FisioterBras
2022;23(1):18-36
ARTIGO ORIGINAL
Percepção dos discentes de fisioterapia
acerca de doenças infectocontagiosas: uma pesquisa de campo
Perception of
physical therapy students about infectious and contagious diseases: a field
research
Joice Sousa Santos*, Ohanna Cruz
Pereira*, Mariana Machado dos Santos*, Leila Brito de Queiroz Ribeiro, D.Sc.**, Alena Ribeiro Alves
Peixoto Medrado D.Sc.***
*Graduandas em Fisioterapia pela
Universidade Federal da Bahia, **Professora Adjunta do Curso de Odontologia da
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública,
***Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia
Recebido em 13 de setembro de 2021; aceito em 18 de janeiro
de 2022.
Correspondência: Alena
Ribeiro Alves Peixoto Medrado, Avenida Reitor Miguel Calmon s/no., Vale do
Canela, 40000-000 Salvador BA
Joice Sousa Santos:
joice.sousa@ufba.br,
Ohanna Cruz Pereira:
ohanna.cruz@ufba.br
Mariana Machado dos
Santos: marianamachado1305@gmail.com
Leila Brito de Queiroz
Ribeiro: leilabqueiroz@yahoo.com.br
Alena Ribeiro Alves Peixoto
Medrado: armedrado@ufba.br
Resumo
Introdução: As atividades desenvolvidas nos
estabelecimentos de saúde muitas vezes constituem um risco à saúde dos
profissionais e pacientes, principalmente em relação às doenças
infectocontagiosas. Nesse contexto, sabe-se que os pacientes atendidos pelo
profissional fisioterapeuta variam desde atletas a indivíduos imunossuprimidos,
o que torna imprescindível a inserção desta temática no currículo dos estudantes.
Objetivo: Investigar a percepção dos estudantes de Fisioterapia de uma
universidade pública acerca de conceitos de biossegurança e algumas doenças
infectocontagiosas. Métodos: Tratou-se de um estudo quali-quantitativo
do tipo descritivo exploratório de caráter transversal, no qual foram aplicados
questionários sobre a conduta do fisioterapeuta frente às doenças
infectocontagiosas. A amostra, definida por conveniência, foi composta por 105
estudantes. Resultados: Cerca de 67,3% dos estudantes reconheceram o
conceito de biossegurança. Em relação às precauções de contato, 59% dos
discentes afirmaram serem necessárias em casos de escabiose, 46,7% na
furunculose e 34,3 % no impetigo. Conclusão: A partir do presente
estudo, foi possível concluir que apesar do elevado percentual de respostas
assertivas, o aprendizado adquirido durante a formação acadêmica pode ser
perdido no decorrer das práticas ocupacionais, o que demonstra a importância da
educação continuada na prática clínica do profissional fisioterapeuta.
Palavras-chave: Fisioterapia; contenção de riscos
biológicos; doenças transmissíveis.
Abstract
Introduction: The
activities carried out in health establishments often pose a risk to the health
of professionals and patients, especially in relation to infectious and
contagious diseases. In this context, it is known that patients cared for by
professional physical therapists vary from athletes to immunosuppressed
individuals, which makes it essential to include this theme in the students'
curriculum. Objective: To investigate the perception of physical therapy
students at a public University about concepts of biosafety and some infectious
diseases. Methods: This was a qualitative-quantitative, descriptive,
exploratory, cross-sectional study, in which questionnaires were applied on the
physical therapist's conduct in relation to infectious and contagious diseases.
The sample, defined by convenience, consisted of 105 students. Results:
About 67.3% of students recognized the concept of biosafety. Regarding contact
precautions, 59% of students said they were necessary in cases of scabies,
46.7% in furunculosis and 34.3% in impetigo. Conclusion: From the
present study, it was possible to conclude that despite the high percentage of
assertive answers, the learning acquired during academic training may be lost
during occupational practices, which demonstrates the importance of continuing
education in the clinical practice of physical therapists.
Keywords:
Physical Therapy Specialty, containment of biohazards; communicable diseases.
