, a vulnerabilidade à qual esses idosos estão sujeitos foi retratada. Na Espanha, por exemplo, um dos países mais atingidos pela pandemia, militares convocados para ajudarem a combater a disseminação do coronavírus da SARS-Cov-2 encontraram pacientes idosos abandonados e até mortos em casas de repouso do país. Na Alemanha, houve temor de faltarem funcionários para tratarem de pessoas idosas em casas de repousos, em casa e em hospitais. Profissionais da área da saúde voltaram aos seus países de origem, no Leste Europeu, por temores relativos ao coronavírus. A Itália, com a segunda população mais velha do mundo depois do Japão, foi o país onde ocorreram mais mortes em decorrência do coronavírus no planeta; ademais, nesse país, muitos idosos privados da interação social foram assistidos por voluntários [24].

Em um estudo realizado na Alemanha, observou-se que no sistema de saúde alemão, no qual as capacidades hospitalares não foram sobrecarregadas pela pandemia, a mortalidade foi elevada para pacientes que receberam ventilação mecânica, particularmente aqueles com oitenta anos ou mais e que necessitaram de diálise, e foi consideravelmente menor para pacientes com menos de sessenta anos [25].

Nos Estados Unidos, em estudos com pacientes hospitalizados, verificou-se que, embora uma proporção maior de pacientes mais velhos tenha tido resultados piores, uma proporção considerável de pacientes com idade entre 18 e 64 anos recebeu cuidados em nível de UTI e morreu. A mortalidade foi maior em pacientes com comorbidades e naqueles com idade acima de 85 anos. Aproximadamente um quarto não apresentava condições de alto risco e 5% morreram, sugerindo que todos os adultos, independentemente das condições subjacentes ou da idade, correm o risco de desenvolverem doenças graves associadas à COVID-19 [26,27].

Na Dinamarca, foi realizada uma coorte nacional de base populacional de pacientes de UTI com COVID-19. Observou-se que a sobrevida em longo prazo foi alta, apesar da alta idade e do uso substancial de suporte de órgãos, como a ventilação pulmonar mecânica. Sexo masculino, idade e comorbidades crônicas, em particular doença pulmonar crônica, foram associados a risco aumentado de morte [28].

De acordo com um estudo realizado na Itália com uma grande amostra de indivíduos que morreram em decorrência da COVID-19, menos de 9% tinham menos que 65 anos. A maioria dos pacientes sofria de comorbidades preexistentes relevantes, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, demência e doenças respiratórias. Além disso, a maioria das comorbidades era mais prevalente em pacientes mais velhos, com exceção de obesidade, infecção por vírus da imunodeficiência humana ou human immunodeficiency vírus (HIV) e doença hepática crônica, que eram maiores em pacientes mais jovens [29].

Diversos estudos foram realizados na China, particularmente em Wuhan, nos quais se apresentam resultados que se assemelham em diversos pontos, dentre os quais a febre e sintomas respiratórios foram as manifestações mais comuns. Idade e comorbidade foram os fatores de risco para morte e progressão da doença. Marcadores de lesão miocárdica e função renal também sugerem a possibilidade de deterioração. A função de coagulação anormal sugere o risco de coagulação intravascular disseminada em casos graves. Os resultados laboratoriais indicavam a presença de tempestade de fatores inflamatórios e comprometimento da função imunológica, que estavam intimamente relacionados aos resultados clínicos adversos. A mortalidade de pacientes gravemente enfermos com pneumonia causada pelo SARS-CoV-2 foi alta e o prazo de sobrevivência dos pacientes foi de aproximadamente 1-2 semanas após a admissão na UTI. Pacientes mais velhos, com comorbidades e SDRA apresentaram risco aumentado de morte [16,30,31,32].

No Brasil, em um estudo revelou-se que a concentração das hospitalizações por COVID-19 na Região Sudeste é um reflexo da doença ter chegado ao país, inicialmente, no estado de São Paulo, seguido do Rio de Janeiro. A mediana de idade observada entre os pacientes hospitalizados por SARS-CoV2 foi semelhante à calculada entre pacientes hospitalizados em Wuhan, na China, porém, foi inferior à obtida entre pacientes hospitalizados nos Estados Unidos e na Itália. Houve maior frequência de pacientes do sexo masculino entre os hospitalizados. A prevalência de comorbidades foi superior às estimativas para a população geral brasileira, ressaltando-se a hipótese de que esse grupo masculino apresenta maior chance de ser hospitalizado pela doença [33].

