Fisioter Bras 2022;23(4):595-602

doi: 10.33233/fb.v23i4.4930

RELATO DE CASO

Fisioterapia pélvica em paciente infectada pelo vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1: Um relato de caso

Pelvic physiotherapy in a patient infected with human T-cell lymphotropic virus type 1: A case report

 

Clicia Raiane Galvão Ferreira*, Wenderk Martins Soares*, Ana Beatríz Coutinho Sousa*, Elizabeth Bonfim Bernardo*, Cibele Nazaré Câmara Rodrigues, Ft., D.Sc.*, Denise da Silva Pinto, Ft., D.Sc.*

 

*Universidade Federal do Pará, Belém, PA

 

Recebido em 15 de setembro de 2021; Aceito em 30 de junho de 2022.

Correspondência: Clicia Raiane Galvão Ferreira, cliciaraiane8@gmail.com, Rua Augusto Corrêa, 1, Campus Universitário José da Silveira Neto, Guamá, Belém PA

 

Clicia Raiane Galvão Ferreira: cliciaraiane8@gmail.com

Wenderk Martins Soares: wenderk10@gmail.com

Ana Beatríz Coutinho Sousa: ana.beatriz.139@gmail.com

Elizabeth Bonfim Bernardo: elizabeth.bernardo@ics.ufpa.br

Cibele Nazaré Câmara Rodrigues: cibelecamara@hotmail.com

Denise da Silva Pinto: denisefisio23@gmail.com

 

Resumo

Introdução: O vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1) é o agente etiológico da Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia associada ao HTLV-1 (PET/MAH) que faz o indivíduo apresentar comprometimentos motores, sensoriais e disfunção do trato urinário. Métodos: Paciente feminina, 58 anos, residente de Belém/PA, com diagnóstico clínico de Paraparesia espástica tropical associada ao vírus linfotrópico de células T humana tipo 1 (HTLV-1) e doença de Parkinson, apresentava quadro disfuncional de bexiga neurogênica e realizou 10 sessões de um protocolo fisioterapêutico. Resultados: O protocolo de intervenção afetou positivamente na qualidade de vida da paciente, havendo diminuição nos valores de escore de 6 domínios avaliados pelo questionário King 's Health e nos sintomas urinários relatados pela paciente. Conclusão: Os resultados sugerem que a fisioterapia pélvica é uma opção viável na melhora da qualidade de vida de pacientes com bexiga neurogênica.

Palavras-chave: vírus linfotrópico T tipo 1 humano; bexiga urinaria neurogênica; fisioterapia pélvica.

 

Abstract

Introduction: Human T-cell lymphotropic virus type 1 (HTLV-1) is the etiological agent of Tropical Spastic Paraparesis/HTLV-1-associated myelopathy that causes the individual to present motor, sensory and urinary tract dysfunction impairments. Methods: A 58-year-old female patient, resident of Belém/PA, with clinical diagnosis of tropical spastic paraparesis associated with human T-cell lymphotropic virus type 1 (HTLV-1) and Parkinson's disease, presented dysfunctional neurogenic bladder, and performed 10 sessions of a physiotherapeutic protocol. Results: The intervention protocol positively affected the patient's quality of life, with a decrease in the score values of 6 domains evaluated by the King's Health questionnaire and in the urinary symptoms reported by the patient. Conclusion: The results suggest that pelvic physiotherapy is a viable option in improving the quality of life of patients with neurogenic bladder.

Keywords: human T-lymphotropic virus 1; urinary bladder, neurogenic; pelvic physiotherapy.

 

Introdução

 

O vírus linfotrópico de células T humano 1 (HTLV-1) é o agente responsável pela Leucemia/Linfoma de células T do adulto e da paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-1 (PET/MAH). Esta infecção acomete várias regiões do mundo, sendo o Brasil uma região endêmica deste vírus, principalmente nas regiões norte e nordeste do país [1,2,3].

As queixas urinárias estão presentes em praticamente todos os pacientes com PET/MAH e ocorrem em cerca de 30% dos indivíduos infectados pelo HTLV-1 com sintomas iniciais de mielopatia [4]. O achado mais comum é a hiperatividade do detrusor, posteriormente, a arreflexia do detrusor, com as duas disfunções possivelmente coexistentes em pacientes infectados [5]. Essas disfunções podem causar consequências graves para o trato urinário, com alguns pacientes apresentando hipertonia muscular do assoalho pélvico, hipersensibilidade perineal e dispareunia [6]. Essas disfunções urinárias têm um grande impacto na qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HTLV-1 [7].

