Fisioter Bras 2022;23(4):563-79
ARTIGO
ORIGINAL
Prevalência
de queixas de incontinência urinária em músicos do instrumento de sopro
Prevalence of complaints of urinary incontinence in
blow instrument musicians
Rykaelle Ribeiro Vieira*, Myrian
Tereza Maciel Arruda e Sá*, Silvia Regina Barrile**,
Lorena Frange Caldas*, Juliana Santi Sagin Pinto Bergamim***,
Maristela Prado e Silva Nazário***, Ariane Hidalgo Mansano
Pletsch*
*Universidade
de Cuiabá, MT, **Faculdade Eduvale de Avaré, SP,
***Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura (ICEC)
Recebido
em 22 de setembro de 2021; Aceito 18 de junho de 2022.
Correspondência: Rykaelle
Ribeiro Vieira, Alameda Júlio Muller, 960/102, bloco 7 Condomínio Chapada dos
Buritis 78115-907 Várzea Grande MT
Rykaelle Ribeiro Vieira: rykaelle.mk@gmail.com
Myrian Tereza Maciel Arruda e Sá:
arrudasa@yahoo.com.br
Silvia
Regina Barrile: srbarrile@gmail.com
Lorena
Frange Caldas, lorenafcaldas@hotmail.com
Juliana
Santi Sagin Pinto Bergamim: fisiojusanti@hotmail.com
Maristela
Prado e Silva Nazario: maristelaprado@hotmail.com
Ariane
Hidalgo Mansano Pletsch: arianepletsch@ses.mt.gov.br
Resumo
Introdução: Para tocar o instrumento de sopro, o
instrumentista, com os lábios semicerrados, faz uma expiração forçada para
produzir a intensidade e a frequência desejada do som. Esta ação, ao tocar o
instrumento se relaciona a manobra de Valsalva, pois
da mesma forma impõe pressão ao músculo do assoalho pélvico. Objetivo:
Avaliar se o músico de sopro pode desencadear incontinência urinária pela
pressão intra-abdominal exercida durante a execução de seu instrumento. Métodos:
Foi realizado um questionário com perguntas relacionadas a incontinência
urinária para dois grupos musicais, a Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de
Mato Grosso e a banda do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso localizada
na cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso. Foram estudados 36
músicos (30 homens e 6 mulheres). Resultados: Foram encontrados dois
músicos do sexo masculino com incontinência urinária há menos de um ano e
queixas relacionadas à incontinência urinária, assim como alguns músicos
possuem desconforto ao tocar afirmando sentir vontade de defecar. Conclusão:
Esse tipo de sintoma pode estar relacionado a outra patologia, a incontinência
fecal, deixando espaço para estudos futuros.
Palavras-chave: incontinência urinária; músico;
manobra de Valsalva; incontinência anal.
Abstract
Introduction: In order to
play the wind instrument, the player, with his lips
half open, makes a forced expiration to produce the desired intensity and
frequency of the sound. This action, when playing the instrument, is related to
the Valsalva maneuver, as it also puts pressure on the pelvic floor muscle. Objective:
To evaluate whether the musician of this category can trigger urinary
incontinence by the intra-abdominal pressure exerted during the execution of
his instrument. Métodos: A questionnaire was
created with questions related to urinary incontinence for two musical groups,
the Symphony Orchestra Youth of the State of Mato Grosso and the band of the
Military Fire Brigade of Mato Grosso located in the city of Cuiabá, capital of
the state of Mato Grosso. Thirty-six musicians (30 men and 6 women) were
included. Resultados: Two male musicians with
urinary incontinence for less than a year and with complaints related to
urinary incontinence were found, as well as some musicians who have discomfort
when playing and feel like defecating. Conclusão:
This type of symptom may be related to another pathology, a fecal incontinence,
leaving room for future studies.
Key-words: urinary incontinence; musician; Valsalva maneuver; anal incontinence.
Para
um bom desempenho ao tocar um instrumento, independente de qual seja, o músico
necessita de concentração, percepção corporal e certo esforço muscular. Quando
se trata do instrumento de sopro, além da postura adequada, e resistência dos
músculos atuantes, os músicos necessitam ter um controle maior sobre sua
respiração. A postura correta contribui para aumentar a eficiência e, no caso
de instrumentistas de sopro, também para melhorar a qualidade de som. “O corpo
do executante deve se transformar em uma caixa acústica complementar que
reforça os sons harmônicos do instrumento” [1].
