Fisioter Bras 2022;23(4):508-23

doi: 10.33233/fb.v23i4.4979

ARTIGO ORIGINAL

Percepção de profissionais de saúde sobre mecanismos de transmissão e contenção das infecções hospitalares

Perception of health professionals about transmission and containment mechanisms of hospital infections

 

Sabrynna Brito Oliveira, D.Sc.*, Luan Nascimento da Silva, M.Sc.**, Jefferson Carlos Araujo Silva, M.Sc.***, Alessa Vieira Mariano****, Mara Dayanne Alves Ribeiro*****

 

*Centro Universitário Isabela Hendrix, Belo Horizonte/MG, **Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, ***Hospital Brasília, Brasília/DF, ****Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), Pelotas/RS, *****Hospital Regional do Norte, Sobral/CE

 

Recebido em 13 de novembro de 2021; Aceito em 21 de junho de 2022.

Correspondência: Luan Nascimento da Silva, Rua Gomes Carneiro, 1, 96010-610 Pelotas RS

 

Sabrynna Brito Oliveira: sabrynnabrito@gmail.com  

Luan Nascimento da Silva: luan.nascimento2222@gmail.com  

Jefferson Carlos Araujo Silva: jeffcasilva@gmail.com  

Alessa Vieira Mariano: alessavmariano@gmail.com

Mara Dayanne Alves Ribeiro: mara_dayanne2@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: A Infecção Hospitalar (IH) é uma infecção adquirida após a internação do paciente, podendo se manifestar mesmo após a alta. A prevenção da IH perpassa pela qualificação da equipe multiprofissional, bem como a dispensação de insumos para sua prevenção. Objetivo: Conhecer a percepção de profissionais de um hospital escola no Sul do país sobre mecanismos de transmissão e contenção das infecções hospitalares. Métodos: Trata-se de um estudo de caráter descritivo, qualitativo e fenomenológico, no qual profissionais das mais diversas categorias responderam a um questionário contendo 15 questões objetivas e 4 subjetivas. As questões objetivas foram baseadas na escala de Likert, por sua vez, as questões subjetivas foram analisadas por meio do discurso de Bardin. Resultados: 17 profissionais (4 enfermeiras, 5 técnicas de enfermagem, 4 fisioterapeutas e 4 médicos) compuseram a amostra, apenas 3 eram homens. A maioria concordou que o hospital disponibiliza sabão antimicrobiano (n = 10) e álcool 70% (n = 14), os participantes da pesquisa foram unânimes ao apontar a etiologia de origem hospitalar e que a prevenção da IH tem íntima relação com aspectos organizacionais. Conclusão: Os profissionais entrevistados demonstram conhecer os mecanismos de controle das IH, no entanto, ressaltam o comprometimento deficitário da equipe multiprofissional para tal controle.

Palavras-chave: infecção hospitalar; profissionais de saúde; prevenção.

 

Abstract

Introduction: Nosocomial Infection (NI) is an infection acquired after the patient's hospitalization, which can manifest even after discharge. The prevention of NI involves the qualification of the multidisciplinary team, as well as the provision of supplies for its prevention. Objective: To understand the perception of professionals from a teaching hospital in the South of the country about the mechanisms of transmission and containment of hospital infections. Methods: This is a descriptive, qualitative and phenomenological study, where professionals from the most diverse categories answered a questionnaire containing 15 objective and 4 subjective questions. The objective questions were based on the Likert scale, in turn, the subjective questions were analyzed using Bardin's speech. Results: 17 professionals (4 nurses, 5 nursing technicians, 4 physiotherapists and 4 physicians) comprised the sample, only 3 were men. Most agreed that the hospital provides antimicrobial soap (n = 10) and 70% alcohol (n = 14), there search participants were unanimous in pointing out the etiology of hospital origin and that the prevention of NI is closely related to organizational aspects. Conclusion: The professionals interviewed demonstrate that they know the control mechanisms of the HI, however, they emphasize the deficient commitment of the multidisciplinary team for such control.

Keywords: cross infection; health personnel; disease prevention.

