Fisioter Bras 2022;23(4):563-79

doi: 10.33233/fb.v23i4.4938

ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de queixas de incontinência urinária em músicos do instrumento de sopro

Prevalence of complaints of urinary incontinence in blow instrument musicians

 

Rykaelle Ribeiro Vieira*, Myrian Tereza Maciel Arruda e Sá*, Silvia Regina Barrile**, Lorena Frange Caldas*, Juliana Santi Sagin Pinto Bergamim***, Maristela Prado e Silva Nazário***, Ariane Hidalgo Mansano Pletsch*

 

*Universidade de Cuiabá, MT, **Faculdade Eduvale de Avaré, SP, ***Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura (ICEC)

 

Recebido em 22 de setembro de 2021; Aceito 18 de junho de 2022.

Correspondência: Rykaelle Ribeiro Vieira, Alameda Júlio Muller, 960/102, bloco 7 Condomínio Chapada dos Buritis 78115-907 Várzea Grande MT

 

Rykaelle Ribeiro Vieira: rykaelle.mk@gmail.com  

Myrian Tereza Maciel Arruda e Sá: arrudasa@yahoo.com.br  

Silvia Regina Barrile: srbarrile@gmail.com  

Lorena Frange Caldas, lorenafcaldas@hotmail.com  

Juliana Santi Sagin Pinto Bergamim: fisiojusanti@hotmail.com

Maristela Prado e Silva Nazario: maristelaprado@hotmail.com  

Ariane Hidalgo Mansano Pletsch: arianepletsch@ses.mt.gov.br

 

Resumo

Introdução: Para tocar o instrumento de sopro, o instrumentista, com os lábios semicerrados, faz uma expiração forçada para produzir a intensidade e a frequência desejada do som. Esta ação, ao tocar o instrumento se relaciona a manobra de Valsalva, pois da mesma forma impõe pressão ao músculo do assoalho pélvico. Objetivo: Avaliar se o músico de sopro pode desencadear incontinência urinária pela pressão intra-abdominal exercida durante a execução de seu instrumento. Métodos: Foi realizado um questionário com perguntas relacionadas a incontinência urinária para dois grupos musicais, a Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de Mato Grosso e a banda do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso localizada na cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso. Foram estudados 36 músicos (30 homens e 6 mulheres). Resultados: Foram encontrados dois músicos do sexo masculino com incontinência urinária há menos de um ano e queixas relacionadas à incontinência urinária, assim como alguns músicos possuem desconforto ao tocar afirmando sentir vontade de defecar. Conclusão: Esse tipo de sintoma pode estar relacionado a outra patologia, a incontinência fecal, deixando espaço para estudos futuros.

Palavras-chave: incontinência urinária; músico; manobra de Valsalva; incontinência anal.

 

Abstract

Introduction: In order to play the wind instrument, the player, with his lips half open, makes a forced expiration to produce the desired intensity and frequency of the sound. This action, when playing the instrument, is related to the Valsalva maneuver, as it also puts pressure on the pelvic floor muscle. Objective: To evaluate whether the musician of this category can trigger urinary incontinence by the intra-abdominal pressure exerted during the execution of his instrument. Métodos: A questionnaire was created with questions related to urinary incontinence for two musical groups, the Symphony Orchestra Youth of the State of Mato Grosso and the band of the Military Fire Brigade of Mato Grosso located in the city of Cuiabá, capital of the state of Mato Grosso. Thirty-six musicians (30 men and 6 women) were included. Resultados: Two male musicians with urinary incontinence for less than a year and with complaints related to urinary incontinence were found, as well as some musicians who have discomfort when playing and feel like defecating. Conclusão: This type of symptom may be related to another pathology, a fecal incontinence, leaving room for future studies.

Key-words: urinary incontinence; musician; Valsalva maneuver; anal incontinence.

 

Introdução

 

Para um bom desempenho ao tocar um instrumento, independente de qual seja, o músico necessita de concentração, percepção corporal e certo esforço muscular. Quando se trata do instrumento de sopro, além da postura adequada, e resistência dos músculos atuantes, os músicos necessitam ter um controle maior sobre sua respiração. A postura correta contribui para aumentar a eficiência e, no caso de instrumentistas de sopro, também para melhorar a qualidade de som. “O corpo do executante deve se transformar em uma caixa acústica complementar que reforça os sons harmônicos do instrumento” [1].