 

Considerações sobre o envelhecimento

 

O envelhecimento traz consigo transformações biológicas que afetam os indivíduos de maneira heterogênea. Na maioria dos sistemas orgânicos, tem-se reduzida a sua função, envolvendo a diminuição de força muscular, declínio do equilíbrio estático e dinâmico, diminuição da função respiratória, perdas em termos de funções cognitivas básicas que contribuem para a diminuição da capacidade de adaptação frente a elementos estressores [34].

A sarcopenia é um desequilíbrio entre a síntese de proteínas e a sua taxa de degradação, e uma das principais causas de comprometimento da função física que contribui para a incapacidade, redução da mobilidade, diminuição das atividades básicas de vida diária, quedas e hospitalizações em idosos. A prevalência de sarcopenia em idosos da comunidade corresponde a aproximadamente metade da população, com taxas de prevalência mais altas em grupos de idade mais avançada; já a incidência em idosos institucionalizados pode corresponder a 72% [35,36].

Diversas alterações ocorrem no sistema respiratório dos idosos, tais como a diminuição da complacência torácica, do recuo elástico do pulmão, da força dos músculos respiratórios, do fluxo aéreo, da troca gasosa, declínio de volumes e capacidades pulmonares. Existe ainda redução na eficácia dos mecanismos de defesa pulmonar e alterações da configuração de caixa torácica que, conjuntamente, estão associadas com prejuízos funcionais dos idosos [37].

O risco de infecções e complicações respiratórias aumenta substancialmente na velhice, o que, em parte, pode ser devido à sarcopenia do diafragma, a qual reduz sua capacidade de geração de força, prejudicando a desobstrução das vias aéreas. Ressalta-se que a redução na capacidade de geração de força do diafragma está associada à atrofia seletiva de fibras musculares [38].

O declínio funcional inclui mudanças nos níveis de células, tecidos e órgãos que são conhecidas por contribuírem para a morbidade, fragilidade e mortalidade na população idosa. Esse processo é acompanhado por um estado de inflamação de baixo grau, e os idosos são mais suscetíveis à infecção por vírus. Sob a influência do vírus, os danos aos pacientes idosos infectados são ainda mais agravados, resultando em doenças secundárias graves [39,40].

Durante essa fase da vida, ocorrem também mudanças no sistema imunológico, as quais se apresentam de duas maneiras principais. A primeira delas tem a ver com o declínio gradual da função imunológica, denominado imunosenescência, que impede o reconhecimento, a sinalização de alerta e a eliminação do patógeno. Outra alteração clássica do sistema imunológico durante o envelhecimento é um aumento crônico na inflamação sistêmica chamada inflammaging, que surge de um sistema de alerta hiperativo, porém ineficaz [41].

Dados recentes descrevem a patologia e as mudanças moleculares em pacientes com COVID-19 e apontam para a imunosenescência e inflamação como os principais responsáveis pelas altas taxas de mortalidade em pacientes mais velhos. Existem defeitos tanto no sistema imunológico inato quanto no adaptativo. A falha inata é caracterizada pelo reconhecimento ineficaz de patógenos e ativação de macrófagos e uma redução na citotoxicidade das células natural killers (NK), enquanto a adaptativa é caracterizada por atrofia tímica (prematura) e acúmulo de linfócitos de memória. Em ambos os casos, acredita-se que essas mudanças relacionadas à idade sejam devidas a fatores patogênicos, genéticos e de estilo de vida que afetam o estado epigenético das células e a diversidade das células imunológicas [42].

A imunosenescência pode explicar a letalidade entre os idosos com COVID-19 com uma combinação de resposta ineficaz de células T, falha na produção de anticorpos contra o SARS-CoV-2 e envelhecimento inflamatório que colapsa terrivelmente a homeostase, levando à disfunção orgânica grave [6].