Os estabelecimentos de saúde como
unidades básicas e hospitais, assim como as atividades desempenhadas nesses
ambientes, muitas vezes constituem um risco à saúde dos profissionais e
pacientes inseridos nos locais de assistência [1]. Dentre esses riscos, os de
natureza biológica ganham destaque, pois caracterizam-se como a principal forma
de exposição do profissional de saúde no cuidado ao paciente [2]. Entre as
medidas voltadas para diminuir essas ameaças, pode-se citar o conhecimento
acerca de procedimentos e normas de biossegurança, as quais preconizam a
informação em relação aos riscos aos quais o profissional está exposto,
principalmente a forma como a contaminação pode ocorrer [3].
De acordo com o Ministério da Saúde, as
doenças infectocontagiosas consistem em patologias nas quais ocorre a infecção
de um organismo hospedeiro por um determinado patógeno que se multiplica a
partir da utilização de recursos desse hospedeiro. Ademais, é capaz de
modificar a fisiologia normal do organismo e, consequentemente, acarretar
prejuízos à saúde do indivíduo [4].
Os hospitais são espaços onde há número
considerável de pacientes portadores dessas doenças, como meningite,
tuberculose, Aids, hanseníase, hepatite, sarampo e mais recentemente, a
COVID-19, o que faz desses locais espaços onde ocorre uma concentração
significativa de microrganismos patogênicos [5,6]. Isso pode levar ao aumento
substancial de infecções hospitalares, as quais são um dos fatores
determinantes de morbimortalidade entre pacientes hospitalizados [7]. Por conta
do número elevado de infecções no ambiente hospitalar por microrganismos que
desenvolveram resistência a agentes antimicrobianos, surge a necessidade
crescente da adoção de medidas preventivas. Por essa razão, a Comissão de
Controle de Infecções Hospitalares (CCIH) é exigida nos hospitais; ela também é
responsável pela realização de políticas de prevenção e controle de transmissão
de agentes infecciosos a pacientes e trabalhadores no ambiente hospitalar
[8,9].
Em relação à Fisioterapia, essa
caracteriza-se como uma profissão que vem crescendo no Brasil. A grade
curricular ofertada por esse curso é extensa e apresenta um leque diversificado
de disciplinas, inclusive aquelas que contemplam a área de conhecimento da
Microbiologia e Imunologia. Vale ressaltar que alguns profissionais
fisioterapeutas estarão inseridos em hospitais e, consequentemente, precisarão
do conhecimento sobre as infecções que comumente acontecem nesses ambientes,
com o objetivo de mitigar ou prevenir os riscos durante o exercício de sua
profissão.
Sabe-se também que a condição de saúde
dos pacientes atendidos pelos fisioterapeutas varia bastante, incluindo
indivíduos imunossuprimidos [10]. Assim, os planos para adoção de procedimentos
de controle de infecção devem abarcar essa variedade de pacientes e a
possibilidade de disseminar doenças transmissíveis para essas populações mais
vulneráveis [11]. Entretanto, apesar de a abordagem desse conteúdo no currículo
dos cursos de Fisioterapia ser imprescindível, percebe-se que a maior atenção
dos discentes está voltada para as disciplinas profissionalizantes em
detrimento das áreas de concentração mais abrangentes, a exemplo das
disciplinas básicas que são compartilhadas por diferentes matrizes curriculares
de cursos da saúde.
Diante do que foi apresentado, o
objetivo do presente estudo foi investigar a percepção dos estudantes de
Fisioterapia de uma universidade pública acerca de conceitos de biossegurança e
algumas doenças infectocontagiosas.
Estratégia de coleta de dados
Foi realizado um estudo quali-quantitativo do tipo descritivo exploratório de
caráter transversal, a partir da coleta de dados através de questionário físico
e online acerca da conduta do fisioterapeuta frente às doenças
infectocontagiosas, no período de junho de 2019 a maio de 2020, na população de
estudantes do curso de Fisioterapia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) no
Instituto de Ciências da Saúde, Salvador/BA.
A aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia foi
concedida para a realização do presente estudo, assim como a aprovação em
conformidade com a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde/MS, a
qual dispõe sobre a pesquisa e os testes envolvendo seres humanos, através do
número de protocolo 3.307.477.
