Fisioter Bras
2021;22(6):895-903
RELATO
DE CASO
O
efeito da terapia Cuevas Medek
Exercises na displasia do desenvolvimento de quadril
em paciente com paralisia cerebral: estudo de caso
The
effect of Cuevas Medek Exercises
Therapy in developmental
hip dysplasia in a patient with cerebral palsy: case study
Andreas Dreckmann Ferreira, Ft.*, Laís Rodrigues Gerzson, Ft., D.Sc.*, Carla Skilhan de Almeida, Ft., D.Sc.*
*Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS
Recebido
em 17 de setembro de 2021; aceito em 6 de dezembro de 2021.
Correspondência: Carla Skilhan
de Almeida, Rua Felizardo, 750, 90690-200 Porto Alegre RS, E-mail:
carlaskilhan@gmail.com
Andreas
Dreckmann Ferreira: dfandreas@gmail.com
Laís
Rodrigues Gerzson, gerzson.lais@yahoo.com.br
Carla
Skilhan de Almeida: carlaskilhan@gmail.com
Resumo
Introdução: A terapia Cuevas
Medek Exercises (CME) é um
método fisioterapêutico de manuseio sem comandos verbais, pois não busca
reações voluntárias e, sim, acessar a via cortical involuntária. As correções
dos movimentos acontecem pelo estímulo sensorial da mão do terapeuta. Objetivo:
Avaliar o efeito da CME na displasia do desenvolvimento de quadril (DDQ) de uma
paciente com paralisia cerebral (PC). Métodos: A pesquisa é
caracterizada como estudo de caso, tendo como participante uma menina de seis
anos com PC, tetraparesia e displasia bilateral de quadril. As intervenções
começaram após avaliação desenvolvida pelo método CME, radiografia de quadril e
classificação nos níveis do Sistema de Classificação da Função Motora Grossa
(GMFCS). A criança foi submetida a terapia CME para tratar a DDQ durante 10
meses, totalizando 136 sessões (45 minutos cada), composta de quatro a seis
exercícios repetidos, seis vezes em média. Foram registrados o tempo e/ou
quantas repetições conseguiu realizar. Resultados: Evoluiu de 55 para 61
pontos no score do CME, melhorou sua idade motora e, na radiografia de quadril,
o esquerdo passou de subluxado para quadril de risco.
Conclusão: A paciente melhorou idade motora, controle de tronco e bipedestação, autonomia e encaixe do quadril em ambos os
lados.
Palavras-chave: Fisioterapia; paralisia cerebral;
deficiências do desenvolvimento, displasia do desenvolvimento do quadril.
Abstract
Introduction: Cuevas Medek Exercises Therapy (CME) is a physiotherapeutic handling method, without verbal commands, as it does not aim voluntary reactions,
but rather to access the
involuntary cortical pathway.
The corrections of the movements are done through sensory
input from the therapist's hands. Objective: To evaluate the effect
of CME on the Developmental Dysplasia of the Hip (DDH) in a patient with Cerebral Palsy (CP). Methods: The research is characterized
as a case study, having as
a participant a six-year-old
girl with CP, tetraparesis and bilateral hip dysplasia. The interventions started after an initial
evaluation developed exclusively with the CME method, hip radiography and classification in the Gross Motor
Function Classification
System (GMFCS) levels. The child
went through CME therapy to treat
DDH for 10 months, totaling
136 sessions (45 minutes each),
consisting of four to six repeated
exercises, six times on average. The time and/or how
many repetitions she managed to
perform were recorded. At the end, the evaluations
were done again. Results: Evolved from 55 to 61 points in the CME score, improved her motor age and, in the hip radiography, the left went from
subluxated to at-risk hip. Conclusion:
The patient improved motor
age, trunk control and bipedestation, autonomy, and hip fitting on both
sides.
Keywords: Physiotherapy;
cerebral palsy; learning disabilities; developmental dysplasia of the
hip.