Em sua performance musical o músico faz uma inspiração súbita e profunda, alojando a maior quantidade de ar possível em seus pulmões, seguida de uma expiração que é resistida pela vibração dos lábios através do bocal ou palheta e pelo próprio músico de forma a seguir determinada configuração musical [2]. Nesse tipo de respiração, de forma súbita e profunda, o músico utiliza principalmente o músculo diafragma, que é o músculo fundamental para a respiração do músico, além da musculatura acessória, que compreende um esforço inspiratório [3,4].

A contração do diafragma é responsável por 75% do ar que entra nos pulmões durante a respiração calma. O que faz dele um músculo essencial para músicos e cantores em geral e principalmente instrumentistas de sopro [4]. “Para produção de som, o músico conduz o ar ao instrumento em quantidades variáveis, soltando-o nas notas ou prendendo-o nas pausas, com intensidade maior ou menor dependendo da acentuação determinada para a execução da peça musical, sendo as notas agudas e fortíssimas as que exigem maior esforço ou pressão” [3].

Nesse contexto é possível entender que o naipe de sopros exerce pressão abdominal ao tocar, esforço que pode ser comparada com a manobra de Valsalva. “A pressão intra-abdominal eleva a tensão sobre os músculos do assoalho pélvico (MAPs)” [5]. “O aumento da pressão intra-abdominal, mediante ao esforço após atividade física, tosse, espirro, leva a perda urinária involuntária, chamada também de Incontinência Urinária de Esforço (IUE)” [6]. Outras duas classificações para incontinência urinária são urge-incontinência, perda urinária acompanhada por forte vontade de urinar, e mista a qual é caracterizada pela incontinência de esforço e urgência simultaneamente.

Dessa maneira, buscou-se responder se a realização constante da manobra de valsava, durante a execução de uma peça musical, pode trazer sobrecarga ao MAPs de tal forma que o músico apresente ao longo do tempo alterações na fisiologia miccional. Partindo desse pressuposto, este estudo tem por objetivo verificar a prevalência de queixas de incontinência urinária em músicos que tocam instrumentos de sopro.

 

Métodos

 

Este é um estudo descritivo, exploratório e transversal, com abordagem quantitativa, aprovado pelo comitê de ética, nº 058377/2013, desenvolvido no Instituto Ciranda Música e Cidadania e na Banda do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, ambos localizados no município de Cuiabá/MT.

A amostra foi constituída por músicos que tocam instrumentos de sopro (incluídos instrumentos de palhetas e bocais) integrantes dos dois núcleos supracitados. Foram enquadrados aos critérios de seleção músicos que se voluntariaram para responder à entrevista e consentiram em participar do estudo.

Antes de proceder-se à coleta de dados, os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa, solicitando-se a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram distribuídos 36 questionários entre os voluntários para a pesquisa. A porcentagem de envolvidos na pesquisa foi de 100%, não havendo, portanto, nenhuma objeção dos participantes.

Para os dados sociodemográficos foram consideradas as variáveis: idade, sexo, etnia, escolaridade, renda, tempo de profissão e o tipo de ocupação para distinguir o naipe de metais e madeiras. Questionou-se também os específicos relacionados às perdas urinárias (PU) como tempo de sinais e sintomas (< 1 ano; 1 a 3 anos; 4 a 6 anos; > 6 anos), se consegue chegar ao banheiro (sempre, na maioria das vezes, às vezes, nunca), se acorda para urinar (não, sim se vai ao banheiro; sim e não vai ao banheiro), condições em relação ao esforço (pequeno esforço, médio esforço, grande esforço), presença de noctúria e sobre as mudanças de hábito com as justificativas.

Foi adicionado também a este estudo o índice de massa corpórea (IMC) a fim de observar se há correlação entre obesidade e a incontinência urinária. O IMC foi calculado a partir das medidas da massa corporal e estatura coletada utilizando a equação: IMC = massa corporal/estatura [7].

Foi considerado eutrófico os indivíduos que se apresentaram entre 18,5 e 24,9 kg/m², sobrepeso acima de 25,0 a 29,9 kg/m² e considerado obesidade a partir de 30,0 kg/m². Nesse caso, considera-se abaixo do peso, o IMC igual ou menor que 18,5 kg/m² e obesidade grave ≥ 40,0 kg/m², a classificação internacional da obesidade segundo o índice de massa corporal (IMC) e risco de doença que divide a adiposidade em graus ou classes [8].