 

Introdução

 

Segundo a Portaria nº 2.616 de 12 de maio de 1998 do Ministério da Saúde (MS), Infecção Hospitalar (IH) ou nosocomial é qualquer infecção adquirida após a internação do paciente e que se manifesta durante a internação ou mesmo após a alta, quando relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares [1].

As medidas de prevenção e controle envolvem qualificação da assistência hospitalar, vigilância sanitária e epidemiológica, dentre outras [2]. Dentro deste contexto, a higiene das mãos é o método de prevenção mais importante de IH associada à assistência da saúde, além de proporcionar proteção aos próprios profissionais, atua também na prevenção da contaminação do ambiente hospitalar por ser determinante no risco de infecção cruzada. Além disso, é necessária a frequente revisão dos dispositivos invasivos que podem potencializar o desenvolvimento de IH, como os associados à ventilação mecânica, cateter venoso central e cateter vesical [3].

Os profissionais da saúde vivenciam diferentes práticas profissionais no contexto hospitalar; enquanto uns se apresentam conformados com a existência da IH, outros lutam por uma prática eficaz e segura, que possa transformar essa situação, adotando mudanças comportamentais. Para isso são necessários recursos, materiais de trabalho, treinamento de pessoal, educação em saúde e uma postura preventiva adequada por parte dos profissionais para o controle das infecções hospitalares [4,5].

Mas a problemática da IH não envolve apenas os profissionais envolvidos na assistência à saúde, deve-se observar também a conduta e postura dos acompanhantes e cuidadores externos ao hospital frente ao tema. Por apresentarem contato direto com o paciente, muitas vezes eles podem participar da cadeia de transmissão como portadores assintomáticos, pondo em risco a saúde do paciente [6]. Baseado nisso, este estudo objetivou conhecer a percepção de profissionais de um hospital escola no Sul do país sobre mecanismos de transmissão e contenção das infecções hospitalares.

 

Métodos

 

Trata-se de estudo de caráter descritivo, qualitativo e fenomenológico, realizado no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas/RS (HE-UFPel), onde a coleta de dados ocorreu entre os meses de outubro de 2017 a janeiro de 2018. Os voluntários da amostragem compreenderam médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas que apresentaram contato direto com os pacientes no período da coleta de dados.

Os profissionais incluídos no estudo estavam em atividade nos setores de Clínica Médica do HE-UFPel. Os participantes foram convidados formalmente pelo pesquisador responsável e, após aceite, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) mostrando que concordam em participar da pesquisa. Os dados foram coletados por meio de entrevista com questionário sobre a percepção do seu papel como profissional na prevenção e contenção de IH.

Os profissionais responderam a um questionário contendo 15 questões objetivas e 4 subjetivas sobre aspectos gerais da IH e seu papel na prevenção e controle dessas infecções. As questões objetivas foram baseadas na escala de Likert, e os entrevistados tiveram como opções de respostas: 1) Discordo Totalmente, 2) Discordo, 3) Nem discordo e nem concordo, 4) Concordo e 5) Concordo Totalmente.

A análise dos dados objetivos foi descrita e apresentada em tabelas para melhor observação das respostas, enquanto as respostas subjetivas foram ponderadas através da Análise de Conteúdo descrita por Bardin [7]. A análise dos dados subjetivos visou categorizar as informações oriundas de sentimentos e percepções dos participantes. Dessa forma os resultados foram obtidos em quatro categorias: Definição de IH, Papel do Profissional, Medidas adotadas e dificuldades encontradas. A identidade dos pesquisados foi reconhecida por letras iniciais e números de acordo com a categoria profissional: Med, Enf, Tec e Fisio.

O estudo seguiu as normas da Resolução MS/CNS Nº 466/2012 que regula as pesquisas com seres humanos e o estudo recebeu aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HE-UFPel com o Parecer Nº 2.240.406.

 

Resultados e discussão

 

Descrição dos participantes e respostas objetivas

 

Participaram do estudo 17 profissionais: 4 enfermeiras, 5 técnicas de enfermagem, 4 fisioterapeutas e 4 médicos, destes somente 3 eram homens. A idade média foi de 33 anos, sendo a idade mínima 24 e a máxima 64 anos. A maioria (11 participantes) tinha menos de dois anos de experiência profissional em ambiente hospitalar.

