Fisioter Bras 2022;23(2):332-41
REVISÃO
Atuação da fisioterapia
na força muscular em pacientes com hemofilia
Action of physical therapy on muscle strength in patients with
hemophilia
Luciano Gil Saldanha
Torres*, Jennyfer Karolaine
dos Santos Lima*, Layse da Silva Carvalho**, Izabela Cristina Nascimento Souza***, Mycaeli
Oliveira Alves****, Laercio Brehner
Gemaque de Couto*****, Erica Silva de Souza Matsumura, Ft.******, Brenda Beatriz Silva Monteiro,
Ft.*******
*Acadêmico de
Fisioterapia, Universidade do Estado do Pará, **Acadêmica de Fisioterapia, Faculdade Maurício
de Nassau, ***Acadêmica de Fisioterapia,
Escola Superior da Amazônia, ****Acadêmica de Fisioterapia, Faculdade Paraense de Ensino,
*****Acadêmico de Fisioterapia, Universidade da Amazônia, ******Doutoranda em
Biologia Parasitária na Amazônia, Universidade do Estado do Pará,
*******Residente em Hematologia e Hemoterapia, Universidade do Estado do Pará
Recebido em 18 de setembro
de 2021; aceito em 11 de março de 2022.
Correspondência: Brenda Beatriz Silva Monteiro,
Universidade do Estado do Pará, Tv. Perebebuí, 2623
Marco 66087-662 Belém PA
Luciano
Gil Saldanha Torres: lucianotorres10@gmail.com,
Jennyfer Karolaine
dos Santos Lima: jennyfer.lima@aluno.br
Layse da Silva Carvalho:
laysescarvalho@outlook.com
Izabela Cristina Nascimento
Souza: izabelacristina2020@gmail.com
Mycaeli Oleiveira
Alves: mycaelioliveira169@gmail.com
Laercio Brehner Gemaque de Couto:
lb.gemaque@gmail.com
Erica
Silva de Souza Matsumura: erica.s.souza@terra.com.br
Brenda
Beatriz Silva Monteiro: bbeatrizfisio@gmail.com
Resumo
Introdução: A hemofilia é uma doença hemorrágica
hereditária ligada ao cromossomo X. É transmitida, geralmente, para os homens
por meio de mães portadoras da mutação. A doença tem origem a partir de
mutações que podem ocorrer na gestante ou no feto. Objetivo: Verificar a
atuação da fisioterapia na força muscular em pacientes hemofílicos. Métodos:
A pesquisa caracteriza-se como revisão de literatura e descritiva. Foram feitas
buscas no período de julho e agosto de 2021, nas bases de dados Pubmed e Scientific Electonic Library Online (Scielo).
Para a busca foram utilizados os descritores da área da saúde, na língua
portuguesa e inglesa; os descritores foram: fisioterapia; hemofilia; força
muscular na hemofilia. Foram selecionados estudos publicados no período de
janeiro de 2010 a julho de 2021 nos idiomas inglês e português. Resultados:
A partir dos descritores citados, foram encontrados 69 artigos relacionados ao
tema. Foram excluídos artigos que não apresentaram resultados ou incompletos e
que fossem revisões de literatura, sendo destes 5 selecionados dentro dos
critérios de inclusão e exclusão. Conclusão: Evidenciou-se que os
artigos encontrados demonstram a importância da fisioterapia em conjunto com o
exercício terapêutico na melhora da força muscular em hemofílicos.
Palavras-chave: hemofilia; fisioterapia; intervenção;
hemartrose.
Abstract
Introduction: Hemophilia is a hereditary hemorrhagic disease
linked to the X chromosome. It is usually transmitted to men through mothers
who carry the mutation. The disease originates from new mutations, which can
occur in pregnant women or fetuses. Objective: To verify the role of
physical therapy on muscle strength in hemophiliac patients. Methods:
The research is characterized as a descriptive literature review, performed between
July and August 2021, in the databases Pubmed and
Scientific Electronic Library Online (Scielo). Descriptors
from the health area were used, in Portuguese and English: physical therapy;
hemophilia; muscle strength in hemophilia. Studies published from January 2010
to July 2021 in English and Portuguese were selected. Results: 69
articles related to the topic were found. Articles that did not present results
or incomplete or literature reviews were excluded, and of these, 5 were
selected within the inclusion and exclusion criteria. Conclusion: The selected
studies demonstrate the importance of physical therapy in conjunction with
therapeutic exercise in improving muscle strength in hemophiliac patients.