Foram questionados os hábitos desses grupos de músicos em suas rotinas diárias de estudos e ensaios, conforme a divisão já existente na orquestra e na banda, no qual o primeiro incluiu músicos que tocam no naipe denominado “metais”, estes utilizam bocais de metais. Entre eles estão: trompa, trompete, corneta, trombone tenor, trombone baixo e tuba. No segundo grupo estão inclusos os músicos que fazem parte do naipe de madeiras e tocam instrumentos que utilizam “palhetas”, que utilizam boquilhas de madeira ou plástico com palhetas. Dentre eles estão os instrumentos: oboé, clarineta, fagote, flauta e saxofone alto e saxofone tenor.

Os resultados foram submetidos às análises descritivas e inferenciais. A primeira foi realizada para as variáveis sociodemográficas e ligada às PU. A análise inferencial foi constituída das análises de correlação, associações e comparação entre variáveis de interesse.

 

Resultados

 

Ao observar a amostra percebeu-se que ambos os grupos, tanto os músicos de sopros de uma orquestra, quanto os de uma banda possuíam divisões entre si que se referiam ao tipo de instrumento que tocavam, sendo que um naipe (palavra que se refere a grupo), consistia em músicos que tocavam instrumentos que utilizavam bocais denominados “metais” e o outro naipe, consistia em músicos que tocavam instrumentos que utilizassem boquilhas e possuíam sonoridades parecidas, eram denominados “madeiras”. “Bocal ou boquilha é uma peça de apoio para os lábios do músico onde o mesmo executa uma vibração que repercutirá e será amplificado pelo instrumento de sopro” [9]. Tanto os músicos de sopros de uma orquestra, quanto os de uma banda são subdivididos dessa maneira, desta forma, esta mesma divisão foi utilizada para este estudo.

Dentro desses naipes há ainda uma subdivisão que é dada pela diferenciação dos instrumentos em que cada músico é especializado. Está demonstrado nos gráficos 1 e 2 a subdivisão observada nos indivíduos estudados. Os grupos observados possuem características similares no que diz respeito à prática de estudo instrumental.

 

 

Gráfico 1 - Relação de instrumentos dos músicos do naipe de metais

 

 

Gráfico 2 - Relação de instrumentos dos músicos do naipe de madeira

 

 

Características sociodemográficas

 

Foram recrutados 36 voluntários de ambos os sexos, masculino e feminino, sendo 30 homens e 6 mulheres com mediana de idade 27 anos (19,75-40,5 anos), em relação a idade, não houve diferença estatística entre os dois grupos, o grupo do naipe metais tinha média de idade de 31,06 ± 11,24 anos e o grupo madeira 27,39 ± 11,22 anos. No naipe de metais o sexo feminino representou 11,11% e no naipe de madeiras, 22,22%.

Quanto à etnia, observou-se predominância da cor parda com 20 (55,56%) em ambos os grupos. Em relação à escolaridade, a maioria tinha o ensino superior completo 21 (58,33%). Em relação à renda relacionada à carreira de músico, 9 (25%) dos músicos ganham mais de 6 salários, 12 (33,33%) têm renda de 4 a 6 salários, 4 (11%) têm renda menor que 3 salários e 9 (25%) possuem renda de 1 a 2 salários. Apenas 2 (5,56%) não possuem renda fixa, como pode ser observado na tabela I.

 

Tabela ICaracterísticas sociodemográficas do Grupo Total (GT) e dos Grupos de instrumentos de metais (G metais) e madeira (G madeira)

 

F = feminino; M = masculino. Os valores entre parênteses se referem às porcentagens

 

De acordo com a análise do índice de massa corporal IMC, todos os participantes foram classificados como eutróficos, porém, na análise por grupo, o grupo Metais foi classificado como sobrepeso. Estes dados estão demonstrados na tabela II e nos gráficos 3 e 4.

 

Tabela II - Características antropométricas dos Grupos Total (GT) e dos Grupos de instrumentos de metais (G metais) e madeira (G madeira)

 

IMC = índice de massa corporal

 

 

Gráfico 3 - Classificação de acordo com o índice de massa corporal (IMC) dos músicos do naipe de metais

 

 

Gráfico 4 - Relação de instrumentos dos músicos do naipe de madeira

 

Em relação ao tempo de prática instrumental, observou-se a mediana de 10 anos de prática de estudo. O tempo de estudo diário que cada músico realiza atualmente foi de 5 horas de estudo semanal e 2 horas de estudo diário (Tabela III). Não houve, portanto, diferença estatística nas variáveis tempo entre os 2 grupos (Gráfico 5).