O desenvolvimento do
estudo ocorreu a partir da elaboração de um questionário adaptado com perguntas
objetivas, o qual foi aplicado por um entrevistador previamente calibrado.
Ademais, houve também a aplicação do questionário através de plataforma digital
(Google Forms).
População e amostra
A população utilizada no estudo foi
formada por uma amostra de conveniência que abrangeu 105 graduandos de
diferentes semestres do curso de Fisioterapia da UFBA que aceitaram participar
do estudo e informaram este consentimento através de assinatura no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Estes preencheram o instrumento de pesquisa
sem interferências externas e em horário disponível para cada participante. Não
houve desistências após a autorização da participação.
Os critérios de inclusão aplicam-se a
estudantes do curso de Fisioterapia da UFBA, regularmente matriculados no
curso, maiores de 18 anos que estivessem cursando o primeiro, sexto ou décimo semestres,
por serem períodos representativos do início, meio e fim do curso,
respectivamente. Discentes que haviam efetuado o trancamento da matrícula ou
aqueles transferidos de outras universidades não foram incluídos no estudo.
Protocolo do estudo
Os dados foram coletados através de
questionários presenciais e do envio de formulários online através da
plataforma Google Forms, sendo esses roteiros
semiestruturados e adaptados com perguntas de caráter objetivo e subjetivo, as
quais foram validadas anteriormente por Moreira [3]. Esse questionário foi
baseado também no que foi aplicado por Campos [12], e no Manual de Legislação
de Segurança e Medicina no Trabalho [13].
Análise dos resultados e estatística
Foram utilizados gráficos e tabelas para
organizar os dados obtidos, apresentando frequência absoluta e relativa em
planilhas no Word/ Excel 2010. Foi utilizado o software R (versão 4.0.3), no
qual foi feita uma análise descritiva (frequência absoluta/relativa, média e
desvio padrão) a fim de identificar tanto as características gerais quanto as
específicas da amostra estudada.
A amostra foi composta por 105
graduandos do curso de Fisioterapia, dos quais 75,2% (n = 79) eram do sexo
feminino e 24,8% (n = 26), do sexo masculino.
A tabela I ilustra como a biossegurança
foi definida pelos participantes. Observou-se que 67,3% (n = 70) dos estudantes
reconheceram que a biossegurança representa um conjunto de ações voltadas para
a prevenção, minimização ou eliminação dos riscos que podem comprometer a saúde
do homem e animais, o meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos,
durante as atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento
tecnológico e prestação de serviços. Dos discentes entrevistados, 19,2% (n =
20) afirmaram que a biossegurança é um conjunto de normas para a prevenção,
minimização ou eliminação dos riscos que podem comprometer a saúde do
trabalhador durante as atividades de serviço em ambiente hospitalar, ao passo
que 13,5% (n = 14) se referiram à biossegurança como sendo apenas a utilização
de equipamentos de proteção individual e coletivo, visando a proteção e
qualidade de vida dos trabalhadores de saúde durante sua atividade
profissional.
Tabela I - Frequência absoluta e relativa de
discentes do curso de Fisioterapia em relação ao conceito de Biossegurança,
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA,
2020
*1 dado perdido. Fonte:
Autoria própria
O gráfico I ilustra o percentual de
alunos que afirmaram conhecer a Norma Reguladora (NR) 32. Foi constatado que
87,6% (n = 92) dos entrevistados descreveram a NR 32 como uma norma
regulamentadora que estabelece as diretrizes básicas para a implementação de
medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores em serviços de
saúde. Cerca de 7,6% (n = 8) dos estudantes responderam que a NR 32 se tratava
de um órgão regulamentador que tem como propósito garantir que os trabalhadores
de saúde apresentem cuidados quanto aos procedimentos de atendimento, com
qualidade e segurança no trabalho. Adicionalmente, 4,8% dos discentes
identificaram a NR 32 como um instrumento do qual os trabalhadores dispõem para
tratar da prevenção de acidentes de trabalho, das condições do ambiente de
trabalho e de todos os aspectos que afetam sua saúde e segurança.