A tabela I, mostra as respostas dos profissionais sobre o controle de IH relacionadas às propostas e condições do hospital.

 

Tabela I - Controle de infecção hospitalar: medidas propostas pela instituição, Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas/RS, 2017

 

IH = infecção hospitalar

 

Ao analisar os dados relacionados às questões apresentadas na Tabela I, percebeu-se que a maioria concordou que o hospital disponibiliza sabão antimicrobiano, (n = 10) e álcool 70% (n = 14). Foi identificada a existência de orientações e fiscalização quanto à assepsia dos procedimentos executados por 09 dos entrevistados.

É consenso na literatura que os gestores de hospitais também tenham interesse no controle das IH. Por isso, é obrigatório que todos contem com as Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), pois se sabe que através das ações de prevenção podem-se evitar gastos adicionais, maiores períodos de internação por agravamento de quadros e dar qualidade no tratamento do paciente evitando-se pioras em seu estado de saúde e piores índices de mortalidade para a instituição [8,9].

A tabela II mostra as respostas dos profissionais sobre seu conhecimento e condutas frente ao controle de IH. Para essas perguntas, também foi usada a mesma escala de concordância (enumerada de 1 a 5).

 

Tabela IIControle de infecção hospitalar: conhecimento e conduta dos profissionais, Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas/RS, 2017

 

IH = infecção hospitalar; *Fisioterapeutas não foram incluídos nessa questão pois não trabalham com perfurocortantes

 

A maioria das questões tratadas acima tiveram como respostas as alternativas: concordo totalmente e concordo. A questão referente à intenção do hospital em informar os profissionais sobre o tema, somente 2 profissionais reconheceram que acompanham os relatórios, e 9 relataram não acompanhar essas publicações. Este último aspecto ressalta a necessidade de despertar o engajamento dos profissionais no acompanhamento das informações da instituição. A reflexão crítica associada ao incentivo para o aperfeiçoamento favorece a mudança comportamental e interação entre a equipe, melhorando a qualidade da assistência como um todo [10].

 

Definição de infecção hospitalar

 

Os participantes da pesquisa foram unânimes ao apontar a etiologia de origem hospitalar, como o próprio nome sugere, porém nem todos citaram a especificação com relação às horas após admissão e alta e, quando apontada, houve uma divergência quanto ao tempo como mostrado nos exemplos abaixo:

 

Tec: “é a infecção adquirida em ambiente hospitalar em até 30 dias após a alta do paciente.”

Med: “Uma infecção que se manifeste em até 72 horas após internação hospitalar”

Med: “Infecção causada por germe hospitalar, após permanência de 48 horas no hospital em até 72 horas após a alta.”

Enf: “Infecção adquirida no ambiente hospitalar durante sua permanência até 30 dias de alta”

 

Isso mostra que há uma divergência com relação à definição, especialmente sobre o tempo, talvez seja por diferentes visões observadas na literatura. Para alguns autores as IH são definidas como adquiridas em ambientes hospitalares cujos sintomas se manifestem após 72h de internação, porém também são encontradas definições que consideram 48 horas, ou dentro de 30 dias após a alta ou até 90 dias após a realização certos procedimentos cirúrgicos [11,12]. Neste sentido, podemos inferir que esse tema ainda precisa ser colocado em questão para melhor definição e compreensão dos profissionais.

 

Papel do profissional na prevenção e controle da IH

 

A partir da definição de IH citada acima, percebemos que se trata de processo infeccioso desencadeado por fatores evitáveis, como, pela lavagem inadequada das mãos, manuseio de materiais e realização de técnicas desrespeitando os princípios de assepsia e falta de controle rigoroso no processamento dos materiais esterilizados, desde a lavagem até armazenamento e distribuição dos mesmos. Os profissionais trouxeram um pouco destas recomendações em suas respostas:

 

Fisio: “Fazer assepsia de mãos, materiais utilizados e uso de equipamento de proteção individual.”