Em
sua performance musical o músico faz uma inspiração súbita e profunda, alojando
a maior quantidade de ar possível em seus pulmões, seguida de uma expiração que
é resistida pela vibração dos lábios através do bocal ou palheta e pelo próprio
músico de forma a seguir determinada configuração musical [2]. Nesse tipo de
respiração, de forma súbita e profunda, o músico utiliza principalmente o
músculo diafragma, que é o músculo fundamental para a respiração do músico,
além da musculatura acessória, que compreende um esforço inspiratório [3,4].
A
contração do diafragma é responsável por 75% do ar que entra nos pulmões
durante a respiração calma. O que faz dele um músculo essencial para músicos e
cantores em geral e principalmente instrumentistas de sopro [4]. “Para produção
de som, o músico conduz o ar ao instrumento em quantidades variáveis,
soltando-o nas notas ou prendendo-o nas pausas, com intensidade maior ou menor
dependendo da acentuação determinada para a execução da peça musical, sendo as
notas agudas e fortíssimas as que exigem maior esforço ou pressão” [3].
Nesse
contexto é possível entender que o naipe de sopros exerce pressão abdominal ao
tocar, esforço que pode ser comparada com a manobra de Valsalva.
“A pressão intra-abdominal eleva a tensão sobre os músculos do assoalho pélvico
(MAPs)” [5]. “O aumento da pressão intra-abdominal,
mediante ao esforço após atividade física, tosse, espirro, leva a perda
urinária involuntária, chamada também de Incontinência Urinária de Esforço
(IUE)” [6]. Outras duas classificações para incontinência urinária são
urge-incontinência, perda urinária acompanhada por forte vontade de urinar, e
mista a qual é caracterizada pela incontinência de esforço e urgência
simultaneamente.
Dessa
maneira, buscou-se responder se a realização constante da manobra de valsava,
durante a execução de uma peça musical, pode trazer sobrecarga ao MAPs de tal forma que o músico apresente ao longo do tempo
alterações na fisiologia miccional. Partindo desse pressuposto, este estudo tem
por objetivo verificar a prevalência de queixas de incontinência urinária em músicos
que tocam instrumentos de sopro.
Este
é um estudo descritivo, exploratório e transversal, com abordagem quantitativa,
aprovado pelo comitê de ética, nº 058377/2013, desenvolvido no Instituto
Ciranda Música e Cidadania e na Banda do Corpo de Bombeiros Militar de Mato
Grosso, ambos localizados no município de Cuiabá/MT.
A
amostra foi constituída por músicos que tocam instrumentos de sopro (incluídos
instrumentos de palhetas e bocais) integrantes dos dois núcleos supracitados.
Foram enquadrados aos critérios de seleção músicos que se voluntariaram para
responder à entrevista e consentiram em participar do estudo.
Antes
de proceder-se à coleta de dados, os participantes foram esclarecidos sobre os
objetivos da pesquisa, solicitando-se a assinatura do termo de consentimento
livre e esclarecido. Foram distribuídos 36 questionários entre os voluntários
para a pesquisa. A porcentagem de envolvidos na pesquisa foi de 100%, não
havendo, portanto, nenhuma objeção dos participantes.
Para
os dados sociodemográficos foram consideradas as variáveis: idade, sexo, etnia,
escolaridade, renda, tempo de profissão e o tipo de ocupação para distinguir o
naipe de metais e madeiras. Questionou-se também os específicos relacionados às
perdas urinárias (PU) como tempo de sinais e sintomas (< 1 ano; 1 a 3 anos;
4 a 6 anos; > 6 anos), se consegue chegar ao banheiro (sempre, na maioria
das vezes, às vezes, nunca), se acorda para urinar (não, sim se vai ao
banheiro; sim e não vai ao banheiro), condições em relação ao esforço (pequeno
esforço, médio esforço, grande esforço), presença de noctúria
e sobre as mudanças de hábito com as justificativas.
Foi
adicionado também a este estudo o índice de massa corpórea (IMC) a fim de
observar se há correlação entre obesidade e a incontinência urinária. O IMC foi
calculado a partir das medidas da massa corporal e estatura coletada utilizando
a equação: IMC = massa corporal/estatura [7].
Foi
considerado eutrófico os indivíduos que se
apresentaram entre 18,5 e 24,9 kg/m², sobrepeso acima de 25,0 a 29,9 kg/m² e
considerado obesidade a partir de 30,0 kg/m². Nesse caso, considera-se abaixo
do peso, o IMC igual ou menor que 18,5 kg/m² e obesidade grave ≥ 40,0
kg/m², a classificação internacional da obesidade segundo o índice de massa
corporal (IMC) e risco de doença que divide a adiposidade em graus ou classes
[8].