Fonte: Autoria própria
Gráfico I - Percentual de discentes do curso
de Fisioterapia em relação à percepção sobre o conceito da NR 32, Instituto de
Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA, 2020
O gráfico II ilustra que 96,2% (n = 101)
dos participantes entrevistados concordaram com a aplicação de procedimentos de
precaução padrão para todos os pacientes independente do diagnóstico, enquanto
que 3,8% (n = 4) dos estudantes responderam que tais medidas protetivas não são
necessárias.
Fonte: Autoria própria
Gráfico II - Frequência relativa de discentes
do curso de Fisioterapia em relação à utilização de precaução padrão em
quaisquer situações, independente do diagnóstico, Instituto de Ciências da
Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA, 2020
A tabela II descreve a identificação das
doenças infecciosas pelos discentes para as quais são necessárias medidas de
precaução de contato. Na amostra avaliada, 59% (n = 62) dos estudantes
reconheceram a escabiose como uma doença que os fisioterapeutas devem tomar
cuidado e adotar tais medidas, seguida pela furunculose (47%; n = 49), HIV
(38%, n = 40) e tuberculose (37%, n =39). A dengue foi a condição menos
indicada pelos participantes para a adoção de medidas de precaução de contato.
(8%, n = 8).
Tabela II - Frequência absoluta e relativa de
discentes do curso de Fisioterapia em relação à identificação das patologias
com as quais devem ser utilizadas precaução de contato, Instituto de Ciências
da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador/BA, 2020
Fonte: Autoria própria
A tabela III ilustra a frequência
absoluta e relativa de discentes que identificaram os Equipamentos de Proteção
Individual (EPIs). As luvas foram apontadas pela maioria dos estudantes como um
EPI (99%, n = 104), assim como os óculos (94,3%, n = 99) e o jaleco (93,3%, n =
98). Já a máscara (78,1%, n = 82) e a touca (73,3%, n = 77) foram identificados
com uma frequência menor. Os propés foram os EPIs
menos destacados pelos estudantes (58,1%, n = 61).
Tabela III - Frequência absoluta e relativa de
discentes do curso de Fisioterapia em relação à identificação dos Equipamentos
de Proteção Individual, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da
Bahia, Salvador/BA, 2020
Fonte: Autoria própria
As práticas de biossegurança ganharam
destaque nos últimos meses como nunca tinha ocorrido antes no cenário mundial
[14]. Os profissionais de saúde, entre os quais se incluem os fisioterapeutas,
devem estar atentos aos conceitos básicos de biossegurança, em especial no
ambiente laboral. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a
biossegurança consiste no conjunto de ações voltadas a diminuir ou eliminar os
riscos relacionados às atividades que possam prejudicar a qualidade de vida e a
saúde humana, além do meio ambiente [4]. No presente estudo, observou-se que um
percentual expressivo dos discentes entrevistados (67,3%) compreendeu o
conceito apresentado. O estudo de Schroeder et al. [15] realizou análise
similar; contudo, esse se concentrou na visão dos acadêmicos de Odontologia.
Observou-se que 75,35% dos estudantes afirmaram que conheciam as normas de
biossegurança, além de De Melo et al. [16] relatarem,
em seu trabalho, que 82% dos estudantes do mesmo curso se autoavaliaram
bons conhecedores desta temática. Outros autores também relataram resultados
satisfatórios em outros cursos de graduação na área de saúde [17,18].
Percebeu-se uma escassez de estudos com análise voltada para alunos de
graduação em Fisioterapia.
Segundo Gasperini
[19], a biossegurança faz parte do dia a dia dos profissionais da Fisioterapia,
assim como da prática e dos cuidados a nível hospitalar, os quais podem ocorrer
na enfermaria, no ambulatório ou nas unidades de terapia intensiva. Assim, a
implementação de práticas de biossegurança nos serviços de saúde ainda é um
desafio, tornando-se necessário e imprescindível o apoio da gestão em fornecer
capacitação contínua, a fim de minimizar os riscos ocupacionais e garantir
tanto a segurança dos profissionais quanto a dos pacientes.