 

Além disso trouxeram sua a importância de serem conscientizadores de boas condutas no ambiente hospitalar na orientação de pacientes e familiares:

 

Fisio: “Evitar a contaminação de pacientes através da utilização de materiais higienizados corretamente, assepsia das mãos, orientações aos pacientes e familiares para auxílio na propagação de infecções.”

 

Uma das enfermeiras entrevistadas trouxe em seu discurso a importância da enfermagem também com a função educativa na temática de prevenção de IH:

 

Enf: “O papel da enfermagem na prevenção é de educação, seja com a equipe de trabalho, pacientes e acompanhantes, orientando, esclarecendo dúvidas, implantando protocolos e ser o exemplo da unidade no que tange ao uso de adornos.”

 

Esse reconhecimento acerca da importância da enfermagem também foi observado no estudo de Moura et al. [13], observaram que a equipe de enfermagem tinha a compreensão sobre seu papel diante da temática de IH, todavia o conhecimento dos profissionais da saúde sobre as ações de prevenção e controle das infecções ainda necessita ser aprimorado.

O ambiente hospitalar é um local onde há um grande fluxo de pessoas e de enfermidades que regem uma diversidade de abordagens tanto terapêutica como as formas de proteção individual. Um dos médicos trouxe a importância da identificação precoce do diagnóstico do paciente. A relevância disso, refere-se à possibilidade de se conduzir a assistência direcionada à fisiopatologia da doença, por exemplo, quando se trata de uma patologia infecciosa de contaminação por aerossóis há cuidados específicos a serem considerados:

 

Med: “Identificação precoce para o início de tratamento e proteção necessários. Uso de EPI, lavagem de mãos, orientar os colegas colaboradores, pacientes e familiares.”

 

Medidas de prevenção e controle da IH adotadas pelos profissionais

 

Os profissionais devem estar atentos às recomendações propostas pela instituição para estabelecer os cuidados de precauções padrão, como uso dos equipamentos de proteção individual, higienização das mãos e manuseio adequado de materiais perfurocortantes. Os profissionais trazem essa consciência:

 

Fisio: “Fazer a higienização das mãos antes e depois dos atendimentos e manejo com os pacientes uso de EPI e cuidados com o manejo de pacientes com isolamento aéreo e de contato.”

Fisio: Lavar as mãos, higienizar os materiais, descartar materiais contaminados corretamente.”

 

Foi reforçada como atitude de controle e prevenção a necessidade de realizar orientações seja direcionada aos acompanhantes e familiares dos pacientes, seja para os profissionais:

 

Tec: “Lavagem das mãos antes e após manuseio de materiais contaminados e procedimentos com pacientes, orientações aos familiares e acompanhantes, não usar adornos.”

Enf: “Usar equipamento de proteção individual adequadamente, fazer a assepsia das mãos antes e após as condutas, estar atento quanto ao risco de ocorrência de infecção cruzada entre os pacientes, observar se a postura da equipe está adequada e orientar quando necessário.”

 

Vários estudos pontuam a educação sobre higienização das mãos, uma das mais relevantes no que se diz respeito à prevenção [6,14,15]. A educação dos profissionais relacionada à utilização de dispositivo somente quando necessário usando técnicas assépticas e a remoção correta dele contribuem também para prevenção de IH. A implementação de um grupo de intervenções baseadas em evidências conhecidas como bundle, apresenta reduções drásticas nas taxas de infecções em comparação com uma intervenção implementada isoladamente [16].

Uma das formas de infecção comuns no ambiente hospitalar é a Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV), resultando em prolongamento do tempo de internação, resistência aos antimicrobianos entre outros agravos [17]. Já é consenso que alguns cuidados podem ser tomados para minimizar a PAV, somente um fisioterapeuta trouxe essa observação, talvez por essa categoria atuar de forma mais próxima ao contexto do suporte ventilatório artificial e a todas às particularidades relacionadas a ele e a interação com o paciente:

 

Fisio: “Lavagem de mãos, uso de EPIs, uso de aventais em pacientes que possuem isolamento de contato, observação dos procedimentos recomendados na aspiração traqueal, elevação da cabeceira, higiene oral, dentre outros.”