Foram
questionados os hábitos desses grupos de músicos em suas rotinas diárias de
estudos e ensaios, conforme a divisão já existente na orquestra e na banda, no
qual o primeiro incluiu músicos que tocam no naipe denominado “metais”, estes
utilizam bocais de metais. Entre eles estão: trompa, trompete, corneta,
trombone tenor, trombone baixo e tuba. No segundo grupo estão inclusos os
músicos que fazem parte do naipe de madeiras e tocam instrumentos que utilizam
“palhetas”, que utilizam boquilhas de madeira ou plástico com palhetas. Dentre
eles estão os instrumentos: oboé, clarineta, fagote, flauta e saxofone alto e
saxofone tenor.
Os
resultados foram submetidos às análises descritivas e inferenciais. A primeira
foi realizada para as variáveis sociodemográficas e ligada às PU. A análise
inferencial foi constituída das análises de correlação, associações e
comparação entre variáveis de interesse.
Ao
observar a amostra percebeu-se que ambos os grupos, tanto os músicos de sopros
de uma orquestra, quanto os de uma banda possuíam divisões entre si que se
referiam ao tipo de instrumento que tocavam, sendo que um naipe (palavra que se
refere a grupo), consistia em músicos que tocavam instrumentos que utilizavam
bocais denominados “metais” e o outro naipe, consistia em músicos que tocavam
instrumentos que utilizassem boquilhas e possuíam sonoridades parecidas, eram
denominados “madeiras”. “Bocal ou boquilha é uma peça de apoio para os lábios
do músico onde o mesmo executa uma vibração que repercutirá e será amplificado
pelo instrumento de sopro” [9]. Tanto os músicos de sopros de uma orquestra,
quanto os de uma banda são subdivididos dessa maneira, desta forma, esta mesma
divisão foi utilizada para este estudo.
Dentro
desses naipes há ainda uma subdivisão que é dada pela diferenciação dos
instrumentos em que cada músico é especializado. Está demonstrado nos gráficos
1 e 2 a subdivisão observada nos indivíduos estudados. Os grupos observados
possuem características similares no que diz respeito à prática de estudo
instrumental.
Gráfico
1 - Relação de
instrumentos dos músicos do naipe de metais
Gráfico
2 - Relação de
instrumentos dos músicos do naipe de madeira
Características
sociodemográficas
Foram
recrutados 36 voluntários de ambos os sexos, masculino e feminino, sendo 30
homens e 6 mulheres com mediana de idade 27 anos (19,75-40,5 anos), em relação
a idade, não houve diferença estatística entre os dois grupos, o grupo do naipe
metais tinha média de idade de 31,06 ± 11,24 anos e o grupo madeira 27,39 ±
11,22 anos. No naipe de metais o sexo feminino representou 11,11% e no naipe de
madeiras, 22,22%.
Quanto
à etnia, observou-se predominância da cor parda com 20 (55,56%) em ambos os
grupos. Em relação à escolaridade, a maioria tinha o ensino superior completo
21 (58,33%). Em relação à renda relacionada à carreira de músico, 9 (25%) dos
músicos ganham mais de 6 salários, 12 (33,33%) têm renda de 4 a 6 salários, 4
(11%) têm renda menor que 3 salários e 9 (25%) possuem renda de 1 a 2 salários.
Apenas 2 (5,56%) não possuem renda fixa, como pode ser observado na tabela I.
Tabela
I – Características
sociodemográficas do Grupo Total (GT) e dos Grupos de instrumentos de metais (G
metais) e madeira (G madeira)
F
= feminino; M = masculino. Os valores entre parênteses se referem às
porcentagens
De
acordo com a análise do índice de massa corporal IMC, todos os participantes
foram classificados como eutróficos, porém, na
análise por grupo, o grupo Metais foi classificado como sobrepeso. Estes dados
estão demonstrados na tabela II e nos gráficos 3 e 4.
Tabela
II - Características
antropométricas dos Grupos Total (GT) e dos Grupos de instrumentos de metais (G
metais) e madeira (G madeira)
IMC
= índice de massa corporal
Gráfico
3 - Classificação de
acordo com o índice de massa corporal (IMC) dos músicos do naipe de metais
Gráfico
4 - Relação de
instrumentos dos músicos do naipe de madeira
Em
relação ao tempo de prática instrumental, observou-se a mediana de 10 anos de
prática de estudo. O tempo de estudo diário que cada músico realiza atualmente
foi de 5 horas de estudo semanal e 2 horas de estudo diário (Tabela III). Não
houve, portanto, diferença estatística nas variáveis tempo entre os 2 grupos
(Gráfico 5).