Já a Norma Regulamentadora de Segurança
e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde (NR-32), publicada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego em 2005, considera as particularidades para controle e
prevenção dos riscos inerentes aos ambientes onde são prestados os atendimentos
de saúde [4]. Dentre os aspectos contemplados na NR-32, pode-se citar a
necessidade de capacitação continuada, a importância das imunizações, os riscos
biológicos, além da adoção de outras medidas voltadas para identificar e prevenir
os riscos, com objetivo de garantir a saúde dos profissionais.
Em nossa pesquisa, 87,6% dos discentes
do curso de Fisioterapia declararam ter conhecimento da Norma Regulamentadora
n° 32 (NR-32). A importância do reconhecimento da NR-32 reside no fato de que a
adoção das suas orientações previne patologias evitáveis [20]. Estudos apontam
que muitos serviços de saúde não se adequaram devidamente às normas, pois há
evidências do despreparo profissional e acidentes de trabalho. Nobre descreve
os principais fatores para os profissionais não utilizarem a NR-32, os quais
envolvem a falta de conhecimento da NR, falta de tempo, falta de EPIs e EPCs e falta de um programa para saúde do trabalhador [21].
Vale destacar que o nível de conhecimento depende do nível de instrução, do
interesse pessoal e do tempo de estudo.
A Precaução Padrão (PP), por sua vez, é
definida como o conjunto de estratégias adotadas para prevenir a exposição a
materiais biológicos no ambiente de trabalho [22,23]. Essas estratégias são
universais, ou seja, são aplicáveis a todos os profissionais de saúde em
contato direto com pacientes, independente da suspeita ou diagnóstico prévio de
doença infecciosa [24]. São necessárias especialmente quando há risco de
contato com sangue e outros fluidos corpóreos [25]. Entre as principais medidas
de precaução padrão, pode-se citar o uso correto de equipamentos de proteção
individual (EPI), a higienização das mãos, o manuseio e o descarte adequado de
instrumentos perfurocortantes, a descontaminação do local e equipamentos e o
gerenciamento seguro de roupas e resíduos e imunização [22,24].
Hessels [24] descreveu em sua revisão que a
maioria dos estudos determina a PP como uma construção global, apesar de
possuir facilitadores e barreiras para maior adesão. No presente estudo, 96%
dos discentes afirmaram que a aplicação das PPs é
indispensável independente do diagnóstico, o que se assemelha ao resultado de
Moreira, no qual foi unânime a resposta afirmativa para essa questão.
Destaca-se a percepção da importância das PPs para
proteção de contaminações a patógenos transmissíveis; por essa razão, existe a
necessidade de que todos os profissionais possuam o conhecimento das formas de
aplicação dessas medidas, o que irá auxiliar na redução de contaminações
cruzadas, acidentes de trabalho e prejuízos institucionais [3]. Segundo o
estudo de Oliveira, que verificou o conhecimento de profissionais de saúde da
Unidade de Terapia Intensiva, constatou-se que apenas 36,3% dos participantes
apresentaram conhecimento apropriado em relação às normas de precaução padrão.
Ainda nesse estudo, verificou-se que os fisioterapeutas obtiveram o menor
percentual de conhecimento [26].
Existem também outras práticas mais
específicas que devem ser implantadas quando as medidas de precaução padrão não
são suficientes para a interrupção total da transmissão do agente infeccioso.
Essas precauções estão relacionadas com a forma de transmissão, as quais variam
entre precauções de contato, precaução para gotículas e precaução para
aerossóis [27]. No que tange às precauções de contato, essas consistem em
medidas que devem ser adotadas pelos profissionais durante o atendimento aos
pacientes portadores de doenças infectocontagiosas, a fim de prevenir riscos à
saúde, através do controle da disseminação de patógenos [28,29]. Essas medidas
incluem a higienização das mãos, o uso do avental e de luvas, além do quarto
privativo [29]. Tais medidas previnem tanto a contaminação direta, a qual
ocorre através do contato físico entre o portador da infecção e o hospedeiro
suscetível, quanto a contaminação indireta, caracterizada pelo contato de um
possível hospedeiro com instrumentos e equipamentos contaminados [30].