 

Esse fisioterapeuta citou algumas das medidas adotadas para prevenção e ocorrência de infecção do trato respiratório. Esses cuidados são bem estabelecidos na literatura e visados na prática clínica, são eles: manter decúbito de 30 a 45°, checar se há refluxo do resíduo gástrico, não compartilhar entre pacientes dispositivos assistenciais respiratórios, realizar troca dos circuitos ventilatórios frequentemente, realizar aspiração em técnica asséptica rigorosa, realizar fisioterapia respiratória, higiene oral e manter o fixador do ventilador mecânico limpo e seco [18].

 

Dificuldades na implementação das medidas de prevenção de IH

 

As medidas de prevenção e controle de IH regem aspectos organizacionais, materiais e estruturais. O conteúdo trazido pelos profissionais refletiu essa configuração, a partir dessa reflexão sobre os empecilhos para se conseguir um ambiente favorável para uma menor ocorrência de IH.

Uma das demandas trazidas pelos profissionais foi a necessidade de capacitação. A fala abaixo tem muita relevância, tendo em vista que as pesquisas apontam que para a redução nos índices de IH é necessário investir em capacitação dos profissionais e demais envolvidos na assistência ao paciente [19,20] cabendo à instituição oferecer educação continuada a sua equipe:

 

Med: “Lembrança constante de sua importância. Medidas de atualização para que todos os funcionários do hospital compreendam a importância de se prevenir de infecções hospitalares.”

 

Para Alves et al. [14], a intervenção educativa proporciona maior conhecimento, atitudes positivas por parte dos profissionais da saúde e índices melhores no cumprimento das medidas gerais de prevenção de IH. Barros et al. [21] reforça que a educação permanente em saúde é um dos instrumentos de transformação dos profissionais, construindo um espaço de reconhecimento e abrindo os caminhos para a melhoria da qualidade das ações e dos serviços de saúde.

O investimento em educação em saúde e estratégias para o gerenciamento e controle de IH trazem repercussões não só para diminuir a morbidade e mortalidade dos pacientes, mas também um impacto econômico significativo, reduzir o tempo de internação e os gastos com cuidados de saúde que requerem os pacientes que são acometidos por alguma infecção [12].

A partir da capacitação, os profissionais tornam-se aptos para compreender os mecanismos etiológicos de surgimento das infecções e adquirem uma maior percepção dos comportamentos de risco, como não seguir os protocolos operacionais padrão estabelecidos, aspecto observado na fala deste fisioterapeuta:

 

Fisio: “...uma das dificuldades é a não padronização dos procedimentos realizados entre os profissionais.”

 

Neste contexto, percebeu-se nas falas como situações geradoras de ambiente de risco para ocorrência de IH: a grande carga de trabalho, demandas emergenciais e deficiência no quantitativo da equipe para o gerenciamento de atividades, engajamento de todos os membros da equipe multiprofissional, aspectos que podem comprometer a execução criteriosa de procedimentos o que é corroborado por alguns autores [22,23] e pode ser identificado na fala da técnica de enfermagem:

 

Tec2: “Excesso de tarefas e atribuições que muitas vezes impedem o procedimento correto.”

 

A disponibilidade de material adequado para o uso foi uma das questões observadas nas falas dos profissionais, esse aspecto afeta tanto a segurança individual do trabalhador como pode ser um fator gerador de maior risco ao paciente:

 

Fisio: “Os aventais disponibilizados para o atendimento de pacientes em isolamento de contato são muitos finos, não protegem adequadamente. Quando os de melhor qualidade são disponibilizados, os profissionais compartilham entre si. Não há oxímetro disponibilizado para esses pacientes, logo temos que usar esse mesmo oxímetro em outro paciente.”