Tabela
III – Tempo de
prática com os instrumentos musicais do Grupos Total (GT) e dos Grupos de
instrumentos de metais (G metais) e madeira (G madeira)
Gráfico
5 - Mediana dos
tempos de estudo entre os músicos do naipe de metais e madeiras
Características
da incontinência urinária
A
segunda parte do questionário trata-se de variáveis específicas que podem
contribuir para o diagnóstico de incontinência urinária. Das características
urinárias 02 (11,11%) integrantes do grupo de metais relataram incontinência
urinária, todos os entrevistados do grupo de madeiras responderam não possuir
nenhuma queixa de incontinência urinária.
Em
relação ao tempo que possuem a incontinência, 02 (11,11%) músicos do grupo de
metais responderam que possuem há menos de um ano, enquanto 01 (5,55%) músico
do grupo de madeiras respondeu ter incontinência há menos de 6 meses
(observação: esse músico não respondeu “sim” à primeira pergunta que questiona
o fato de ter ou não incontinência). Quando questionados sobre chegar ao
banheiro antes de realizar a micção 01 músico de cada grupo (11,11%) respondeu
que consegue “na maioria das vezes” e 01 músico do grupo de metais (5,55%)
respondeu “às vezes”. O restante respondeu que sempre consegue chegar ao
banheiro.
Em
relação ao fato de ter que acordar para urinar, quando questionados, 20 dos
entrevistados (55,56%) relataram sintomas relacionados a noctúria,
sendo 10 (55,56%) do naipe de metais e 11 (61,11%) do naipe de madeiras. Todos
responderam que acordam e se dirigem ao banheiro para urinar. Quanto às
condições de noctúria 10 (55,56%) músicos do grupo de
metais e 10 (55,56%) do grupo de madeiras responderam que fazem um “pequeno
esforço” miccional, enquanto 02 (11,11%) e 03 (16,66%) de ambos os grupos
respectivamente realizam “médio esforço”.
Quanto
a variável “mudanças de hábito ao tocar o instrumento”, do naipe de metais 08
(44,44%) participantes disseram que sim, possuem alguns hábitos exclusivos,
enquanto 09 (50%) não possuem mudança de hábito. No naipe de madeiras 02
(11,11%) responderam ao questionário dizendo que sim, possuem mudanças de
hábitos enquanto tocam, e 16 (88,88%) relataram não ter mudanças de hábitos.
Com
relação à mudança de hábitos que esses músicos têm ao tocar seu instrumento,
foi realizado um levantamento de todas as respostas, observou-se que a mudança
de hábito mais encontrada foi a maior ingestão de água enquanto tocam seguido
do maior uso do diafragma (Tabela IV).
Tabela
IV – Dados
específicos do diagnóstico de Incontinência Urinária (IU) dos Grupos de instrumentos
de metais (G metais) e madeira (G madeira)
Os
valores acima se referem às frequências absolutas
A
última variável refere-se ao desconforto do indivíduo enquanto toca seu
instrumento com relação a perdas urinárias ou pressão intra-abdominal. Quatro
(11,11%) músicos responderam sim à questão sobre possuir algum desconforto ao
tocar que estivesse relacionado a perdas urinárias ou a pressão abdominal
apenas três (8,33%) justificaram sua resposta. Do naipe de metais, as
justificativas foram:
“Sinto vontade de fazer o número 2
(defecar), e nem sempre a hora é apropriada, principalmente em apresentações.”
(Entrevista, M1, 2014).
“Em relação a inspiração, quando encho
os pulmões sinto um desconforto interno, devido a expansão dos pulmões. Também
sinto um desconforto quando ao tocar/estudar meu instrumento, porque muitas
vezes sinto vontade de ir ao banheiro.” (Entrevista, M2, 2014).
Do
naipe de madeiras, a justificativa foi:
“Sinto necessidade de defecar e soltar
gases quando estou sentada, isso é desconfortável porque tenho que prender. E
quando vou ao banheiro só solto gases e urino pouco.” (Entrevista, M3, 2014).
As
características sociodemográficas e de incontinência urinária de cada músico
que apresentou desconforto, estão demonstradas na Tabela V.