Nesse contexto, a fisioterapia pélvica tem sido confirmada como opção terapêutica eficaz para manejo da bexiga neurogênica, obtendo resultados satisfatórios, em pacientes com sintomas urinários, pelo uso de terapia comportamental, cinesioterapia e estimulação elétrica do nervo tibial posterior [8,9]. Sendo assim este estudo tem como objetivo avaliar a eficácia da fisioterapia pélvica nas disfunções miccionais em uma paciente com diagnóstico clínico de paraparesia espástica tropical associada ao HTLV-1 e doença de Parkinson, além de verificar sua relação com a qualidade de vida.

 

Apresentação do caso

 

Ensaio clínico não controlado de caso único, realizado no Laboratório de Estudos em Reabilitação Funcional (LAERF) do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal do Pará, no período de agosto de 2019 a julho de 2020. Esta pesquisa foi aceita pelo Comitê de Ética e Pesquisa do ICS da Universidade Federal do Pará sob parecer número 3.844.743.

Paciente M.M.P.S, feminina, 58 anos, residente de Belém/PA, com diagnóstico clínico de paraparesia espástica tropical associada ao HTLV-1 e Doença de Parkinson, apresentava quadro disfuncional de bexiga neurogênica no início do estudo. O plano terapêutico foi realizado em 10 sessões, com frequência de uma vez por semana, tendo avaliação inicial e reavaliação após 10 sessões, visando identificar se houve melhoras nos aspectos avaliados.

Após assinatura do TCLE a paciente foi submetida a anamnese com seus dados e diagnóstico clínico. Posteriormente, foram aplicados o International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) e o King 's Health Questionnaire (KHQ) [10,11]. O protocolo específico foi composto por terapia comportamental, exercícios de conscientização perineal, exercícios pélvicos, eletroterapia para neuromodulação, instruções verbais e escritas para realização diária de exercícios domiciliares.

A terapia comportamental foi composta por duas etapas principais: educação, realizando orientações sobre anátomo-fisiologia e percepção, treinamento/reeducação vesical, a fim de proporcionar conscientização corporal. Além disso, a cinesioterapia pélvica foi feita em contrações voluntárias da musculatura do assoalho pélvico. E como não existe consenso na literatura quanto à padronização das técnicas, foi optado pela realização do seguinte protocolo, mostrado na tabela I.

 

Tabela I - Protocolo de treinamento dos músculos do assoalho pélvico

 

 

Para a eletroterapia foi utilizado o princípio da neuromodulação, em que foi feita a estimulação elétrica do nervo tibial posterior. Para isso foi utilizada uma forma de onda de corrente bifásica, com amplitude de 0 a 10 mA, pulso retangular de largura fixa em 200 µs, frequência de 10 Hz, a estimulação era mantida ao longo de toda a sessão. A sessão foi realizada por 30 minutos, e a intensidade da corrente foi aumentada até o limiar doloroso, relatado pelo paciente [12].

O ICIQ-SF é um questionário já traduzido e validado para a língua portuguesa, na qual considera que resultados com pontuações maiores indicam grande prejuízo de disfunção miccional, enquanto pontuações menores mostram o inverso. Trata-se de um questionário de autopreenchimento o qual avalia dados como a frequência e quantidade da perda urinária, e o quanto isto interfere na vida diária destes pacientes [11].

O KHQ conhecido internacionalmente verifica a qualidade de vida na incontinência urinária (IU), sendo este composto por trinta perguntas distribuídas em nove domínios: percepção da saúde, impacto da incontinência, limitações do desempenho das tarefas, limitação física, limitação social, relacionamento pessoal, emoções, sono, disposição e medidas de gravidade. E a todas as respostas foram atribuídos valores numéricos, somados e avaliados por domínio. Os valores foram calculados por meio de fórmula matemática, obtendo-se assim o escore de qualidade de vida, que varia de 0 a 100, considerando-se que quanto maior o número obtido pior a qualidade de vida [10].