 

Trazendo a contextualização do hospital em questão, durante as entrevistas, inferiu-se que havia uma certa discussão sobre a qualidade do avental usado para precaução de contato, quando havia um de melhor qualidade, este não era descartado a cada procedimento no turno, havendo uma reutilização e consequentemente um aumento potencial do risco de haver contato com microorganismos do ambiente infectado. O compartilhamento de dispositivo entre os pacientes, mesmo com a higienização, também pode aumentar o risco para infecção cruzada [24].

Os problemas estruturais foram outra dificuldade trazida pelos profissionais. Podemos observar essa questão na fala desta enfermeira:

 

Enf: “ Falta de materiais e equipamentos, exemplo: ausência de pias nas enfermarias para os próprios pacientes/acompanhantes realizarem higiene, disponibilidade de álcool gel na unidade toda (corredor, quartos, posto de enfermagem), papel toalha de péssima qualidade, além do suporte que não funciona tendo assim que deixar o papel toalha sobre o balcão.”

 

A entrevistada acima faz a observação sobre a inexistência de pia na enfermaria, fato que dificulta a higienização dos pacientes e acompanhantes. Normalmente, há a presença de resíduos biológicos infectantes nesses ambientes, pois muitos pacientes portam dispositivos invasivos e realizam exames laboratoriais no seu próprio leito. Na enfermaria em questão não há banheiro no quarto, o disponibilizado é coletivo, sendo este utilizado por pacientes e acompanhantes. Essa foi uma problemática trazida pelos profissionais:

 

Tec: “A falta de reposição de álcool gel nos recipientes, pacientes em isolamento na mesma enfermaria que os demais pacientes, compartilhamento de banheiros."

Med: “Não há disponibilidade de álcool gel nos leitos, bem como há pouco controle de cuidados em pacientes com isolamento nos banheiros e quartos.”

Tec: “Pacientes em isolamento em quarto coletivo.”

Med: “Falta de material e estrutura física e conscientização de profissionais, pacientes e familiares.

Enf: ”Há poucos quartos disponíveis para isolamento.”

 

O enfermeiro pode ser considerado um elo entre os profissionais, ele tem uma importante participação nesse processo de prevenção da IH, pois gerencia sua equipe e tende a coordenar as rotinas assistenciais. Um grande fato que consolida sua relevância se refere à constituição da CCIH, o enfermeiro precisa estar integrado a ela [25]. Entretanto, o perfil seguido pelo hospital, as condutas, as informações presentes nos relatórios não devem ser atribuídas apenas à equipe de enfermagem, todos participam desse processo e se faz necessário comprometimento e envolvimento de todas as partes. O comprometimento dos profissionais foi uma das dificuldades apontadas por este fisioterapeuta:

 

Fisio: “A adesão dos profissionais é algo que afeta o controle de infecção hospitalar. Alguns têm comprometimento, outros não, precisa haver mais conscientização.”

 

O ambiente hospitalar tem uma atuação multidisciplinar, apesar disso ainda há comportamentos hierárquicos de relação de poder instalados de forma inadequada, principalmente associados à categoria profissional médica. O contexto trazido para este tema se refere àqueles profissionais que realizam condutas inadequadas e não são receptivos à correção, ou possuem resistência para a não adesão dos protocolos de prevenção de IH [26]. Essa temática foi trazida por uma enfermeira, além de relatar dificuldade também na orientação dos acompanhantes:

 

Enf: “Há dificuldade de comunicação com a equipe médica, muitos não seguem as orientações, não seguem os protocolos, usam adornos… São orientados, porém continuam com o mesmo comportamento. Também é difícil orientar os acompanhantes, pois repetem os erros quando não estão sendo fiscalizados e mudam as pessoas constantemente."

 

O foco central deste artigo foi no profissional, mas o sucesso das ações de prevenção e controle de infecção também contempla o envolvimento de todos pacientes e familiares [6]. Neste sentido é importante estabelecer uma boa comunicação entre todos aqueles que transitam no ambiente hospitalar.

 

Conclusão

 

A necessidade de tratarmos deste tema refere-se à evidência de que a maioria das infecções nosocomiais são evitáveis através da implementação de estratégias de monitoramento e prevenção. Os resultados encontrados em um estudo como o nosso podem mapear problemas encontrados no cotidiano que interferem na eficácia do controle e prevenção de IH.