Tabela
V - Características
sociodemográficas e de incontinência urinária de cada músico que apresentou
desconforto ao tocar
Na
tabela acima se observam as semelhanças entre os músicos que apresentaram
desconforto ao tocar devido à pressão intra-abdominal. Os dados
sociodemográficos demonstram que as mulheres apresentam maior desconforto ao
tocar. Essas mulheres também apresentaram características em comum tais como:
idade, etnia, escolaridade, ao estudo semanal de seu instrumento e mudanças de
hábito durante a execução do seu instrumento. No entanto, nenhuma delas
apresentou incontinência urinária, e apenas uma (M1) possui noctúria.
Dois dos instrumentos utilizados por essas musicistas são de calibre grosso
(trombone e fagote), e um deles de calibre fino (trompa). Observou-se também
por meio dos relatos das musicistas M1, 2014 e M3, 2014, que o desconforto está
mais relacionado a um tipo de incontinência anal do que à incontinência
urinária.
Os
dois músicos que apresentaram incontinência urinária são do sexo masculino.
Ambos os músicos possuem nível superior, são do naipe de metais, possuem
incontinência urinária há menos de um ano, possuem noctúria
e conseguem chegar ao banheiro às vezes, possuem como mudança de hábito aumento
da ingestão de água. Eles se diferenciam pela etnia, IMC, idade e tempo de
estudo e quantidade de horas de estudo diárias, em relação ao desconforto
diafragmático durante a execução do seu instrumento e as condições de esforço
para urinar. As características sociodemográficas dos músicos que apresentaram
a incontinência urinária podem ser visualizadas na tabela VI.
Tabela
VI - Características
sociodemográficas e de incontinência urinária de cada músico que apresentou
sintomas de incontinência urinária
Um
aspecto a ser considerado é que a musicista M1 (tabela V) e o músico M4 (tabela
VI) possuem características semelhantes, os dois possuem noctúria
e realizam “pequeno esforço” na micção. Ambos possuem características bem
parecidas e tocam instrumentos do mesmo naipe (no caso metais) com a diferença
que o M4 possui de fato “incontinência urinária”. Dessa forma, os dados sugerem
que a musicista M1 pode vir a ter incontinência caso os sintomas persistam.
Observando
a tabela VI, nota-se que o músico M5 considerado na avaliação de IMC como
“sobrepeso” possui incontinência urinária, conseguindo chegar ao banheiro “às
vezes” e descreve seu esforço para urinar como “médio esforço”.
O
estudo teve como base avaliações com questões voltadas a incontinência urinária
realizada na Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de Mato Grosso, Orquestra do
Instituto Ciranda e na Banda do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso com
os músicos do instrumento de sopro do naipe de metais e de madeiras (palhetas).
Muitas pesquisas abordando a temática incontinência urinária estudam atletas e
instrutores de ginástica em grupo, no entanto, há uma escassez de conhecimento
sobre músicos [10,11].
Em
relação à idade, relata em uma revisão de estudos populacionais que a maioria
dos estudos relatando uma prevalência de qualquer incontinência urinária na
faixa de 25-45 anos corroborando este estudo [12].
A
predominância do sexo masculino em relação ao feminino em ambos os naipes de
músicos estudados é também observada em outros estudos, como na pesquisa
realizada na Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina, na qual
82,2% dentre os 45 músicos estudados eram do sexo masculino [13]. Em um outro
estudo realizado com músicos de orquestra no ABCD paulista, também foi
encontrado predominância de músicos do sexo masculino sendo 80% do total
pesquisado [14].
Na
tabela II sobre as características antropométricas, a mensuração do IMC é
importante neste estudo com músicos, pois dados de obesidade são considerados
fatores de risco para incontinência urinária [15]. Em mulheres obesas acontece
o acúmulo de gordura no interior do abdômen, provocando aumento da pressão
intra-abdominal, que é transmitida à bexiga, fator que pode se tornar um
agravante para a incontinência urinária no músico, se associado a pressão
intra-abdominal ao tocar. Os resultados deste estudo demonstraram que um dos
dois músicos que apresentaram incontinência urinária possui obesidade. Os
outros músicos apesar de apresentarem incontinência e desconforto abdominal
enquanto tocam estavam com o peso ideal.