 

Tabela IIITempo de prática com os instrumentos musicais do Grupos Total (GT) e dos Grupos de instrumentos de metais (G metais) e madeira (G madeira)

 

 

Gráfico 5 - Mediana dos tempos de estudo entre os músicos do naipe de metais e madeiras

 

Características da incontinência urinária

 

A segunda parte do questionário trata-se de variáveis específicas que podem contribuir para o diagnóstico de incontinência urinária. Das características urinárias 02 (11,11%) integrantes do grupo de metais relataram incontinência urinária, todos os entrevistados do grupo de madeiras responderam não possuir nenhuma queixa de incontinência urinária.

Em relação ao tempo que possuem a incontinência, 02 (11,11%) músicos do grupo de metais responderam que possuem há menos de um ano, enquanto 01 (5,55%) músico do grupo de madeiras respondeu ter incontinência há menos de 6 meses (observação: esse músico não respondeu “sim” à primeira pergunta que questiona o fato de ter ou não incontinência). Quando questionados sobre chegar ao banheiro antes de realizar a micção 01 músico de cada grupo (11,11%) respondeu que consegue “na maioria das vezes” e 01 músico do grupo de metais (5,55%) respondeu “às vezes”. O restante respondeu que sempre consegue chegar ao banheiro.

Em relação ao fato de ter que acordar para urinar, quando questionados, 20 dos entrevistados (55,56%) relataram sintomas relacionados a noctúria, sendo 10 (55,56%) do naipe de metais e 11 (61,11%) do naipe de madeiras. Todos responderam que acordam e se dirigem ao banheiro para urinar. Quanto às condições de noctúria 10 (55,56%) músicos do grupo de metais e 10 (55,56%) do grupo de madeiras responderam que fazem um “pequeno esforço” miccional, enquanto 02 (11,11%) e 03 (16,66%) de ambos os grupos respectivamente realizam “médio esforço”.

Quanto a variável “mudanças de hábito ao tocar o instrumento”, do naipe de metais 08 (44,44%) participantes disseram que sim, possuem alguns hábitos exclusivos, enquanto 09 (50%) não possuem mudança de hábito. No naipe de madeiras 02 (11,11%) responderam ao questionário dizendo que sim, possuem mudanças de hábitos enquanto tocam, e 16 (88,88%) relataram não ter mudanças de hábitos.

Com relação à mudança de hábitos que esses músicos têm ao tocar seu instrumento, foi realizado um levantamento de todas as respostas, observou-se que a mudança de hábito mais encontrada foi a maior ingestão de água enquanto tocam seguido do maior uso do diafragma (Tabela IV).

 

Tabela IVDados específicos do diagnóstico de Incontinência Urinária (IU) dos Grupos de instrumentos de metais (G metais) e madeira (G madeira)

 

Os valores acima se referem às frequências absolutas

 

A última variável refere-se ao desconforto do indivíduo enquanto toca seu instrumento com relação a perdas urinárias ou pressão intra-abdominal. Quatro (11,11%) músicos responderam sim à questão sobre possuir algum desconforto ao tocar que estivesse relacionado a perdas urinárias ou a pressão abdominal apenas três (8,33%) justificaram sua resposta. Do naipe de metais, as justificativas foram:

 

“Sinto vontade de fazer o número 2 (defecar), e nem sempre a hora é apropriada, principalmente em apresentações.” (Entrevista, M1, 2014).

 

“Em relação a inspiração, quando encho os pulmões sinto um desconforto interno, devido a expansão dos pulmões. Também sinto um desconforto quando ao tocar/estudar meu instrumento, porque muitas vezes sinto vontade de ir ao banheiro.” (Entrevista, M2, 2014).

 

Do naipe de madeiras, a justificativa foi:

 

“Sinto necessidade de defecar e soltar gases quando estou sentada, isso é desconfortável porque tenho que prender. E quando vou ao banheiro só solto gases e urino pouco.” (Entrevista, M3, 2014).

 

As características sociodemográficas e de incontinência urinária de cada músico que apresentou desconforto, estão demonstradas na Tabela V.