 

Comorbidades e apresentação clínica da COVID-19 em idosos

 

O cenário clínico da COVID-19 na população idosa está longe de ser homogêneo. Na verdade, varia de sintomas mais leves, como febre, tosse seca e dispneia, até a SDRA, que pode levar à morte. Além disso, um curso assintomático também ocorre, tornando a contenção de infecção mais desafiadora.

Em um estudo, evidenciou-se que a população idosa é mais susceptível e tem maior probabilidade para a evolução de quadros mais graves [43]. Em outro estudo, com idosos de 80 anos ou mais acometidos por COVID-19, observou-se que a taxa de mortalidade desses pacientes é alta. A maioria apresentava sintomas atípicos, e a linfopenia parecia ser um resultado laboratorial característico que se correlaciona com a gravidade da doença. No geral, 69,5% dos pacientes idosos tinham doenças de base, e as comorbidades mais comuns incluíram hipertensão, diabetes e doença cardíaca [14].

Em outro estudo, confirmou-se que o grupo mais velho acometido apresentou taxas mais altas de doenças coexistentes, de modo que a hipertensão, diabetes, doença cardíaca crônica e DPOC atingiram significância estatística. Febre, tosse e dispneia foram os sintomas comuns. No entanto, a proporção de temperaturas acima dos 38 oCfoi significativamente maior no grupo mais velho do que no mais jovem. Essa condição está associada à secreção de citocinas inflamatórias e à exacerbação dos sintomas clínicos. Na admissão, o grupo mais velho apresentava linfocitopenia e nível mais baixo de hemoglobina se comparado ao grupo mais jovem. Ademais, o grupo mais velho apresentou maior frequência de opacidade em vidro fosco nos exames de tomografia computadorizada [18].

Em uma coorte com 209 pacientes idosos internados no Hospital Renmin da Universidade Renmin da China, com sede na capital Pequim, observou-se que a maioria dos casos foi classificada como leve na admissão. Os principais sintomas apresentados incluíram febre, tosse, dispneia, produção de expectoração, desconforto torácico, fadiga, anorexia, diarreia e mialgia. A maioria tinha uma ou mais comorbidades. Hipertensão, diabetes, doença cardiovascular e DPOC foram as comorbidades mais comuns. Os autores concluíram que os pacientes idosos com COVID-19 somada às comorbidades apresentaram maior taxa de mortalidade e precisaram de mais cuidados médicos [19].

Embora a idade superior aos cinquenta anos seja considerada um fator de risco para mau prognóstico, as características clínicas de pacientes muito idosos com idade acima de 85 anos não estão bem documentadas. No estudo de Li et al. [41], conclui-se que a proporção de casos fatais em pacientes muito idosos infectados não foi maior do que a relatada em pacientes não idosos, provavelmente devido à baixa resposta imunológica. Pacientes idosos, entretanto, manifestam sintomas clínicos menores e alterações atípicas nas imagens de Tomografia Computadorizada (TC) de tórax, que geralmente levam aos diagnósticos incorretos ou tardios [17].

De acordo com estudo realizado por Becerra-Muñoz et al. [23], os pacientes com 65 anos ou mais hospitalizados apresentavam altas taxas de complicações intra-hospitalares e mortalidade, especialmente entre pacientes com mais de 75 anos. Idade superior a 75 anos, demência, saturação periférica de oxigênio na admissão inferior a 92% e linfopenia grave foram preditores de mortalidade nessa população. Os resultados apoiam as conclusões obtidas em outros estudos, que os idosos são mais vulneráveis à COVID-19 e que as medidas preventivas devem ser reforçadas nessa população.

No estudo realizado por Wang et al. [15], foram descritas as características clínicas de pacientes idosos que enfrentaram o maior risco de morte após a infecção por SARS-CoV-2. O coronavirus causou uma pneumonia muito mais grave em pessoas idosas do que nos pacientes mais jovens. Dos 339 pacientes idosos incluídos, mais de 70% eram graves ou críticos, e a taxa de letalidade foi de 19%. Vários fatores foram considerados preditores de desfechos desfavoráveis, como o sintoma de dispneia, comorbidades, como a doença cardiovascular e a DPOC, e complicações, como a SDRA. Observou-se que, uma vez ocorrida a SDRA, a probabilidade de morte aumentaria dramaticamente. Por outro lado, o aumento da contagem de linfócitos foi preditivo de melhores resultados.