A
falta de controle sobre os movimentos prejudica o desempenho funcional da
criança com paralisia cerebral (PC), a independência e a autonomia no seu
cotidiano [1]. O sistema nervoso do paciente com PC necessita ser estimulado
para que novas conexões sejam formadas. O fisioterapeuta pode promover a
neuroplasticidade e algumas técnicas se baseiam nesse princípio, como o método Cuevas Medek Exercises
(CME) [2]. É aplicado até que o paciente alcance e tenha controle pleno
sobre a marcha independente [3].
O
CME oferece estímulos mais objetivos para o aparecimento das respostas motoras
automáticas esperadas na criança [4]. O potencial de recuperação do cérebro do
sujeito é estimulado conforme é exposto, gradualmente, às forças
gravitacionais, a desafios posturais, às reações antigravitárias
[5] e seu controle vertical [6]. Trata sujeitos com comprometimento do
desenvolvimento (maiores de três meses), provocando o aparecimento de funções
motoras automáticas ausentes, com progressão gradual para o apoio distal.
Para
um bom apoio distal é necessário um efetivo encaixe biomecânico fêmur-acetabular. A pobreza de movimentos de membros inferiores e
a falta da ortostase devido às consequências da PC
fazem com que a articulação não se molde no formato da concavidade/convexidade,
tornando a articulação rasa e displásica. Dentre as
disfunções biomecânicas encontramos uma inadequada posição do acetábulo, uma anteroversão do componente femoral, desgastes que levam a
alteração da morfologia da cabeça femoral/cavidade acetabular,
dor, luxando este quadril e tornando o sujeito dependente de uma cadeira de
rodas [7].
Assim,
acredita-se que o CME pode melhorar as forças musculares da articulação, o
reposicionamento fêmur-acetabular e diminuição do
curso da displasia no desenvolvimento do quadril (DDQ), uma das consequências
da PC [8]. Quanto mais precoce for o diagnóstico e tratamento, menores serão as
complicações a longo prazo, como a luxação persistente e a osteoartrite precoce
do quadril [9]. Esse controle pode ser acompanhado facilmente através de
exames de radiografia (RX) de quadril [10].
Como
os exercícios propostos pelo CME visa o controle motor postural, estimulando a
força da atração, poderia repercutir no composto acetábulo/fêmur. Devido às
escassas pesquisas propostas em relação ao tema, o presente estudo teve como
problema de pesquisa: quais seriam os efeitos do método CME na DDQ de uma
criança com PC. Sendo assim, o objetivo foi avaliar o efeito da CME na
displasia do desenvolvimento de quadril de uma paciente com paralisia cerebral.
Apresentação
do caso
Trata-se
de um estudo de caso, com avaliação pré e
pós-intervenção de forma longitudinal. O projeto foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (nº 761.522, CAAE: 33534614.1.0000.5504). Os pais e/ou
responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
Gemelar, menina, nasceu de 33 semanas, de parto
cesariana, Apgar nove no primeiro e no quinto minuto.
Foi para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital, permanecendo por 30
dias, adquirindo a infecção hospitalar (meningite e encefalite por
enterovírus). Atualmente tem seis anos de idade, com diagnóstico de PC desde os
seis meses e com DDQ.
O
protocolo foi elaborado para três momentos: avaliação inicial, intervenção e
reavaliação, por um avaliador cegado. O estudo foi realizado em um consultório
particular, composto por tatames, kits do CME, cronômetro e material para as
anotações sobre a evolução da paciente. As sessões foram gravadas com celular
(Iphone 11 pro, 2020).
Histórico
médico da paciente foi respondido pelos pais [11]; avaliação baseada no CME
[12]; Sistema de Classificação da Função Motora Grossa Ampliado e Revisto
(GMFCS & R) [13] e RX do quadril [10] com medida de um Guideline
(Australian Hip Surveillance
Guidelines for Children with Cerebral Palsy) compuseram a
avaliação inicial.