 

Tabela V - Características sociodemográficas e de incontinência urinária de cada músico que apresentou desconforto ao tocar

 

 

Na tabela acima se observam as semelhanças entre os músicos que apresentaram desconforto ao tocar devido à pressão intra-abdominal. Os dados sociodemográficos demonstram que as mulheres apresentam maior desconforto ao tocar. Essas mulheres também apresentaram características em comum tais como: idade, etnia, escolaridade, ao estudo semanal de seu instrumento e mudanças de hábito durante a execução do seu instrumento. No entanto, nenhuma delas apresentou incontinência urinária, e apenas uma (M1) possui noctúria. Dois dos instrumentos utilizados por essas musicistas são de calibre grosso (trombone e fagote), e um deles de calibre fino (trompa). Observou-se também por meio dos relatos das musicistas M1, 2014 e M3, 2014, que o desconforto está mais relacionado a um tipo de incontinência anal do que à incontinência urinária.

Os dois músicos que apresentaram incontinência urinária são do sexo masculino. Ambos os músicos possuem nível superior, são do naipe de metais, possuem incontinência urinária há menos de um ano, possuem noctúria e conseguem chegar ao banheiro às vezes, possuem como mudança de hábito aumento da ingestão de água. Eles se diferenciam pela etnia, IMC, idade e tempo de estudo e quantidade de horas de estudo diárias, em relação ao desconforto diafragmático durante a execução do seu instrumento e as condições de esforço para urinar. As características sociodemográficas dos músicos que apresentaram a incontinência urinária podem ser visualizadas na tabela VI.

 

Tabela VI - Características sociodemográficas e de incontinência urinária de cada músico que apresentou sintomas de incontinência urinária

 

 

Um aspecto a ser considerado é que a musicista M1 (tabela V) e o músico M4 (tabela VI) possuem características semelhantes, os dois possuem noctúria e realizam “pequeno esforço” na micção. Ambos possuem características bem parecidas e tocam instrumentos do mesmo naipe (no caso metais) com a diferença que o M4 possui de fato “incontinência urinária”. Dessa forma, os dados sugerem que a musicista M1 pode vir a ter incontinência caso os sintomas persistam.

Observando a tabela VI, nota-se que o músico M5 considerado na avaliação de IMC como “sobrepeso” possui incontinência urinária, conseguindo chegar ao banheiro “às vezes” e descreve seu esforço para urinar como “médio esforço”.

 

Discussão

 

O estudo teve como base avaliações com questões voltadas a incontinência urinária realizada na Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de Mato Grosso, Orquestra do Instituto Ciranda e na Banda do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso com os músicos do instrumento de sopro do naipe de metais e de madeiras (palhetas). Muitas pesquisas abordando a temática incontinência urinária estudam atletas e instrutores de ginástica em grupo, no entanto, há uma escassez de conhecimento sobre músicos [10,11].

Em relação à idade, relata em uma revisão de estudos populacionais que a maioria dos estudos relatando uma prevalência de qualquer incontinência urinária na faixa de 25-45 anos corroborando este estudo [12].

A predominância do sexo masculino em relação ao feminino em ambos os naipes de músicos estudados é também observada em outros estudos, como na pesquisa realizada na Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina, na qual 82,2% dentre os 45 músicos estudados eram do sexo masculino [13]. Em um outro estudo realizado com músicos de orquestra no ABCD paulista, também foi encontrado predominância de músicos do sexo masculino sendo 80% do total pesquisado [14].

Na tabela II sobre as características antropométricas, a mensuração do IMC é importante neste estudo com músicos, pois dados de obesidade são considerados fatores de risco para incontinência urinária [15]. Em mulheres obesas acontece o acúmulo de gordura no interior do abdômen, provocando aumento da pressão intra-abdominal, que é transmitida à bexiga, fator que pode se tornar um agravante para a incontinência urinária no músico, se associado a pressão intra-abdominal ao tocar. Os resultados deste estudo demonstraram que um dos dois músicos que apresentaram incontinência urinária possui obesidade. Os outros músicos apesar de apresentarem incontinência e desconforto abdominal enquanto tocam estavam com o peso ideal.