A higienização das mãos é uma das
práticas mais importantes no cuidado ao paciente, visto que a maior parte das
transmissões de infecções ocorre através da mão dos profissionais de saúde
[31,32]. Ademais, é uma medida fundamental para os profissionais
fisioterapeutas, pois estes utilizam-nas constantemente nos seus atendimentos.
É importante que a lavagem seja realizada de forma correta para impedir a
transmissão de microrganismos no contato com qualquer paciente [3].
Já o avental caracteriza-se como um EPI,
o qual protege as roupas e as superfícies corporais quando há risco de
contaminação; ele deve ser utilizado em situações de contato direto com
pacientes portadores de doenças transmissíveis através de contato, como a
furunculose, o impetigo, a escabiose, entre outras. Esse EPI deve ser longo e
possuir mangas compridas; deve ser descartável e estéril e sua colocação e
retirada devem ser feitas na antessala ou no quarto, com posterior descarte em
local adequado, seguido da lavagem das mãos [4].
As luvas, por sua vez, caracterizam-se
por ser o EPI mais utilizado pelos profissionais, sendo imprescindíveis no
contato com um paciente portador de doença infectocontagiosa [33]. Por fim, o
quarto privativo é importante pois mantém o paciente isolado, o que dificulta a
infecção entre outras pessoas; na ausência do quarto privativo, deve-se alocar
os pacientes em enfermarias de coorte, nas quais são atendidos os casos em que
houve infecção pelo mesmo agente patogênico [34]. Sugere-se também que os
materiais utilizados, tais como estetoscópio, termômetro, esfigmomanômetro,
entre outros, sejam de uso exclusivo do paciente, a fim de diminuir a
contaminação indireta [29].
No presente estudo, 59% dos discentes
afirmaram ser necessária a adoção dessas práticas em pacientes portadores de
escabiose. Em outro estudo, o qual verificou a adesão dos profissionais de
saúde às precauções de contato em unidade de terapia intensiva, verificou-se
que 41,9% dos participantes afirmaram tal necessidade em relação às dermatites
e outras doenças de pele e mucosas, as quais incluem a escabiose [35]. Esses
resultados diferem do que foi encontrado por Moreira [3], no qual apenas 23% dos
discentes afirmaram serem necessárias tais medidas, e por Campos [36], que obteve
100% de afirmações para essa infecção. Embora não seja considerada pelo
Ministério da Saúde como doença ocupacional com consequências graves para
profissionais de saúde, a escabiose é uma patologia que exige as precauções de
contato no cuidado ao paciente, a fim de evitar a sua disseminação [37].
Em relação à furunculose, 46,7% dos
estudantes afirmaram a necessidade da adoção das precauções de contato. Esse
resultado foi semelhante ao estudo de Campos, o qual apresentou índice de 42,9%
para essa doença [36]. O desconhecimento associado a essa patologia foi visto
também no estudo de Moreira, no qual apenas 16% dos discentes reconhecem a
importância das práticas no cuidado aos pacientes infectados com a patologia
[3]. Isso pode se refletir em uma baixa adesão dessas medidas por parte dos
futuros profissionais, o que pode resultar no aumento da transmissão entre
pacientes e trabalhadores de saúde.
O impetigo, por sua vez, foi apontado
por apenas 34,3% dos estudantes; no estudo de Moreira, o índice de respostas
foi ainda menor, pois apenas 8% dos discentes considerou o impetigo como uma
patologia que exige precaução de contato [3]. Já Campos [36] encontrou um
resultado próximo ao do presente artigo, com 42,9% dos profissionais afirmando
a necessidade desse tipo de precaução.
Quando perguntados sobre a importância
das precauções de contato no cuidado aos pacientes portadores de HIV, 38,1% dos
discentes afirmaram que tais práticas são necessárias. Esse resultado
apresentou índices maiores quando comparado a outros estudos. Na pesquisa
realizada por Moreira [3], 16% dos discentes afirmaram que há essa necessidade.