Keywords: hemophilia; physiotherapy; intervention;
hemarthrosis.
A
hemofilia é uma doença hemorrágica hereditária ligada ao cromossomo X caracterizada
pela deficiência ou anormalidade da atividade coagulante do fator VIII
(hemofilia A) ou do fator IX (hemofilia B). As características clínicas das
hemofilias (A e B) são semelhantes, ambas causam sangramentos intra-articulares
(hemartroses), hemorragias musculares ou em outros tecidos ou cavidades
ocasionando incapacidades físicas importantes. Além disso, por ser ligada ao
cromossomo X, afeta especificamente o sexo masculino, predispondo seus
portadores a sangramentos de forma espontânea ou a complicações de maior
gravidade a traumas [1,2].
Os genes
codificadores dos fatores VIII e IX estão no braço longo do cromossomo X, erros
como inserções, mutações e deleções no gene do fator VIII dão origem a
hemofilia tipo A. Sendo assim, 40% dos casos de hemofilia A são decorrentes por
inversão do intron 22 no gene VII, já a do tipo B é
ocasionada pela alteração no gene fator IX [3].
A
prevalência da hemofilia é de, aproximadamente, 1 caso em cada 10 mil
nascimentos do sexo masculino para a hemofilia A, e de 1 caso em cada 40 mil
nascimentos do sexo masculinos para a hemofilia B; sendo, essencialmente, uma
doença que atinge o sexo masculino. Apesar de o público feminino ser apenas
portadores do gene da hemofilia, as mesmas podem apresentar fatores de coagulação
diminuídos com o aumento do risco de hemorragia [4].
Convém
salientar, ainda, que a hemofilia é transmitida, geralmente, para os homens por
meio de mães portadoras da mutação (70% dos casos). Entretanto, cerca de 30%
dos casos, a doença tem origem a partir de mutações novo, que podem ocorrer na
gestante ou no feto. Nesses casos, são chamados de esporádicos, podendo ser de
pacientes isolados, ou a presença apenas entre irmãos, com a ausência em
gerações pregressa [5].
O nível
de severidade da hemofilia é classificado: 1) forma leve, na qual os indivíduos
sangram quando sofrem algum trauma ou por cirurgia; 2) moderada, quando sangram
menos frequentemente, em torno de uma vez por mês e 3) forma severa, possui uma
média de 20 a 30 ocorrências de sangramentos após pequenos traumas,
principalmente, em articulações e músculos [6,7].
Em
decorrência desses sangramentos, geralmente, as hemartroses são precedidas por
desconforto articular, que em algum período de tempo tornam-se progressivamente
dolorosas, consequentemente, limitando o movimento articular. Somado a isso, a
articulação pode aumentar de tamanho, ficar aquecida e causar deformidade
articular, agravada por atrofia muscular [7].
Para o
diagnóstico da hemofilia, deve ser observado os sintomas que o paciente
apresenta, se após pequenos traumas tem presença de sangramentos ou
sangramentos em excesso após cirurgias. Fundamentado nisso, é feito o coagulograma para verificar a causa das hemorragias. Nesse
exame, é observado, nos casos de hemofilia, o aumento do Tempo de
Tromboplastina Parcial ativado (PTTa) e o Tempo de
Protrombina (TP) normal, com exceção de alguns casos leves, em que o TTPa
continua sem alteração. No teste de PTTa os fatores
da via intrínseca da coagulação são examinados, ocorrendo a análise de
deficiência nos fatores VIII, IX, XI e XII [8].
O exame PTTa tem como base a calcificação do plasma na presença de
grande quantidade de fosfolipídio e de um ativador do sistema de contato,
encontrando-se em quantidades elevadas na hemofilia grave e moderada. Já no TP,
os fatores da via extrínseca da coagulação são avaliados, sendo estes os
fatores II, V, VII e C, que neste teste situam-se normais [9,10].