Com relação a variável tempo de prática com os instrumentos musicais (Tabela III) não houve, portanto, diferença estatística na variável tempo entre os dois grupos. Os grupos observados possuem características similares no que diz respeito à prática de estudo instrumental. “Em seus estudos, os músicos aplicam e difundem a técnica da ‘respiração diafragmática’ que consiste em utilizar o músculo diafragma para inspirar mais ar aos pulmões e expulsar esse ar de forma controlada dentro do instrumento a fim de emitir a nota desejada de acordo com a pressão exercida do diafragma nesse momento” [16,17].

Das características de incontinência urinária, os dois músicos que apresentaram incontinência urinária são do sexo masculino. Ambos os músicos possuem nível superior, são do naipe de metais, possuem incontinência urinária há menos de um ano, possuem noctúria e conseguem chegar ao banheiro às vezes, possuem como mudança de hábito aumento da ingestão de água. Eles se diferenciam pela etnia, IMC, idade e tempo de estudo e quantidade de horas de estudo diárias, em relação ao desconforto diafragmático durante a execução do seu instrumento e as condições de esforço para urinar (Tabela VI).

A urge-incontinência é definida como a perda urinária acompanhada de forte desejo de urinar [6], três músicos possuem características que podem indicar o início de urge-incontinência, que é quando há perda de urina antes de chegar ao banheiro. “A incontinência urinária apresenta alta prevalência impactando no bem-estar e qualidade de vida da população” [18]. Estudos populacionais em diversos países inferem a prevalência de incontinência urinária variando de 5% a 70% [12].

“Define-se noctúria como o ato de acordar durante a noite, uma ou mais vezes para urinar” [6]. Em contraposição a este argumento, um estudo sobre incontinência urinária no idoso sugere que a noctúria, por si só, não sugere nenhum diagnóstico específico [19]. Nesta variável analisada constatou-se que 20 (55,56%) deles relatam ter noctúria, sendo 10 (55,56%) do naipe de metais e 11 (61,11%) do naipe de madeiras, sendo assim é necessário acompanhar a história clínica e o diário miccional do paciente é fundamental para direcionar a investigação e o tratamento.

Constatou-se neste estudo que a pressão intra-abdominal realizada durante a execução dos instrumentos de sopro pode gerar desconfortos intestinais, sobretudo em músicos do sexo feminino. Apesar de nenhuma mulher apresentar incontinência urinária, a análise dos relatos dos sintomas dessas pacientes aponta para uma possível incontinência anal. A incontinência fecal/anal (IA) é a perda involuntária tanto de material fecal quanto de gases, sendo marcada pela incapacidade de manter o controle fisiológico do conteúdo intestinal em local e tempo socialmente adequados [6].

Dois dos instrumentos utilizados por essas musicistas são de calibre grosso (trombone e fagote), e um deles de calibre fino (trompa). A diferenciação do calibre dos instrumentos interfere na quantidade de pressão necessária para se obter determinada nota [2]. Portanto, um instrumento de calibre menor (fino), levará o músico a realizar uma pressão maior para tocar determinada nota, enquanto um instrumento de calibre maior (grosso) exigirá maior quantidade de ar ao invés de pressão para executar a mesma nota.

 

Limitações de estudo

 

Consideramos limitado o quantitativo de mulheres participantes do estudo em comparação ao quantitativo de homens o que pode influenciar nos resultados e comparações entre estes grupos, visto que das seis mulheres participantes, três (50%) apresentaram sintomas de incontinência urinária.

 

Conclusão

 

Observando os resultados das análises, as mulheres, apesar de minoria no estudo, foram as que mais apresentaram desconfortos abdominais enquanto executam suas atividades musicais. Pode-se concluir que será necessário um estudo direcionado ao público feminino no qual mais grupos musicais sejam abordados, a fim de se obter o máximo de amostra possível.

Deste modo, sugere-se a continuação da pesquisa com avaliações fisioterapêuticas no âmbito preventivo dessa categoria profissional, a fim de se obter maiores esclarecimentos sobre a influência da prática dos instrumentos musicais nos sintomas relatados pelos músicos.

 

Conflitos de interesse

Não há conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Vieira RR, Pletsch AHM; Coleta de dados: Vieira RR, Caldas LF e Arruda e Sá MTM; Análise e interpretação dos dados: Vieira RR, Barrile SR, Bergamim JSSP, Nazario MP e Pletsch AHM; Análise estatística: Vieira RR, Barrile SR e Pletsch AHM; Redação do manuscrito: Vieira RR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Nazario MP, Pletsch AHM.

 

Referências

 

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