A
avaliação do CME foi realizada por terapeutas capacitados, composto por 41
itens para observar as competências motoras. Os itens são cotados com scores
que variam entre zero e três, onde: 0 corresponde à ausência de resposta; 1
resposta mínima; 2 resposta
incompleta; 3 resposta
completa. As funções motoras cotadas com as duas
primeiras cotações (com zero e
um) são usadas na elaboração e
implementação do programa de CME. Todavia, as
funções
motoras pontuadas com três pontos não requerem qualquer
atenção. Porém, as
cotadas com dois pontos devem ser tidas em consideração
quando a idade
cronológica da criança for superior a 24 meses. Ainda
permite calcular a idade
motora da criança (idade máxima 16 meses), dividindo a
soma das cotações
obtidas em cada função motora por oito [4].
A
menina teve dificuldade em fazer trocas posturais, não se locomovia
independentemente, tinha limitações em manter a postura em ortostase,
bipedestação, controle de tronco e algumas
estereotipias de membros superiores. A paciente atingiu 55 pontos no score, que
a classifica com uma idade motora de 7,2 meses, aquém da sua idade biológica.
Para o GMFCS, que é um instrumento padronizado, traduzido, confiável e classifica
as crianças com PC, a menina foi classificada em grau IV (antes e após as
intervenções). No Nível IV, a criança apresenta controle cervical, mas
necessita de apoio de tronco para sentar no chão e conseguem rolar para supino
e para prono [14].
Para
a avaliação do RX de quadril, tem a variável MP (migration
percentage - MP) [10] que calcula o encaixe do
acetábulo e da cabeça do fêmur. Foi traçada uma linha reta no início do
acetábulo da parte lateral para a parte central do fêmur. Após, a cabeça do
fêmur que fica fora do acetábulo foi medida (A) e, depois, mediu-se a cabeça do
fêmur total (B). Então se MP = A/Bx100%. Caso o percentual ficasse em torno de
11 a 31%, o quadril seria considerado de risco para luxar; subluxação
de 31 a 90% e luxado, acima de 91% []. No RX de 2019, o quadril direito
marcava 20% (quadril de risco para luxar). No quadril esquerdo foi classificado
como subluxado com 32%.
A
sessão foi composta por quatro a seis atividades diferentes repetidas em média
seis vezes. Os exercícios variavam durante cada sessão, não existem exercícios
estanques e nem únicos no CME. Eles variam em diversas posições e aparatos
(como em ortostase, sentado, na mesa, em caixas, de
frente para o fisioterapeuta – face to face, de
costas para o fisioterapeuta. A pega do profissional também varia no corpo da
paciente, iniciando nas coxas e levando cada vez mais para a periferia). Faz
parte do método essa variabilidade de exercícios. O foco durante o atendimento
é a estimulação da musculatura tônica, a resposta provocada às musculaturas antigravitárias, excitação das fibras musculares tônicas e fásicas. Os exercícios trabalhavam as limitações que a
menina apresentou no início, principalmente em ortostase,
propiciando o encaixe do acetábulo, pela ação da gravidade. Na postura sentada,
a excitação dos movimentos de equilíbrio e balanço. Durante a execução de cada
tarefa, foram tomadas notas de quanto tempo e/ou quantas repetições conseguia
realizar. Foi utilizado um período de 10 meses, totalizando 136 sessões, cada
sessão de 45 minutos.
Na
reavaliação, observou-se um score em 61 pontos, atingindo a idade motora de 7,6
meses. Observou-se um melhor controle de tronco e bipedestação.
No RX de 2020, o quadril direito passou de 20% para 24%, continuando na
classificação de quadril de risco para luxar, mas, no esquerdo, verificou-se
uma regressão no segundo laudo, atingindo 28%, saindo da classificação de
quadril subluxado para a de risco de luxar (Figura
1).