Após a aplicação de todo o protocolo do estudo, a paciente foi reavaliada pelos mesmos instrumentos passados na avaliação inicial. No ICIQ-SF foi observado uma leve diminuição dos sintomas sentidos pela paciente. Todavia não houve mudança na classificação de severidade da paciente, sendo ‘’severa’’ no inicial e no final. Já no questionário KHQ, apresentado na tabela II, observou-se diminuição nos escores da percepção geral, nas limitações de função e físicas, nos domínios de limitação social, no domínio sono/energia e medida de gravidade, deixando evidente a melhora nesses quesitos tão importantes para a qualidade de vida da paciente.

 

Tabela II - Escores do pré e pós-tratamento do Questionário King's Health

 

Discussão

 

Os indivíduos que desenvolvem PET/MAH apresentam um quadro neurológico característico com comprometimentos sensório-motores como fraqueza e espasticidade em membros inferiores, instabilidade postural, o que pode ser um risco para quedas, além de distúrbios esfincterianos vesicais e intestinais. Estas alterações clínicas levam ao portador deste vírus perdas funcionais importantes e como consequência uma alteração em sua qualidade de vida. Neste sentido, estratégias de intervenção terapêutica nesses pacientes se fazem necessárias buscando a reabilitação funcional e como consequência, a sua reinserção no meio social [13,14].

O presente estudo demonstrou que a paciente infectada pelo vírus do HTLV-1 apresentou uma incontinência urinária severa e os sintomas impactaram negativamente na qualidade de vida. Esse achado vai ao encontro do estudo de Yamakawa et al. [15] no qual traz que a disfunção urinária é uma característica frequentemente apresentada pelos infectados pelo vírus do HTLV-1 associado a PET/MAH e mesmo assim há poucos estudos relacionados para avaliar a gravidade dos sintomas causados por essa disfunção.

A bexiga neurogênica antecede o desenvolvimento das outras alterações neurológicas apresentadas por pacientes portadores de HTLV-1, apontando que os sintomas de queixas urinárias são um indicador de morbidade desta doença. A fisioterapia pélvica, através da cinesioterapia, terapia comportamental e a eletroestimulação, mostra-se como uma das principais vias de tratamento para pacientes com disfunções miccionais de origem idiopática, incluindo quem possui o HTLV-1 e outras doenças de base, como o Parkinson [16]. Essa evidência corrobora a intervenção utilizada na pesquisa em questão com o intuito de diminuir os sintomas urinários apresentados pela paciente.

Neste estudo, verificou-se uma correlação entre a diminuição dos sintomas urinários com a melhora da qualidade de vida. Visto que nos aspectos avaliados pelo KHQ observou- se diminuição da pontuação dos escores, evidenciando diminuição das limitações sociais, funcionais e do impacto da incontinência urinária da paciente. Contudo, no ICIQ-SF não foi obtida uma diferença significativa na pontuação inicial e final, o que pode ter sido influenciado pelo número de sessões realizadas semanalmente, que era limitado, da falta do acompanhamento em algumas das sessões de atendimento marcado em que a paciente faltava e da não supervisão e adesão dos exercícios domiciliares.

Com isso, sugere-se a importância de manter uma frequência de atendimento fisioterapêutico pélvico supervisionado maior que uma vez por semana, assim como o incentivo e orientações para adesão dos exercícios domiciliares diários. Além disso, nesta pesquisa foram encontradas limitações quanto à escassez e padronização de protocolos de tratamento, semelhante ao que foi encontrado no estudo de Iijima et al. [17] que ressaltou a heterogeneidade dos sintomas e a dificuldade de encontrar ferramentas padronizadas disponíveis para essa população.

 

Conclusão

 

Os resultados sugerem que a fisioterapia pélvica foi eficaz e uma opção viável na melhora da qualidade de vida de uma paciente que apresenta bexiga neurogênica. Todavia, fazem-se necessários mais estudos atuais e com protocolos definidos para essa população, a fim de acrescentar e desenvolver o conhecimento na área.

 

Conflitos de interesses

Não houve conflitos de interesses.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte de financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Ferreira CRG, Soares WM, Pinto DS; Coleta de dados: Ferreira CRG, Soares WM, Pinto DS; Análise e interpretação dos dados: Ferreira CRG, Soares WM, Sousa ABC, Bernardo EB, Rodrigues CNC, Pinto DS; Redação do manuscrito: Ferreira CRG, Soares WM, Sousa ABC, Bernardo EB; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Rodrigues CNC, Pinto DS

 

Referências

 

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