O
tratamento da doença necessita de uma equipe multidisciplinar, sendo realizado
clinicamente por meio da terapia de reposição dos fatores que se encontram
insuficientes no sangue. Além disso, o acompanhamento fisioterapêutico é
fundamental por prevenir agravos na estabilização do quadro clínico e na
reabilitação de pacientes com hemofilia.
Objetivos
Os
principais objetivos da fisioterapia no tratamento de pacientes hemofílicos são
evitar as incapacidades funcionais e melhorar a qualidade de vida desses
indivíduos, por meio do fortalecimento muscular para a proteção das articulações
e redução de hemorragias intra-articulares [11]. Assim, este estudo teve como
objetivo verificar a atuação da fisioterapia na força muscular em pacientes
hemofílicos. Ademais, espera-se que as informações coletadas nesse artigo
contribuam para os profissionais e acadêmicos da área da saúde acerca da
importância da fisioterapia para a melhora e manutenção da saúde dos
hemofílicos.
Trata-se
de uma pesquisa do tipo revisão de literatura de abordagem descritiva. Foram
feitas buscas no período de agosto e setembro de 2021, nas bases de dados, Pubmed e Scientific Electonic Library Online (Scielo).
Para a busca, foram utilizados os descritores da área da saúde (DeCS), na língua portuguesa e inglesa; os descritores
foram: fisioterapia, hemofilia, intervenção e hemartrose.
Como
critérios de inclusão, foram selecionados estudos publicados no período de
janeiro de 2010 a julho de 2021 nos idiomas inglês e português, com o tema
relacionado a atuação da fisioterapia na força muscular em pacientes com
hemofilia.
A partir
dos descritores citados, foram encontrados 69 artigos relacionados ao tema.
Foram excluídos artigos que não apresentaram resultados ou incompletos, artigos
de revisão de literatura e sistemática e que não fossem voltados a fisioterapia
na questão musculoesquelética em hemofílicos, sendo destes, 24 selecionados
para a leitura.
O
processo de seleção do estudo foi realizado por 2 revisores, e envolveu a
triagem dos títulos e leitura dos resumos, após o qual os artigos
potencialmente relevantes foram obtidos no texto completo para uma análise mais
aprofundada dos critérios de elegibilidade. O terceiro revisor foi consultado
em casos de desacordo, e uma decisão foi tomada por consenso.
Limitações do estudo
É
pertinente frisar as limitações do estudo, dentre elas: a dificuldade em
encontrar artigos originais que abordassem a fisioterapia em hematologia e
hemoterapia, sobretudo voltado à hemofilia; além disso, estudos que
diferenciassem o atendimento fisioterapêutico entre o público infantil e adulto
hemofílicos e também o grau de severidade da doença associado ao tratamento.
Figura 1 – Amostra da quantidade de artigos
encontrados nas bases de dados Pubmed e Scielo e posterior seleção dentro dos critérios de inclusão
e exclusão
Foram
encontrados 24 artigos nas bases de dados pesquisadas que estavam de acordo com
os critérios de inclusão e exclusão, destes 5 entraram para a discussão do
artigo.
Quadro 1 – Características dos estudos
estudados por autor, título, objetivo, métodos e resultados
A
fisioterapia dentro do tratamento do paciente hemofílico possui grande
importância devido aos diversos ganhos que os indivíduos acometidos por
hemofilia podem conquistar. O tratamento fisioterapêutico previne déficits
motores, melhora a funcionalidade, reduz a dor e melhora a qualidade de vida. A
cinesioterapia regular objetiva o aumento e manutenção do trofismo e força
muscular, a estabilidade e mobilidade articular, a flexibilidade e o
equilíbrio, contribuindo para o retorno e aperfeiçoamento das Atividades de
Vida Diária (AVD) [17].
Além da
melhora funcional, a fisioterapia também atua na manutenção da força muscular.
Estudo realizado por Tat et al. [12] avaliou
os efeitos da hemartrose nos músculos esqueléticos em crianças, e encontraram
que há uma perda significativa de amplitude de movimento e força muscular em
áreas que possuem hemartrose em comparação com o lado do corpo que não possui.