Os profissionais entrevistados demonstram conhecer os mecanismos de controle das IH, apesar de mostrar algumas dificuldades como o comprometimento da equipe multiprofissional como um todo, acompanhamento das discussões sobre o assunto na instituição. Em comparação a estudos realizados em outras instituições, apontados em nossas discussões, são dificuldades comuns que sugerem a necessidade de destaque a esse assunto pelos gestores e comissões de controle de infecção hospitalar.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não recebeu financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Silva LN, Oliveira SB, Silva JCA, Ribeiro MDA; Coleta de dados: Silva LN; Análise e interpretação dos dados: Silva LN, Mariano AV; Análise estatística: Silva LN; Mariano AV; Redação do manuscrito: Silva LN, Oliveira SB, Silva JCA, Mariano AV, Ribeiro MDA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva LN, Oliveira SB, Silva JCA, Mariano AV, Ribeiro MDA

 

Referências

 

  1. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 2.616; 12 de maio de 1998 [Internet]. [cited 2021 May 5]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt2616_12_05_1998.html
  2. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA intensifica controle de infecção em serviços de saúde. Informes técnicos institucionais. Rev Saúde Pública 2004;38:475-8. doi: 10.1590/S0034-89102004000300022 [Crossref]
  3. WHO. Collaborating Center for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2013 [Internet]. Oslo: World Health Organization; 2012. [cited 2021 May 5]. Available from: https://www.whocc.no/filearchive/publications/1_2013guidelines.pdf
  4. Nascimento DO, Santos LA. Infecção relacionada à saúde: percepção dos profissionais de saúde sobre seu controle. Revista Interdisciplinar [Internet]. 2016 [cited 2021 May 5];9(2):127-35. Available from: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/929/pdf_318
  5. Santos KNSC, Mello MCVA, Piexak DR, Martins KP. Estratégias de enfermeiros gerentes para prevenção e controle de infecções hospitalares relacionadas à saúde. Research, Society and Development 2020;9(7):1-15. doi: 10.33448/rsd-v9i7.3897 [Crossref]
  6. Silva VHR, Cardoso AM. A importância da higienização das mãos dos acompanhantes de pacientes. RESAP Rev Cient Esc Estadual Saúde Pública Goiás "Cândido Santiago" [Internet]. 2021 [cited 2022 June 23];7:e7000039. Available from: https://www.revista.esap.go.gov.br/index.php/resap/article/view/283/178
  7. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2009.
  8. Cunha EB, Cohen JVFB. Aspectos relevantes da prevenção e controle de infecções hospitalares. Saber Científico 2017;6(2):64-77. doi: 10.22614/resc-v6-n2-666 [Crossref]
  9. Leal MA, Freitas-Vilela. Custos das infecções relacionadas a assistências em saúde em uma unidade de terapia intensiva. Rev Bras Enferm 2021;74(1):e20200275. doi: 10.1590/0034-7167-2020-0275 [Crossref]
  10. Porto MAOP, Sanchez MCO, Xavier ML, Chrizostimo MM, Brandão ES, Lima MVR. Educação permanente em saúde: estratégias de prevenção e controle de infecção hospitalar. Nursing [Internet]. 2019 [cited 2022 June 23]; 22(258):3363-70. Available from: http://www.revistanursing.com.br/revistas/258/pg92.pdf
  11. Li Y, Gong Z, Lu Y, Hu G, Cai R, Chen Z. Impact of nosocomial infections surveillance on nosocomial infection rates: a systematic review. Int J Surg 2017;42:164-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.04.065
  12. Liu JY, Dickter JK. Nosocomial infections: a history of hospital-acquired infections. Gatrointestinal Endoscopy Clinics of North America 2020;30(4):637-52. doi: 10.1016/j.giec.2020.06.001 [Crossref]