As evidências do surto global de SARS-CoV-2 demonstraram que os indivíduos com comorbidades pré-existentes correm um risco muito maior de morrerem. Isso é uma grande preocupação para os que vivem com essas condições e um grande desafio para os sistemas globais de saúde e para a pesquisa biomédica. A sobreposição de doenças crônicas em idosos é um problema comum no campo da saúde pública mundial [44]. Mais da metade dos idosos em países desenvolvidos tinha mais de três doenças crônicas [44]. Em comparação com pacientes com uma única doença, a taxa de hospitalização e a taxa de letalidade de pacientes com comorbidades são mais altas, e o prognóstico clínico é significativamente menor e frequentemente envolve múltiplos medicamentos. As interações entre medicamentos e doenças frequentemente levam a uma pior eficácia, pior prognóstico, mais reações adversas e mais custos médicos [44,45].

Muitas mortes relacionadas a COVID-19 em países de alta renda são de idosos e residentes em instituições de longa permanência, onde um número considerável de pessoas pode ter DCNT concomitantes. Embora o número de casos e mortes seja menor em países de baixa e média rendas em comparação com os de alta renda, pode-se observar um possível aumento na taxa de mortalidade devido ao fato de esses países possuírem um baixo controle das doenças não transmissíveis, apesar da estrutura demográfica mais jovem. Isso é particularmente importante após o recente crescimento exponencial do número de casos no Brasil [20].

Há evidências de que a COVID-19 e doenças não transmissíveis podem estar associadas em vários níveis, resultando em efeitos potencialmente inesperados para a saúde. A pandemia reduziu drasticamente a prestação de serviços de saúde para doenças não transmissíveis, revela uma pesquisa realizada em 155 países pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As DCNT mataram cerca de 41 milhões de pessoas no ano passado, 71% de todas as mortes em todo o mundo. Cerca de 15 milhões de pessoas com idade entre 30 e 69 anos morrem a cada ano de uma DCNT, e 85% dessas mortes prematuras ocorrem em países de baixa e média rendas [46].

Uma combinação de fragilidade, envelhecimento e comorbidades representa um cenário que pode aumentar exponencialmente a hospitalização, a admissão na UTI e as readmissões hospitalares. Isso pode explicar o aumento das taxas de mortalidade em alguns países, particularmente entre pacientes vulneráveis com DCNT. Dentre esses pacientes, aparecem os idosos com doenças respiratórias crônicas. Em um estudo retrospectivo, concluiu-se que pacientes idosos infectados apresentavam alta proporção de casos graves e comorbidades, com maior probabilidade de apresentarem baixa função imunológica, e indicavam maior proporção de complicações durante o curso da infecção [22].

Os dados obtidos em outro estudo realizado em Wuhan na China indicam que cerca de 40% dos pacientes desenvolvem síndrome do desconforto respiratório agudo, e 20% desses casos eram graves. A prevalência de fibrose pós-COVID-19 tornou-se aparente com o tempo, mas a análise inicial no momento da alta hospitalar sugere que mais de um terço dos pacientes recuperados desenvolvem anormalidades fibróticas [5]. Além disso, cerca de metade dos pacientes tinha capacidade de difusão do monóxido de carbono prejudicada, e um quarto tinha Capacidade Pulmonar Total (CPT) reduzida. Isso se mostrou ainda pior em pacientes idosos com doença grave. No entanto, deve-se considerar que o comprometimento pulmonar de longo prazo pode se desenvolver após a eliminação do vírus e, em particular, após a doença pulmonar intersticial fibrótica [6].