O estudo de Garcia [35] apresentou resultados semelhantes, com 16,1% dos
estudantes apontando essa importância.
Apesar de pertencer à classe 3 e ser um
agente que representa risco grave para o profissional exposto e moderado para a
comunidade, com sinais clínicos e lesões graves, o HIV é um patógeno que não
exige dos profissionais as precauções de contato. Além do HIV, o vírus da
hepatite B e a tuberculose também se caracterizam como riscos ocupacionais que resultam
em maiores consequências para o profissional [37]. De acordo com Carmagnani [38], os profissionais de saúde preocupam-se
mais com a sua segurança pessoal quando o paciente é portador dessas patologias
em detrimento de outras que também necessitam de cuidados. Isso contribui para
a adoção de práticas equivocadas e, consequentemente, para o aumento da
transmissão e dos índices de infecção hospitalar.
Quanto ao alto risco de contaminação
pelo HIV, outras pesquisas apontaram um baixo nível de conhecimento dos
profissionais de saúde. Conforme Duarte [39], o qual analisou os fatores de riscos
ocupacionais do trabalho de enfermagem sob a ótica dos enfermeiros, cerca de
75,7% dos profissionais não sabe qual conduta realizar em casos de exposição a
sangue e/ou líquidos corpóreos, o que pode contribuir para o aumento dos níveis
de transmissão desse vírus. Entretanto, esse risco pode ser nulo ao se
utilizar luvas de forma adequada durante o cuidado ao paciente, o que ainda não
é observado na prática por muitos profissionais de saúde [39,40].
Em relação à tuberculose, 37,1% dos
participantes apontaram a necessidade das precauções de contato no cuidado com
esses pacientes. Esse resultado foi mais próximo ao encontrado por Moreira [3], no
qual 16% dos estudantes fizeram tal afirmação. Outras pesquisas
apresentaram índices maiores de respostas para esse tópico, sendo 54,8% no
artigo de Garcia e 78,6% no de Campos [35,36]. Essas diferenças refletem a
falta de conhecimento acerca das medidas adequadas, pois, de acordo com esses
estudos, as práticas voltadas para pacientes com tuberculose relacionam-se às
precauções padrão e por aerossóis. Entretanto, vale destacar a importância do
quarto privativo com ventilação especial através da filtração do ar com filtro
de alta eficiência (HEPA - High Efficiency Particulate Air) e da aplicação da pressão negativa,
com o objetivo de evitar a contaminação por essa patologia [37].
No que diz respeito à hepatite, 28,6%
declararam que são necessárias as precauções de contato frente aos pacientes
portadores dessa patologia. Esse resultado foi maior quando comparado aos
estudos de Garcia [3], cujo índice encontrado foi de 19,4%, e de Moreira [35], que
apresentou porcentagem de apenas 9% para essa doença. Vários estudos apontam
para a necessidade crescente das práticas adequadas de biossegurança no
tratamento desses pacientes, pois o potencial infectante dos vírus que causam
essa patologia é grande, sendo o da hepatite B 100 vezes maior quando comparado
ao HIV, e o da hepatite C, 10 vezes maior [41]. Dessa forma, a lavagem das
mãos, antes e após qualquer procedimento, além do uso de aventais, luvas e
máscaras em situações em que o profissional está em contato com sangue,
secreções, líquidos corpóreos e excretas, são medidas preconizadas no cuidado
aos pacientes portadores da hepatite [42,43]. Na prática fisioterapêutica,
recomenda-se também o uso dos EPIs e dos EPCs, além
de um programa de imunização através da vacinação e a desinfecção e
esterilização dos equipamentos utilizados [44].
Quando questionados acerca das
precauções de contato para pacientes com meningite, 25,7% dos estudantes
afirmaram que essas práticas são necessárias. Esse resultado foi maior que o
encontrado no estudo de Moreira [3], no qual apenas 12% dos discentes fez tal
afirmação; por outro lado, na pesquisa de Garcia [35], 61,3% dos participantes
afirmaram que tais medidas são importantes. Essa discordância entre os
resultados demonstram a falta de conhecimento dos diferentes tipos de
precaução, visto que diversos estudos apontam que as medidas recomendadas no
atendimento a pacientes portadores de meningite seriam a precaução padrão e a
precaução para gotículas [35,45].