Verificou-se também que há mais perda de força muscular na região de membros
superiores do que de membros inferiores, demonstrando a necessidade de
intervenção precoce para o melhor prognóstico, visto que as perdas podem levar
a alterações funcionais.
Nas
pesquisas encontradas, a cinesioterapia regular de grau leve e moderada foi a
modalidade de tratamento mais encontrada, citada por 4 estudos [13,14,15,16]. Nesses
casos, os exercícios terapêuticos foram realizados associados com outros
tratamentos para o melhor desempenho do tratamento, além de servir como
comparação entre quais tipos de protocolos apresentam o melhor resultado.
Nesse
sentido, o estudo realizado por Al-Sharif et al. [13] buscou comparar os
efeitos de exercícios leves e moderados em esteira sobre a força de preensão
manual em homens de idade entre 25 e 45 anos. Os participantes foram divididos
em 2 grupos, o primeiro grupo recebeu treinamento físico aeróbico de
intensidade moderada e o segundo treinamento físico aeróbico de intensidade
leve, cada grupo contendo 25 pessoas. Como resultado, foi demonstrado que no
grupo de exercício moderado teve maior aumento nos valores médios de força de
preensão manual.
No estudo
de El-Shamy [14], foi demonstrado que a fisioterapia
convencional mais o treinamento de vibração de corpo inteiro (30-40 Hz, 2-4 mm de
deslocamento na vertical), em crianças com hemofilia com faixa etária entre 9 e
13, é mais eficaz do que a realização apenas da fisioterapia convencional nesse
público, nas variáveis pesquisadas, força de quadríceps, densidade mineral
óssea e capacidade funcional. A fisioterapia convencional realizada neste
estudo incluía compressas quentes, alongamento muscular, exercícios de
fortalecimento, treinamento de equilíbrio e marcha.
Em outro
estudo com crianças hemofílicas, Hashem et al.
[15] realizaram uma comparação entre exercícios de fortalecimento muscular mais
a fisioterapia convencional e o tratamento fisioterapêutico usual para
hemofilia em crianças. O tratamento foi realizado 2 vezes por semana, por 12
semanas, totalizando 24 sessões. Nesta pesquisa, também foi corroborado que a
realização da fisioterapia, somado ao exercício terapêutico, resultam em
melhores prognósticos, durante e após o tratamento, como o aumento da força
muscular.
Esses
resultados corroboram os achados na literatura, pois Stephensen
et al. [18] explicam que o tratamento fisioterapêutico que incorpora a hidroterapia,
exercícios de resistência ou treinamentos de equilíbrio possuem potencial para
melhorar a força muscular, além de reduzir as dores e aumentar a amplitude de
movimento.
Azab et al. [16], em sua pesquisa,
obtiveram o resultado de que o uso do Kinesio Taping em adolescentes com hemofilia aumentaria os efeitos
da fisioterapia na melhora da resistência muscular e capacidade funcional, além
de melhorar no alívio da dor, sendo uma terapia coadjuvante eficaz no
tratamento fisioterapêutico em hemofílicos.
Diante do
levantamento realizado, conclui-se que a fisioterapia em conjunto com o
exercício terapêutico melhora a força muscular de pacientes hemofílicos e
consequentemente melhora a sua resistência, visto que pessoas que possuem
hemofilia estão mais vulneráveis a terem episódios de sangramentos
intramusculares.
Dessa
forma, é notável a importância da fisioterapia para a melhora e manutenção da
força e resistência muscular, assim como para a promoção da qualidade de vida
dos pacientes que possuem hemofilia. Visto as limitações encontradas nos
estudos incluídos nesta revisão, sugerem-se mais estudos controlados
randomizados para determinar a real eficácia estatisticamente da fisioterapia
no aumento da força muscular em pacientes hemofílicos.
Conflitos
de interesse
Não houve
conflito.
Fontes
de financiamento
Dos
autores.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Torres LGS; Coleta de dados: Lima JKS, Carvalho LS; Análise e
interpretação dos dados: Souza ICN; Alves MO; Redação do manuscrito:
Torres LGS, Lima JKS, Carvalho LS, Souza ICN, Alves MO; Revisão crítica
do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Couto LBG, Matsumura ESS, Monteiro BBS.