Com
relação a variável tempo de prática com os instrumentos musicais (Tabela III)
não houve, portanto, diferença estatística na variável tempo
entre os dois grupos. Os grupos observados possuem características similares no
que diz respeito à prática de estudo instrumental. “Em seus estudos, os músicos
aplicam e difundem a técnica da ‘respiração diafragmática’ que consiste em
utilizar o músculo diafragma para inspirar mais ar aos pulmões e expulsar esse
ar de forma controlada dentro do instrumento a fim de emitir a nota desejada de
acordo com a pressão exercida do diafragma nesse momento” [16,17].
Das
características de incontinência urinária, os dois músicos que apresentaram
incontinência urinária são do sexo masculino. Ambos os músicos possuem nível
superior, são do naipe de metais, possuem incontinência urinária há menos de um
ano, possuem noctúria e conseguem chegar ao banheiro
às vezes, possuem como mudança de hábito aumento da ingestão de água. Eles se
diferenciam pela etnia, IMC, idade e tempo de estudo e quantidade de horas de estudo
diárias, em relação ao desconforto diafragmático durante a execução do seu
instrumento e as condições de esforço para urinar (Tabela VI).
A
urge-incontinência é definida como a perda urinária acompanhada de forte desejo
de urinar [6], três músicos possuem características que podem indicar o início
de urge-incontinência, que é quando há perda de urina antes de chegar ao
banheiro. “A incontinência urinária apresenta alta prevalência impactando no
bem-estar e qualidade de vida da população” [18]. Estudos populacionais em
diversos países inferem a prevalência de incontinência urinária variando de ∼5% a 70% [12].
“Define-se
noctúria como o ato de acordar durante a noite, uma
ou mais vezes para urinar” [6]. Em contraposição a este argumento, um estudo
sobre incontinência urinária no idoso sugere que a noctúria,
por si só, não sugere nenhum diagnóstico específico [19]. Nesta variável
analisada constatou-se que 20 (55,56%) deles relatam ter noctúria,
sendo 10 (55,56%) do naipe de metais e 11 (61,11%) do naipe de madeiras, sendo
assim é necessário acompanhar a história clínica e o diário miccional do
paciente é fundamental para direcionar a investigação e o tratamento.
Constatou-se
neste estudo que a pressão intra-abdominal realizada durante a execução dos
instrumentos de sopro pode gerar desconfortos intestinais, sobretudo em músicos
do sexo feminino. Apesar de nenhuma mulher apresentar incontinência urinária, a
análise dos relatos dos sintomas dessas pacientes aponta para uma possível
incontinência anal. A incontinência fecal/anal (IA) é a perda involuntária
tanto de material fecal quanto de gases, sendo marcada pela incapacidade de
manter o controle fisiológico do conteúdo intestinal em local e tempo
socialmente adequados [6].
Dois
dos instrumentos utilizados por essas musicistas são de calibre grosso
(trombone e fagote), e um deles de calibre fino (trompa). A diferenciação do
calibre dos instrumentos interfere na quantidade de pressão necessária para se
obter determinada nota [2]. Portanto, um instrumento de calibre menor (fino),
levará o músico a realizar uma pressão maior para tocar determinada nota,
enquanto um instrumento de calibre maior (grosso) exigirá maior quantidade de
ar ao invés de pressão para executar a mesma nota.
Limitações
de estudo
Consideramos
limitado o quantitativo de mulheres participantes do estudo em comparação ao
quantitativo de homens o que pode influenciar nos resultados e comparações
entre estes grupos, visto que das seis mulheres participantes, três (50%)
apresentaram sintomas de incontinência urinária.
Observando
os resultados das análises, as mulheres, apesar de minoria no estudo, foram as
que mais apresentaram desconfortos abdominais enquanto executam suas atividades
musicais. Pode-se concluir que será necessário um estudo direcionado ao público
feminino no qual mais grupos musicais sejam abordados, a fim de se obter o
máximo de amostra possível.
Deste
modo, sugere-se a continuação da pesquisa com avaliações fisioterapêuticas no
âmbito preventivo dessa categoria profissional, a fim de se obter maiores
esclarecimentos sobre a influência da prática dos instrumentos musicais nos
sintomas relatados pelos músicos.
Conflitos
de interesse
Não
há conflito de interesse.
Fontes
de financiamento
Não
houve financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Vieira RR, Pletsch AHM; Coleta de dados:
Vieira RR, Caldas LF e Arruda e Sá MTM; Análise e interpretação dos dados:
Vieira RR, Barrile SR, Bergamim
JSSP, Nazario MP e Pletsch
AHM; Análise estatística: Vieira RR, Barrile
SR e Pletsch AHM; Redação do manuscrito:
Vieira RR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual
importante: Nazario MP, Pletsch
AHM.