Figura
1 - (A) RX de
quadril antes da intervenção fisioterapêutica; (B) RX de quadril depois da
intervenção fisioterapêutica
Não
foram encontrados estudos que verificam se o CME interfere na DDQ, o que torna
este estudo de caso de grande notoriedade. Também, o método utilizado parece
ter impactado positivamente no controle de tronco e bipedestação,
auxiliando na sua autonomia [4,15]. A classificação dentro do próprio CME e
GMFCS ajudaram a escolher quais exercícios e níveis de dificuldade deveriam ser
adotados. Optou-se por aplicar cada atividade do CME de forma gradativa, a
partir da resposta da criança, podendo fazer ou não modificações. As atividades
ajudam na estabilização do controle de tronco e equilíbrio ortostático [16].
Em
um estudo, no qual o quadril não foi mencionado [12], a paciente com PC
apresentava extensão de tronco e cervical incompleta, resposta mínima a
inclinações de cabeça, flexão/extensão de cervical e rolar espontâneo. As
reações protetoras, as transferências e a marcha estavam ausentes na sua
primeira sessão de CME. Foram 144 sessões e, ao final, a paciente alcançou a
idade motora de 17 meses, não necessitando de auxílio para marcha.
Assim,
os autores do presente estudo acreditaram que o protocolo proporcionaria
resultados positivos no encaixe do quadril da menina. As condutas realizadas
que tiveram esta resolubilidade foram os exercícios de bipedestação,
marcha e atividades de tronco, que se valeram do próprio peso do tronco sobre o
quadril, estimulando a acomodação articular de maneira mais correta, bem como o
uso de musculaturas envolvidas nas articulações do quadril e adjacentes. Por
exemplo, o exercício em pé provoca a musculatura responsável pela bipedestação, melhora do metabolismo, melhora circulatória,
resposta do sistema postural automático, fibras tônicas da coluna vertebral,
tudo isso porque o CME provoca o corpo contra a gravidade. Existem exercícios
mais complexos que devem ter menos quantidades, assim como os mais simples
podem desencadear mais quantidades de atividades.
As
pesquisas relatavam que a DDQ deve ser corrigida em idade precoce [17]. Por
isso, um aliado no tratamento do CME é o exame de RX de quadril. Esse exame
possibilita o fisioterapeuta acompanhamento dos casos a longo prazo,
identificam o quadril em risco ou realizam o diagnóstico precoce da subluxação [18]. No entanto, geralmente, crianças de três a
oito anos de idade passam por procedimento de osteotomia de remodelagem acetabular (Pemberton ou a
osteotomia de San Diego).
A
intervenção cirúrgica durante a infância ou adolescência pode alterar a
história natural da DDQ e melhorar muito a longevidade da articulação do
quadril. Outras osteotomias também são realizadas em diversas idades: triplo
(oito a 10 anos); periacetabular de Ganz (14-15 anos), que fornece correção eficaz da
displasia residual. Entretanto, antes de pensar em cirurgia, a equipe de
reabilitação deve acreditar no diagnóstico precoce e no tratamento conservador
como protagonista. O CME tem exercícios desafiadores, repetidos e intensos,
além de uma alteração local na articulação do quadril, altera as representações
motoras corticais, aumentando as ramificações dendríticas, o crescimento
sináptico e as respostas [2].
Considera-se
que a pesquisa possa contribuir para o conhecimento que vem sendo produzido na
área, mas destacam-se suas limitações em relação ao número único de
participante. Um estudo de caso tem características únicas e deve ser
motivadora para outros estudos, pois instiga o tema para novas pesquisas.
Os
resultados observados atingem as metas traçadas. Sendo assim, neste estudo de
caso, a paciente melhorou sua idade motora, o controle de tronco e bipedestação, sua autonomia e seu encaixe do quadril em
ambos os lados. Os achados vão ao encontro de que a CME é uma opção de
intervenção de indivíduos que apresentam déficits motores oriundos da PC.
Conflitos
de interesse
Nenhum
conflito de interesse
Fonte
de financiamento
Não
há fonte de financiamento
Contribuição
de cada autor
Organização
do estudo, aplicação dos instrumentos, análise dos dados coletados: Ferreira AD; Análise
dos dados, correção da escrita e submissão do artigo: Gerzson
LR; Análises dos dados coletados e gerencia do estudo: Almeida CS.