Por fim, a dengue foi a patologia menos
apontada pelos discentes, com apenas 7,6% de respostas. Pode-se atribuir isso
ao fato de ser uma patologia com meio de transmissão bem difundido,
principalmente em campanhas de prevenção promovidas pela mídia. Sabe-se,
portanto, que as medidas elencadas no cuidado a esses pacientes dizem respeito
às precauções padrão [35,45]. Dessa forma, é imprescindível que os
trabalhadores da saúde conheçam os meios de propagação dos patógenos, pois a
falta de conhecimento dessa temática pode resultar no aumento da incidência de
infecções entre pacientes e profissionais da área [46,47,48].
Em relação aos equipamentos de proteção
individual (máscara, óculos, jaleco, touca e luvas), devem ser utilizados pelos
fisioterapeutas dentro do ambiente hospitalar, independente do risco de
exposição a aerossóis [49]. No estudo realizado por Lima, todos os
participantes informaram que utilizam EPI independente do diagnóstico do
paciente, além de possuírem hábito de higienizar as mãos antes e após os
atendimentos [50]. Castro [27] constatou que o percentual da adesão à utilização
de luvas e aventais foi elevado, com cerca de 91% de respostas; no presente
estudo, o uso de luvas também apresentou índice elevado na identificação como
EPI, com 99% de afirmações. Entretanto, os trabalhos se diferenciam em
comparação ao uso dos óculos e aventais, pois no presente estudo, a porcentagem
de adesão foi elevada, ao contrário do encontrado por Castro [27] e por Lima
[50], de acordo com os quais tais itens foram considerados os itens mais
esquecidos. Segundo o estudo de Passos [51], os fisioterapeutas são uma das
classes avaliadas mais sujeitas aos riscos ocupacionais, pois o uso de óculos
de proteção é um dos mais negligenciados, além do uso de toucas, que foram os
únicos EPIs visualizados com baixa adesão. Quanto ao uso de touca, a classe de
fisioterapeutas foi a única que descumpriu a medida [50,51].
No que se refere às limitações desta
pesquisa, pode-se citar a execução da coleta, a qual foi realizada em uma única
instituição de ensino. Todavia, isso não comprometeu o desenvolvimento do
estudo, pois houve representatividade entre os discentes de Fisioterapia.
O elevado percentual de respostas
assertivas relacionadas aos conhecimentos sobre biossegurança, no presente
estudo, demonstrou que durante a formação acadêmica há o preparo dos estudantes
de Fisioterapia sobre segurança ocupacional para a prevenção de contágio por
patologias infecciosas. Porém, na comparação com outros trabalhos que avaliaram
a adesão de profissionais de saúde a essas medidas, é notório que o aprendizado
adquirido durante a formação acadêmica é perdido no decorrer das práticas
ocupacionais, o que sinaliza a importância das práticas de educação continuada
na prática clínica do profissional fisioterapeuta.
Diante disso, são
necessários programas de intervenção com capacitação com maior aproximação da
realidade epidemiológica e social e treinamentos específicos sobre a
biossegurança durante a graduação e no decorrer da prática clínica.
Recomenda-se também que novos estudos relacionados à percepção dessas doenças
sejam realizados, o que irá ampliar os conhecimentos dessa temática e embasar
futuras medidas referentes à formação desses profissionais.
Conflito de interesses
As pesquisadoras
declaram que não possuem conflitos de interesse.
Financiamento
O custo da pesquisa foi
financiado com recursos próprios das pesquisadoras.
Contribuição dos autores
Planejamento da
pesquisa, criação do projeto, coleta de dados, análises estatísticas,
construção de gráficos e tabelas, redação do artigo científico: Santos JS, Pereira OC,
Santos MM; Análises estatísticas e na revisão do artigo final: Ribeiro LBQ; Orientação
na elaboração do projeto, desenvolvimento da coleta, análise dos dados e
redação do artigo científico: Medrado ARA