  13. Moura MEB, Ramos MN, Sousa CMM, Silva AO, Alves MSCF. Infecção hospitalar no olhar de enfermeiros portugueses: representações sociais. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2008[cited 2022 June 24];17(4):743-9. Available from: https://www.scielo.br/j/tce/a/tFbjXxfNBNKvGbfJBQXhJps/?format=pdf&lang=pt
  14. Alves MM, Silveira AS, Silva JS, Sadoyama G. Impacto de programa educacional em práticas interdisciplinares na higienização das mãos (HM) por profissionais de UTI. Revista EDAPECI 2018;18(3):61-70. doi: 10.29276/redapeci.2018.18.310107.61-70 [Crossref]
  15. Portela DA, Mouta AAN, Alves ARR, Almeida FCR, Silva ACB, Lopes PF, et al. A importância da higienização das mãos nas unidades de terapia intensiva: os perigos das infecções relacionadas à assistência à saúde. Revista Eletrônica Acervo Saúde 2020;12(9):e3854. doi: 10.25248/reas.e3854.2020 [Crossref]
  16. Vicent HSU. Prevention of healthcare – associated infections. American Family Physician [Internet]. 2014 [cited 2022 June 24];15(90):377-82. Available from: https://www.aafp.org/afp/2014/0915/afp20140915p377.pdf
  17. Cavalcante ABL, Vendrusculo JP, Tavares LC, Valente OS, Lima EKV, Silva RR, et al. Pneumonia associada à ventilação mecânica: consequências e mortalidade em uma unidade de terapia intensiva. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 2019; 44: e2385. doi: 10.25248/reas.e2385.2020 [Crossref]
  18. Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica 2013. I Fórum de Diretrizes em Ventilação Mecânica da Associação Brasileira de Terapia Intensiva e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; 2013.
  19. Oliveira AC, Pinto SA. Participação do paciente na higienização das mãos entre profissionais de saúde. Rev Bras Enferm 2018;71(2):259-64. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0124 [Crossref]
  20. Michelin AF, Fonseca MRCC. Perfil epidemiológico das infecções hospitalares na unidade de terapia intensiva de um hospital terciário. Nursing [Internet]. 2018 [cited 2022 Jul 5];21(236):2037-41. Available from: http://www.revistanursing.com.br/revistas/236-Janeiro2018/perfil_epidemiologico_das_infeccoes_hospitalares.pdf
  21. Barros SDOL, Queiroz JC, Melo RM. Cuidando e humanizando: entraves que dificultam esta prática. Rev Enferm UERJ [Internet] 2010 [cited 2022 July 5];18(4):598-603. Available from: https://livrozilla.com/doc/922930/cuidando-e-humanizando
  22. Reis GAX, Oliveira JLC, Ferreira AMD, Vituri DW, Marcon SS, Matsuda LM. Dificuldades para implantar estratégias de segurança do paciente: perspectivas de enfermeiros gestores. Rev Gaúcha Enferm 2019;40(Esp):e20180366. doi: 10.1590/1983-1447.2019.20180366 [Crossref]
  23. Bordignon RP, Schuh LX, Cremonese L, Marenhque CC, Fagundes PT, Barreto CN. Saberes e práticas de enfermeiros intensivistas no controle da infecção hospitalar. Research, Society and Development 2020;9(7):e327974094. doi: 10.33448/rsd-v9i7.4094 [Crossref]
  24. Neves RPS, Santo FHE. Dispositivos de monitorização não invasivos como veículos de infecção cruzada: revisão integrativa. Enferm Foco [Internet]. 2018 [cited 2022 July 5];9(3):19-24. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/1147/455
  25. Barros MMA, Pereira ED, Cardoso FN, Silva RA. O enfermeiro na prevenção e controle de infecção relacionadas à assistência à saúde. Universitas: Ciências da Saúde 2016;14(1):15-21. doi: 10.5102/ucs.v14i1.3411 [Crossref]
  26. Almeida WB, Machado NCB, Rodrigues AP, Alves IA, Fontana RT, Monteiro RFF, et al. Infecção hospitalar: controle e disseminação nas mãos dos profissionais de saúde de uma unidade de terapia intensiva. Revista Eletrônica Acervo Saúde 2019; 11(2): e130. doi: 10.25248/reas.e130.2019 [Crossref]