A DPOC é caracterizada por sintomas respiratórios persistentes e limitação do fluxo de ar devido à inflamação das vias aéreas e/ou anormalidades alveolares. Configura-se como uma das principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo [26]. No entanto, evidências apontam para os pacientes com DPOC como um grupo particularmente suscetível à infecção por SARS-CoV-2 e para um pior prognóstico. De fato, a maioria desses pacientes está, ou pelo menos esteve, exposta a gases ou poluentes nocivos capazes de alterar as defesas pulmonares durante muitos anos. Além disso, a disfunção imunológica pode causar aumento da suscetibilidade às infecções respiratórias virais e uma resposta inflamatória prejudicada contra esses desafios. Por fim, vale ressaltar que os sobreviventes mostraram um comprometimento significativo da função pulmonar meses após a recuperação. Se essa tendência for confirmada para os pacientes com COVID-19, um sério impacto no curso clínico e na qualidade de vida daqueles com DPOC como comorbidade poderá ser esperado, uma vez que eles já têm uma função pulmonar diminuída [47].

Apesar de todos os avanços alcançados até o momento por meio de estudos científicos, há que se ter cautela na divulgação desses achados através da imprensa para não perpetuar um processo histórico de silenciamento das demandas, potencialidades e vulnerabilidades da população idosa. Toda a informação gerada deverá servir de auxílio para a implementação de políticas de promoção da saúde, evidenciando a importância da proteção e cuidado com esse segmento populacional [48].

Existem limitações no presente estudo. Em primeiro lugar, a falta de uniformidade na apresentação dos resultados de testes de função pulmonar basais antes da doença torna difícil fazer uma comparação com os resultados após a doença. Em alguns estudos, havia apenas uma minoria de pacientes com doença respiratória crônica. A busca pela mensuração do impacto da COVID-19 na função pulmonar permanece alvo de investigação em todo mundo. Nesta revisão, são fornecidos subsídios sobre a variação do comprometimento da função pulmonar em indivíduos idosos, porém o assunto ainda requer mais estudos.

Em um cenário de pandemia e preocupações com o agravamento da situação para idosos portadores de DCNT, salientam-se as discussões sobre impactos e possíveis desdobramentos. Muitos desafios estão postos para a população mundial, e a adoção de medidas de prevenção reduzirá a probabilidade de a doença chegar aos grupos vulneráveis, o que, por sua vez, diminuirá os índices de morbimortalidade.

Diante desse cenário mundial de pandemia, considera-se como ponto de fragilidade da presente revisão, bem como de todos os estudos bibliográficos realizados até o momento, as incertezas que só poderão ser elucidadas com o passar do tempo e com a contribuição de novos estudos que se encontram em andamento.

São de responsabilidade dos governos em todos os níveis hierárquicos a estruturação e a fiscalização de medidas de prevenção e enfrentamento à COVID-19. Portanto, o estabelecimento de prioridades, visando à preservação de vidas, evita a sobrecarga de serviços de saúde, favorecendo uma melhor alocação de recursos destinados ao combate ao novo coronavírus. Ademais, o investimento na capacitação profissional e em ações de promoção da saúde deve ser o foco principal em meio a esse momento ímpar pelo qual passa a humanidade.

 

Conclusão

 

Na presente revisão, constatou-se elevada taxa de mortalidade por COVID-19 em pacientes com 80 anos ou mais. A baixa imunidade e a ocorrência de comorbidades foram elementos preditivos de desfecho desfavorável. A manifestação de sinais clínicos inespecíficos e alterações atípicas nas imagens de tomografia computadorizada de tórax geralmente levaram aos diagnósticos incorretos ou atrasos. Políticas de saúde pública devem ser desenvolvidas para avaliação de risco e acompanhamento clínico dos sobreviventes recuperados.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver interesses conflitantes.

 

Fonte de financiamento

O presente artigo de revisão não teve nenhum tipo de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Idealização do tema: Silva CEPS, Moreira MASP; revisão da literatura: Silva CEPS, Montenegro CPD; Redação do texto: Silva CEPS; Formatação de elementos gráficos: Montenegro CPD; Sugestões metodológicas: Freitas-Swerts FCT, Robazzi MLCC; Elaboração no percurso metodológico: Moreira MASP; Adequações na elaboração do texto: Robazzi MLCC, Moreira MASP; Adequações na formatação do texto: Freitas-Swerts FCT

 

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